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APOSTILA: FUNDAMENTOS EM BIOTECNOLOGIA

Editores:

Dra. Claudete Santa-Catarina


Professora Associada – LBCT/CBB/UENF

Dr. Vanildo Silveira


Professor Associado LBT/CBB/UENF

Dr. Álvaro Fabrício Lopes Rios


Professor Associado LBT/CBB/UENF

Dra. Marília Amorim Berbert de Molina


Professora Associada LBT/CBB/UENF

Aline Martins de Vita


Biológa – CBB/UENF

Vanessa de Souza Rodrigues


Graduanda Ciências Biológicas – CBB/UENF

Equipe do projeto Extensão:


M.Sc. Tatiana Barroso Chiquieri
Doutoranda em Biociências e Biotecnologia – CBB/UENF

Nayara Justo Nogueira


Graduanda Licenciatura em Ciências Biológicas – CEDERJ/UENF

Telma Ferreira Costa Aguiar


Técnica em Química - LBT/CBB/UENF

Apoio:
UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense
PROEX - Pró-Reitoria de Exensão - UENF
FAPERJ - (Auxílio ao Projeto Extensão - Processo E-26/111.109/2010)

Arte:
ASCOM - UENF

Primeira Edição: Setembro/2011

Campos dos Goytacazes – RJ


2011
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 1

CAPÍTULO 1 - BIOTECNOLOGIA VEGETAL .................................................. 9

1. CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS ............................................................................................11

2. PARÂMETROS ESSENCIAIS PARA A MANIPULAÇÃO DAS CULTURAS DE TECIDOS


VEGETAIS.........................................................................................................................................14
2.1. Explantes ................................................................................................................................14
2.2. Assepsia ..................................................................................................................................15
2.3. Condições de incubação .........................................................................................................16
2.4. Meio de cultura ........................................................................................................................16
2.4.1. Meio de cultura semi-sólido...............................................................................................17
2.4.2. Meio de cultura líquido ......................................................................................................18

3. FATORES QUE INFLUENCIAM NO ESTABELECIMENTO DA CULTURA .................................19


3.1. Oxidação fenólica ....................................................................................................................19
3.2. Densidade mínima de inoculação ............................................................................................19

4. MICROPROPAGAÇÃO .................................................................................................................20
4.1. Estágios da micropropagação .................................................................................................20
4.2. Vantagens da micropropagação ..............................................................................................22
4.3. Desvantagens da micropropagação ........................................................................................22

5. PRINCIPAIS METODOLOGIAS DA MICROPROPAGAÇÃO ........................................................22


5.1. Organogênese direta ...............................................................................................................22
5.1.1 Estágios da organogênese direta .......................................................................................23
Figura 3. Estágios da organogênese direta a partir de meristemas ou segmentos nodais.
(Modificada de George, 2008) .................................................................................................23
5.2. Organogênese indireta ............................................................................................................23
5.2.1. Estágios da organogênese indireta ...................................................................................24

6. EMBRIOGÊNESE SOMÁTICA ......................................................................................................24


6.1. Estágios da embriogênese somática .......................................................................................25
6.2. Vantagens da embriogênese somática ....................................................................................28
iii
6.3. Limitações/Desvantagens da embriogênese somática ............................................................28

7. APLICAÇÕES DAS TÉCNICAS DE MICROPROPAGAÇÃO ........................................................29


7.1. Produção de sementes sintéticas ............................................................................................29
7.2. Conservação de germoplasma ................................................................................................29
7.3. Produção de metabólitos secundários .....................................................................................30
7.4. Micropropagação de espécies de interesse .............................................................................31

8. TRANSGÊNESE EM PLANTAS ....................................................................................................32


8.1. Princípios da Transformação Gênica .......................................................................................34
8.2. Transformação por Agrobacterium tumefaciens ......................................................................36
8.3. Eletroporação de protoplastos .................................................................................................36
8.4. Biobalística ..............................................................................................................................37
8.5. Dificuldades na Transformação Gênica em Plantas ................................................................37
8.6. Potencial da transformação gênica ..........................................................................................38
8.6.1. Adição de novas ou diferentes funções .............................................................................38
8.6.2. Adição de novas características ........................................................................................39
8.6.3. Biorremediação .................................................................................................................39
8.6.4. Fármacos ..........................................................................................................................39
8.6.5. Alteração no desenvolvimento ou morfologia do indivíduo ................................................39

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................39

CAPÍTULO 2 - BIOTECNOLOGIA ANIMAL ................................................... 41

1. ESTRUTURA DOS GENES ...........................................................................................................41

2. AS PRINCIPAIS TÉCNICAS DA ENGENHARIA GENÉTICA .......................................................43


2.1. Clonagem do gene ..................................................................................................................43
2.2. Sequenciamento do DNA ........................................................................................................44
2.3. Amplificação gênica in vitro .....................................................................................................44
2.4. Construção gênica...................................................................................................................44
2.5. Transferência do gene .............................................................................................................45

3. TÉCNICAS PARA TRANSFERÊNCIA NUCLEAR (CLONAGEM) E TRANSGÊNESE .................46


3.1. Clonagem ................................................................................................................................46
3.1.1. As principais etapas da diferenciação ...............................................................................46
3.1.2. Clonagem por transferência nuclear .................................................................................47
3.2. Transgênese ...........................................................................................................................49

iv
3.2.1. Os objetivos e o conceito de transgênese animal .............................................................49
3.2.2. Transferência do gene nos gametas .................................................................................50
3.2.2.1. Transferência do gene no esperma ............................................................................50

4. APLICAÇÕES DA TRANSGÊNESE .............................................................................................51


4.1. Estudos básicos ......................................................................................................................51
4.2. Estudo de doenças humanas ..................................................................................................51
4.3. Produção farmacêutica ............................................................................................................52

5. GENES CANDIDATOS QUE PODEM MELHORAR A PRODUÇÃO ANIMAL ..............................53

6. APLICAÇÕES DA CLONAGEM ....................................................................................................54


6.1. Estudos básicos ......................................................................................................................54
6.2. Reprodução animal .................................................................................................................55
6.3. Reprodução humana ...............................................................................................................56
6.4. Clonagem terapêutica .............................................................................................................56
6.5. Transplante .............................................................................................................................57

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................58

CAPÍTULO 3 - BIOTECNOLOGIA INDUSTRIAL ............................................ 60

1. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................60

2. PROCESSOS FERMENTATIVOS .................................................................................................62


Fermentação - Produção de energia por reações de oxirredução envolvendo substâncias
orgânicas. Ex.: produção de ácido lático por bactérias láticas (Ex.: Lactobacillus plantarum), de
acetona-butanol (Clostridium acetobutylicum) ou etanol (Saccharomyces cerevisiae). ..................63

3. PRODUTOS DA BIOTECNOLOGIA INDUSTRIAL: APLICAÇÕES E BENEFÍCIOS ....................64


3.1. Metabólitos primários e secundários e suas aplicações...........................................................65
3.1.1. Metabólitos primários ........................................................................................................65
3.1.1.1. Aminoácidos ...............................................................................................................65
3.1.1.2. Vitaminas....................................................................................................................65
3.1.1.3. Nucleotídeos ..............................................................................................................65
3.1.1.4. Ácidos Orgânicos .......................................................................................................66
3.1.1.5. Etanol .........................................................................................................................67
3.1.1.6. Enzimas......................................................................................................................67
3.1.2. Metabólitos secundários ...................................................................................................68

v
3.1.2.1. Antibióticos .................................................................................................................68
3.1.2.2. Agentes antitumorais ..................................................................................................69
3.1.2.3. Agentes redutores de colesterol .................................................................................69
3.1.2.4. Agentes usados no transplante de órgãos ..................................................................69
3.1.2.5. Agentes antiparasitários .............................................................................................69
3.1.2.6. Bioinseticidas .............................................................................................................70
3.1.3. Produtos alimentícios e bebidas........................................................................................70
3.1.3.1. Biomassa microbiana .................................................................................................70
3.1.3.2. Queijos e leites fermentados ......................................................................................71
3.1.3.3. Vegetais fermentados .................................................................................................71
3.1.3.4. Bebidas alcoólicas ......................................................................................................71
3.1.4. Produtos voltados para o Meio Ambiente ..........................................................................71
3.1.4.1. Produção de compostos químicos a partir de matérias-primas renováveis .................71
3.1.4.2. Geração de energia: biocombustíveis .........................................................................72
3.1.4.3. Produção de inoculantes agrícolas .............................................................................72
3.1.4.4. Produção de biopolímeros: plásticos biodegradáveis .................................................73
3.1.5. Produtos obtidos por bioconversões microbianas .............................................................73
3.1.6. Produtos da Biotecnologia Industrial Moderna ..................................................................73
3.1.6.1. Biofármacos ...............................................................................................................73

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................77

GLOSSÁRIO DE BIOTECNOLOGIA .............................................................. 78

vi
Introdução

INTRODUÇÃO

O homem utiliza a biotecnologia há muito tempo, desde que fez o primeiro pão, produziu a
primeira taça de vinho e selecionou os melhores grãos de milho para o replantio da nova safra. Na
atualidade, o pão e cerveja são os componentes mais abundantes na dieta, tanto social e em rituais.
No século da biotecnologia, convive-se com biotecnologias tradicionais (as antigas
biotécnicas) e modernas (engenharia genética, genômica, proteômica e clonagem – manipulação
biológica do DNA). É correto afirmar que incluindo a manipulação genética, a biotecnologia é tão
antiga quanto a história da humanidade, no entanto a manipulação possibilitada por técnicas de
engenharia genética data de 1971, com a manipulação do DNA/engenharia genética – técnicas que
permitem manipular o gene (pedaço ou unidade funcional do gene).
O anúncio, em 2001, da finalização de uma primeira versão de todo o genoma humano foi
saudado pela mídia com uma série de especulações sobre o significado desta informação, que iam
desde a vitória sobre o câncer até bebês fabricados geneticamente sob eliminação da obesidade e
juventude eterna. É claro que, para alcançar essas metas, é necessário muito mais do que apenas o
conhecimento do genoma humano.
Ao longo das últimas décadas houve uma intensa expansão da biotecnologia, em ambos,
aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de processos tecnológicos e na sua aplicação nas
diferentes áreas (Tabela 1). Atualmente, destacam-se várias áreas dentro da biotecnologia, as quais
são frequentemente complementares:
- A biotecnologia voltada para a agropecuária e de produção de alimentos com estudos de
novos produtos alimentares, de aplicação de microrganismos geneticamente modificados, animais e
plantas transgênicos, bem como melhoria da qualidade de vegetais e animais relevantes para a
indústria. Essa área liga-se também à biotecnologia da preservação e melhoria ambiental e o estudo
da biodegradação de poluentes gasosos, líquidos e sólidos do solo. A biotecnologia que utiliza
biologia molecular, como a química combinatorial de biomoléculas, os processos de
biotransformação e aplicação de biocatalisadores, a tecnologia de ácidos nucléicos, a engenharia de
proteínas, a aplicação de moléculas menores em controles de metabolismo e em farmacologia. Suas
aplicações são essencialmente dirigidas para a área de obtenção de produtos industriais de alto valor
agregado. Na área de saúde, incluem-se nessa vertente a construção e produção de moléculas
recombinantes de ácidos nucléicos e de proteínas, usadas em vacinação humana e animal e em
terapia molecular na medicina, e de moléculas estruturais usadas em engenharia tecidual.
- A biotecnologia voltada para a biologia celular aplicada à medicina e saúde refere-se à
genômica, com extensão para a terapia gênica, o diagnóstico, o prognóstico, o tratamento e a
prevenção de doenças e de modulação de defeitos metabólicos. Uma área emergente da
biotecnologia médica é a engenharia de tecidos e órgãos, associada com a biologia estrutural e a

1
Introdução

biomimética. Essa área é profundamente ancorada em conhecimentos da biologia dos sistemas


supramoleculares, da biologia celular e tecidual, da biologia do desenvolvimento e da forma, bem
como dos sistemas integradores dos organismos superiores.
No século XXI, o DNA, que até algumas décadas atrás só poderia ser visualizado com uma
mente imaginativa, agora não só pode ser visto e fotografado, mas também manipulado de forma
precisa e planejada. Muitas questões que existiam na mente dos biólogos até algumas décadas atrás
deram espaço para questões mais aplicadas, e a biotecnologia deixou de ser apenas uma ciência
básica e passou a ser um empreendimento altamente promissor. Em 2000, a biotecnologia
movimentou mais de US$ 200 bilhões, apenas nos EUA. Oportunidades de emprego e de
investimento estão se materializando à medida que a biotecnologia coloca no mercado novos
produtos: medicamentos, variedades etc. e serviços: terapias, testes genéticos etc.
No Brasil, a biotecnologia representa hoje a base produtiva de diversos setores da economia,
os quais representam parte considerável do PIB e das exportações. O processo de ajuste estrutural
da economia brasileira tem influenciado na demanda por inovações tecnológicas nos principais
setores usuários de biotecnologias do país.
O termo Biotecnologia foi primeiramente definido por Karl Ereky no final da Segunda Guerra
Mundial, referindo-se a métodos intensivos de agricultura. Desde então, várias definições foram
sugeridas, associando a Biotecnologia, principalmente, ao uso de microrganismos na fabricação de
produtos de valor comercial. A Biotecnologia é formada por vocábulos de origem grega: "bio"
significa vida; "logos" significa conhecimento e "tecnos" designa a utilização prática da Ciência.
Trazendo para os dias atuais, a "bio" refere-se ao uso de processos biológicos e "tecnologia"
refere-se à fabricação de produtos e processos úteis e ao desenvolvimento de técnicas que levam à
solução de problemas, baseando-se em conhecimento científico.
A BIOTECNOLOGIA teve várias definições ao longo dos anos. Estas definições podem ser
simples às mais complexas. Dentre as definições mais simplificadas, podemos citar:
- "A utilização dos organismos vivos ou de seus constituintes nos processos industriais", definida por
OTA (Office of Technology Assessment – EUA, 1981);
- “A utilização dos sistemas celulares para obtenção de produtos ou desenvolvimento de processos
industriais", pelo CNPq (Programa Nacional de Biotecnologia – Brasil, 1981);
- “A aplicação de princípios científicos e técnicos à transformação de certas matérias por agentes
biológicos para produzir bens e serviços” (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, 1994);
- “O emprego de organismos vivos na geração de produtos benéficos para a espécie humana. É a
aplicação de seres biológicos em processos técnicos e industriais” (U.S. Environmental Protection
Agency, 1995);
- ”Um conjunto de técnicas biológicas, desenvolvidos a partir de pesquisas básicas, aplicadas à
pesquisa e ao desenvolvimento de produtos” (National Cancer Institute, NIH, USA, 2007).

2
Introdução

Dentre as definições mais completas, citamos:


- "A Biotecnologia trata da utilização das atividades biológicas no âmbito dos processos técnicos e da
produção industrial. Ela consiste em colocar em prática a Microbiologia e a Bioquímica em ligação
com a Química Industrial e a Engenharia de Processos" (Biotecnologie, Dechema, RFA, 1976);
- "A Biotecnologia compreende um vasto conjunto de técnicas que usam seres vivos, ou parte deles,
para produzir ou modificar produtos, aumentar o crescimento de plantas e animais ou, ainda,
desenvolver microrganismos para usos específicos" (Curso de Pós-Graduação em Biotecnologia da
UFSC (1995);
- “A Biotecnologia é a aplicação controlada e intencional de agentes biológicos simples - células vivas
ou mortas ou componentes celulares - em operações tecnicamente úteis, tanto em processos
produtivos quanto em serviços” (Bu'Lock & Christiansen, 1987);
- "A Biotecnologia, de uma forma abrangente, inclui qualquer técnica que utiliza organismos vivos (ou
parte deles) para obter ou modificar produtos, melhorar plantas ou animais, ou desenvolver
microrganismos para usos específicos" (OTA, Office of Technology Assessment, EUA, 1984);
- “É o estudo ou a manipulação de um ou mais componentes básicos de organismos vivos: tecidos,
células, proteínas, genes ou DNA. Pode incluir a identificação e caracterização de genes, a
engenharia genética e o cultivo de células” (PCE – Parliamentary Commissioner for the Environment,
New Zeland, 2008);
- “É a ciência que usa organismos vivos ou seus componentes para produzir bens e serviços.
Envolve a manipulação e modificação de organismos, freqüentemente em nível molecular, para criar
novas e práticas aplicações para a agricultura, medicina e indústria”
(www.smartstate.qld.gov.au/strategy/strategy05_15/glossary.shtm, 2008);
- “É a aplicação da ciência e da engenharia para o uso direto ou indireto de organismos vivos, ou
parte deles ou seus produtos, na sua forma natural ou modificada” (www.cambridge.gov.uk/ccm/cms-
service/download/asset/, 2008);
Nestas definições, que englobam textos da década de 70 até os dias atuais, vemos que o
significado do termo Biotecnologia, feito de maneira mais ampla, envolve diferentes aspectos desta
ciência, podendo ser destacados os seguintes fatores:
• O “sistema biológico” inclui não somente seres vivos e integrais, mas também parte deles ou
seus produtos;
• O “sistema biológico” compreende tanto organismos naturais quanto modificados;
• A manipulação dos sistemas biológicos é feita de maneira deliberada e controlada;
• A Biotecnologia inclui o conhecimento de várias disciplinas científicas;
• A Biotecnologia tem como objetivo final a geração de produtos úteis à espécie humana.

3
Introdução

Ou seja, para qualquer definição de Biotecnologia todos estes aspectos devem ser levados
em conta. Adicionalmente, a biotecnologia tem um caráter multidisciplinar, a qual tem por base vários
ramos do conhecimento, que podem ser divididos em 2 grupos:
FUNDAMENTAIS: o qual inclui a bioquímica, fisiologia, genética, microbiologia, biologia
molecular, virologia, botânica, zoologia, ecologia, matemática, física, entre outras.
ENGENHARIAS: principalmente a atuação da Engenharia Química.
Desta forma, a Biotecnologia apóia-se em várias disciplinas científicas - principalmente a
biologia molecular e celular, bioquímica, genética, microbiologia, imunologia, química, engenharia
industrial e informática. Seu campo é tão vasto que seria mais correto falar em “biotecnologias”, no
plural. Simples ou sofisticadas, baratas ou caras, elas abrangem processos tão antigos como a
fermentação a técnicas tão avançadas como a engenharia genética, que permite transferir certos
caracteres genéticos de um a outro organismo e assim criar vegetais, animais transgênicos e
microrganismos com as características desejadas.
De uma forma mais abrangente e na tentativa de englobar diferentes áreas do conhecimento
sobre o que é a biotecnologia pode-se definir este termo como “conjunto de técnicas e métodos
industriais que viabilizam a obtenção de BENS E SERVIÇOS de interesse para o ser humano, tendo
como agentes de transformação, de uma forma integral ou parcial, células animais e vegetais,
microrganismos e vírus” (OTA, Office of Technology Assessment, 1984; Pós-graduação em
Biotecnologia - UFSC, 1995).
Como BENS E SERVIÇOS, podemos citar:
a) Produtos – Temos vários produtos no nosso cotidiano que são oriundos tanto da
Biotecnologia clássica quanto da moderna. Pela Biotecnologia clássica temos vários alimentos,
bebidas fermentadas e fermento-destiladas, fármacos, enzimas para aplicações diversas,
combustíveis, ácidos orgânicos e outros químicos, pão, queijos, iogurte, chucrute, cogumelos,
biomassa microbiana, vinagre, vinho, cerveja, ácidos orgânicos (acético, cítrico, lático, etc), álcool
etílico, glicerol, n-butanol, aminoácidos (lisina, ácido glutâmico), vitaminas (C, B12, riboflavina),
antibióticos (penicilina, cefalosporina), metano, polissacarídeos (dextrana, xantana, alginatos),
vacinas bacterianas e virais (tuberculose, poliomielite, rubéola), enzimas (proteases, lipase, lactase,
lacase, pectinase, amiloglicosidase, glicose isomerase, inulinases), bioinseticidas, etc.
Pela Biotecnologia moderna incluem-se as novas tecnologias, geradas a partir de organismos
geneticamente modificados ou transgênicos. Pode-se citar a insulina e hormônio de crescimento
humano produzidos pela bactéria Escherichia coli geneticamente modificada; proteínas terapêuticas
(usadas na produção de fármacos) obtidas a partir do leite de animais (ovinos, bovinos e caprinos)
modificados geneticamente pela inserção, em seu genoma, de genes humanos que codificam estas
proteínas; plantas agronomicamente importantes (milho, soja, arroz, etc) alteradas geneticamente
pela inserção de genes de resistência a herbicidas e insetos, dentre outros.

4
Introdução

b) Processos – Como processos oriundos da biotecnologia destaca-se a biorremediação,


controle biológico, biolixiviação de metais, tratamento biológico de efluentes, entre outros.
c) Serviços – Dentre os serviços oriundos da Biotecnologia pode-se citar Kits para
diagnóstico de doenças, testes de DNA (determinação de paternidade, investigações forenses,
diagnóstico de doenças genéticas), kits enzimáticos para determinações analíticas (dosagem de
açúcares em líquidos biológicos, determinação de proteínas, etc), dentre outros.
Todas estas definições mostram, nitidamente, que a Biotecnologia tem por base vários ramos do
conhecimento. A biotecnologia animal, por exemplo, envolve as técnicas já estabelecidas para a
reprodução animal, como a inseminação artificial, incluindo os principais avanços em fisiologia
reprodutiva, desenvolvidos nas décadas recentes, tais como a fertilização in vitro e a transferência de
embriões. Além destes, a biotecnologia animal também inclui progressos relativamente recentes que
empregam a modificação genética, ou seja, a manipulação direta da composição genética de um
animal (transgênese animal) e a clonagem por transferência nuclear, tecnologia na qual o núcleo
integral de uma célula e os genes que ele carrega são transferidos para células receptoras
especialmente preparadas, cujos próprios cromossomos foram previamente removidos.
A biotecnologia vegetal está associada à vários setores, incluindo a cultura in vitro (ou cultura
de tecidos) de plantas e transformação genética, com reflexos sobre a agricultura, a indústria
alimentar, e o meio ambiente. Destaca-se a micropropagação de plantas de interesse econômico-
social e/ou ameaçadas de extinção, e a produção de plantas transgênicas com adaptações para
diferentes condições de estresse, resistência ao ataque de patógenos, plantas com níveis mais
reduzidos de compostos alergénicos ou tóxicos, ou com melhores qualidades para armazenamento
ou processamento, ou ainda melhores qualidades nutricionais, são alguns dos numerosos exemplos
de aplicações da biotecnologia vegetal.
A biotecnologia industrial é o ramo da Biotecnologia voltado para a produção industrial. No
seu sentido mais amplo, consiste no uso de microrganismos em processos fermentativos visando
à produção de uma grande variedade de compostos com aplicação em diversos setores da
economia. Compreende uma alternativa promissora e vantajosa às rotas químicas de obtenção de
produtos-chave para a saúde humana e animal, agricultura e meio-ambiente, sendo também
fundamental na produção industrial de diversos tipos de alimentos e bebidas.

Tabela 1. Quadro mostrando a evolução da biotecnologia desde a antiguidade até a presente data.
Período Descobertas e Avanços
Primeiros agricultores no Oriente Médio, Ásia e Américas iniciam o processo de
10.000 – 8.000 a.C.
domesticação das espécies vegetais.
4.000 a.C. Indícios mais antigos do uso da fermentação para produção de pão e cerveja.
Louis Pasteur iniciou os estudos sobre o papel dos microrganismos na fermentação
1857-65
e o processo de esterilização, hoje conhecido como “pasteurização”.
Charles Darwin publica o livro “Origem das espécies”, no qual dedica um capítulo ao
1859
estudo dos processos de seleção artificial em animais domésticos.
O monge austríaco Gregor Mendel publica seus trabalhos sobre hereditariedade,
1866
descrevendo como as características são passadas de uma geração a outra.

5
Introdução

Moritz Traube propõe que fermentação e outras reações químicas são catalisadas
1877
por substâncias tipo proteínas, que não são modificadas na reação.
A mosca da fruta, Drosofila melanogaster, foi usada nos primeiros estudos de genes
1900
1906: surge o termo “genética”.
1906
Primeiro híbrido de milho é produzido por George H. Shull, no Instituto Carnegie,
1908
EUA.
Necessidade de glicerol para produzir munição (explosivos); óleos vegetais não
1914-19
podiam ser importados. Bioquímicos e engenheiros alemães adaptaram processo
fermentativo com leveduras para converter açúcar em glicerol (> 100 ton/mês)
1919 O termo Biotecnologia foi cunhado pelo húngaro Karl Ereky.
1920 Descoberta da Penicilina - Penicillium notatum
1940 Descoberta das propriedades antibacterianas e produção em escala durante 2ª
Guerra Mundial, desenvolvimento de biorreatores.
1944 Descoberto que DNA é a estrutura responsável pela transmissão das informações
genéticas
Watson e Crick descrevem a hélice dupla do DNA, elucidando a estrutura
1953
tridimensional dessa molécula. Demonstraram mecanismo para a cópia do material
genético responsável pela perpetuação das espécies. Explosão de pesquisas em
biologia molecular, com rápido avanço das “técnicas de DNA recombinante”
(engenharia genética).
Francis Crick e George Gamov elaboraram o “dogma central” sobre como funciona o
1957
DNA para produzir proteínas. Matthew Meselson e Frank Sthal demonstraram
mecanismo de replicação do DNA.
Após décadas de trabalho, Norman E. Borlaug desenvolve o trigo semi-anão
1960
iniciando a Revolução Verde, que salva milhões de pessoas de morte por fome.
Marshall Nieremberg e Gobind Korana decifram o código genético, isto é, convertem
1961
a informação contida no DNA em uma sequência de aminoácidos da proteína.
Howard Temin e David Baltimore isolaram as enzimas de restrição - cortam a
1970
molécula de DNA em regiões específicas. Abriu caminho para a clonagem molecular
dos genes com a criação de clones de bactérias.
Paul Berg isolou e empregou uma enzima de restrição para cortar o DNA e a DNA
1972
ligase para unir duas fitas de DNA e formar uma molécula circular híbrida. Esta foi a
primeira molécula de DNA.
Cohen e Boyer fazem a primeira experiência de engenharia genética unindo dois
1973 genes de dois organismos diferentes produzindo o primeiro Plasmídeo com DNA
recombinante, usando enzimas de restrição, o que dá início à biotecnologia
moderna.
Walter Gilbert e Allan Maxam, na Universidade de Harvard e Frederick Sanger, na
1977 Inglaterra, desenvolveram o método de sequenciamento de DNA. Genentech Inc.
mostrou a produção da primeira proteína humana (somatostatina) sintetizada em
uma bactéria.
1978 Boyer sintetiza a primeira versão recombinante do gene humano da insulina.
Gentech Inc. anunciou a produção do primeiro biofármaco produzido por bactérias –
a insulina humana - usando a tecnologia do DNA recombinante em laboratório.
1982 Produção da primeira planta transgênica, tabaco resistente a antibiótico.
A Gentech Inc. recebeu aprovação da FDA (Food and Drug Administration) para
comercializar insulina humana modificada geneticamente.
1983 Kary B. Mullis desenvolveu a técnica de reação de polimerização em cadeia (PCR) -
permite amplificar o material genético (genes) em tubos de ensaio. Aprovação de
patentes de plantas geneticamente modificadas.
1984 Foi clonado o vírus HIV e seu genoma foi totalmente sequenciado.
Primeiros experimentos de campo como plantas transgênicas resistentes a insetos,
1985
vírus e bactérias são realizados nos EUA.
O EPA (United States Environmental Protection Agency) aprovou a liberação da
1986
primeira planta de tabaco geneticamente modificada.
Foi produzida a primeira vacina recombinante para humanos contra hepatite B e a
primeira droga anticâncer produzida por meio da biotecnologia.
Calgene Inc. obteve a patente da sequência de DNA da poligalacturonase de tomate
1987
- usada para desenvolver técnica que aumenta o tempo de vida dos frutos.

6
Introdução

Foi lançado o Projeto Genoma Humano.


1990
O Primeiro alimento geneticamente modificado (o tomate Flavr Savr) foi liberado
1994 para comercialização/consumo humano no EUA pelo FDA (Food and Drug
Administration), tornando-se o primeiro alimento geneticamente modificado a chegar
às prateleiras dos supermercados americanos.
1995 O primeiro genoma, o de uma bactéria (Hemophilus influenzae), é completamente
seqüenciado.
1995-1996 Variedades transgênicas de soja e milho são aprovadas para liberação comercial
nos EUA, dando início à rápida adoção desta tecnologia por agricultores em
diferentes países.
Conjuntamente, seis países plantam o primeiro milhão de hectares com
1996 transgênicos.
Nasce o primeiro clone de mamífero, a ovelha Dolly, gerada a partir de células
somáticas adulta de uma ovelha adulta doadora.
Descoberta das células-tronco embrionárias humanas.
1998 Foi sequenciado o primeiro genoma completo de um organismo multicelular, o
nematoide Caenorhabditis elegans. As pesquisas sobre a biologia molecular e do
desenvolvimento de C. elegans começaram em 1974 (Sydney Brenner) e o
organismo tem sido extensivamente usado como modelo animal.
Quarenta milhões de hectares de culturas geneticamente modificadas são plantadas
no mundo - predominantemente soja, algodão, canola e milho. Liberação comercial
da soja transgênica tolerante a herbicida é concedida no Brasil.
Cientistas suíços e alemães desenvolvem o arroz dourado, rico em beta-caroteno.
1999
Precursor da vitamina A, importante na prevenção de alguns tipos de cegueira.
Foi sequenciado o genoma da primeira espécie vegetal, Arabidopsis thaliana,
2000 tornando-se um dos organismos modelo para o estudo de genética, em botânica. O
conhecimento do papel de cada gene na fisiologia da espécie leva ao conhecimento
da genética vegetal no seu todo.
Conjuntamente, 13 países atingem a marca de 25 milhões de hectares plantados
com variedades transgênicas, um aumento de 25 vezes a área cultivada em 1996.
Sequenciamento completo do genoma de bactéria fitopatogênica (Xyllela fastidiosa)
2001 por consórcio de pesquisadores brasileiros (192 cientistas). Esta bactéria é
causadora de doenças como a praga do amarelinho (Clorose Variegada de Citros -
CVC) que afeta laranjeiras.
Consórcio do Genoma Humano e o grupo Celera publicaram o genoma humano.
2003 A conclusão do seqüenciamento do genoma humano é anunciada.
A ovelha Dolly foi submetida a eutanásia após desenvolver um câncer de pulmão.
2004 Clonado primeiro animal de estimação: um gato.
Sequenciado o genoma do rato utilizado para pesquisas em laboratório.
2005 Foi publicado o genoma do cachorro da raça boxer, sequenciado pelo Whitehead
Institute/MIT Center for Genome Research (WICGR) – atualmente: Broad Institute.
A identificação de genes levou a compreensão das bases genéticas de doenças
comuns aos caninos.
2006 Arroz GM para consumo humano é liberado nos Estados Unidos.
Uvas geneticamente modificadas são testadas na África do Sul.
Cientistas dos EUA anunciam a geração de células-tronco embrionárias a partir de
2007 células da pele de macacos, o que deverá permitir o desenvolvimento da clonagem
terapêutica.
Liberação experimental de cana transgênica com alto teor de açúcar no Brasil pela
empresa Allelyx/Monsanto.
Liberação comercial de milho geneticamente modificado resistente a inseto e
tolerante a herbicida no Brasil.
Pesquisadores australianos desenvolvem plantas com altos níveis de um ácido
2008 graxo para produzir plásticos, tintas e cosméticos.
Pesquisadores japoneses desenvolvem a primeira rosa azul geneticamente
modificada.
Liberação comercial de algodão geneticamente modificado tolerante a herbicida no
Brasil.
Liberação comercial da soja geneticamente modificada tolerante a herbicida e
2009 algodão resistente a inseto no Brasil.

7
Introdução

Craig Venter cria a “célula sintética” a partir de um genoma sintetizado em


2010 laboratório. Em 20 de Maio de 2010, pesquisadores do J. Craig Venter Institute
(JCVI), uma organização de pesquisa genômica sem fins lucrativos, publicaram os
resultados descrevendo a construção bem-sucedida da primeira célula sintética
bacteriana auto-replicante. A equipe sintetizou o cromossomo do genoma
modificado de Mycoplasma mycoides. A célula sintética é chamada Mycoplasma
mycoides JCVI-syn1.0 e é a prova do princípio de que o genoma pode ser projetado
no computador, quimicamente feito em laboratório e transplantado para uma célula
receptora para produzir uma célula auto-replicante nova controlada apenas pelo
genoma sintético.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Almeida, M.R., Borém, A. (2004) Biotecnologia e Saúde. In: Biotecnologia e Saúde. Almeida, M.R., Borém, A.,
Franco, G.R. (Eds). UFV. Cap. 1, p. 9-30.
Borém, A., Santos, F.R. (2007) Entendendo a Biotecnologia. UFV. 342 p.
Ferreira, C., Aguiar, J.; Pessanha, L.; Rangel, P.; Berbert-Molina, M.; Flores, V. M. Q. (2009).
Valverde, S.R., Neiva, S.A., Soares, N.S. (2007) Biotecnologia e Competitividade das Plantações Florestais.
In: Biotecnologia Florestal. Borém, A. (Ed). UFV. Cap. 17, p. 363-374.
http://users.rcn.com/jkimball.ma.ultranet/BiologyPages/A/Arabidopsis.html, acesso em 29/08/2011.
http://www.jcvi.org, acesso em 29/08/2011.
http://www.jcvi.org.
http://users.rcn.com/jkimball.ma.ultranet/BiologyPages/A/Arabidopsis.html
Sasson, A., da Silva, E.J. (1994) Revista O Correio da Unesco, n.8.
Ferreira, C., Aguiar, J., Pessanha, L., Rangel, P., Berbert-Molina, M., Flores, V. M. Q. (2009).
Tópicos em Biotecnologia – Material de Consulta. CEDERJ-UENF.

8
Biotecnologia Vegetal

CAPÍTULO 1 - BIOTECNOLOGIA VEGETAL


Aline Martins de Vita1
Vanessa de Souza Rodrigues2
Nayara Justo Nogueira2
Vanildo Silveira3
Claudete Santa-Catarina4

Os ganhos que se podem atingir pela biotecnologia vegetal têm reflexo sobre a agricultura, a
indústria alimentar, os consumidores e, sobretudo, o meio ambiente. Por exemplo, a produção de
plantas recorrendo a menores gastos de energia, pesticidas, fertilizantes e água, ou a produção de
plantas com níveis mais reduzidos de compostos alergénicos ou tóxicos, ou com melhores
qualidades para armazenamento ou processamento, ou ainda melhores qualidades nutricionais, são
alguns dos numerosos exemplos de aplicações da biotecnologia vegetal.
Na biotecnologia vegetal, o domínio da cultura in vitro (ou cultura de tecidos) de plantas teve
importância crucial para a micropropagação de espécies de interesse econômico-social e ecológico,
especialmente as espécies ameaçadas de extinção.
Desde seu início, até a atualidade, a cultura de células e tecidos vegetais passou por
diferentes descobertas, que envolvem desde a biotecnologia clássica e também a moderna. Destaca-
se abaixo a sequência histórica:
- 1838 – Schleinden & Schwann: estabelecem a Teoria celular, na qual os pesquisadores
mostram que as células são capazes de se manterem viáveis quando isoladas do organismo íntegro.
- 1902 – Haberlandt demonstrou a Totipotencialidade celular em células isoladas, sendo
denominado o “pai da cultura de tecidos”. A Totipotencialidade está baseada na teoria celular
descrita em 1838.
- 1922 – Robbins & Kotté demonstraram o cultivo isolado de raízes de gramíneas.
- 1926 – Went realizou o bioensaio com coleóptile de aveia, demonstrando a descoberta das
auxinas.
- 1934 – White realizou a primeira cultura contínua de raiz de tomateiro em meio líquido com
sais inorgânicos, extrato de levadura e sacarose.
- 1934-7 – Gautheret estabeleceu a primeira proliferação de tecido cambial em plantas
lenhosas, demonstrando a importância de vitaminas do complexo B.
- 1939 – Gautheret também demonstrou o primeiro crescimento contínuo de células de
cenoura. Neste mesmo ano, White estabeleceu cultura de medula de Nicotiana tabacum, e
Nobecourt demonstrou a diferenciação de raízes em calos de cenoura.
- 1946 – Ball obteve cultura de ápices meristemáticos caulinares.
- 1949 – Morel mostrou a evidência de ausência de vírus em estruturas meristemáticas.

1
Bolsista UAB. Pós-graduanda em Biociências e Biotecnologia – CBB/UENF.
2
Bolsista de extensão. Graduanda em Ciências Biológicas – CBB/UENF.
3
Eng. Agrônomo, Doutor, Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
4
Eng. Agrônoma, Doutora, Professora Associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Biotecnologia Vegetal

- 1953 – Muir estabeleceu a primeira cultura contínua em suspensão celular e clonagem de


células isoladas (comprovação da totipotencialidade). Neste mesmo ano, Watson & Crick descrevem
a hélice dupla do DNA, elucidando a estrutura tridimensional dessa molécula. Demonstraram
mecanismo para a cópia do material genético responsável pela perpetuação das espécies. Explosão
de pesquisas em biologia molecular, com rápido avanço das “técnicas de DNA recombinante”
(engenharia genética).
- 1955 - Miller, Skoog, van Saltza & Strong publicaram a descoberta da Cinetina. Neste
mesmo ano, Skoog & Miller demonstraram o balanço auxina/citocinina e sua importância
fundamental a morfogênese vegetal in vitro.
- 1958 – Steward e colaboradores obtiveram a embriogênese somática em Daucus carota.
- 1960 – Bergman realizou o plaqueamento de células vegetais.
- 1960 – Cocking descreveu o iIsolamento de protoplastos.
- 1962 – Murashige & Skoog estabeleceram a formulação do meio de cultura MS, o meio de
cultura mais utilizado na atualidade.
- 1966 – Guha & Mahesshwari fizeram a haploidia a partir de cultura de antera.
- 1970 - Howard Temin & David Baltimore isolaram as enzimas de restrição - cortam a
molécula de DNA em regiões específicas. Abriu caminho para a clonagem molecular dos genes com
a criação de clones de bactérias.
- 1972 – Carlson, Smith & Desring descreveram a primeira fusão de células somáticas
(protoplastos). Paul Berg isolou e empregou uma enzima de restrição para cortar o DNA e a DNA
ligase para unir duas fitas de DNA e formar uma molécula circular híbrida. Esta foi a primeira
molécula de DNA.
- 1973 – Cohen & Boyer fazem a primeira experiência de engenharia genética unindo dois
genes de dois organismos diferentes produzindo o primeiro Plasmídeo com DNA recombinante,
usando enzimas de restrição, o que dá início à biotecnologia moderna.
- 1977 - Walter Gilbert e Allan Maxam, na Universidade de Harvard e Frederick Sanger, na
Inglaterra, desenvolveram o método de sequenciamento de DNA.
- 1982 – Foi descrita a produção da primeira planta transgênica, tabaco resistente a
antibiótico.
- 1983 - Kary B. Mullis desenvolveu a técnica de reação de polimerização em cadeia (PCR) -
permite amplificar o material genético (genes) em tubos de ensaio. Aprovação de patentes de plantas
geneticamente modificadas.
- 1985 - Primeiros experimentos de campo como plantas transgênicas resistentes a insetos,
vírus e bactérias são realizados nos EUA.
- 1986 - O EPA (United States Environmental Protection Agency) aprovou a liberação da
primeira planta de tabaco geneticamente modificada.

10
Biotecnologia Vegetal

- 1987 - Calgene Inc. obteve a patente da sequência de DNA da poligalacturonase de tomate


- usada para desenvolver técnica que aumenta o tempo de vida dos frutos.
- 1994 - O Primeiro alimento geneticamente modificado (o tomate Flavr Savr) foi liberado para
comercialização/consumo humano no EUA pelo FDA (Food and Drug Administration), tornando-se o
primeiro alimento geneticamente modificado a chegar às prateleiras dos supermercados americanos.
- 1995-1996 - Variedades transgênicas de soja e milho são aprovadas para liberação
comercial nos EUA, dando início à rápida adoção desta tecnologia por agricultores em diferentes
países.
- 1996 - Conjuntamente, seis países plantam o primeiro milhão de hectares com transgênicos.
- 2000 - Foi sequenciado o genoma da primeira espécie vegetal, Arabidopsis thaliana,
tornando-se um dos organismos modelo para o estudo de genética, em botânica. O conhecimento do
papel de cada gene na fisiologia da espécie leva ao conhecimento da genética vegetal no seu todo.
Conjuntamente, 13 países atingem a marca de 25 milhões de hectares plantados com
variedades transgênicas, um aumento de 25 vezes a área cultivada em 1996.
- 2001 - Sequenciamento completo do genoma de bactéria fitopatogênica (Xyllela fastidiosa)
por consórcio de pesquisadores brasileiros (192 cientistas). Esta bactéria é causadora de doenças
como a praga do amarelinho (Clorose Variegada de Citros - CVC) que afeta laranjeiras.
- 2007 - Liberação experimental de cana transgênica com alto teor de açúcar no Brasil pela
empresa Allelyx/Monsanto. Ocorreu também a liberação comercial de milho geneticamente
modificado resistente a inseto e tolerante a herbicida no Brasil.
- 2008 - Liberação comercial de algodão geneticamente modificado tolerante a herbicida no
Brasil.
- 2009 - Liberação comercial da soja geneticamente modificada tolerante a herbicida e
algodão resistente a inseto no Brasil.

1. CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS

A cultura de tecidos vegetais é a uma técnica biotecnológica que possibilita o cultivo de


células, tecidos ou órgãos vegetais isolados da planta-mãe em meio de cultura artificial, em
condições assépticas. Inclui várias técnicas e metodologias utilizadas para a pesquisa em diversas
áreas, como botânica, biologia aplicada, fitotecnia, silvicultura, entre outros, com vários objetivos ,
desde estudos básicos do metabolismo e desenvolvimento da morfogênese in vitro ao aplicado, na
produção de propágulos de alta qualidade, como clonagem, obtenção de plantas transgênicas, etc.
A partir deste conjunto de técnicas é possível a obtenção de respostas morfogenéticas in vitro
a partir de células ou tecidos vegetais, obtendo-se plântulas, resultado da expressão da
totipotencialidade. A totipotencialidade, demonstrada inicialmente por Haberlandt (1902), mostra que
cada célula possui o potencial genético para reconstituir um organismo inteiro. A totipotencialidade
11
Biotecnologia Vegetal

está baseada inicialmente na Teoria Celular de Schleiden e Schwan (1838), os quais mostraram que
algumas células eram capazes de serem separadas do organismo de origem e continuar a crescer
independentemente.
Ao retirarmos um pedaço da planta utilizada para a cultura in vitro, chamado de explante,
obtem-se uma alteração da harmonia estabelecida, interrompendo parte do sistema sinais/
receptores e o sistema de controle da divisão celular e expressão gênica estabelecida, sendo
introduzindo novos sinais (reguladores de crescimento, por exemplo) no sistema, que permitirão a
expressão da totipotencialidade.
Dentre vários fatores importantes para a expressão da totipotencialidade destaca-se a o
balanço de auxina:citocinina, que modula as várias respostas morfogenéticas in vitro, obtendo-se
desde a formação de raízes in vitro e indução de culturas embriogênicas quando em maior
concentração de auxina, à obtenção de brotações quando em maior concentração de citocinina
(Figura 1). Desta forma, pode-se destacar que na cultura de tecidos vegetais a relação dos
compostos adicionados ao meio de cultura regula a resposta morfogenética in vitro.

Figura 1. Balanço de auxina e citocinina em diferentes respostas morfogenéticas na


cultura in vitro.

Na cultura de tecidos vegetais existem diferentes rotas morfogenéticas para a obtenção de


plântulas in vitro. Destaca-se aa 1) obtenção de culturas de tecidos desorganizados ou pouco
organizados (calos); e b) a obtenção de cultura de tecidos organizados, que pode ser através da
morfogênese direta via embriogênese somática (obtenção de embriões somáticos) ou organogênese
(cultura de estruturas meristemas, primórdio foliar, segmentos nodais), e a morfogênese indireta no
qual tanto na embriogênese somática quanto na organogênese, a obtenção de embriões somáticos,
gemas e eixos caulinares são induzidos e formados a partir de calos originado do explante inicial.
No crescimento organizado, estruturas organizadas de crescimento podem ser mantidas
continuamente in vitro, e inclui o isolamento asséptico de estruturas definidas, realizando:

12
Biotecnologia Vegetal

 Cultura de meristemas, na qual são utilizados ápices caulinares, consistindo do domo


meristemático apical com ou sem um ou os dois primórdios foliares.
 Cultura de ápices caulinares.
 Cultura de nós de gemas laterais separadas.
 Cultura de raízes isoladas.
 Cultura de embriões, na qual embriões zigóticos fertilizados ou não são obtidos de
sementes ou frutos e cultivados in vitro até se desenvolverem em plântulas, pela embriogênese
somática.
Já o crescimento desorganizado se refere a todo o tipo de cultivo de agregados de células
sem a formação de tecidos, sejam elas na forma de:
 Calos – crescimento e manutenção de massas celulares desorganizadas, obtidas da
desdiferenciação a partir de pedaços de tecidos vegetais.
 Suspensões celulares – populações de células isoladas dispersas em um meio de cultura
líquido aerado sob agitação.
O objetivo da propagação de plantas através da cultura de tecidos, também chamada de
micropropagação, é propagar plantas que são clones da planta que doou o material vegetal, ou seja,
a planta-matriz. As novas plantas derivadas da cultura de tecidos são obtidas de três formas (Figura
1):
 A partir de gemas apicais ou gemas primordiais (meristemas) que são estimuladas a
crescerem e se proliferarem, via organogênese direta;
 A partir da obtenção de novos brotos induzidos e diferenciados a partir de tecidos
desorganizados (calos) por organogênese indireta, ou diretamente sobre o tecido do
explante denominada de organogênese direta;
 Através da formação de embriões somáticos que se assemelham a embriões zigóticos de
sementes de plantas intactas e são capazes de se desenvolverem em novas plântulas. Esse
processo é chamado de embriogênese somática, o qual pode também ser obtido por via
direta (formação de embriões somáticos diretamente sobre o explante de origem) ou indireta
(pela formação inicial de calo e posterior desenvolvimento de embriões).
Teoricamente, todas células, orgãos ou plantas inteiras podem ser clonados, produzindo
uma nova população de plantas em que todos os indivíduos possuem a mesma constituição
genética do parental.
A princípio vamos entender melhor a forma em que o material vegetal deve ser cultivado e
manipulado em laboratório para a propagação de plantas por métodos de cultura de tecidos e, em
seguida, serão descritas as principais técnicas que têm sido desenvolvidas para o isolamento e
cultivo in vitro do material vegetal, seja ele células, tecidos ou orgãos da planta.

13
Biotecnologia Vegetal

Figura 2. Principais métodos de micropropagação utilizados na cultura in vitro. (Modificado de George, 2008).

2. PARÂMETROS ESSENCIAIS PARA A MANIPULAÇÃO DAS CULTURAS DE TECIDOS


VEGETAIS
Vários são os fatores que afetam as respostas morfogenéticas in vitro, destacando-se o
explante, a assepsia deste para a introdução in vitro e o meio de cultura utilizado, bem como as
condições de cultura in vitro.

2.1. Explantes
A cultura de tecidos é iniciada a partir de partes de plantas inteiras, onde pequenos órgãos ou
pedaços de tecido que são excisados da planta-matriz, chamados de explantes, são introduzidos in
vitro.
A escolha do explante é uma etapa fundamental, representando um efeito importante no
sucesso da cultura de tecidos. Explantes podem ser dos mais variados tipos, e por isso, a escolha do
explante para ser iniciada uma cultura in vitro vai depender de:
a) do tipo de cultura a ser iniciada - para cada tipo de cultura um determinado tipo de
explante pode ser mais adequado;

14
Biotecnologia Vegetal

b) do tipo de explante – geralmente os explantes com células menos


diferenciadas/especializadas (como meristemas e embriões zigóticos) podem resultar em melhor
esposta morfogenética.
c) Idade do explante – explantes com tecidos mais jovens são preferíveis pela menor
diferenciação dos tecidos.
d) Condições fisiológicas e fitossanitárias da planta matriz – determinante para maior
sucesso no estabelecimento in vitro da cultura. Explantes oriundos de plantas matrizes debilitadas
com doenças e sem qualidade fisiológica terão maior dificuldade para o estabelecimento de culturas
assépticas e de qualidade fisiológica.
d) das espécies vegetais utilizadas – cada espécie possui uma necessidade
hormonal/nutricional específica, onde determinados explantes podem ter melhor resposta na
morfogênese in vitro.

2.2. Assepsia
As plantas cultivadas no ambiente natural são invariavelmente contaminadas com
microorganismos e pragas. Estes contaminantes estão presentes, principalmente, na superfície da
planta, embora, alguns microrganismos possam se encontrar distribuídos de forma sistêmica dentro
dos tecidos.
Os explantes são mantidos em meios de cultura nutritivos que também são favoráveis ao
crescimento desses microorganismos. Assim sendo, a cultura de tecidos vegetais deve ser
estabelecida e mantida em condições assépticas, uma vez que o crescimento de bactérias e fungos
estabelece uma competição com o crescimento do material vegetal in vitro.
Portanto, os explantes utilizados no cultivo in vitro devem ser o mais asséptico possível. Para
tanto, alguns cuidados devem ser tomados desde a planta-matriz ao estabelecimento da cultura in
vitro. Destaca-se a importância de manter as plantas matrizes, quando possível, em locais
adequados como estufas de crescimento para que se possa realizar o manejo fitossanitário
adequado para posterior coleta dos explantes.
Uma vez obtidos, os explantes passarão por um processo de assepsia antes de sua
transferência in vitro, em meio de cultura nutritivo. Para a assepsia utiliza-se a lavagem do explante
em água corrente e pequena quantidade de detergente, seguido de lavagem com substâncias
químicas como hipoclorito de sódio, hipoclorito de cálcio, peróxido de hidrogênio e etanol, utilizados
para eliminar os microrganismos superficiais presentes nos explantes, seguido de enxágüe com água
destilada autoclavada, em câmara de fluxo laminar, para a retirada destas substâncias químicas.
Adicionalmente, é importante a esterilização de todo o material utilizado no processo, como vidrarias,
objetos para manipulação das culturas e o próprio meio de cultura.
O trabalho de isolar e transferir o material vegetal cultivado é realizado geralmente em salas
especiais ou cabines (câmaras de fluxo laminar) que permitem a manuseio dos materiais sem a

15
Biotecnologia Vegetal

presença de microorganismos. Essas cabines devem se localizar preferencialmente em uma sala de


inoculação ou transferência reservada para esse propósito.

2.3. Condições de incubação


A cultura de tecidos, uma vez iniciada é colocada em incubadoras ou salas de crescimento
onde luz, temperatura e umidade são controladas. A taxa de crescimento da cultura dependerá
diretamente das condições oferecidas.
A luz é um importante fator no crescimento de culturas in vitro, onde os três aspectos do foto-
ambiente que mais influencia no crescimento e morfogênese in vitro, são: comprimento de onda;
densidade de fluxo de fótons; duração da exposição à luz ou fotoperíodo. Cada um desses atributos
tem efeito sobre a fotomorfogênese e a fotossíntese. Em geral, a indução de culturas embriogênicas
é obtida na ausência de luminosidade, enquanto a presença de luz é essencial para a obtenção de
órgãos, como brotações. Em salas de crescimento é simulada a duração do dia, com 16 horas de luz
e 8 horas de escuro.
A temperatura é outro fator determinante para a cultura in vitro. Para a maioria dos
laboratórios, as culturas introduzidas in vitro são mantidas em câmaras de crescimento com
temperatura controlada, sendo a temperatura média constante de crescimento de 25 °C a
empregada para uma grande quantidade de espécies, com exceção à Arabidopsis thaliana, que tem
melhor crescimento a 22 °C.
Adicionalmente, a Umidade Relativa é um fator importante para a cultura in vitro. A umidade
de 70% é geralmente recomendada para salas de crescimento, sendo baixa umidade pode resultar
na desidratação dos meios de cultura e ou alta umidade pode resultar na presença de agentes
contaminantes no ambiente de cultura.

2.4. Meio de cultura


Para o seu crescimento, o material vegetal introduzido in vitro necessita de condições
nutricionais adequadas. Este meio de cultura consiste de uma solução salina suplementada com
macronutrientes, compostos encontrados em altas concentrações nas plantas, sendo eles nitrogênio
(N), potássio (K), cálcio (Ca), fósforo (P), magnésio (Mg) e enxofre (S); e micronutrientes, compostos
encontrados em pequenas concentrações nas plantas, são eles ferro (Fe), níquel (Ni), cloro (Cl),
manganês (Mn), zinco (Zn), boro (B), cobre (Cu), molibdênio (Mo). Além destes, as plantas
apresentam a necessidade de outros constituintes como vitaminas e aminoácidos, também
adicionados ao meio de cultura para promover o crescimento vegetal. Além destes compostos, é
adicionado ao meio de cultura o uma fonte de energia utilizada no metabolismo celular, sendo a
sacarose a mais utilizada para a maioria das espécies vegetais. O crescimento e desenvolvimento de
cultura de tecidos vegetais também dependem da adição de reguladores de crescimento vegetais ao
meio de cultura. Naturalmente, as plantas produzem os hormônios de crescimento vegetal que
apresentam diversas funções na morfogênese vegetal. Os reguladores de crescimento vegetais são

16
Biotecnologia Vegetal

compostos sintéticos, que em pequenas concentrações são capazes de modificar o crescimento ou a


morfogênese da planta na cultura in vitro. Desta forma, designa-se hormônios de crescimento para
os produzidos naturalmente nas plantas, e reguladores de crescimento para os compostos sintéticos.
As principais classes de reguladores de crescimento vegetal são auxina, citocinina, ácido
abscísico, giberelinas e etileno. O balanço entre auxinas e citocininas é o mais importante e mais
utilizado na regulação do crescimento e morfogênese em culturas de tecidos ou órgãos vegetais
(Figura 1). Este balanço foi inicialmente demonstrado por Miller et al. (1955) e Skoog & Miller (1957),
mostrando o efeito do balanço de auxinas/citocininas na morfogênese in vitro de calos, raiz e
brotações.
Recentemente, outras classes de hormônios vegetais foram descobertas e vem sendo aos
poucos caracterizadas, tais como os brassinosteróides, o ácido jasmônico, as oligossacarinas, a
sistemina e as poliaminas, os quais também apresentam importâncias fisiológicas sobre a
morfogênese in vitro de plantas. A concentração e a combinação dos reguladores de crescimento
são ajustadas de acordo com a espécie da planta ou até mesmo em diferentes estágios do cultivo.
Além dos reguladores de crescimento, a fonte de carbono, mas o meio de cultura básico
geralmente permanece inalterado. Baseado nisso, foram desenvolvidas várias formulações de meios
de cultura ao longo das décadas, cada uma delas adaptada para as melhores respostas in vitro, e
atualmente, vários são os meios de cultura descritos para várias espécies, e com diferentes
finalidades. Um dos primeiros meios de cultura estabelecidos foi o meio White (White, 1942), o qual
continha menos K e N. Em 1962 foi estabelecido o meio de cultura MS de Murashige & Skoog
(1962), sendo este o meio de cultura mais amplamente utilizado atualmente para a maioria das
espécies vegetais, e para a maioria dos estudos morfogenéticos in vitro, incluindo a embriogênese
somática e micropropagação. Posteriormente, outros meios de cultura foram desenvolvidos, como o
meio WPM (Wood Plant Medium) (Lloyd & McCown, 1981), especificamente desenvolvido para
espécies arbóreas, com menor concentração de N comparado ao meio MS. Adicionalmente, outros
meios de cultura foram desenvolvidos em seguida especialmente voltados para a micropropagação
de coníferas, tais como LPm (Von Arnold & Eriksson, 1981), P6/2 (Gupta & Pullman, 1990), entre
outros.
Além da sua composição, os meios de cultura podem ser preparados de forma sólida,
denominado semi-sólido, ou líquido, em suspensão celular.

2.4.1. Meio de cultura semi-sólido


Para a obtenção do meio de cultura em estado semi-sólido, é necessário adicionar um agente
geleificante para que ele torne-se geleificado, ou seja, semi-sólido. Esse tipo de meio de cultura é
utilizado para dar suporte ao estabelecimento do explante, empregado em culturas de calos ou
órgãos (incluindo micropropagação) e para manutenção de culturas a longo prazo. As culturas
mantidas em meio-sólido são estáticas e ficam em contato com a superfície do meio. Vários são os

17
Biotecnologia Vegetal

agentes que promovem a geleificação do meio de cultura, dentre elas o Agar, sendo este o agente
solidificante mais comumente utilizado na cultura in vitro. Outros agentes como fitagel e agarose
também podem ser utilizados. Entretanto, devido ao algo grau de purificação, estes agentes
geleificantes são utilizado em menor concentração (faixa de 1,8 a 2,0 g.L-1) comparativamente ao
Agar (faixa de 6 a 8 g.L-1), dependendo da espécie vegetal e da marca do produto.

2.4.2. Meio de cultura líquido


Meios de culturas líquidos, sem agentes geleificantes, são utilizados para culturas em
suspensão celular, sejam culturas celulares embriogênicas ou brotações. O tipo de explante a ser
utilizado vai definir o tipo de aeração necessária para a manutenção do oxigênio no meio de cultivo.
Desta forma, pode-se destacar dentre as técnicas utilizadas para o cultivo em meio de cultura líquido:

 Imersão total em meio líquido - fornecendo agitação por meio de equipamento de


rotação ou magnético. Sistema muito utilizado no caso de suspensões celulares de
culturas embriogênicas, onde as células são mantidas em agitação para que possa
manter a aeração. Este sistema pode ser realizado utilizando a agitação horizontal,
utilizando frascos tipo “Erlenmeyers” com as células em suspensão. Adicionalmente,
pode-se também utilizar o aparato de Steward (Steward e Shantz, 1956) também
chamado de “nipple flask”, que consiste em um frasco com várias cavidades laterais
voltados para a parte externa do mesmo. Estes frascos são fixos a uma roda que ao
rotacionar faz com que as células ao passar pelas cavidades sejam banhadas e drenadas
com a rotação, expondo as células ao ar de forma alternada quando mantidas nas
cavidades. Este tipo de frasco não é adquirido normalmente no mercado, sendo
necessário a sua fabricação com estas características específicas por especialista em
confecção de vidraria, tornando o seu custo elevado, sendo com isso menos utilizados
atualmente.
 Imersão temporária em sistemas de biorreatores - Este sistema é muito utilizado para
o crescimento de brotações para várias espécies vegetais, onde os explantes são
temporariamente banhados com meio de cultura. . Neste sistema, as brotações são
colocadas em um recipiente e o meio de cultura num reservatório. O meio de cultura é
bombeado do reservatório para o recipiente com os explantes em intervalos de tempo
determinados (varia de 5 a 10 minutos). Esse sistema previne a anoxia e possui a
vantagem de que o meio pode ser facilmente trocado no reservatório, sem a necessidade
de manipular as culturas. Todo o sistema é realizado em condições estéreis, sendo um
sistema de imersão cada vez mais popular nas pesquisas para a micropropagação.
 Cultivo sob ponte de papel – Este sistema é utilizado para o cultivo de explante,
geralmente tecidos pequenos como meristemas, em meio de cultura líquido utilizando
uma ponte de papel filtro para manter o explante na superfície do meio de cultura. O meio
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Biotecnologia Vegetal

de cultura chega até o explante por difusão, fornecendo os nutrientes necessários para o
desenvolvimento da morfogênese.

3. FATORES QUE INFLUENCIAM NO ESTABELECIMENTO DA CULTURA

Além dos fatores citados acima, outros fatores como oxidação fenólica e densidade mínima
para o início da cultura também são fatores importantes que influenciam o estabelecimento da cultura
in vitro.

3.1. Oxidação fenólica


Algumas plantas, particularmente espécies tropicais, contem altas concentrações de
substâncias fenólicas que são oxidadas quando as células sofrem algum dano ou se tornam
senescentes. O tecido isolado, então, torna-se marrom ou preto pela liberação destes compostos, os
quais impedem o crescimento. O escurecimento causado pela exsudação de fenóis consiste em um
sério problema na cultura de tecidos, sendo espécie dependente, e pode impedir o crescimento e
desenvolvimento da cultura in vitro a partir do explante utilizado. Este problema pode ser solucionado
de várias formas, tais como: a) transferindo-se os explantes inoculados para novo meio de cultura em
intervalos de 1 ou 2 dias durante as duas primeiras semanas de cultivo; b) adicionando-se ao meio
de cultura determinadas substâncias, como o carvão ativado, capazes de adsorver esses compostos
liberados pelo explante, e conseqüentemente, não atuará sobre a inibição do crescimento e
desenvolvimento do explante; c) incubação prévia dos explantes em solução contendo agentes
antioxidantes como ácido ascórbico e ácido cítrico antes de sua inoculação no meio de cultura; d)
adição de agentes antioxidantes (ácido ascórbico e ácido cítrico) no meio de cultura, sendo os
explantes mantidos neste meio de cultura com os agentes antioxidantes; e) manutenção dos
explantes no escuro durante 2 a 5 dias após a inoculação no meio de cultura, evitando o efeito da luz
na síntese dos compostos fenólicos.

3.2. Densidade mínima de inoculação


Estudos visando conhecer a densidade mínima para o melhor crescimento devem ser
realizados durante o estabelecimento das culturas. Esta densidade mínima a ser estabelecida é
variável com o tipo de explante e espécie utilizada. Não está claro qual o mecanismo que determina
o melhor crescimento em uma densidade mínima, porém é descrito que certas substâncias podem
ser liberadas pelas células em cultura, tais como alcalóides, aminoácidos, enzimas, substâncias de
crescimento e/ou vitaminas, que quando em densidade mínima de explante por unidade volume de
cultura, podem estimular o crescimento celular. No entanto, quando as células são inoculadas em um
meio de crescimento básico com uma baixa densidade populacional, a concentração essencial de
substâncias nas células e no meio pode se tornar inadequado para a sobrevivência da cultura. Desta
forma é necessário um tamanho mínimo do explante, ou quantidade de células, ou protoplastos
isolados, por unidade do volume da cultura que permita o melhor crescimento.
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Biotecnologia Vegetal

4. MICROPROPAGAÇÃO

As plantas podem ser propagadas através de dois ciclos de vida: o sexuado e o assexuado.
No ciclo sexuado, novas plantas são originadas após a fusão dos gametas parentais desenvolvendo
os embriões zigóticos contidos dentro de sementes e frutos. Na maioria dos casos, ocorre a
polinização cruzada que resulta em plantas com variação genética, cada uma representará uma nova
combinação de genes, durante a formação de gametas (meiose) e sua fusão destes gametas. Por
outro lado, no ciclo assexuado, as características genéticas da planta individual selecionada para
propagação (também chamada planta-mãe ou planta-estoque) são mantidas nas plântulas formadas,
sendo os genes copiados de forma idêntica em cada divisão mitótica. Um grupo de plantas
reproduzidas assexuadamente é chamado de clones, tanto aquelas obtidas por métodos tradicionais
(por mergulhia, estaquia) ou na micropropagação utilizando a cultura in vitro.
Através da micropropagação pode-se obter a propagação clonal massal de um genótipo
selecionado por técnicas de cultura in vitro, sendo empregado para definir os processos de
propagação vegetativa (assexuada) na cultura de tecidos.
A micropropagação é utilizada para a propagação de plantas in vitro especialmente através da:
 multiplicação de brotos a partir de gemas axilares.
 formação de brotos adventícios e/ou embriões somáticos, tanto diretamente em pedaços de
tecidos ou órgãos (explantes) removidos da planta-matriz ou indiretamente de células
desorganizadas (culturas em suspensão) ou tecidos (culturas de calos) estabelecidos pela
proliferação de células internas dos explantes.

4.1. Estágios da micropropagação


A micropropagação pode ser dividida em cinco estágios básicos, desde a escolha da planta
utilizada como planta doadora ao estabelecimento dos novos propágulos no ambiente natural.
Estágio 0: Seleção da planta-mãe e preparação do material. Nesse estágio, uma atenção
cuidadosa deve ser dada à seleção das plantas estoque. Elas devem representar a qualidade do
genótipo a ser multiplicado, além de estar com qualidade fitossanitária e nutricional, livre de doenças
e microorganismos. O sucesso da cultura in vitro pode ser garantido pelo tratamento prévio da planta
escolhida (ou parte dela), utilizando-se quando possível, a transferência para a casa de vegetação.
Métodos para detectar e reduzir ou eliminar doenças virais ou bacterianas sistêmicas devem ser
utilizados.
Estágio I: Estabelecimento de uma cultura asséptica. O segundo passo do processo de
micropropagação é obter uma cultura asséptica do material vegetal selecionado. O sucesso desse
estágio primeiramente está relacionado com a escolha adequada do explante e a assepsia adequada
dos mesmos. Os explantes serão transferidos do ambiente de cultivo da planta matriz para condição
in vitro, em condições assépticas, livre de contaminantes microbianos, que em condições nutricionais

20
Biotecnologia Vegetal

e ambientais adequadas iniciarão a resposta morfogenética desejada (por exemplo, crescimento de


ápice caulinar ou formação de calos).
Para este estágio é necessário estabelecer a metodologia adequada para a assepsia dos
explantes a serem inoculados in vitro. Para a assepsia utiliza-se a lavagem dos explantes com
agentes desinfestantes (água sanitária, hipoclorito de sódio, álcool 70%, entre outros), com tempos
variáveis para cada tipo de explante e para cada espécie, seguidos de lavagens com água destilada
autoclavada para a retirada destes compostos utilizados.
Em seguida, um conjunto de explantes é transferido para o cultivo in vitro ao mesmo tempo.
Após um curto período de incubação, qualquer recipiente que contenha explantes ou meio de cultura
contaminados devem ser descartados. Esse estágio é considerado satisfatório se um número
adequado de explantes tenha sobrevivido ao processo de assepsia, sem ocorrer a contaminação e
desenvolvem o seu crescimento in vitro.
Estágio II: A produção e multiplicação de propágulos. O objetivo desse estágio é a
produção de novas plantas ou propágulos que, quando separados da cultura são capazes de originar
plantas inteiras. De acordo com a técnica in vitro que está sendo utilizada, a multiplicação pode
ocorrer a partir de brotos adventícios ou axilares, embriões somáticos. Os propágulos produzidos
neste estágio são usados em ciclos repetitivos de multiplicação nos quais eles são subcultivados
para aumentar o seu número.
Estágio III: Preparação para o crescimento no ambiente natural. Plântulas oriundas de
embriões somáticos ou brotos derivados do estágio 2 são pequenos e ainda não são capazes de se
auto-sustentarem no solo. Neste estágio alguns passos são dados para crescer plântulas individuais
ou em conjunto, capazes de realizar a própria fotossíntese e de sobreviver sem um suprimento
artificial de carboidrato. Algumas plântulas oriundas de embriões somáticos precisam ser
especialmente tratadas nesse estágio, para terem um crescimento maior para poderem ser
transferidas para o viveiro. Neste estágio inclui ainda o enraizamento in vitro de brotos para a sua
transferência ao solo, sendo uma fase importante para o sistema de propagação in vitro. É
necessário induzir o enraizamento utilizando-se meio de cultura suplementado com reguladores de
crescimento (ácido indol butírico, por exemplo) ou compostos (como carvão ativado) para induzir a
formação das raízes.
Estágio IV: Transferência para o ambiente natural. Os métodos pelos quais as plântulas
são transferidas do ambiente in vitro para o ex vitro são extremamente importantes. Se não ocorrer
de forma adequada, esta transferência pode resultar em perda significativa do material propagado.
Este estágio é uma fase crítica do processo, uma vez que os brotos desenvolvidos na cultura in vitro
são produzidos em condições com alta umidade e baixa intensidade de luz. Neste caso, os
estômatos das folhas produzidas in vitro geralmente não são funcionais, por não ter necessidade de
regular a abertura dos mesmos na condição exposta. Adicionalmente, a suplementação com a
sacarose e a manutenção em baixas condições de luz, as plântulas micropropagadas não são

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Biotecnologia Vegetal

totalmente dependentes da fotossíntese. Na prática, as plântulas são transferidas do estágio 3,


sendo então mantidas em solo composto por substrato comercial em um ambiente com alta umidade
e intensidade luminosa reduzida, visando a aclimatação. Esta etapa é fundamental para que as
novas plântulas possam emitir novas raízes e se aclimatar às condições extra vitro. A aplicação de
vapor de água é muito efetiva para manutenção da umidade no ambiente, reduzindo as perdas na
sobrevivência pela falta de água.

4.2. Vantagens da micropropagação


Uma das grandes vantagens da micropropagação se refere à grande quantidade de
propágulos obtidos a partir de explantes pequenos utilizados para dar início à cultura, permitindo
assim a propagação clonal massal. A necessidade de um pequeno espaço físico para manter e
multiplicar as plantas propagadas in vitro também constitui uma das vantagens da técnica. O fato de
a micropropagação se desencadear em um ambiente asséptico também é vantajoso no intuito de se
obter plantas livres de doenças. Além disso, destaca-se a possibilidade de ajuste dos fatores que
influenciam a propagação in vitro, tais como nutrientes e concentrações de reguladores de
crescimento, luz e temperatura. Dessa forma, a taxa de propagação in vitro pode ser muito maior
quando comparada à propagação convencional, e pode acontecer durante o ano todo, não sendo
dependente das mudanças de estação.

4.3. Desvantagens da micropropagação


Uma desvantagem da micropropagação se refere à instalação especializada e de alto custo
para a propagação de novas plântulas. Destaca-se ainda que estudos específicos geralmente são
necessários para obter resultados otimizados para cada espécie ou variedade, sendo assim
necessário o estabelecimento de protocolos para cada espécie. Além disso, destaca-se a
necessidade de pessoal técnico especializado e treinado na área de biotecnologia para o
desenvolvimento das atividades.

5. PRINCIPAIS METODOLOGIAS DA MICROPROPAGAÇÃO

5.1. Organogênese direta


Em determinadas espécies, gemas ou primórdios de gemas pré-existentes são induzidos à
proliferação. A indução da regeneração direta de brotos depende da natureza do órgão vegetal de
onde o explante foi retirado e é amplamente dependente do genótipo da planta. Em plantas
responsivas, brotos adventícios podem ser formados in vitro em partes do tecido derivado de vários
órgãos (folhas, segmentos nodais, pétalas de flores ou raízes), já em outras espécies eles ocorrem
em um número limitado de tecidos tais como escamas de bulbos, embriões zigóticos ou tecidos de
plântulas recém germinadas. Para algumas espécies, a morfogênese direta é raramente observada
ou desconhecida.

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Biotecnologia Vegetal

5.1.1 Estágios da organogênese direta


A organogênese direta é obtida através dos seguintes estágios (Figura 3):
Estágio I: consiste no estabelecimento in vitro de explantes de tecido livres de qualquer
contaminação. Os explantes a serem utilizados podem ser segmentos nodais ou meristemas apicais.
Estágio II: é reconhecido pela formação, crescimento e proliferação de brotos adventícios a
partir do explante primário. Subcultivos subseqüentes devem ser estabelecidos a partir de brotos
individuais. Brotos adventícios, algumas vezes, surgem diretamente das folhas das plantas durante a
cultura. A formação de brotos adventícios de determinadas plantas ocorre em grandes recipientes de
meio líquido aerado, permitindo uma escala de propagação muito elevada.
Estágio III: similar ao estágio III da maioria dos outros sistemas de micropropagação. Brotos
individuais ou conjuntos de brotos são transferidos para um meio nutritivo com adição de reguladores
de crescimento e ingredientes que não induza a proliferação adicional de brotos e que promova o
enraizamento. Como alternativa, os brotos podem ser removidos da cultura e enraizados ex vitro
(Figura 3).

Figura 3. Estágios da organogênese direta a partir de meristemas ou segmentos nodais. (Modificada de George, 2008)

5.2. Organogênese indireta


Na organogênese indireta, novas gemas e eixos caulinares são induzidos a partir de tecidos
não organizados (calos) originados a partir de explantes de diferentes tipos. A propagação por
organogênese indireta é utilizada devido o seu potencial como método de propagação, uma vez que
a ocorrência de variação genética pode ser controlada, o que é de fundamental importância para a
regeneração e propagação de plantas geneticamente modificadas.
Fundamentalmente, o ajuste do balanço de reguladores de crescimento no meio de cultura
pode levar à formação de brotos ou raízes em calos de um grande número de espécies diferentes, o
que vai depender do tipo de explante utilizado para a indução.
No entanto, as culturas de calos podem variar quanto ao seu potencial ou competência
morfogenética, sendo dependente do tipo de explante utilizado para a indução. Por conta disso, calos
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Biotecnologia Vegetal

originados de determinadas espécies ou tipos de explantes podem não ser responsivos à sinalização
celular, não resultando na morfogênese. Esta resposta é dependente do tipo de explante utilizado e
da espécie a ser estudada. Usualmente, denomina-se calo não-morfogenético para aquele que não
resulta em resposta morfogenética quando submetido à sinalização celular, ou pode ser um calo
morfogenético, que contrariamente, resulta na resposta morfogenética uma vez submetido à
sinalização adequada. Na cultura in vitro, pode-se obter várias linhagens de calos com diferentes
características morfogenéticas. Em alguns casos, linhagens de calos com diferentes aparências
(textura, coloração etc) e/ou capacidades morfogenéticas podem ser isolados do mesmo explante.
Essas diferenças podem refletir o potencial epigenético das células ou ser causado pela variabilidade
genética entre as células da cultura. De acordo com Street (1979), explantes primários podem ser
compostos de células ou tecidos capazes de regenerarem a resposta morfogenética, sendo
designado de células competentes, e outros que são incapazes, sendo, portanto, chamado de
células não-competentes. Neste sentido, é fundamental o estudo para estabelecer as melhores
condições in vitro, como meio de cultura e seus componentes, para que ocorra a expressão do
potencial morfogenético das células do explante.

5.2.1. Estágios da organogênese indireta


Estágio I – indução de calos: o crescimento do calo é geralmente iniciado inoculando-se o
explante escolhido em um meio semi-sólido no qual a auxina é incorporada em concentrações
relativamente altas, com ou sem o balanço com citocinina. Como mais de um tipo de calo pode ser
originado a partir de um único explante, o sucesso da propagação pode depender do reconhecimento
deste calo que será capaz de originar brotos ou embriões somáticos.
Estágio II – obtenção e multiplicação de brotações: uma vez que o calo morfogenético foi
isolado, a multiplicação ocorre tanto pelo subcultivo do calo ou pela obtenção de suspensões
celulares. Para a multiplicação de calos em meio de cultura semi-sólido, é realizada a subdivisão de
calos, o qual é separado em pedaços menores que se tornam maiores quando subcultivados em
meio de cultura apropriado. Para a obtenção de suspensões celulares, calos são colocados para
crescer em meio de cultura líquido, visando uma taxa rápida de multiplicação a partir de calos
competentes. Após esta multiplicação, as células em suspensão celular podem então serem
colocadas para produzir novas colônias de calos em meio de cultura semi-sólido, visando a
regeneração. A etapa de regeneração necessita de um balanço entre os reguladores de crescimento
que permitam a regeneração.

6. EMBRIOGÊNESE SOMÁTICA

A embriogênese zigótica em plantas se inicia com a formação do zigoto diplóide na dupla


fecundação, e passa por uma sequência de estágios característicos, os quais são denominados
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Biotecnologia Vegetal

sequencialmente como globular, cordiforme, torpedo e cotiledonar. Por outro lado, a embriogênese
somática é um processo análogo à embriogênese zigótica, no qual uma célula somática isolada ou
um pequeno grupo de células somáticas são os precursores da formação de embriões somáticos
(Tautorus et al., 1991). Os embriões somáticos se assemelham morfologicamente aos embriões
zigóticos, passando pelos estágios similares, sendo bipolares, ou seja, meristema apical do caule e
da raiz em pólos contrários.
A embriogênse somática ocorre naturalmente em poucas espécies, dentro de óvulos (por
exemplo, Paeonia) e mais raramente em folhas (por exemplo, Asplenium e Kalanchoe). Desde a
primeira observação de formação de embriões somáticos em suspensões de Daucus carota celular
por Steward et al. (1958) e Reinert (1958) o potencial para a embriogênese somática na cultura in
vitro foi mostrado para uma grande quantidade de espécies. Durante os últimos 40 anos, a
embriogênese somática tem sido descrita em um grande número de espécies, e métodos
modificados utilizados para a indução de culturas embriogênicas são continuamente relatados.
Ressalta-se que embriões somáticos são utilizados como um sistema modelo em vários
estudos morfogenéticos. Porém, o maior interesse na obtenção destes embriões somáticos está na
sua aplicação prática para a propagação vegetativa em larga escala, principalmente por causa da
possibilidade de ampliar a propagação usando biorreatores. Além disso, na maioria dos casos, os
embriões somáticos ou culturas embriogênicas podem ser criopreservados, o que torna possível
estabelecer bancos de linhagens celulares e germoplasma. Culturas embriogênicas também são um
alvo atraente para a transformação genética.
A embriogênese somática pode ser obtida para todas as espécies de plantas, desde que seja
utilizado o explante apropriado, e sejam utilizados os meios de cultura e as condições ambientais
adequadas. Desta forma, a embriogênese somática pode ser direta, quando os embriões somáticos
se diferenciam diretamente do explante sem a fase de calos, ou indireta quando os embriões
somáticos se diferenciam após a indução de calos no explante. Os explantes dos quais a
embriogênese direta é induzida incluem micrósporos, óvulos e embriões zigóticos. Um caso especial
de embriogênese somática direta é o processo que geralmente é classificado como embriogênese
secundária, também chamada de contínua ou acessória, em que o primeiro embrião somático
formado falha em se desenvolver em uma plântula e dá origem a ciclos sucessivos de produção de
embriões secundários, terciários etc. Se embriões somáticos formados diretamente sob o explante
são convertidos em plântulas não é possível a sua multiplicação.
Na embriogênese indireta, os calos formados podem ser embriogênicos ou não-
embriogênicos, os quais podem ser facilmente distinguidos baseados na morfologia e coloração.

6.1. Estágios da embriogênese somática


Para se obter a resposta positiva neste processo, uma série de estágios e tratamentos deve
ser aplicada (Figura 4). Atenção deve ser dada no desenvolvimento destes tratamentos e
compreensão de seu mecanismo de ação, visando obter o maior número de embriões somáticos que
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Biotecnologia Vegetal

apresentem ao mesmo tempo a maior taxa de germinação e conversão de embriões somáticos em


plântulas. Conseqüentemente, o crescimento ex vitro de plantas de embriões somáticos está sob
uma influência cumulativa dos tratamentos previstos durante a fase in vitro.

Figura 4. Estágios de desenvolvimento da embriogênese somática e sua modulação. (Modificado de Steiner et al., 2008).

A regeneração de plantas via embriogênese somática inclui cinco estágios, de acordo com
George (2008):
Estágio I: Indução de culturas embriogênicas - Início das culturas embriogênicas pelo
cultivo de explantes primários em meio de cultura suplementado com reguladores de crescimento
vegetal como auxina em grandes concentrações, principalmente o ácido 2,4-diclorofenoxiacético
(2,4-D) sendo algumas vezes balanceado com concentrações de citocinina, dentre elas
benziladeninopurina (BAP). A indução de embriogênese somática deve consistir no encerramento de
um padrão atual de expressão gênica no tecido do explante e sua substituição por um programa de
expressão gênica embriogênico. Os reguladores de crescimento vegetal e estresse têm um papel
central na mediação da cascata de transdução de sinal que leva à reprogramação da expressão
gênica. Isso resulta em uma série de divisões celulares que induzem o crescimento tanto do calo
desorganizado ou no crescimento polarizado levando a embriogênese somática. O início da via
embriogênica é restrito apenas a determinadas células sensíveis que têm o potencial para ativar os
genes envolvidos na geração de células embriogênicas. Apenas algumas células do explante
primário são competentes para a indução embriogênica, que segundo Dudits et al. (1995) pode ser o
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Biotecnologia Vegetal

resultado de sensibilidade dessas células à diferentes auxina. Auxinas sintéticas são normalmente
utilizadas para iniciar culturas embriogênicas, e um provavelmente mecanismo pelo qual auxina pode
regular a embriogênese é através da acidificação do citoplasma e da parede celular (Kutschera,
1994). Mais comumente usado é 2,4-D (ácido 2,4-diclorofenoxiacético). No entanto, em alguns
casos, é necessário combinar diferentes auxinas e citocinina (baixa concentração).
Estágio II: Proliferação das culturas embriogênicas - Esta fase é obtida em meio semi-
sólido ou em suspensões celulares suplementado com auxinas em baixas concentrações.
Uma vez que as células embriogênicas são formados, eles continuam a proliferar. Calos
embriogênicos são mantidos em um meio semelhante ao utilizado para a indução. A auxina é
necessária para a proliferação mas é um inibidor para o desenvolvimento de embriões somáticos. O
grau de diferenciação do embrião na presença de auxina varia em diferentes espécies, e a depleção
de auxina no meio de cultura que inicia-se após alguns dias promoverá o desenvolvimento dos
embriões se as culturas não são transferidas para meio novo a cada semana. As culturas podem ser
mantidas em meio semi-sólido para seu aumento, porém, para a multiplicação em grande escala é
recomendado estabelecer suspensões celulares. Além do fato de que a taxa de proliferação é maior
em culturas em suspensão, outra vantagem é que as culturas tornam-se mais sincronizados. O pH
baixo do meio de cultura é essencial para manter as culturas em fase de proliferação. Culturas
embriogênicas de algumas espécies e alguns genótipos podem ser repicadas por um período
prolongado em meio contendo reguladores de crescimento vegetal, e ainda manter o seu potencial
embriogênico, ou seja, a capacidade para produzir embriões somáticos maduros que podem se
desenvolver em plantas. No entanto, o risco de aumentar a taxa de variação somaclonal aumenta.
Estágio III: Pré-maturação de embriões somáticos – iniciada em meio sem regulador de
crescimento, o que inibe a proliferação e estimula a formação de embriões somáticos e o início do
desenvolvimento. A compreensão da transição de massas pró-embriogênicas para embriões
somáticos, entre a proliferação de culturas embriogênicas e o desenvolvimento embrionário
organizado, desempenha um papel importante. Parece provável que a incapacidade de muitas
linhagens de células embriogênicas se desenvolverem em embriões somáticos está na grande
maioria associada a esta transição. Auxinas sintéticas, tais como 2,4-D, que são particularmente
eficazes para promover a criação e proliferação de culturas embriogênicas, geralmente não são
metabolizadas pelas células da mesma forma como auxinas natural. Assim, para estimular um maior
crescimento dos embriões somáticos é necessário transferir as culturas embriogênicas para meio
sem auxina por um período para posterior transferência para a maturação dos embriões (estágio IV).
Esta etapa auxilia também na sincronização do desenvolvimento dos embriões somáticos.
Estágio IV - Maturação de embriões somáticos - este estágio ocorre pelo cultivo das
culturas embriogênicas em meio suplementado com agentes promotores de maturação como ácido
abscísico (ABA) e/ou redução do potencial osmótico, com o uso de polietilenoglicol (PEG) e maltose.
Durante o estágio de maturação de embriões somáticos estes sofrem alterações morfológicas e

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Biotecnologia Vegetal

bioquímicas. Os cotilédones, órgãos de armazenamento, expandem concomitante com a deposição


de compostos de armazenamento, a repressão de germinação e na aquisição de tolerância à
dessecação. Embriões somáticos acumulam compostos de armazenamento que apresentam as
mesmas características que as dos embriões zigóticos. Dentre os compostos, ocorre a síntese e
deposição proteínas de reserva e proteínas LEA (late embryogenesis abundant proteins) durante a
embriogênese somática, assim como é observada na embriogênese zigótica, as quais são reguladas
pela expressão de genes induzidos pelo ABA e estresse osmótico (pela aplicação de PEG e
maltose). Em algumas espécies, o tratamento de maturação é seguido por uma dessecação parcial o
estimula a frequência de germinação de embriões somáticos. É sugerido que na dessecação ocorre
a redução dos níveis endógenos de ABA, um inibidor do processo germinativo.
Estágio V: Regeneração de plantas - em meio sem reguladores de crescimento.
Embriogênese somática é um processo complexo onde a qualidade do produto final, ou seja, a
sobrevivência e o crescimento das plantas regeneradas dependem das condições previstas nas
fases anteriores, quando os embriões somáticos maduros são formados e germinam. Portanto, a fim
de desenvolver a propagação em massa de plantas a partir de embriões somáticos, um
monitoramento dos fatores críticos que possam contribuir para o desempenho ex vitro de plantas é
necessário. Apenas os embriões maduros que se acumularam compostos de reserva suficiente e
tenham adquirido tolerância à dessecação no final de maturação se desenvolvem em plantas
normais.

6.2. Vantagens da embriogênese somática


Comparando-se às demais técnicas de micropropagação, como a organogênese, a
embriogênese somática apresenta as seguintes vantagens: a) permite a obtenção de uma grande
quantidade de propágulos (os embriões somáticos); b) o sistema permite um alto grau de
automatização, permitindo baixar os custos por unidade produzida, através da utilização de
biorreatores; c) os embriões somáticos podem ser produzidos de forma sincronizada, com alto grau
de uniformização e pureza genética; d) pode ser utilizada como uma ferramenta integrada a
programas de melhoramento genético, em especial quando associada às técnicas de
criopreservação e engenharia genética.

6.3. Limitações/Desvantagens da embriogênese somática


Entretanto, a principal limitação dos sistemas de embriogênese somática, desenvolvidos para
várias espécies, é a escassez de protocolos otimizados de maturação, a qual acontece
principalmente em espécies arbóreas, obtendo uma baixa taxa de conversão dos embriões
somáticos em plântulas de determinadas espécies. Adicionalmente, a variação somaclonal ocorrida
após sucessivas subculturas, afetando o desenvolvimento das plantas produzidas é uma
desvantagem.

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Biotecnologia Vegetal

7. APLICAÇÕES DAS TÉCNICAS DE MICROPROPAGAÇÃO

7.1. Produção de sementes sintéticas


Sementes sintéticas ou sementes artificiais são propágulos (embriões somáticos)
encapsulados artificialmente que podem ser usadas para a propagação, mimetizando a semente
verdadeira, uma vez que elas podem ser semeadas e possuem a habilidade de se converter em uma
planta em condições in vitro ou ex vitro, além de reterem esse potencial até mesmo após
armazenamento.
A tecnologia do encapsulamento é uma crescente área da pesquisa em biotecnologia que
possui um grande impacto na conservação e distribuição de plantas cultivadas in vitro de uma forma
mais econômica. Essa tecnologia consiste em uma técnica excelente de propagação de híbridos
raros, genótipos de elite, plantas geneticamente modificadas e plantas raras ou ameaçadas de
extinção para os quais as sementes são muito caras ou não estão disponíveis. Como o custo de
produção de sementes híbridas (em vegetais, forrageiras, cereais ou plantas economicamente
importantes) ou outros métodos convencionais de propagação são muito altos, as sementes
sintéticas podem oferecer uma alternativa menos custosa. Algumas outras vantagens potenciais da
técnica do encapsulamento incluem a facilidade de transporte (devido o pequeno tamanho da
cápsula), uniformidade genética de plantas e semeadura direta ao solo ou em casas de vegetação.
Além disso, as sementes sintéticas podem ser produzidas ao longo do ano enquanto a maioria das
espécies arbóreas produz sementes em determinados meses do ano. Adicionalmente, as sementes
sintéticas podem ser utilizadas na conservação de germoplasma a longo prazo pela criopreservação
in vitro.
Muitas plantas economicamente importantes como cereais, frutas, plantas medicinais são
estudadas no mundo inteiro para o melhoramento vegetal, na engenharia genética, na propagação e
para propósitos farmacêuticos. Nesse contexto, a aplicação mais importante das sementes sintéticas
pode ser a troca de material vegetal axênico entre laboratórios devido o seu tamanho reduzido e a
relativa facilidade de transporte dessas estruturas.

7.2. Conservação de germoplasma


A conservação de germoplasma como uma atividade científica foi proposta nos anos 70 para
prevenção da erosão genética e para o melhoramento da produtividade agrícola (IBPGR, 1993). A
conservação de germoplasma de espécies nativas, cultivares domésticas e parentes silvestres de
espécies agronômicas tem sido uma das mais importantes áreas de pesquisa na Botânica desde
então. Seu principal objetivo é o desenvolvimento de técnicas para a conservação em longo prazo da
variabilidade genética de espécies vegetais com a máxima integridade genética e biológica possível.
Existem duas estratégias básicas de conservação: a conservação in situ (manutenção das
espécies no seu habitat natural em parques, reservas biológicas ou reservas ecológicas) e ex

29
Biotecnologia Vegetal

situ (coleções de plantas no campo, de sementes em bancos de sementes ou de coleções de


plântulas em bancos in vitro).
Algumas espécies vegetais necessitam de procedimentos de conservação alternativos ao de
banco de sementes. Este é o caso de espécies que se propagam exclusivamente por propagação
vegetativa por que: a) não produzem sementes viáveis; b) apresentam intensa heterozigosidade ou
elevada segregação, o que pode resultar na expressão de caracteres indesejáveis na população; c)
são espécies arbóreas de grande porte que demoram muitos anos para passar do estágio juvenil
para o estágio adulto reprodutivo ou d) sementes que não toleram armazenamento por longo período
(sementes recalcitrantes). No caso destas espécies é mais apropriado conservar outra forma de
propágulo que não a semente. Estas espécies problema têm sido mantidas em bancos a campo ou
em bancos de germoplasma in vitro. No primeiro caso as plantas são mantidas como plantações no
campo. Este é um tipo de conservação eficiente para a manutenção de coleções por curto e médio
prazo. Entretanto, esta metodologia requer grandes extensões de terra e envolve altos custos
de manutenção associados com poda, controle de pestes, pragas e ervas daninhas, propagação e
fertilização, entre outros. Igualmente preocupante é o fato de que plantas conservadas no campo
estão vulneráveis ao ataque de pragas e doenças e a desastres climáticos, os quais podem
subitamente dizimar toda a coleção.
A conservação in vitro envolve a manutenção de material vegetal a curto/médio ou longo
prazo. Na conservação a curto/médio prazo, também chamada de conservação de redução do
crescimento, a finalidade é aumentar o intervalo ente as subculturas pela redução do crescimento, o
qual é obtido pela modificação das condições ambientais (como temperatura) e/ou meio de cultura
(redução na concentração de sacarose e nutrientes). A conservação in vitro em longo prazo pode ser
obtida via criopreservação, usualmente realizada em temperaturas ultra-baixas (-196 ºC) com o uso
de nitrogênio líquido. Nesta temperatura todos os processos metabólicos e de divisão celular são
inativados e, dessa forma, o material pode ser estocado por tempo ilimitado. Recentemente varias
técnicas de criopreservação foram desenvolvidas, incluindo o encapsulamento, baseado na
tecnologia desenvolvida para a produção de sementes sintéticas.

7.3. Produção de metabólitos secundários


As técnicas de cultura de tecidos vegetais podem ser aplicadas para obtenção de culturas
vegetais ou linhagens celulares de espécies de interesse farmacológico. Estudos sobre metabólitos
secundários vegetais vem crescendo nos últimos 50 anos. Essas moléculas desempenham papéis
importantes na adaptação das plantas ao seu ambiente, mas também representam uma fonte
importante de compostos ativos para a produção de fármacos. As tecnologias para cultura de células
vegetais foram introduzidas no final dos anos 1960 como uma possível ferramenta tanto para o
estudo como para a produção de metabólitos secundários vegetais.
Diferentes estratégias utilizando sistemas in vitro têm sido estudadas com o objetivo de
aprimorar a produção de compostos vegetais secundários, principalmente cultura de células
30
Biotecnologia Vegetal

desdiferenciadas, mas existe um grande interesse na cultura de pelos radiculares e de outros órgãos.
A utilização de biorreatores representa a etapa crucial que leva a possibilidade da produção
comercial em larga escala de metabólitos secundários a partir de culturas celulares vegetais.
Muitas vias metabólicas têm sido investigadas na cultura in vitro de plantas de interesse
farmacológico, mas os alcalóides tem recebido maior atenção devido à sua relevância farmacêutica.
No caso da indústria de papéis, a separação da lignina da celulose traz um custo considerável ao
meio ambiente. Portanto, reduzir o conteúdo de lignina ou modificar a composição da lignina por
meio de um processo químico aprimorado poderia tornar a extração mais fácil.
Outra vertente dessa engenharia metabólica é a modificação das cores das flores, muito
utilizada em plantas ornamentais, que é alcançada por uma alteração nas vias metabólicas de
flavonóides, betalaínas e carotenóides.

7.4. Micropropagação de espécies de interesse


As diferentes técnicas biotecnológicas podem ser utilizadas para a produção clonal de
propágulos de espécies vegetais que apresentam interesse agronômico ou ecológico. Uma vez
estabelecidas, as metodologias adequadas e as melhores condições para a micropropagação, estas
podem ser aplicadas em escala, obtendo-se a propagação massal destas espécies de interesse.
Dentre as espécies de interesse agronômico destaca-se a produção in vitro de mudas de banana,
batata, abacaxi, cana-de-açúcar, plantas e flores ornamentais, espécies florestais (como Eucaliptus,
Pinus). Adicionalmente, destaca-se a importância da micropropagação de espécies nativas
ameaçadas de extinção, incluindo espécies ornamentais (orquídeas e bromélias) e espécies
arbóreas. Fatores como a intensa exploração de inúmeras espécies florestais madeireiras e não
madeireiras, aliada à expansão da indústria, da agricultura, do turismo e da urbanização de modo
não sustentável causaram a redução das áreas de matas nativas brasileiras. Atualmente, a Mata
Atlântica está reduzida a 7,9 % de sua configuração original, e apesar da devastação acentuada,
esta floresta ainda apresenta o mais alto nível de diversidade de plantas do planeta,
aproximadamente 20 mil espécies, sendo que 40% são endêmicas.
Desta forma, a aplicação de técnicas alternativas de propagação em complementação aos
métodos de propagação tradicionais é fundamental para gerar tecnologias viáveis que possam ser
utilizadas em futuros programas de recuperação e reposição destas espécies nas áreas
impactadas, apresentando um grande potencial de aplicação na produção de mudas para programas
de reflorestamento e restauração de áreas degradadas, bem como em programas de conservação
de germoplasma. Neste sentido, técnicas biotecnológicas, como a cultura de tecidos in vitro, pelos
métodos de micropropagação e embriogênese somática, são opções viáveis para a propagação
clonal de espécies de interesse econômico, como espécies arbóreas nativas, principalmente porque,
nestas espécies, os métodos de propagação por estaquia são de difícil controle, devido à relação
inversa entre a idade das plantas doadoras e a capacidade de enraizamento das estacas, bem como
as sementes apresentam baixa viabilidade quando armazenadas por longos períodos e baixa taxa de
31
Biotecnologia Vegetal

germinação. No Brasil, esta propagação em escala vem sendo realizada por várias empresas
privadas, com a SBW do Brasil (http://www.sbwbrasil.com.br/), a Biofábrica de Cacau
(http://www.biofabricadecacau.com.br/).
Adicionalmente, protocolos estabelecidos para a micropropagação de espécies de interesse
econômico são importantes para dar suporte a transgenia de plantas, que dependem destas
metodologias estabelecidas para obter as plântulas transformadas com os genes de interesse.

8. TRANSGÊNESE EM PLANTAS
Há muitos anos, plantas cultivadas vêm sendo manipuladas geneticamente pelo homem, por
meio de melhoramento clássico. Características fenotípicas de interesse, determinadas por genes, são
transferidas à progênie, através de cruzamentos. No entanto, esses métodos convencionais de
melhoramento esbarram em uma série de problemas, como a redução de pool gênico, a ligação
gênica e a incompatibilidade sexual, além do tempo necessário para se transferirem caracteres
desejáveis para cultivares de interesse que podem durar décadas em espécies bienais e em perenes
ou em espécies altamente heterozigotas. Atualmente o melhoramento de plantas pode recorrer às
técnicas de engenharia genética.
A combinação de técnicas de biologia molecular, cultura de tecidos e transferência de genes
representa uma ferramenta poderosa para introduzir novas características em uma determinada
planta. Genes oriundos de diferentes espécies vegetais, animais ou microorganismos podem ser
introduzidos de forma controlada em um genoma vegetal receptor, de modo independente da
fecundação. A variabilidade genética existente na natureza é a fonte desses genes. Entretanto, sua
utilização no processo de transformação de plantas exige o desenvolvimento da pesquisa básica em
biologia molecular e celular. O gene responsável pela característica de interesse deve ser localizado e
isolado dos demais genes do genoma. De posse do gene, ele será então caracterizado e introduzido
em vetores para transformação de plantas (Figura 5).

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Biotecnologia Vegetal

Figura 5. Etapas na obtenção de plantas transgênicas (Adaptado de Brasileiro & Carneiro, 1998).

O fenômeno da totipotência permite que plantas transgênicas sejam obtidas de células


originalmente transformadas com o DNA exógeno, possibilitando a formação de um organismo
completo. Métodos de obtenção de plantas transgênicas já estão bem estabelecidos. Agrobacterium
tumefaciens, por exemplo, é um eficiente vetor na engenharia genética de plantas, principalmente em
espécies de dicotiledôneas. Essas bactérias do solo transferem naturalmente parte de seu genoma às
células vegetais, no momento da infecção. O DNA da agrobactéria pode também ser manipulado por
engenharia genética, de maneira a portar genes de interesse. No processo de infecção de células
vegetais, a agrobactéria se encarregará de integrá-lo no genoma vegetal. São por isso chamadas de
engenheiros genéticos naturais. A regeneração das células que contem esse DNA exógeno dará
origem a plantas transgênicas, transmitindo o gene integrado à progênie de forma mendeliana.

33
Biotecnologia Vegetal

Outras técnicas de transferência de genes podem ser aplicadas, tanto em plantas


dicotiledôneas quanto em monocotiledôneas. Essas técnicas, conhecidas como métodos diretos de
transformação, permitem a introdução do DNA exógeno na célula vegetal por meio de mecanismos
físicos ou químicos. Na eletroporação de protoplastos, por exemplo, aplica-se um pulso de alta
voltagem a uma solução contendo DNA e protoplastos em suspensão. O choque elétrico faz com que
poros se abram temporariamente na membrana plasmática, permitindo a passagem do DNA. Esse
método exige técnicas cuidadosas de cultura de tecidos, uma vez que a regeneração de protoplastos
deve ser desenvolvida e muitas vezes o método é específico ao genótipo empregado. Outro método
de transformação direta, o bombardeamento de partículas ou biobalística utiliza microprojéteis
impulsionados em alta velocidade para carrear DNA para dentro das células. Ele apresenta a
vantagem de poder ser usado em tecidos intactos, dispensando procedimentos prévios de cultura de
tecidos.
Posteriormente à transformação utilizando os diferentes métodos, é necessária a obtenção
das plântulas transformadas. Para tanto, é necessário, na escolha da espécie, que esteja estabelecido
o protocolo da propagação in vitro desta espécie, fundamental para a obtenção das plântulas
transformadas. Neste sentido, a cultura in vitro de células e tecidos vegetais é uma técnica
biotecnológica fundamental para o sucesso da transformação genética.
Os riscos que a engenharia genética pode trazer ao meio ambiente e diretamente ao homem
tem sido muito debatidos, e para isso, a maioria dos países que desenvolvem pesquisas com
organismos geneticamente modificados (OGMs) criou uma legislativa própria de biossegurança.
No Brasil, os cultivos de soja, milho e algodão transgênicos chegam aos 50.000 hectares e,
segundo dados estatísticos, essa produção tem se tornado crescente no mundo inteiro desde 1996 (
http://www.isaaa.org.).
O Brasil regulamentou a utilização de plantas transgênicas com a criação da lei nº 11.105, de
24 de março de 2005, a qual estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de
atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o
Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS e reestrutura a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio, dentre outras coisas (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Lei/L11105.htm).

8.1. Princípios da Transformação Gênica


O termo geneticamente modificado é, com freqüência, usado para descrever organismos que
foram geneticamente transformados ou engenheirados. A engenharia genética foi desenvolvida com o
objetivo de construir genes para a transformação genética de organismos. Essa transformação
envolve a escolha de um doador com o gene desejável, a clonagem desse gene e a seleção de um
vetor para a sua transferência ao receptor.
Os sistemas de transformação possuem três componentes principais:
 Mecanismo para introdução do DNA exógeno na célula,
34
Biotecnologia Vegetal

 Tipo de célula ou tecido adequado para transformação e


 Métodos para identificação e seleção de células ou indivíduos transformados.
O sucesso no desenvolvimento de sistemas de transformação para qualquer espécie
depende da disponibilidade de tecnologias a respeito desses três componentes. Obviamente, cada um
deles apresenta requerimentos para sua otimização e, portanto, oferece algumas barreiras ou
limitações ao sistema.
O objetivo final da transformação é adicionar características novas ou diferentes ao indivíduo.
Quando a característica desejada existe em outros indivíduos sexualmente compatíveis com aquele
no qual a característica deve ser introduzida, a primeira alternativa deve ser a transferência do gene
que a codifica por meio de cruzamentos e posterior seleção de progênies que apresentam tal
característica.
Essa estratégia tem sido utilizada pelos melhoristas desde o século XIX. As modernas
variedades de soja, arroz, milho etc. que têm sido utilizadas na agricultura, bem como as linhagens de
suínos, bovinos e aves hoje existentes, foram obtidas pelo cruzamento e seleção de indivíduos que,
por reunirem grande número de atributos positivos, tornaram essas variedades ou linhagens
superiores às demais já existentes.
Uma das principais limitações do melhoramento genético convencional é que o melhorista fica
limitado às características presentes nos indivíduos das espécies sexualmente compatíveis. Por
exemplo, o feijão é uma espécie rica em aminoácidos sulfurados, porém pobre em lisina, enquanto o
arroz é naturalmente rico em lisina, mas pobre em aminoácidos sulfurados. Uma vez que não é
possível realizar o cruzamento entre essas duas espécies, o melhorista convencional não pode reunir
em uma nova variedade elevado níveis de lisina e de aminoácidos sulfurados.
Com a transformação gênica, o intercâmbio de genes, anteriormente limitado pelas barreiras
reprodutivas da incompatibilidade entre espécies, deixou de existir. Com a engenharia genética e a
transformação gênica, é possível intercambiar genes entre bactérias, animais e plantas.
Os elementos básicos para a engenharia genética são as enzimas de restrição, utilizadas
para cortar o DNA em sítios específicos, e as enzimas ligases, que promovem a união de fragmentos
de DNA.
Com a escolha criteriosa das enzimas de restrição, é possível cortar o plasmídio circular das
bactérias, convertendo-o em um filamento linear. Por meio da enzima ligase, pode-se adicionar outro
fragmento de DNA que contenha o gene de interesse e, posteriormente, induzir a circularização do
plasmídio. Este pode ser introduzido na bactéria Agrobacterium tumefaciens por transformação
bacteriana, e essa bactéria, então é utilizada para transferir o transgene para a espécie a ser
transformada. Se o DNA do plasmídio é integrado ao genoma da espécie receptora e os genes
transferidos se expressam, o indivíduo receptor é denominado transformado ou transgênico.

35
Biotecnologia Vegetal

O plasmídio transformado, portador do gene de interesse, é normalmente designado por


abreviatura, em geral as iniciais do cientista ou da instituição responsável, seguida de um número,
como no caso do plasmídio pCAMBIA 1201.

8.2. Transformação por Agrobacterium tumefaciens


O sistema de transferência de DNA Agrobacterium-planta é largamente utilizado para a
obtenção de plantas transgênicas, já que se trata de um sistema simples, eficiente e relativamente
barato. Embora originalmente A. tumefaciens fosse um vetor utilizado apenas em espécies
dicotiledôneas, como soja, tomate, ervilha, algodão etc., essa bactéria tem sido empregada
recentemente, também na transformação de monocotiledôneas (gramíneas).
A utilização de Agrobacterium baseia-se na sua capacidade de transferir, para o genoma da
célula-alvo vegetal, uma região específica denominada T-DNA do inglês “transferred DNA” que
significa DNA de transferência. O pré-requisito para a utilização desse método é a susceptibilidade da
espécie vegetal à infecção por Agrobacterium, a qual envolve várias etapas. Inicialmente, as bactérias
no solo são atraídas por quimiotactismo em resposta a algum ferimento na planta. Uma vez em
contato, as bactérias se fixam à célula vegetal. A seguir, ocorre o processo de transferência do T-DNA
e, finalmente, a integração do T-DNA no genoma da célula vegetal. Para a obtenção de uma planta
transgênica, todas essas etapas são conduzidas em condições in vitro, sendo que o material vegetal a
ser transformado, denominado explante (pedaços de folhas, entrenós, raízes, entre outros) é mantido
em contato com a suspensão de uma linhagem desarmada de Agrobacterium, contendo em um vetor
os genes de interesse a serem introduzidos. Após várias etapas de cultura in vitro, as plantas
transgênicas obtidas são transferidas para casa de vegetação, onde vários ensaios moleculares e
bioquímicos deverão ser realizados.
Este método tem sido eficiente em diversas dicotiledôneas, como fumo, tomate, soja,
beterraba e algodão, dentre outras.

8.3. Eletroporação de protoplastos


A eletroporação de protoplastos é um método utilizado para introduzir macromoléculas em
células vegetais. Protoplastos são células vegetais desprovidas de paredes celulares. Em condições
bem estabelecidas de cultura de tecidos, os protoplastos constituem suas paredes, dividem-se,
formam colônias de células, calos e regeneram plantas, por embriogênese ou organogênese.
A obtenção de protoplastos requer a incubação do tecido vegetal em meio de digestão
composto de enzimas pectocelulolíticas, ou seja, enzimas que digerem a celulose, a hemicelulose e a
pectina, principais componentes da parede celular e principais nutrientes do meio de cultivo. Após a
digestão da parede celular, os protoplastos devem ser purificados e o número de protoplastos intactos
determinado.
A eletroporação consiste na indução de poros reversíveis em membranas celulares,
resultando em fluxo de íons e moléculas através da membrana deformada. Dessa maneira, foi

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Biotecnologia Vegetal

introduzido pela primeira vez um DNA exógeno em células de camundongo por Neumann e
colaboradores em 1982. A eletroporação de protoplastos é realizada imediatamente após a purificação
dos mesmos. Adiciona-se à suspensão de protoplastos, o plasmídeo no qual estão clonados os genes
de interesse a ser incorporado na planta e os genes marcadores, que são utilizados para a seleção
das células transformadas. Dentre os genes de interesse mais visados estão os genes que conferem
resistência a herbicidas, o gene Bt que confere ao vegetal a capacidade de produzir a delta toxina
atuando na proteção contra insetos da classe dos lepdópteros, mais recentemente genes
responsáveis pelo aumento da produção de determinados compostos e ainda em fases de teste genes
que induzem a produção de anticorpos, hormônios, soroalbumina humana, antígenos vacinais e
enzimas.
A seleção é feita no início da cultura, quando a maioria das células derivadas dos protoplastos
está na segunda divisão, Essa seleção precoce é bastante eficiente, evita o aparecimento de falsos
transformantes ou quimeras, o que é um problema em outras técnicas de transformação, nas quais a
seleção é realizada em tecidos ou órgãos intactos.

8.4. Biobalística
O processo de biobalística foi inicialmente proposto por Sanford et al. (1987), com o objetivo
de introduzir material genético no genoma nuclear de plantas superiores. Desde então sua
universalidade de aplicações tem sido avaliada, demonstrando ser um processo também efetivo e
simples para a introdução e expressão de genes em bactérias, protozoários, fungos, algas, insetos e
tecidos animais.
A biobalística utiliza microprojéteis em alta velocidade para introduzir ácidos nucléicos e
outras moléculas em células e tecidos in vivo. Esse processo também é chamado de
bombardeamento com microprojéteis, aceleração de partículas, entre outros. Foi demonstrado que as
partículas (de ouro ou tungstênio) penetram a parede e a membrana plasmática das células vegetais
de maneira não-letal, alojando-se aleatoriamente nas organelas celulares. Posteriormente, o DNA é
dissociado das micropartículas pela ação do líquido celular e integrado no genoma nuclear do
organismo receptor, resultando na transformação genética.
A maioria das variedades transgênicas comerciais hoje disponíveis foi desenvolvida com o
uso da biobalística. Entretanto devido ao custo do uso desta tecnologia e ao fato de o padrão de
integração do transgene aparentemente muito complexo, vários grupos de pesquisa estão usando,
preferindo a transformação gênica via A. tumefaciens.

8.5. Dificuldades na Transformação Gênica em Plantas


A cultura de tecidos tem sido apontada como um dos maiores obstáculos no desenvolvimento
de variedades transgênicas vegetais, uma vez que é necessário desenvolver protocolos que permitam
a regeneração de indivíduos a partir das células transformadas. Uma das dificuldades encontradas
pelos cientistas está no fato de que metodologias de regeneração funcionam bem com algumas, mas

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Biotecnologia Vegetal

não com outras espécies, limitando o espectro daquelas que podem ser transformadas. Nesses casos,
o procedimento tem sido a transferência dos transgenes via genética clássica, por meio de
cruzamentos, a partir do indivíduo transformado com a característica desejada.
Outra dificuldade associada com o uso da cultura de tecidos na transformação gênica envolve
as variações somaclonais (aparecimento de tipos distintos decorrentes de mutações e outras
anomalias inerentes à cultura de tecidos). A frequência de variação somaclonal ou mutações nos
indivíduos regenerados por cultura de tecidos é relativamente alta.
Os métodos de transformação gênica que ainda estão em fase de desenvolvimento e que,
provavelmente, revolucionarão a maneira de se introduzirem genes em plantas são bastante
promissores, alguns dos quais já estão sendo utilizados com a planta-modelo Arabidopsis thaliana.
Um desses métodos envolve a submersão dos botões florais da planta em uma solução contendo os
plasmídios portadores dos transgenes. Outra opção é a transformação de sementes mediada por
Agrobacterium tumefaciens. Embora esses métodos tenham sido utilizados com sucesso em
Arabidopsis, a literatura científica apenas começou a registrar seu uso em outras espécies vegetais de
importância agronômica. Uma importante vantagem desses métodos é a transformação sem
necessidade de uso da cultura de tecidos.

8.6. Potencial da transformação gênica


As metas finais no desenvolvimento de novas variedades e linhagens por meio da
biotecnologia são as mesmas do melhoramento genético convencional, ou seja, produtividade, vigor,
resistência a doenças, qualidade nutricional etc. Entretanto, a biotecnologia oferece possibilidades de
se desenvolverem rapidamente vários tipos com características que não podem ser geradas pelo
melhoramento convencional.

8.6.1. Adição de novas ou diferentes funções


Formas alteradas de enzimas: a introdução de genes de uma enzima estruturalmente
diferente do tipo selvagem, porém ativa, pode resultar em sua maior tolerância às diferentes condições
do meio ambiente. Por exemplo, o herbicida glifosato bloqueia a biossíntese dos aminoácidos
aromáticos. A introdução de um gene que codifica a síntese da enzima EPSP estruturalmente
modificada resultou na resistência ao herbicida glifosato.
Superprodução de proteínas: a introdução de diversas cópias de um gene ou mesmo de um
promotor forte pode resultar na superprodução de uma proteína, a exemplo da proteína de reserva das
leguminosas.
Silenciamento de genes endógenos: o bloqueio, ou silenciamento, de genes de um organismo
pode ser obtido pela tecnologia do RNA anti-senso, do RNAi (RNA de interferência), dentre outras. Por
exemplo, a tecnologia RNAm anti-senso consiste na introdução de uma sequência complementar ao
RNAm do gene de interesse. O RNAm anti-senso hibridiza com o RNAm primário, formando uma fita

38
Biotecnologia Vegetal

dupla, que bloqueia o processo de tradução. Teoricamente, o RNAm anti-senso pode ser utilizado
para inibir a expressão de quaisquer genes.

8.6.2. Adição de novas características


Genes de outras espécies podem ser introduzidos na espécie de interesse, criando uma nova
característica. Existem várias possibilidades, por exemplo: a) metabolismo: transferência de genes das
leguminosas que fixam nitrogênio para as gramíneas; b) biopesticidas: tem-se como exemplo o caso
da transferência do gene codificador da produção da toxina Bt, um bioinseticida natural proveniente da
bactéria Bacillus thuringiensis, para o milho; c) resistência a doenças: a exemplo da introdução do
gene da proteína do envelope viral na cevada, conferindo proteção cruzada ao vírus BYD; d) macho-
esterilidade: a introdução desta característica genética facilita a fecundação cruzada em espécies com
elevada taxa de autofecundação.

8.6.3. Biorremediação
Introdução de genes que codificam para a produção de princípios ativos utilizados na
produção de medicamentos.

8.6.4. Fármacos
Introdução de genes que codificam para a produção de princípios ativos utilizados na
produção de medicamentos.

8.6.5. Alteração no desenvolvimento ou morfologia do indivíduo


Alteração na época de florescimento da planta ou mesmo na sua arquitetura ou coloração.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Thomas, T.L. (1993) Gene expression during plant embryogenesis and germination: An overview. Plant Cell. 5:
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Von Arnold, S. (2008) Somatic Embryogenesis. In: Plant Propagation by Tissue Culture 3 Edition. George,
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White, P.R. (1942) Plant tissue cultures. Annu. Rev. Biochem. 11: 615-628.

40
Biotecnologia Animal

CAPÍTULO 2 - BIOTECNOLOGIA ANIMAL


Aline Martins de Vita1
Vanessa de Souza Rodrigues2
Álvaro Fabrício Lopes Rios3

O desenvolvimento de protocolos de biotecnologia utilizando células animais proporcionou a


obtenção de uma grande quantidade de conhecimento científico a respeito da biologia das mesmas.
Dois exemplos que devem ser citados são a produção de células iPS (do inglês, induced pluripotent
stem cells) e a clonagem interespecífica. O conhecimento das redes gênicas que governam a
pluripotência embrionária através de técnicas de biologia molecular, entre elas a transgenia, permitiu
que em 2006, um cientista japonês, Shinya Yamanaka, tratasse células diferenciadas (fibroblastos)
com genes responsáveis pelo estabelecimento e manutenção da pluripotência celular. Esses
fibroblastos foram “reprogramados” em um tipo celular próximo às células-tronco embrionárias.
Essas iPS são capazes de se diferenciar em qualquer tipo celular presente em um organismo adulto.
Outra pesquisa de grande importância é a clonagem de animais ameaçados de extinção
utilizando oócitos de espécies relacionadas, mas não em risco de extinção (clonagem
interespecífica). Em geral, o núcleo celular da espécie ameaçada é colocado no citoplasma de um
oócito de uma espécie com grande número de indivíduos. Essa espécie serve como receptora do
embrião clonado (um citoplasma e uma barriga de aluguel). Alguns resultados tem sido promissores
como a clonagem de lobos ameaçados de extinção em oócitos de cães domésticos. Algumas
espécies de gado selvagem tem sido submetidas a esse tipo de biotecnologia. Recentemente, um
grupo de pesquisadores de diversos países utilizou material congelado de uma espécie de cabra
selvagem extinta (Capra pyrenaica pyrenaica) e clonaram em uma receptora doméstica. O animal
nasceu, mas morreu em seguida.

1. ESTRUTURA DOS GENES

Os códigos genéticos variam em seu tamanho de acordo com a espécie. Em eucariotos, a


maioria dos genes são intercalados por sequências não codificadoras denominadas íntrons que são
eliminados dos RNAs mensageiros (mRNA) recém sintetizados, processo denominado splicing, para
gerar o mRNA pronto para ser traduzido, que então migra do núcleo para o citoplasma onde ocorre a
tradução das proteínas. mRNAs maduros são então formados apenas por éxons que se associam
após os íntrons serem eliminados.

1
Bolsista UAB. Pós-graduanda em Biociências e Biotecnologia.
2
Bolsista de extensão. Graduanda em Ciências Biológicas.
3
Biólogo, Doutor, Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Biotecnologia Animal

Os íntrons podem participar no controle de qualidade de mRNAs no núcleo. Portanto, se sabe


que a processamento do mRNA maduro ocorre no núcleo para checar a sua funcionalidade.
Um códon de terminação seguido por um íntron menor que 50 nucleotídeos é considerado não-
funcional, porém alguns íntrons são tão longos que contem genes funcionais, um exemplo pode
ser atribuído aos primeiros íntrons localizados na porção 5’ que servem de sítios de ligação para
fatores de transcrição. Sua presença parece importante por manter um local da cromatina aberta e
favorecer a transcrição.
E ainda, alguns mRNAs não possuem introns. Esse é o caso das histonas e numerosos
mRNAs virais. Esses RNAs contem sinais que permitem que o mRNA seja transportado do núcleo
para o citoplasma.
A transcrição é controlada por mecanismos complexos que envolvem a ação de proteínas que
são chamadas de fatores de transcrição, as quais reconhecem sequências curtas específicas de
DNA (cerca de 12 nucleotídeos). Alguns dos fatores de transcrição se ligam ao DNA e controlam a
síntese de RNA apenas após ter sido ativado por outros mecanismos celulares como fatores de
crescimento, hormônios, estresse celular etc. Um determinado fator de transcrição pode participar no
controle de diversos genes uma vez que ele pode se associar a uma série de fatores específicos
para cada tipo celular
Regiões promotoras ou “promotores” estão localizados no sítio de iniciação da transcrição. A
combinação de fatores de transcrição que se ligam ao promotor determina sua potência e
especificidade celular. O complexo de transcrição responsável pela síntese de mRNA é formado na
região promotora.
Os primeiros promotores encontrados em genomas virais e na maioria dos genes mais
expressos contem sequências (consensus sequences). Uma região rica em AT (A = adenina; T =
timina) denominada TATA Box está presente em muitos genes a cerca de -30 bp (pares de base) à
montante do sítio de iniciação da transcrição. Fatores específicos se ligam ao TATA Box e fazem
parte do complexo de iniciação da transcrição.
À montante (upstream) dos promotores e em distâncias variáveis, elementos acentuadores
(do inglês, enhancers) da transcrição são encontrados na maioria se não todos os genes animais. O
nome enhancer foi dado a essas regiões regulatórias dos genes uma vez que eles são capazes de
aumentar a taxa de transcrição global. Estudos recentes mostram que acentuadores não aumentam
a taxa de transcrição por si só, mas a probabilidade de ocorrer a transcrição. Acentuadores atuam
aumentando a freqüência do complexo de transcrição estar ativo na célula. Eles geralmente contem
múltiplos sítios de ligação para fatores de transcrição. O complexo fator de transcrição-DNA interage
com o complexo de transcrição a uma determinada distância pela formação de um loop que carrega
o acentuador e o promotor muito próximos.

1
Bolsista UAB. Pós-graduanda em Biociências e Biotecnologia.
2
Bolsista de extensão. Graduanda em Ciências Biológicas.
3
Biólogo, Doutor, Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Biotecnologia Animal

Os mRNAs maduros no citoplasma contem regiões diferentes com funções distintas e


específicas. A região que precede o códon de iniciação denominada região não traduzida 5’ (5’UTR)
está geralmente envolvida no controle da tradução. 5’UTR ricas em GC não favorecem ou até
mesmo inibem a tradução enquanto 5’UTR ricas em AU favorecem ou pelo menos não prejudicam a
tradução do RNA. Algumas 5’UTR contem regiões regulatórias especiais permitem que um mRNA
seja traduzido ou não de acordo com o estado fisiológico da célula.
A região downstream do códon de terminação chamada de região não-traduzida 3’ (3’UTR) é
relativamente longa em muitos genes, enquanto 5’UTR são geralmente curtas. Algumas 3’UTRs
contem sequências às quais proteínas se ligam. As 3’UTRs de alguns mRNAs contem sequências
que formam um complexo com proteínas do citoplasma, direcionando os mRNAs a compartimentos
celulares específicos.
Um dos pontos chave da transgênese consiste na construção de genes que sejam expressos
de forma apropriada quando transferidos aos animais. Os mecanismos que controlam a expressão
gênica não são totalmente conhecidos e a construção de um gene pode eliminar alguns sinais
essenciais ou combinar sinais incompatíveis que levarão ao insucesso da transgênese.

2. AS PRINCIPAIS TÉCNICAS DA ENGENHARIA GENÉTICA

A maioria das mensagens contidas no DNA são lineares. Esse é o caso das mensagens
genéticas baseadas na sucessão de códons, que definem a ordem dos aminoácidos nas proteínas
correspondentes. O mesmo pode ser definido em certo grau para as regiões regulatórias. Os sítios
que ligam fatores de transcrição são compostos de cerca de 12 nucleotídeos adjacentes. Os outros
sinais também contam com sequências de DNA, tendo cada categoria de sinal seu tipo de linguagem
específica, sempre baseado no alfabeto de quatro letras ATGC, correspondente às quatro bases do
DNA.

2.1. Clonagem do gene


O primeiro passo consiste na clivagem do DNA em fragmentos que podem variar de poucas a
muitas centenas de quilobases (kb). Esses fragmentos são introduzidos em vetores bacterianos para
clonagem. Os diferentes vetores disponíveis foram desenhados para abrigarem diferentes
comprimentos de DNA. Plasmídeos, cosmídeos, fago P1, BACs (cromossomos bacterianos
artificiais) e YACs (cromossomos artificiais de leveduras) pode abrigar até 20 kb, 40 kb, 90 kb, 200 kb
e 1000 kb de DNA, respectivamente. Cada vetor contendo apenas um fragmento de DNA é
introduzido em uma bactéria, sendo amplificado, formando um clone.
A clonagem direta de um fragmento de DNA contendo um determinado gene geralmente não
é possível. A clonagem do cDNA (DNA complementar) correspondente geralmente é um passo
intermediário. Para esse propósito, os mRNAs de um tipo celular são re-transcritos em DNA por uma
43
Biotecnologia Animal

transcriptase reversa viral. O DNA fita única obtido dessa forma é então convertido em DNA fita-
dupla por uma DNA polimerase. Os fragmentos de DNA resultante são clonados em plasmídeos para
gerar um banco de cDNA. Por fim, o clone contendo o cDNA em questão pode ser identificado e
isolado para o uso na transgênese.

2.2. Sequenciamento do DNA


O seqüenciamento do DNA consiste em determinar a ordem das bases em um fragmento do
DNA. Por anos, o seqüenciamento foi realizado por técnicas lentas. Nos dias de hoje, o
seqüenciamento foi automatizado e ocorre em uma escala industrial. Agora, é possível seqüenciar
vários milhares de quilobases diariamente, o que é absolutamente necessário para o
seqüenciamento sistemático dos genomas. Pesquisadores também necessitam de computadores
poderosos para determinar a estrutura dos fragmentos de DNA que foram isolados, mutados ou
agrupados.

2.3. Amplificação gênica in vitro


A técnica conhecida como PCR (reação em cadeia da polimerase) para amplificação
específica de uma região do DNA está entre as mais utilizadas pelos biólogos moleculares. Esta
técnica consiste da síntese da fita complementar de uma região do DNA iniciada a partir de um
iniciador primer. O primer é um oligonucleotídeo composto de aproximadamente 15-20 nucleotídeos,
os quais são quimicamente sintetizados e reconhecem especificamente a região do DNA escolhida.
O oligonucleotídeo é alongado por uma DNA polimerase bacteriana, gerando uma fita de DNA
complementar, a qual o primer é ligado. Na maioria dos casos, dois primers que reconhecem
seqüências diferentes de ambas as fitas do DNA são usadas simultaneamente. Assim, dá-se início a
síntese de um DNA dupla fita correspondendo a região localizada entre os dois primers. Regiões de
DNA de 1 kb são comumente usadas. Fragmentos de até 20-40 kb podem ser sintetizados
especificamente sobre condições otimizadas. Após cerca de 30 ciclos de amplificação, milhares de
cópias da sequência de DNA estão presentes no tubo iniciadas a partir de uma única cópia. Isso
permite a identificação de uma região específica do DNA genômico. Essa técnica é então utilizada
para tipagem genômica, mas também para identificar indivíduos. Ela tem se tornado comum na
prática de determinação de paternidade e identificação de assassino. PCR também é uma técnica
essencial para mutação de fragmentos de DNA in vitro e para construção de genes funcionais a partir
de vários fragmentos de DNA.

2.4. Construção gênica


O estudo de genes requer a construção de genes funcionais a partir de vários elementos.
Esses elementos podem ser regiões regulatórias, mas também regiões transcritas. Eles podem estar
em sua estrutura nativa ou mutados experimentalmente. Isto pode ajudar a identificar as regiões
regulatórias que controlam a expressão gênica. As regiões codificantes podem ter sua estrutura
nativa. A construção pode então ser usada para estudar o efeito do gene nas células ou organismos
44
Biotecnologia Animal

inteiros. As regiões transcritas podem conter um gene repórter que codifica uma proteína que pode
ser facilmente visualizada ou quantificada por sua atividade enzimática específica. Isto revela em
quais células e em que proporção o gene repórter é expresso.
A engenharia genética também pode ser usada numa escala industrial para reprogramar
células ou organismos inteiros para produzir DNAs recombinantes de interesse farmacêutico e para
prevenir a rejeição imunológica de órgãos transplantados.
Em todos os casos, os genes devem ser construídos experimentalmente. A construção gênica
contem pelo menos uma região promotora, uma região transcrita e um terminador da transcrição. O
gene construído é, então inserido um vetor de expressão.
A construção de um gene implica no uso de enzimas de restrição, as quais clivam o DNA em
sítios específicos, a síntese química de oligonucleotídeos, a amplificação in vitro de fragmentos de
DNA por PCR e a associação covalente dos diferentes fragmentos de DNA por uma ligase. Na
maioria das vezes, esses fragmentos são adicionados em plasmídeos, que são transferidos para o
interior de bactérias. Os clones bacterianos são selecionados e amplificados.
A escolha dos elementos a serem adicionados na construção gênica depende do objetivo do
experimento e particularmente do tipo celular no qual o gene em questão deve ser expresso. O
código genético é universal mesmo se alguns códons são mais utilizados em um determinado tipo
celular que outros. O código que define a atividade das seqüências regulatórias é específico a cada
tipo de organismo. O promotor de um gene bacteriano não está ativo em uma célula vegetal ou
animal, assim como o contrário.

2.5. Transferência do gene


Um gene isolado pode ser transcrito in vitro e seu mRNA pode também ser traduzido em um
sistema sem célula. Isto permite aos pesquisadores que possuem uma quantidade muito pequena de
proteínas, tornar essa quantidade suficiente para estudos bioquímicos. Essa técnica é insuficiente
para um número de estudos, tal como determinar a atividade biológica da proteína in vivo ou
determinar sua estrutura por cristalização.
Para ser decodificado e traduzido em uma proteína, um gene deve ser transferido para dentro
da célula, a qual, por natureza, contem todos os fatores para transcrição e tradução. A membrana
plasmática de diferentes tipos celulares possui uma barreira que permite um carregamento seletivo
de compostos. Em alguns casos, as moléculas entram nas células através de poros que são abertos
ou fechados de uma forma controlada.
Carreadores específicos podem também transportar determinadas moléculas a serem
transferidas para dentro da célula. Em outros casos, a molécula reconhece receptores específicos do
lado de fora da membrana plasmática e o complexo formado modifica a membrana localmente,
levando a uma internalização do complexo e da membrana ao redor. Esse processo é chamado de
endocitose.

45
Biotecnologia Animal

O DNA é uma molécula grande e carregada negativamente e, portanto, não pode atravessar
espontaneamente a membrana plasmática. Essa é uma forma das células de se protegerem do DNA
estranho que pode estar na vizinhança. Oligonucleotídeos adicionados ao meio de cultura ou
injetados em animais podem entrar nas células em condições em que eles estão presentes em
concentração relativamente alta.
Várias técnicas foram desenhadas para forçar o DNA a entrar nas células e atingir seu
núcleo. Essas diferentes formas de transferir o gene para dentro das células foram agrupadas e
denominadas transfecção.

3. TÉCNICAS PARA TRANSFERÊNCIA NUCLEAR (CLONAGEM) E TRANSGÊNESE

3.1. Clonagem
3.1.1. As principais etapas da diferenciação
A clonagem é, por definição, a reprodução de uma célula e, de forma mais geral, de um
organismo inteiro sem qualquer modificação de seu genótipo. Esse fenômeno ocorre amplamente na
natureza uma vez que bactérias e fungos se reproduzem de acordo com esse processo. A mesma
situação é encontrada em células somáticas de organismos pluricelulares, com exceção daquelas do
sistema imune que sintetizam anticorpos e receptores T. Um número de plantas pode se multiplicar
independentemente da reprodução sexuada. Estacas são estratégias utilizadas pelos jardineiros para
a reprodução de muitas plantas e os organismos resultantes são clones.
Nenhum fenômeno desse tipo foi observado em vertebrados. Os mecanismos de
desenvolvimento em plantas e animais são bem diferentes. Isso explica por que a clonagem em
plantas pode ser obtida a partir do simples prolongamento do estado diferenciado, enquanto para
animais isso não ocorre. Em animais superiores, sabe-se que a célula inicial do zigoto formada logo
após a fertilização é totipotente. Isso significa que a célula pode gerar todas as células daquele
organismo. O mesmo acontece para duas ou quatro células do início do embrião em
desenvolvimento. Essas células podem se desenvolver em um organismo vivo se introduzidas na
zona pelúcida de um oócito. Essas células, portanto, ainda são totipotentes. Após esse estágio, as
células embrionárias começam a perder a totipotência e se tornam pluripotentes. Essas células,
conhecidas como blastômeros, não são diferenciadas. Essas células perdem a capacidade de gerar
um organismo vivo após serem transferidas para a zona pelúcida.
Após alguns dias, dependendo da espécie, o embrião, conhecido como blastocisto, pode ser
dividido em duas categorias de células: a) as células que formam uma camada unicelular ao longo da
zona pelúcida, que dará origem à placenta e; b) as células que formam um bloco compacto,
conhecido como massa de células internas, que é precursor do próprio embrião.

46
Biotecnologia Animal

3.1.2. Clonagem por transferência nuclear


Cerca de 40 anos atrás, a clonagem de uma rã (Rana pipiens) e de um sapo de laboratório,
(Xenopus laevis), foi realizada por uma técnica que foi essencialmente a mesma usada para gerar a
ovelha Dolly.
A técnica é baseada em uma simples ideia. O citoplasma do oócito deve ser capaz de
favorecer ou induzir totipotência na célula. Na verdade, o núcleo espermático é inativado em nível
transcricional. O DNA espermático é coberto por proteínas básicas, as protaminas, e a cromatina é
amplamente condensada. Logo após a fertilização, o núcleo espermático é descondensado.
Protaminas são substituídas por histonas, levando a ativação progressiva do genoma alguns dias
depois, dependendo da espécie. O citoplasma do oócito assim tem uma capacidade forte de
reprogramar o genoma para o desenvolvimento do embrião. Muitos genes são requeridos para o
desenvolvimento do embrião e a expressão massiva de genes é observada em células totipotentes e
pluripotentes. Não se conhece até que ponto a expressão de todos esses genes é requerida no início
do embrião. Sabe-se que a diferenciação é acompanhada e provavelmente causada por uma
extinção seletiva de genes específicos e pela ativação de outros. Isso leva a um padrão de
expressão que caracteriza cada célula diferenciada.
Núcleos isolados de células embrionárias de Xenopus foram transferidos por
micromanipulação em citoplasmas de oócitos enucleados. A enucleação é indispensável para
eliminar o genótipo do oócito e prevenir que embrião se torne triplóide após a transferência de um
núcleo diplóide. A enucleação ocorreu por aspiração usando uma micropipeta. Esses experimentos
pioneiros não tiveram sucesso. Foi postulado que isso se deve a utilização de um núcleo isolado, que
pode ter perdido componentes essenciais durante o processo de micromanipulação.
Uma outra estratégia foi utilizada. Ela consistia na injeção de uma célula embrionária diplóide
entre a zona pelúcida e a membrana plasmática do oócito enucleado. Esse primeiro passo foi
seguido pela fusão das membranas plasmáticas da célula e do oócito. Isso foi alcançado por
submeter o material a um campo elétrico alternativo. Esse tratamento desestabiliza as membranas
celulares, as quais espontaneamente se fundem sob essas condições. O núcleo da célula é então
transferido para o citoplasma do oócito sem qualquer micromanipulação. O campo elétrico tem outra
função que é essencial. A fertilização não é só a transferência do genoma do esperma no oócito. O
esperma também contem fatores que induzem o transporte de cálcio pelo oócito. Este é um sinal
essencial para levar ao desenvolvimento do embrião. O campo elétrico cria poros na membrana do
oócito, tornando possível que o cálcio no meio entre na célula. Isso mimetiza a ativação do oócito
pelo esperma. O embrião reconstituído pode assim iniciar seu desenvolvimento (Figura 1). Xenopus
foi clonado dessa forma há 40 anos atrás.

47
Biotecnologia Animal

Figura 1: Princípios da clonagem animal por transferência nuclear (Modificada de Houdebine, 2003).

Cerca de 15 anos atrás, parecia importante estender a técnica de clonagem para animais de
fazenda para acelerar a seleção genética como era o caso das plantas. O protocolo definido para
Xenopus também foi utilizado em ovelha e os cordeiros clonados foram obtidos dessa forma.
A taxa de sucesso desses experimentos foi e ainda é baixa, e foi levemente melhorada ao
longo dos últimos 15 anos. Cerca de 1 % dos embriões reconstituídos por transferência nuclear deu
origem a animais normais. Esse número é insuficiente para acelerar a seleção genética. Na verdade,
o genótipo do embrião do qual as células doadoras foram isoladas não é conhecido. Apenas o
genótipo e o fenótipo de seus progenitores são conhecidos.
Para melhorar os resultados da clonagem, protocolos modificados foram adotados, mas com
sucesso moderado. Uma das razões pela qual a clonagem falha tão frequentemente pode resultar da
discordância entre os estágios do ciclo de divisão das células doadoras e os oócitos recipientes. Na
verdade, é fácil imaginar que uma célula doadora na fase mitótica não entregue seus cromossomos
ao oócito recipiente de uma forma apropriada. A fase da célula doadora é desconhecida na maioria
dos casos e a transferência nuclear gera provavelmente embriões não viáveis.
Um número crescente de estudos está progredindo para descrever os fenômenos que são
regularmente observados após a clonagem. Uma das descobertas mais marcantes é a discrepância
entre o número de blastocistos obtidos após a transferência nuclear seguido pelo desenvolvimento in
vitro e o número de recém-nascidos que sobrevivem. Outra descoberta surpreendente é o grande
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Biotecnologia Animal

número de abortos tardios que ocorrem após a transferência nuclear e a morte de cerca de 40 % dos
fetos e recém-nascidos. Diversas anormalidades são comumente observadas, tais como grande
embrião com uma placenta pouco desenvolvida. Outras observações têm sido constatadas como:
aplasia tímica, atrofia do rim, flutuações da temperatura corporal, hipertrofia do fígado ou do coração,
concentração alta de leptina, imunossupressão parcial etc.

3.2. Transgênese

3.2.1. Os objetivos e o conceito de transgênese animal


A transgênese consiste da introdução de uma sequência exógena de DNA no genoma de um
organismo pluricelular que então se torna presente na maioria das células e é transferida para a
progênie. A palavra transgênese é, portanto, restrita a plantas e animais. Leveduras, bactérias e
células cultivadas carregando um fragmento de DNA externo são conhecidas como células
recombinantes ou transformadas.
A transgênese é, portanto, diferente da terapia gênica. Na verdade, no último caso, as células
germinativas não abrigam o DNA externo. A expressão terapia gênica germinativa é também
utilizada. Ela designa uma terapia que ainda não foi tentada em humanos e que implica que o gene
externo esteja contido nas células germinativas e transmitido para a progênie.
Os fragmentos de DNA usados para gerar organismos transgênicos são, na prática, quase
sempre os genes contem uma sequência precedida por um promotor que direciona sua expressão
em um RNA e geralmente em uma proteína. No entanto, é fácil imaginar que o DNA externo é
desprovido da capacidade de ser transcrito e que sua presença é desejável, mas não a de seu
transcrito.
O transcrito do gene pode ser um RNA não traduzido em uma proteína. Esse é o caso do
RNA antisentido, das ribozimas e dos genes transcritos pela RNA polimerase I e III.
O objetivo da transgênese é adicionar informação genética exógena a um genoma ou
também suprimir um gene endógeno. Em alguns casos, a substituição de gene funcional por outro
gene funcional é desejada. O gene exógeno pode ser um mutante do gene endógeno ou um
completamente diferente.
A adição de um gene pode ser realizada para fornecer ao organismo uma proteína. Isso pode
resultar na extinção de um gene endógeno. A adição de um gene pode ser usada para estudar o
mecanismo de ação de um promotor no organismo inteiro. A associação de genes repórter com
promotores é geralmente a regra para esse método.
A substituição do gene é principalmente utilizada para inativar um determinado gene. Na
prática, ela consiste da substituição do gene endógeno por um mutante inativado. Espera-se que
essa técnica dê informação sobre a função biológica do gene, como no caso da adição do gene. Na
verdade, tanto a adição gênica quanto a inativação podem induzir modificações em animais

49
Biotecnologia Animal

transgênicos, as quais podem ser observadas ou medidas. Mutantes do gene substituído podem
fornecer informação de uma forma mais sutil.
O DNA exógeno deve atingir o núcleo da célula para se tornar integrada ao seu genoma. O
destino do DNA exógeno não é o mesmo dependendo se ele foi introduzido no citoplasma ou
diretamente no núcleo.
O DNA transferido em células cultivadas está geralmente na forma de um plasmídeo circular.
O plasmídeo é clivado pela DNAse citoplasmática em sítios aleatórios. A principal parte do DNA é
destruída no citoplasma. Uma pequena parte migra para o núcleo, onde ele pode ser transcrito.
Dessa forma, o DNA exógeno é instável e é eliminado assim que as células se dividem. Uma
pequena proporção do DNA exógeno se torna integrado no genoma. Durante a transferência do
citoplasma para o núcleo, os fragmentos de DNA exógeno se associam para formar polímeros
chamados concatâmeros. No citoplasma, as associações covalentes dos fragmentos do DNA
ocorrem aleatoriamente, gerando algumas vezes genes rearranjados em sequência ou posição
cabeça-cauda.

3.2.2. Transferência do gene nos gametas


Parece lógico transferir genes em gametas para gerar animais transgênicos. A fertilização
então traz o DNA exógeno para todas as células do embrião e do adulto. Assim, os primeiros animais
transgênicos foram obtidos por transferência do DNA em embriões no estágio de primeira célula.

3.2.2.1. Transferência do gene no esperma


O esperma maduro tem um genoma inativo que não se replica. Seu DNA é coberto por
protaminas deixando pouco acesso para o DNA exógeno no genoma do esperma. O DNA exógeno
não tem chance de se integrar ao DNA do esperma.
Experimentos realizados há uma década, o qual provou ser fracamente reproduzível, mostrou
que o esperma incubado na presença de DNA poderia carregá-lo para o oócito durante a fertilização,
levando a geração de camundongos transgênicos. Estudos bioquímicos mostraram que o DNA se
liga prontamente ao esperma, mas ainda não foi provado se isso foi seguido pela sua integração. O
esperma então desempenha a função de um veículo para o DNA exógeno.
Após vários anos esse método foi estendido para vacas, porcos, ovelhas e ao peixe-arroz (Oryzias
latipes). Em todos esses casos e por razões desconhecidas os experimentos pareceram ser
fracamente reproduzíveis. Além disso, na maioria dos casos, o DNA exógeno integrado no genoma
do hospedeiro foi amplamente rearranjado. Um estudo revelou que até mesmo após uma lavagem
cuidadosa, o esperma contem DNAse, que degrada o DNA exógeno. A DNAse é abundante no
plasma seminal e quantidades variáveis da enzima permanece ligada ao esperma, explicando por
que o experimento não foi reproduzível e por que o DNA exógeno foi fragmentado. Também é
interessante observar que o DNA exógeno parece induzir a atividade da DNAse no esperma isolado.

50
Biotecnologia Animal

Uma possível interpretação para esse fenômeno é que a DNAse é um meio de proteger o esperma
da contaminação por DNA exógeno do epidídimo ao oócito.

4. APLICAÇÕES DA TRANSGÊNESE

A transgênese é mais utilizada por pesquisadores, mas também pela indústria para diferentes
propósitos. Por uma questão de conveniência, é possível dividir as aplicações da transgênese animal
em três categorias. A primeira, e a principal, razão para utilizar animais transgênicos é para obter
informação fundamental sobre os organismos vivos e as doenças humanas. A segunda razão é usar
animais como uma fonte de proteínas farmacêuticas, células e órgãos. A terceira é melhorar a
produção animal.

4.1. Estudos básicos


A grande maioria dos animais transgênicos é gerada para ser usada como modelos para o
estudo da função gênica e mecanismos de ação. A tendência neste campo é usar animais de uma
forma integrada e crescentemente sistemática. Laboratórios especiais pertencentes às universidades
ou a companhias privadas geram animais transgênicos experimentais (camundongos, C. elegans,
Drosophila) pela adição ou substituição de um gene. Nesses casos, os genes usados são
conhecidos e os pesquisadores precisam de animais transgênicos para avaliar uma hipótese sobre a
função ou mecanismo de controle de seus genes.
Um método mais recente consiste do “knocking out” (bloqueio) de genes de animais em
laboratório sem qualquer hipótese particular sobre sua função. Bancos de animais com um gene
bloqueado por recombinação homóloga ou “gene trapping” estão disponíveis para pesquisadores e
companhias. Esse método sistemático e o completo seqüenciamento dos genomas dos animais
podem fornecer a melhor chance de obter o máximo de informação de forma rápida sobre a função
do gene.

4.2. Estudo de doenças humanas


Os métodos descritos acima para estudar a função do gene são também amplamente usados
para estudar doenças humanas. Na verdade, um gene envolvido em uma doença humana pode ser
adicionado ou especificamente inativado em camundongos. Os modelos obtidos dessa forma podem
auxiliar os pesquisadores com animais experimentais sem valor científico a descrever doenças
humanas e avaliar os efeitos terapêuticos de compostos químicos, proteínas recombinantes ou
genes transferidos a tecidos de pacientes.
O camundongo é a espécie mais comumente usada para esse propósito. Embora satisfatório
em muitos casos, o camundongo não mimetiza algumas das doenças humanas. Isso ocorre devido
ao fato de o camundongo ser um roedor e não um primata e algumas funções biológicas serem
diferentes em camundongos e humanos. Um exemplo marcante é a fibrose cística. Essa doença
51
Biotecnologia Animal

humana é essencialmente causada por mutações do gene CFTR. Camundongos cujo gene CFTR foi
bloqueado não desenvolve a doença. Sabe-se que a ação do canal de cloro CFTR não mais
funcional é compensada pelo efeito de outro gene que não possui o mesmo padrão de expressão em
humanos.
Muitos camundongos transgênicos são modelos candidatos para o estudo de doenças
humanas, sejam elas genéticas ou infecciosas. Na prática, apenas um número limitado de
camundongos parece relevante. Isso ocorre devido o fato de o transgene ou gene bloqueado nem
sempre gere uma doença que se assemelha a patologia humana. O background genético do
camundongo é também muito importante. Isso, às vezes, implica que a modificação genética obtida
em uma linhagem de camundongo tem que ser transferida para outra linhagem por cruzamento.

4.3. Produção farmacêutica


Todas as comunidades humanas estão em busca de substâncias que combatam doenças.
Originalmente, extratos de plantas naturais desempenhavam esse papel. Esse método ainda é muito
popular. A emergência da química tornou possível determinar a estruturas das moléculas ativas nos
extratos vegetais e, em alguns casos, obter essas moléculas ou análogos através da síntese
química. O caso da aspirina é ilustrativo. Extrato de folhas de salgueiro foi amplamente utilizado até
que se descobriu que seu composto ativo é o ácido salicílico. A síntese química de um análogo, o
ácido acetilsalicílico, conhecido como aspirina, foi alcançada no início do século XX. Esse protocolo
ainda é utilizado para preparar drogas muito eficientes.
A engenharia genética tem contribuído muito nesse aspecto. Um gene que codifica uma
proteína de interesse farmacêutico pode ser isolado, inserido em um vetor de expressão e transferido
para células ou organismos que se tornam produtores da proteína em escala industrial.
Isso foi conseguido pela primeira vez com a insulina humana, que foi preparada a partir de
uma bactéria geneticamente modificada há 15 anos. A maioria dos diabéticos é agora tratada com
insulina recombinante e não mais com insulina extraída do porco. O hormônio recombinante tem
maior grau de pureza e é estruturalmente idêntico à insulina nativa humana.
Algumas observações levaram ao uso de células animais geneticamente modificadas como a
fonte de proteínas recombinantes. Essa técnica é usada com sucesso para preparar proteínas em
escala industrial. Anticorpos monoclonais podem ser obtidos a partir de linfócitos B imortalizados
cultivados in vitro conhecidos como hibridomas. Sua produção continua limitada e muitos hibridomas
são geneticamente instáveis e perdem os genes que codificam os anticorpos.
A produção de proteínas recombinantes a partir de células é uma realidade, mas esse
processo tem sua limitação. Quantidades de proteínas que não excedem alguns quilogramas por ano
podem ser preparadas a partir de células com um custo moderado. Outra técnica possível é usar
células animais em organismos vivos. As vantagens são que as células são tão numerosas quanto
requeridas e mantidas em condições metabólicas ideais. Essa possibilidade foi levantada pela
primeira vez em 1982, quando o primeiro camundongo expressando seu transgene em um nível
52
Biotecnologia Animal

elevado foi obtido. Esses animais carregando o gene do hormônio de crescimento de rato ou humano
exibiram crescimento acelerado e alguns deles tiveram uma concentração alta de hormônio de
crescimento no seu sangue (acima de 50 µg/mL). Esse fato originou a ideia de que o sangue de
animais transgênicos poderia ser uma fonte de proteínas recombinantes.
4.4. Melhoramento genético
A seleção genética é um dos métodos principais usados para melhorar a produção animal.
Essa técnica tem se tornado mais poderosa desde a descoberta das leis da hereditariedade e ainda
vem sendo melhorada pelo uso de marcadores genéticos. Com a transgênese, se espera gerar
mutantes de interesse que não poderiam ser obtidos pela seleção clássica, pelo menos dentro de um
intervalo de tempo considerável.
A transgênese em plantas, que é baseada somente na adição do gene por razões técnicas e,
em hipótese alguma, na substituição do gene, tem gerado algumas novas variedades amplamente
apreciadas por agricultores. O mesmo é teoricamente possível para animais. Na prática, isso é
parcialmente verdadeiro. Na verdade, a transgênese é ainda mais complexa e custosa em animais
do que em plantas. Além disso, a introgressão das características genéticas introduzidas pelos
transgenes pode não ser um processo rápido, até mesmo se a clonagem dos fundadores é
implementada. O número de repetições possíveis em animais é e continuará sendo menor em
animais do que em plantas. Os genes candidatos para melhorar a produção animal por transgênese
deve, portanto, ser cuidadosamente selecionados.

5. GENES CANDIDATOS QUE PODEM MELHORAR A PRODUÇÃO ANIMAL

Resistência a doenças: Na agricultura, mais de 40 por cento do que é colhido pode ser
perdido com resultado de diferentes doenças. No melhoramento, a perda pode atingir 20 por cento.
Os genes capazes de prevenir doenças em animais são teroricamente muito diversos. Esses genes
podem inibir a infecção ou replicação. Alguns alelos naturais são conhecidos por proteger os
indivíduos contra doenças. Esses genes são raramente identificados. O estudo sistemático do
genoma de animais de fazenda contribuirá progressivamente para identificar esses genes, que
podem ser transferidos para animais da mesma espécie e, possivelmente de outra espécie para
protegê-los contra determinada doença.
Digestão e metabolismo: Otimizar a digestão em animais de fazenda pode ter diversas
vantagens. Ela pode diminuir o risco de rejeição e poluição, reduzir o consumo de alimento e
acentuar a produção. Modificações metabólicas podem gerar animais melhores adaptados à
alimentação disponível ou de baixo-custo.
Composição do leite: O leite é fonte de cerca de 30 por cento das proteínas consumidas por
humanos em países desenvolvidos. A produção de leite tem sido melhorada pela seleção e

53
Biotecnologia Animal

alimentação otimizada. A composição do leite foi levemente modificada. A concentração lipídica foi
essencialmente acentuada.

6. APLICAÇÕES DA CLONAGEM

A clonagem oferece a oportunidade única de obter células totipotentes a partir de células


totalmente diferenciadas. A clonagem é, portanto, um novo e atraente modelo experimental para
estudar os mecanismos responsáveis pela desdiferenciação e diferenciação celular. A clonagem
também é um novo método de reprodução animal e potencialmente de reprodução humana,
produzindo indivíduos geneticamente idênticos a um adulto. Aplicações potenciais foram
desenvolvidas para melhor controlar a reprodução animal e humana. Hoje, se sabe que a
transgênese é em alguns casos, facilitada pela clonagem. Um número de doenças poderia ser
curado pela terapia celular. Isso implica que células meristemáticas estão disponíveis para regenerar
tecidos lesionados. Células meristemáticas embrionárias podem ser obtidas por clonagem e células
meristemáticas de órgãos podem ser derivadas de células meristemáticas embrionárias. Portanto,
teoricamente, a clonagem poderia contribuir para a terapia celular por autografting. Na prática, essas
aplicações ainda são iniciais e algumas delas podem não se tornar realidade devido a problemas
técnicos ou éticos.

6.1. Estudos básicos


O nascimento da ovelha Dolly demonstrou que a composição genética de células
diferenciadas é essencialmente a mesma de um embrião. A evidência de que o genoma de uma
célula adulta pode gerar um embrião foi confirmada.
Uma das principais questões levantadas pela clonagem é conhecer como os numerosos
genes que são silenciados em células diferenciadas podem ser reativados para participar do
desenvolvimento do embrião. Esse processo raramente ocorre devido à constante baixa eficiência da
clonagem. As razões para numerosas falhas são desconhecidas. É convincente que um determinado
número de genes em células diferenciadas seja mutado e inativado. O desenvolvimento do embrião
pode ser prejudicado se genes essenciais não requeridos para sobrevivência da célula adulta não
funcionem mais.
Um fator é marcante. A maioria dos animais clonados incapazes de sobreviver após o
nascimento apresenta síndromes repetidas, algumas delas são similares a determinadas doenças do
desenvolvimento humano. Isso sugere que o mesmo grupo de genes não é funcional nos clones.
Esse fato é consistente com mutações genéticas aleatórias em células adultas usadas como
doadoras nucleares.
Estudos recentes sustentam fortemente a ideia de que animais clonados são modificados
epigeneticamente. Na verdade, o DNA é metilado anormalmente em embriões gerados pela
54
Biotecnologia Animal

clonagem e não por fertilização normal. Subsequentemente, muitos genes não são reativados pela
desmetilação do DNA e indisponibilizados para o desenvolvimento do embrião. Uma identificação
sistemática dos genes metilados em clones que se desenvolvem normalmente ou não poderia
explicar porque tantos clones são anormais. Esse estudo poderia revelar a função de alguns genes
na organogênese. Isso não implica necessariamente que a metilação do gene nos clones poderia ser
controlada e que isso acentuaria os resultados da clonagem. A metilação do DNA parece ser um
processo sutil, que pode não ser facilmente modificado em alguns genes específicos. O defeito na
reprogramação do genoma e a metilação anormal do DNA pode justificar os efeitos da clonagem na
vida dos animais.

6.2. Reprodução animal


Reprodução por clonagem pode teoricamente acelerar a seleção genética de diferentes
formas. Clones de animais com um genoma valioso podem ser gerados e cruzados com outros
animais da mesma raça ou não, em um número limitado. As propriedades fenotípicas dos animais
podem sugerir que vale a pena os traços surgidos em animais clonados serem introgredidos por
reprodução clássica em uma grande quantidade de animais reprodutores.
Apesar da baixa eficiência e da incerteza que envolve a sobrevivência em longo prazo de
animais de fazenda clonados, a clonagem deve ser implementada para gerar geneticamente animais
idênticos usados como reprodutores para acelerar a seleção genética. De acordo com isso,
reprodutores forçados prematuramente a parar suas atividades por certas razões e particularmente
por acidentes letais, podem ser clonados utilizando-se de células congeladas e obter sua reprodução
via reprodutores clonados. Este protocolo está atualmente sendo seguido em diversos laboratórios.
Não se espera que o impacto da clonagem seja significante, enquanto sua eficiência for baixa.
Todavia, seu uso, do modo como está hoje, parece ser justificável para vários propósitos.
Cavalos de corrida são geralmente muito valiosos e seus clones podem produzir campeões
mais rapidamente do que com a reprodução clássica.
Por razões não compreensíveis, animais de estimação serão clonados futuramente.
Recentemente, um gato foi clonado pela transferência nuclear clássica. Os donos desses animais
acreditam que seus companheiros favoritos continuarão a viver com eles embora eles já estejam
mortos. Um mercado significante foi identificado nesta área e empresas foram criadas para clonas
animais domésticos. Os clientes destas empresas podem ficar amargamente desapontados se a
saúde de seus bichinhos clonados começar a se deteriorar prematuramente, ou se eles morrerem ou
se simplesmente não forem estritamente similar aos seus genitores, como é o caso do gato clonado.
A clonagem é considerada uma forma ímpar de salvar espécies ameaçadas de extinção.
Tentativas de salvar o gauro (Bos gaurus) – um raro ruminante selvagem – por clonagem, usando
oócitos de vacas como recipientes, deu origem a um animal que não sobreviveu. Esta falha pode ser
devido à técnica de clonagem per se e não necessariamente ao fato de que duas espécies diferentes
contribuíram para a geração do clone. A mesma abordagem foi bem sucedida para outros
55
Biotecnologia Animal

ruminantes selvagens. Células foram coletadas de muflões encontrados mortos na pastagem. Seus
núcleos foram transferidos para oócitos de ovelhas enucleados. Aparentemente um muflão normal
nasceu. Outras tentativas estão sendo aplicadas com outras espécies ameaçadas. A eficiência da
técnica de clonagem bem como o limitado apoio financeiro atualmente reduzem a chance desta
abordagem alcançar algum sucesso significativo.

6.3. Reprodução humana


O primeiro grande impacto na opinião pública após o nascimento da ovelha Dolly foi o de que
humanos adultos poderiam ser reproduzidos por clonagem. Embora a clonagem só tenha sido
alcançada em um número limitado de espécies, é difícil acreditar que seja impossível em humanos.
Tentativas de gerar embriões humanos por transferência nuclear foram feitas na Coréia e nos
Estados Unidos. Os resultados foram preliminares para serem convincentes. Em ambos os casos,
apenas alguns embriões começaram a se desenvolver após a transferência nuclear e pararam
rapidamente. Isso sugere que a clonagem em humanos pela transferência nuclear provavelmente
não será tão fácil como em outras espécies. Claramente, grandes esforços têm sido feitos para
aperfeiçoar a técnica de clonagem antes de se estender a humanos.
Além das dificuldades da técnica, a clonagem humana principalmente problemas éticos.

6.4. Clonagem terapêutica


Logo após o nascimento da Dolly, a questão da clonagem terapêutica ganhou impulso. A
terapia celular é uma técnica extremamente promissora para humanos. A ideia é transplantar células
diferenciadas em pacientes para recuperar um órgão lesionado. Essa prática é muito comum em um
número limitado de casos. A transfusão de sangue é o exemplo mais popular. A regeneração de pele
in vitro a partir de células da pele do paciente é uma forma clássica de tratar vítimas que sofreram
queimaduras. A tentativa de transplantar células pancreáticas humanas em pessoas diabéticas não
teve sucesso até hoje por diversas razões técnicas. A implantação de células hepáticas humanas
para cura de hepatite fulminante tem tido sucesso limitado. Uma regeneração parcial do músculo
cardíaco após transplante de células do músculo esquelético homólogo tem sido alcançada
recentemente e parece ser uma técnica promissora.
Células meristemáticas são encontradas em um número limitado de órgãos. Elas são raras e
difícil de serem cultivadas na maioria dos casos. Por essas razões, o seu uso na terapia celular é
limitada até o momento.
Células meristemáticas potencialmente capazes de regenerar um órgão pode ter diferentes
fontes. Órgãos de adultos são, com certeza, uma fonte possível, embora limitada. Células
meristemáticas embrionárias em camundongos são conhecidas por se diferenciarem in vitro sob
influência de diversos indutores.

56
Biotecnologia Animal

Uma alternativa é gerar embriões por transferência nuclear usando células doadoras dos
pacientes. Nessas condições, as células pluripotentes e diferenciadas derivadas de embriões
clonados são, inerentemente, histocompatíveis com o paciente.
Esse protocolo foi chamado de clonagem terapêutica antes de ser implementado. Esse
método ainda é apenas teórico. Na verdade, condições experimentais para clonagem em humanos
são ainda essencialmente desconhecidas. Não se sabe se as células pluripotentes e diferenciadas
teriam as propriedades biológicas esperadas para recuperar o tecido lesionado. Os defeitos
observados em embriões clonados, que severamente alteram o seu desenvolvimento, podem não
ser problemas reais para a terapia celular. Na verdade, um número mais limitado de genes funcionais
é requerido para assegurar a atividade normal de uma célula diferenciada do que o desenvolvimento
completo de um embrião.

6.5. Transplante
O número de pacientes que precisam de células ou órgãos está crescendo e sabe-se que as
fontes de células e órgãos humanos são e continuarão sendo insuficientes. A ideia de utilizar órgãos
de animais surgiu a um século atrás. Essa ideia foi seguida por transplantes experimentais de órgãos
de diferentes espécies aos pacientes. Em diversos casos, os experimentos resultaram em
transplantes com sucesso seguidos de uma resposta de rejeição rápida e severa. Dois órgãos, os
testículos e a câmara interna do olho, foram rejeitados muito mais lentamente. Hoje, se sabe que
esses tecidos expressam uma molécula chamada ligante Fas na sua superfície, o qual induz a morte
de células imune ativadas.
Diferentes espécies animais foram testadas como fonte de órgãos humanos. Os primatas
incluindo os chimpanzés foram originalmente considerados os mais apropriados. Rapidamente, essa
escolha foi descartada. Órgãos de primatas são rejeitados. Os primatas são espécies protegidas e
seu melhoramento genético é extremamente caro. Além disso, primatas tem o maior risco de
transferir patógenos a humanos.
Após descartar os primatas como doadores, os porcos foram escolhidos por constituírem uma
espécie próxima aos humanos, serem onívoros e com tamanho similar. E ao mesmo tempo, serem
considerados tão diferentes dos humanos para transferirem seus patógenos. Além disso, o
melhoramento genético do porco pode ser realizado em condições livres de patógenos por um custo
moderado e ainda, o porco é utilizado com abundância como alimento para humanos, o que reduziria
o sacrifício adicional deste animal.
No futuro, a clonagem pode ser muito útil para gerar animais geneticamente idênticos. Os
indivíduos com o melhor genótipo para transplante em humanos pode ser obtido dessa forma.
Existem diferentes possíveis métodos de obtenção de células ou órgãos de humanos ou
porcos para o transplante em pacientes. Mas é impossível prever qual deles será o mais apropriado,
pois um método parecerá solucionar um determinado problema, enquanto outro método será mais
eficiente em outra questão.
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Biotecnologia Animal

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Folch, J., Cocero, M.J., Chesné, P., Alabart, J.L., Domínguez, V., Cognié, Y., Roche, A., Fernández-Arias, A.,
Martí, J.I., Sánchez, P., Echegoyen, E., Beckers, J.F., Bonastre, A.S., Vignon, X. (2009) First birth of an
animal from an extinct subspecies (Capra pyrenaica pyrenaica) by cloning. Theriogenology. 71(6):1026-
1034.
Houdebine, L. (2003) Animal Transgenesis and Cloning. John Wiley & Sons, Ltd. 212p.
Takahashi, K., Yamanaka, S. (2006) Induction of pluripotent stem cells from mouse embryonic and adult
fibroblast cultures by defined factors. Cell. 126(4):663-76.

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Biotecnologia Animal

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Biotecnologia Industrial

CAPÍTULO 3 - BIOTECNOLOGIA INDUSTRIAL


Aline Martins de Vita1
Vanessa de Souza Rodrigues2
Marília Amorim Berbert de Molina3

1. INTRODUÇÃO

O ramo da Biotecnologia voltado para a produção industrial é denominado Biotecnologia


Industrial. No seu sentido mais amplo, consiste no uso de microrganismos em processos
fermentativos visando à produção de uma grande variedade de compostos com aplicação em
diversos setores da economia. Compreende uma alternativa promissora e vantajosa às rotas
químicas de obtenção de produtos-chave para a saúde humana e animal, agricultura e meio-
ambiente, sendo também fundamental na produção industrial de diversos tipos de alimentos e
bebidas.
A Biotecnologia Industrial não é uma ciência recente. Ao contrário, como verdadeiras “fábricas
celulares”, os microrganismos têm sido explorados há muitos séculos pelo Homem, mesmo antes de
se ter consciência da sua existência, e hoje os produtos e processos biotecnológicos exercem um
profundo impacto na nossa vida diária. Três fases podem ser distinguidas ao longo da história da
Biotecnologia Industrial:

1. A primeira fase pode ser chamada de microbiologia industrial tradicional. Compreende o


conjunto de processos tradicionais seculares de fermentação para a preservação de leite e
vegetais ou para a obtenção de produtos como pão, queijos, vinagre, vinho, cerveja, aguardentes, e
outros produtos fermentados;

2. A segunda fase da microbiologia industrial, chamada de Fermentação Industrial moderna,


nasceu no início do século XX. É caracterizada pelo surgimento dos primeiros processos
fermentativos em grande escala, voltados para a fabricação de solventes, ácidos orgânicos,
vitaminas, enzimas e outros produtos. Em meados do século, entrou em cena a fermentação
para a produção e antibióticos, sendo desenvolvidos os processos de produção industrial de
penicilina e estreptomicina. As pesquisas sobre a ampliação de escala destes dois antibióticos
permitiu o nascimento de um novo campo da engenharia, que incorpora os conhecimentos da
microbiologia e da bioquímica para o desenvolvimento industrial de processos fermentativos,
chamado de engenharia bioquímica. O desenvolvimento científico na área de genética
microbiana foi também de grande importância neste período, sendo geradas novas tecnologias
para o melhoramento de cepas microbianas de interesse industrial;

1
Bolsista UAB. Pós-graduanda em Biociências e Biotecnologia – CBB/UENF.
2
Bolsista de extensão. Graduanda em Ciências Biológicas – CBB/UENF.
3
Eng. de alimentos, Doutora, Professora Associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro.
Biotecnologia Industrial

3. A terceira fase é representada pela era revolucionária da tecnologia do DNA recombinante,


sendo designada como fase da Biotecnologia Industrial moderna. Após muitos anos de
descobertas em genética básica, o desenvolvimento das técnicas de manipulação de DNA
alcançado na década de setenta em laboratórios da Universidade de Stanford e da Califórnia,
nos Estados Unidos, permitiu a criação de uma nova indústria de biotecnologia ao redor do
mundo. O impacto destes produtos está voltado principalmente para a área de saúde,
diagnósticos, agricultura e obtenção de produtos químicos, mas promete também fazer
incursões nas práticas de outras indústrias como petróleo, mineração, alimentos e meio
ambiente.

Diante do rápido desenvolvimento da Biotecnologia Industrial moderna, outros autores (Glazer


e Nikaido, 1995) propõem a divisão da história da Biotecnologia Industrial em apenas dois períodos:

 A era pré-tecnologia do DNA recombinante, que compreende todo o período até 1982, no qual as
atividades metabólicas de alguns microrganismos eram exploradas para a produção de bebidas
alcoólicas e alimentos fermentados ou outras transformações microbianas (Tabela 1). Neste
período os produtos alimentícios representavam cerca de 80% do mercado de todas as
aplicações biotecnológicas.
 A era pós- tecnologia do DNA recombinante, que compreende o período de 1982 até os dias de
hoje, é marcada pelo rápido desenvolvimento de proteínas de uso terapêutico pelo uso da
engenharia genética. O primeiro grande fruto da produção em larga escala de proteínas
codificadas por genes humanos clonados em microrganismos foi a insulina recombinante
humana, produzida através da inserção de genes humanos em plasmídeos e expressão destes
na bactéria Escherichia coli, aprovada para uso clínico em 1982. O segundo produto a chegar ao
mercado foi o hormônio de crescimento humano (hGH). Nos últimos anos cresce o número de
produtos de genes humanos expressos em bactérias e um número expressivo de produtos
voltados para a saúde humana vem sendo desenvolvidos, como será visto mais adiante. Mas, é
preciso destacar que, mesmo com os avanços da moderna biotecnologia industrial, a indústria
de alimentos continua a dominar economicamente o mercado biotecnológico e todos os produtos
listados na Tabela 1 continuam sendo importantes, embora os métodos de fabricação venham
sendo melhorados para incorporar avanços obtidos com a engenharia genética.

Tabela 1 – Principais produtos da Biotecnologia Industrial e suas aplicações antes do advento da


Engenharia Genética.
PRODUTO PRINCIPAIS APLICAÇÕES
Sucos fermentados e licores destilados Bebidas
Queijos Alimentos
Antibióticos Medicamentos
Álcool industrial Aditivo a combustível
Xaropes de frutose Adoçantes
Aminoácidos Aditivo de alimentos e rações; agentes
flavorizantes; adoçantes; preservantes de
alimentos
61
Biotecnologia Industrial

Levedura de panificação Aditivo alimentar; suplemento nutricional


Esteróides Agentes terapêuticos; promotores de
crescimento animal
Vitaminas Aditivos para alimentos e rações
Ácido cítrico Aditivo para alimentos
Enzimas Processamento de alimentos; detergentes para
roupa;
Vacinas Prevenção de doenças
Gomas (polissacarídeos) Emulsificantes de alimentos, espessantes e
estabilizadores
Adaptado de Glazer e Nikaido (1995).

Após os primeiros resultados experimentais das técnicas de DNA recombinante e o surgimento


das primeiras empresas de Biotecnologia nos EUA no final da década de 70, numerosas outras
empresas foram criadas, chegando a constituir um total de 1.100 empresas em 1991, com um
faturamento de US$2,9 bilhões. Em 2005 havia 4.200 empresas de Biotecnologia em todo o mundo,
com um mercado total de US$63bilhões. Números mais atuais apontam para um mercado ainda maior.
Alguns exemplos incluem a empresa holandesa DSM, que alcançou o marco de US$2 bilhões em
venda de produtos produzidos através da Biotecnologia Industrial em 2003. A americana DuPont
informou recentemente que já investiu US$500 milhões em uma planta de projetada para produzir
polímeros e ácido adípico, ambos usados na fabricação de fibras para uso na produção de têxteis. As
empresas Dow e Cargill investiram US$800 milhões na construção de uma planta industrial para
produção de polilactato (PLA) a partir de milho. PLA é um poliéster obtido pela polimerização de ácido
lático produzido por fermentação.
Em anos recentes, tanto o governo americano, quanto vários governos na Europa, têm aprovado
subsídios para estimular pesquisa e desenvolvimento na área de Biotecnologia Industrial. No Brasil,
diversas agências federais e estaduais de fomento à pesquisa também têm investido em diversos
campos da Biotecnologia, assim como várias empresas têm sido criadas.

2. PROCESSOS FERMENTATIVOS

O termo fermentação, do ponto de vista bioquímico, consiste em um processo de degradação


de um substrato, efetuado pela célula microbiana, a fim de produzir energia (ATP), sob condições
anaeróbicas. Do ponto de vista biotecnológico, as denominações “fermentação” ou “processo
fermentativo” são usadas para designar qualquer transformação intermediada por um
microorganismo através de uma seqüência de reações bioquímicas visando à obtenção de um
produto de interesse. Neste caso, as reações podem acontecer na presença ou ausência de
oxigênio. O processo é realizado em equipamentos chamados fermentadores ou biorreatores, que
são reatores onde ocorrem as reações químicas catalisadas pelos biocatalizadores, que são as
células microbianas vivas ou suas enzimas. Em termos industriais, portanto, são designados

62
Biotecnologia Industrial

processos fermentativos transformações envolvendo respiração microbiana, biossíntese e fotossíntese,


como segue:

 Respiração - Maximização da produção de energia via ciclo de Krebs na utilização de


microrganismos aeróbios e anaeróbios facultativos como na produção de biomassa. Ex.:
produção de levedura de panificação (Saccharomycces cerevisiae).

 Fermentação - Produção de energia por reações de oxirredução envolvendo substâncias


orgânicas. Ex.: produção de ácido lático por bactérias láticas (Ex.: Lactobacillus plantarum),
de acetona-butanol (Clostridium acetobutylicum) ou etanol (Saccharomyces cerevisiae).

 Biossíntese - Obtenção de produtos finais do anabolismo, como vitaminas, antibióticos,


polissacarídeos, aminoácidos, enzimas e outras proteínas (diversas espécies microbianas).

 Fotossíntese - Aplicações de microrganismos fotossintetizantes para conversão de energia


luminosa em energia química como a produção de biomassa alimentar com Scenedesmus,
Chlorella e Spirulina.

Dentre os microorganismos com aplicação industrial em processos fermentativos, destacam-se


as bactérias, os fungos filamentosos e as leveduras (fungos unicelulares). Para que um
microrganismo tenha um desempenho eficiente e adequado em qualquer processo fermentativo, é
importante que suas características sejam respeitadas. Ou seja, independentemente do gênero,
espécie ou linhagem microbiana empregada, é preciso fornecer um meio de cultivo que contenha os
nutrientes necessários para garantir tanto o seu crescimento quanto a formação do produto de
interesse. Com o mesmo objetivo, é também imprescindível fornecer as condições ambientais
propícias ao desenvolvimento microbiano, como temperatura, pH e suprimento de oxigênio.
Microrganismos utilizados na obtenção de produtos de interesse industrial, devem ainda
apresentar algumas características importantes. A cultura deve ser pura, geneticamente estável, ter
elevada eficiência na conversão do substrato em produto e não deve ser patogênica.
Considerando o metabolismo microbiano inerente de cada espécie empregada, os produtos
fermentativos podem ser divididos em metabólitos primários e secundários. Os metabólitos
primários constituem os produtos intermediários e finais do metabolismo anabólico, sendo usados
pelas células microbianas para a síntese de macromoléculas essenciais. São, portanto, essenciais
para o crescimento vegetativo das células microbianas. Já os metabólitos secundários são
compostos formados quando o crescimento microbiano entra na fase de desaceleração, não tendo
nenhuma função na multiplicação celular. São produzidos por grupos taxonômicos restritos de
microrganismos. Na natureza, os metabólitos secundários são importantes para os organismos que
os produzem, funcionando como (i) os hormônios sexuais, (ii) ionóforos, (iii) proteção contra
competidores ou (iv) agentes de simbiose.
Os processos fermentativos podem ser divididos em dois tipos: processos submersos (ou
fermentação submersa ou em estado líquido) e processos em estado sólido (ou fermentação em
63
Biotecnologia Industrial

estado sólido). Os processos submersos são caracterizados pela presença de água livre no
biorreator e constituem a maioria dos processos industriais utilizados atualmente. O processo em
estado sólido é caracterizado pela ausência de água livre no meio, acarretando num menor teor de
umidade em comparação aos processos submersos. Neste caso, o cultivo do microrganismo é
realizado sobre ou dentro de partículas de matriz sólida, que pode ser o próprio substrato ou um
material inerte impregnado com nutrientes. O teor de umidade deve assegurar o crescimento e o
metabolismo microbiano, mas não exceder a capacidade de ligação da água com a matriz sólida. Em
geral este sistema é utilizado para a realização de processos envolvendo fungos filamentosos,
devido ao seu crescimento em condições aeróbicas e à sua forma de crescimento em micélios que é
favorecida nessas condições. É principalmente utilizado para a produção de enzimas, mas também
empregado para processos tradicionais como a produção de molho de soja (shoyo) e alguns tipos de
queijos, como o Gorgonzola e o Camembert.
A obtenção de produtos do metabolismo microbiano nem sempre é feita com o uso de células
íntegras dos microrganismos. Nos chamados Processos Enzimáticos, enzimas microbianas são
utilizadas para catalisar reações de transformação de diferentes substratos para obtenção de
diferentes produtos. As enzimas são catalisadores muito eficientes. Ao contrário dos catalisadores
inorgânicos, as enzimas têm alta especificidade, ou seja, formam produtos seletivamente. Esta é uma
característica muito útil nos processos industriais, uma vez que quantidades mínimas de produtos
secundários são formadas, trazendo benefícios econômicos e ambientais. Outras vantagens do ponto
de vista industrial incluem os rendimentos elevados alcançados e as condições brandas de operação. O
consumo energético requerido nos processos enzimáticos é também muito menor em comparação com
os de via química.
Produtos biotecnológicos podem também ser obtidos através de processos chamados
Bioconversões ou Biotransformações microbianas, que são muito semelhantes aos processos
enzimáticos. A diferença fundamental é que nas bioconversões a enzima (ou enzimas) responsável
pela transformação do substrato em produto não é separada da célula produtora. Neste caso, a
vantagem adicional é que as enzimas contidas nas células já estão naturalmente imobilizadas, o que
facilita sua recuperação e reutilização.

3. PRODUTOS DA BIOTECNOLOGIA INDUSTRIAL: APLICAÇÕES E BENEFÍCIOS

São inúmeros os produtos da Biotecnologia Industrial e suas aplicações. O crescente interesse


de pesquisadores e empresas por esta área, bem como o aumento de investimentos por parte de
governos e da iniciativa privada, tem ajudado a acelerar o ritmo em que o conhecimento científico é
acumulado e a ampliar a gama de aplicações comerciais para esta ciência, com inúmeros benefícios
para a sociedade. A Biotecnologia Industrial permite:

• O desenvolvimento de novos produtos;


64
Biotecnologia Industrial

• A melhora de processos industriais já existentes;


• A melhora da qualidade de produtos;
• A substituição de matérias-primas obtidas de petróleo;
• A economia de energia e água;
• A redução de resíduos industriais (tecnologias limpas).

3.1. Metabólitos primários e secundários e suas aplicações

3.1.1. Metabólitos primários

3.1.1.1. Aminoácidos
Um grande número de aminoácidos essenciais não é sintetizado por animais e pelo homem,
devendo ser introduzidos na alimentação humana e no enriquecimento de ração animal. Os
aminoácidos são também empregados na medicina como componentes de soluções usadas no
tratamento pós-operatório e como desintoxicantes nas disfunções hepáticas e gastrointestinais. São
empregadas como matéria-prima na indústria química para a produção de fibras e resinas, na
fabricação de cosméticos e como substâncias surfactantes. São utilizados para realçar o sabor de
um alimento ou conferir-lhe um sabor característico, caracterizando o chamado efeito flavorizante.
São exemplos de flavorizantes o ácido glutâmico, o ácido aspártico e L-alanina. Cerca de 725 mil
toneladas de glutamato monossódico são fabricadas anualmente por fermentação usando várias
espécies de bactérias dos gêneros Corynebacterium e Brevibacterium. A maior parte dos cereais
consumidos no mundo é deficiente em L-lisina e por isso este aminoácido essencial se tornou um
importante produto industrial. Cepas mutantes de Corynebacterium glutamicum têm sido utilizadas na
sua produção.
O mercado mundial de aminoácidos chega a US$ 1,5 bilhão para L-glutamato e L-lisina, US$
198 milhões para a L-fenilalanina e US$ 43 milhões para L-aspartato (Demain e Adrio, 2008).

3.1.1.2. Vitaminas
Os fungos Eremothecium ashbyii e Ashbya gossypii são capazes de produzir Riboflavina
(vitamina B2) em concentrações acima de 20 g/L. Novos processos de produção foram
desenvolvidos nos anos recentes usando leveduras do gênero Candida, que produzem até 30 g/L de
vitamina B2. A vitamina B12, cujo mercado mundial é de mais de $70 milhões, é produzida
industrialmente por Propionibacterium shermanii e Pseudomonas denitrificans.

3.1.1.3. Nucleotídeos
O interesse comercial em nucleotídeos produzidos por fermentação está voltado para dois
produtos: ácido guanílico (GMP) e ácido iosínico (IMP), que agem como flavorizantes (realçadores de
sabor em alimentos). Cerca de 2.500 toneladas de GMP e IMP são produzidas anualmente no
Japão, com um mercado de US$ 350 milhões.
65
Biotecnologia Industrial

3.1.1.4. Ácidos Orgânicos


Os fungos filamentosos são largamente utilizados para a produção comercial de ácidos
orgânicos, mas algumas bactérias também são empregadas em processos industriais. Exemplos de
ácidos produzidos por microrganismos incluem:

 Ácido cítrico: aproximadamente 450 mil toneladas deste ácido são produzidas anualmente
utilizando o fungo Aspergillus niger, com um mercado de US$ 2 bilhões. Processos alternativos
de produção com leveduras do gênero Candida vêm sendo desenvolvidos, principalmente a
partir de hidrocarbonetos.

 Ácido lático: é produzido em escala industrial utilizando-se bactérias e diferentes fontes de


carboidratos (amido, sacarose, trigo, etc). Além de suas aplicações tradicionais como aditivo de
ração animal e de alimentos, novas aplicações incluem a produção de polilactideos (polímeros
ramificados de ácido lático - PLA) usados na produção de plástico biodegradável usado na
fabricação de inúmeros produtos (caneta, carcaça de monitor de computador, armação de
óculos, etc). Ácido lático também é empregado na produção de dermocosméticos.

 Ácido succínico: é usado na indústria farmacêutica e de alimentos, mas é também um


intermediário para a produção de commodities químicas. É produzido por bactérias a partir de
diferentescarboidratos. O potencial de mercado para produtos baseados em ácido succínico é
estimado em 270 mil t por ano, e inclui os seguintes produtos: 1,4-butanodiol, tetrahidrofurano,
gama-butirolactona, ácido adípico e ésteres alifáticos.

 Ácido ascórbico: A produção de ácido ascórbico (vitamina C) combina processos químicos e


biotecnológicos. Glicose é convertida em sorbitol (hidrogenação), este em sorbose
(bioconversão), ácido 2-ceto-L- glucônico (bioconversão), e finalmente em ácido ascórbico
(ciclização química). Um processo puramente biotecnológico foi desenvolvido pelas empresas
Merck, BASF. Um grupo escocês está trabalhando em processo de produção em única etapa
com leveduras geneticamente modificadas. A produção global anual de ácido ascórbico em 2001
chegou a 80.000 t / ano (US$ 600 milhões) com um crescimento anual de 2-3%.

 Ácido itacônico: Dentre outras coisas, ácido itacônico (AI) pode ser incorporados em
polímeros para melhorar as propriedades do produto final. Os campos de aplicação são
múltiplos: revestimentos, adesivos, capas, enchimentos, vidro sintético, etc. Mas, uma série de
outros produtos biologicamente ativos derivados de AI estão sendo desenvolvidos para
aplicação na indústria farmacêutica e na agricultura. Fungos do do gênero Aspergillus produzem
AI com altos rendimentos usando substratos como glicose, sacarose, amido hidrolisado ou
melaço. Aspergillus terreus é a espécie tradicionalmente empregada, mas linhagens com miaor
potencial de produção estão sendo isoladas. Atualmente, o mercado deste ácido é de cerca de
10.000-15.000 t/ano, sendo a maior parte voltada para a produção de polímeros.
66
Biotecnologia Industrial

3.1.1.5. Etanol
O etanol (álcool etílico) é produzido é produzido em processo fermentativo com leveduras
(Saccharomyces cerevisiae, Kluyveromyces fragilis ou espécies de Candida) ou bactérias. A rota
clássica usando leveduras é conhecida há milhares de anos e representa um dos o mais antigos
processos biotecnológicos aplicados pela humanidade. Atualmente, todas as bebidas alcoólicas são
feitas por fermentação e etanol combustível produzido a partir de biomassa já é uma realidade em
vários países. O uso de bioetanol permite a redução da poluição do ar e não contribui para o efeito
estufa, mas a principal dificuldade para a sua comercialização como substituto integral da gasolina é
o custo relativamente elevado de produção. No entanto, avanços na engenharia química e na
genética têm permitido melhora em diferentes etapas de produção. As pesquisas estão voltadas para
o desenvolvimento de pré-tratamentos (hidrólise) da biomassa, visando a despolimerização para
obtenção de açúcares fermentescíveis, e para o uso da tecnologia do DNA recombinante para obter
microrganismos mais eficientes na produção de etanol.
Em 2001, a produção anual mundial de etanol chegou a mais de 30 bilhões de litros. No Brasil
o bioetanol da cana-de-açúcar tem sido usado há mais de 25 anos e o país desempenha um papel
de liderança no setor. Nos Estados Unidos a produção de etanol é feita principalmente a partir de
amido de milho ou trigo.

3.1.1.6. Enzimas
Mais de 500 produtos comerciais são feitos usando enzimas microbianas. Este mercado
abrange uma vasta gama de produtos enzimáticos, desde os de custo muito baixo, comercializados
em grandes volumes, como o malte para cervejaria e outras bebidas alcoólicas, até as preparações
altamente purificadas, de elevado custo, usadas com finalidade analítica, científica e médica. O preço
destes produtos pode variar de centavos/kg a milhares de dólares/g. O mercado mundial de enzimas
atingiu US$3,6 bilhões em 2004, divididos nas seguintes áreas de aplicação: alimentos, detergentes,
têxteis, couro, papel e celulose.

Alguns exemplos de aplicação industrial de enzimas podem ser citados:


 Glicose isomerase bacteriana (xilose isomerase), α-amilases e glicoamilases fúngicas:
usadas para converter amido em mistura concentrada de glicose e frutose, conhecida como
''xarope de milho com alta concentração de frutose”.

 Enzimas de levedura úteis na indústria de alimentos: invertase de K. fragilis, Saccharomyces


carlsbergensis e S. cerevisiae usadas na fabricação de doces e geléias; β-galactosidase
(lactase) de K. fragilis ou Kluyveromyces lactis para a hidrólise da lactose do leite ou soro de
leite.
 Proteases: usadas na indústria de laticínios para a fabricação de queijos. Produzidas por
fungo (Mucor miehei) ou bactéria (Bacillus subtilis).
67
Biotecnologia Industrial

 Proteases, lipases, amilases, oxidases, peroxidases e celulases: usadas como aditivos a


detergentes. Esta representa a maior aplicação de enzimas industriais em todo o mundo.
Proteases usadas em detergentes para lavagem de roupas representam 25% do total das
vendas mundiais de enzimas.
 Lipases são comumente utilizados na produção de uma variedade de produtos que vão de
sucos de frutas, alimentos assados, fermentações de vegetais ao enriquecimento de produtos
lácteos. Gorduras, óleos e compostos relacionados são os principais alvos de lipases em
tecnologia de alimentos visando maximizar a produção de sabor e aroma.

As enzimas vêm sendo cada vez mais usadas nas indústrias de papel e têxtil, visando
processos mais limpos e redução do uso de matérias-primas e produção de resíduos. Um processo
enzimático alternativo na manufatura de algodão foi recentemente desenvolvido com base na enzima
pectato liase. O processo é realizado em temperaturas muito mais baixas e usa menos água do que
o método clássico. Outra aplicação de importância crescente é o uso de lipases para remoção de
componentes hidrofóbicos da madeira, principalmente triglicerídeos e ceras, na industrial de papel e
celulose. Lipase de Candida rugosa é usada para remover até 90% destes compostos. O uso de
enzimas como alternativas a produtos químicos no processamento do couro tem sido bem sucedido
para melhorar a qualidade do material e para redução de poluição ambiental. Lipases alcalinas a
partir de cepas de Bacillus ou neutras estão sendo usados atualmente nesta indústria.

3.1.2. Metabólitos secundários

3.1.2.1. Antibióticos
Os antibióticos são os metabólitos secundários mais conhecidos e mais amplamente
comercializados. São definidos como produtos naturais orgânicos de baixo peso molecular
produzidos por microrganismos e que são ativos em baixa concentração contra outros
microrganismos. Dos 12.000 antibióticos conhecidos em 1995, 55% eram produzidas pelo gênero
Streptomyces, 11% a partir de outros actinomicetos, 12% por bactérias não-filamentosas e 22% por
fungos filamentosos. A busca de novos antibióticos é contínua e tem os seguintes objetivos: obter
compostos voltados a combater patógenos em evolução, bactérias e fungos naturalmente resistentes
ou microrganismos anteriormente suscetíveis que desenvolveram resistência; melhorar a
propriedades farmacológicas; descobrir compostos mais seguros, mais potentes e de mais amplo
espectro. O mercado global de antibióticos inclui cerca de 160 antibióticos e derivados, chegando a
US$35 bilhões no ano 2000.

68
Biotecnologia Industrial

3.1.2.2. Agentes antitumorais


A maioria dos agentes anticancerígenos naturais é produzida por actinomicetos
(doxorrubicina, mitomicina, daunorrubicina, bleomicina). O Taxol, composto originalmente descoberto
em plantas, é também produzido pelo fungo Taxomyces andreanae. É usado no tratamento de
câncer de mama e de ovário, tendo a função de inibir a divisão das células cancerosas. O mercado
de Taxol, comercializado pela empresa Bristol Myers-Squibb, é de US$1,6 bilhão por ano.
Atualmente, encontram-se em testes clínicos substâncias chamadas epotilonas, produzidos por
myxobacterias, e que têm modo de ação semelhante ao Taxol, mas são ativos contra tumores
resistentes a este composto.

3.1.2.3. Agentes redutores de colesterol


As estatinas fúngicas (pravastatina, lovastatina e outras) têm alcançado grande sucesso
como inibidores da enzima reguladora da biossíntese do colesterol no fígado. A primeira a ser
descoberta foi a compactina, produzida por Penicillium brevicompactum e Penicillium citrinum. A
lovastatina é produzida por Monascus ruber e Aspergillus terreus. O mercado de estatinas em 2004
foi de US$15 bilhões.

3.1.2.4. Agentes usados no transplante de órgãos


A Ciclosporina A foi originalmente descoberta como um peptídeo antifúngico de baixo
espectro produzido pelo fungo Tolypocladium nivenum (anteriormente Tolypocladium inflatum). A
descoberta de sua atividade imunossupressora resultou em enorme sucesso no campo de
transplante de órgãos, sendo empregada em transplantes de coração, fígado e rim. As vendas de
ciclosporina A atingiram US$1,5 bilhão em 2004. Outros importantes agentes para transplante
incluem o Sirolimus (rapamicina) e o tacrolimus (FK506) que são produzidos por actinomicetos.
Um antibiótico muito antigo de amplo espectro produzido por fungos, o ácido micofenólico, nunca foi
comercializado como um antibiótico, mas seu éster 2-morfolinoetilester foi aprovado como um novo
imunossupressor para transplante renal em 1995 e para transplantes de coração em 1998.

3.1.2.5. Agentes antiparasitários


Durante anos, os produtos terapêuticos mais importantes usados contra doenças parasitárias
não-microbianas em animais (por exemplo, os coccidiostáticos e anti-helmínticos) eram obtidos por
meio de síntese química. Apesar dos testes de milhares de tais compostos, apenas algumas
estruturas promissores foram descobertas. Hoje, poliéteres produzidos por microrganismos como
monensina, lasalocida e salinomicina dominam o mercado de coccidiostáticos e também são os
principais promotores de crescimento em uso para ruminantes. As avermectinas, um outro grupo de
produtos produzidos por estreptomicetos apresentam alta atividade contra helmintos e artrópodes,
tendo um mercado global anual de mais de US$1 bilhão.

69
Biotecnologia Industrial

3.1.2.6. Bioinseticidas
Muitos insetos são considerados pragas na agricultura e muitos são vetores de importantes
doenças para humanos. Pesticidas e inseticidas químicos sintéticos usados no controle destes
insetos têm sido usados indiscriminadamente, levando ao desequilíbrio nos ecossistemas, à
contaminação dos lençóis freáticos e do próprio solo. Outro problema é a capacidade destes insetos
de se adaptarem aos pesticidas e se tornarem resistentes, o que obriga a utilização de novos
produtos químicos, que são cada vez mais tóxicos e prejudiciais ao meio ambiente. O controle
biológico, utilizando-se bioinseticidas produzidos com bactérias, fungos e outros microrganismos
entomopatogênicos, representa uma importante e eficiente alternativa ao uso de controle químico.
Os microrganismos entomopatogênicos produzem substâncias que os tornam capazes de causar
algum tipo de dano a insetos específicos. A vantagem é que eles são quase sempre específicos, com
baixa ou nenhuma toxicidade para vertebrados e insetos benéficos.
O agente microbiano mais importante e mais amplamente utilizado no controle de vetores de
doenças e pestes agrícolas em todo o mundo é Bacillus thuringiensis (Bt). Esta bactéria produz
proteínas na forma de cristais que são altamente tóxicas para as larvas de insetos suscetíveis. Ao
contrário dos inseticidas químicos, os larvicidas produzidos com Bt são extremamente específicos
quanto à espécie-alvo, apresentando baixa ou nenhuma toxicidade para insetos benéficos e animais
vertebrados, incluindo pássaros e mamíferos. Preparações de Bt são altamente potentes: cerca de
300 vezes mais ativas que piretróides sintéticos e 80.000 vezes mais ativas que inseticidas
organofosforados. Constituem, além disso, uma alternativa viável ao problema do desenvolvimento
de resistência, por parte dos insetos, aos inseticidas sintéticos. Bioinseticidas à base de Bt têm sido
aplicados há décadas para controle de pragas agrícolas e insetos de importância para a saúde
pública, como Aedes aegypti, vetor da dengue, e Anopheles vetores da malária.

3.1.3. Produtos alimentícios e bebidas


Além de gerar diversos metabólitos primários para emprego como aditivos na indústria de
alimentos, os processos biotecnológicos também são voltados à produção direta de vários alimentos
e bebidas. Os exemplos incluem:

3.1.3.1. Biomassa microbiana


Utilizadas como culturas starter, ou seja, iniciadores (inóculos) de diferentes processos
fermentativos. São exemplos as culturas da levedura Saccharomyces cerevisiae usadas em
panificação e na fabricação de cerveja, as culturas de bactérias láticas usadas na fabricação de
queijos (Lactococus lactis e Lactococcus cremoris, por eexemplo) e iogurtes (Streptococcus
thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus) e as culturas usadas como inoculantes
agrícolas (Bradyrhizobium e Rhizobium). Biomassa microbiana também é comercializada na forma

70
Biotecnologia Industrial

de SCP (single cell protein), ou seja, usada diretamente na alimentação humana ou na formulação de
ração animal como fonte de proteínas. Um exemplo de produto alimentício para consumo humano, o
Quorn, foi desenvolvido no Reino Unido e lançado no mercado em 1985, sendo constituído de
biomassa do fungo filamentoso Fusarium venenatum.

3.1.3.2. Queijos e leites fermentados


Todos os tipos de queijo são obtidos por processos enzimáticos e fermentativos, com
emprego de diferentes espécies bacterianas e de fungos. As espécies utilizadas, bem como a
tecnologia de produção, definem os diferentes tipos de queijos obtidos. Dentre os leites fermentados,
podemos citar o iogurte, o leites acidófilos (como a Yakult), o kefir etc.

3.1.3.3. Vegetais fermentados


Picles e chucrute são exemplos de alimentos obtidos por fermentação utilizando-se diferentes
espécies de bactérias láticas. Vinagres de frutas são obtidos com uso de bactérias acéticas do
gênero Acetobacter.

3.1.3.4. Bebidas alcoólicas


Cerveja, vinhos, aguardentes são exemplos de produtos biotecnológicos com grande impacto
no setor econômico. A cerveja, obtida por fermentação com a levedura S. cerevisiae, é a bebida
alcoólica mais consumida em todo o mundo. No Brasil, o setor emprega mais de 150 mil pessoas,
entre postos diretos e indiretos. Dentre todos os setores da economia que se dedicam a bens de
consumo, a cerveja é o produto de consumo que mais gera tributos indiretos no país. O faturamento
do país no setor em 2006 foi de R$ 17,2 bilhões.

3.1.4. Produtos voltados para o Meio Ambiente


A Biotecnologia Industrial terá um papel fundamental para a solução os desafios e problemas
ambientais em todo o mundo. Com novas regulamentações e metas para o controle de poluição
estabelecidas em protocolos internacionais (como o Protocolo de Kyoto, por exemplo), governos e
indústrias irão investir cada vez mais em tecnologias limpas, em processos industriais menos
agressivos ao meio ambiente e na busca de soluções alternativas aos produtos hoje obtidos pela
petroquímica. É constante a preocupação com o crescente aumento do preço do petróleo e seus
derivados, além de tratar-se de uma matéria-prima não renovável. O uso de combustíveis fósseis é
também uma das principais causas de liberação de gases do efeito estufa, principais responsáveis
pelas mudanças climáticas constatadas nos últimos anos.

3.1.4.1. Produção de compostos químicos a partir de matérias-primas renováveis


A Química teve e continua a ter um papel fundamental em quase todos os aspectos da
sociedade moderna. Porém, apesar de fornecer uma vasta gama de produtos úteis, a indústria
química vem sofrendo uma grande pressão devido à preocupação em relação à sua dependência

71
Biotecnologia Industrial

dos recursos fósseis, ao emprego de processos nocivos ao meio ambiente, à geração de


subprodutos tóxicos e de resíduos que não são facilmente recicláveis ou biodegradáveis após a sua
vida útil. Há uma crescente preocupação com a legislação no sentido de melhorar os níveis de
proteção da saúde humana e do ambiente em relação aos riscos químicos. A sustentabilidade da
indústria química, portanto, exige uma estratégia que integre benefícios sociais, saúde e segurança
ambiental com os objetivos tecnológicos e econômicos de suas atividades. O uso de microrganismos
na produção de compostos-chave a partir da biomassa vegetal (qualquer material orgânico
polimérico decorrente da fixação fotossintética) oferece inúmeras vantagens neste sentido. Enquanto
o preço de recursos fósseis, como o petróleo, continuará a subir, matérias-primas agrícolas se
tornam cada vez mais competitivas para a indústria de biotecnologia industrial. As fontes mais
importantes fontes de matérias-primas renováveis são as plantas oleaginosas, amiláceas (milho, trigo
etc), sacarinas (beterraba e cana-de-açúcar) e resíduos agrícolas (palhas, bagaço etc). Alguns
exemplos de produtos químicos obtidos por fermentação a partir de matérias vegetais são:
substâncias tenso-ativas para uso em detergentes e cosméticos, polímeros, ácidos orgânicos (lático,
succínico, ascórbico etc), solventes, vitaminas, aditivos de alimentos, enzimas, dentre outros.

3.1.4.2. Geração de energia: biocombustíveis


Atualmente, os combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural) suprem aproximadamente
80% das necessidades mundiais de energia primária, mas a projeção é que a demanda mundial de
energia aumente 49% até 2035. Mesmo que o consumo futuro de combustíveis fósseis fique limitado
às reservas comprovadas hoje, a queima desses combustíveis resultaria na liberação de mais do
dobro do carbono que já foi emitido na atmosfera até hoje, agravando o efeito estufa. Assim, a
substituição da gasolina por biocombustíveis, como o etanol, apresenta-se como uma solução
biotecnológica para evitar futuros problemas de carência de energia e de graves alterações
ambientais.

3.1.4.3. Produção de inoculantes agrícolas


Os inoculantes agrícolas são compostos com biomassa microbiana que, após inoculação em
plantas, têm a capacidade de colonizar suas raízes ou seus tecidos internos e gerar uma série de
benefícios, sendo o principal deles a fixação de nitrogênio. A principal característica desses
inoculantes é proporcionar aos plantios comerciais benefícios como o estimulo do crescimento
vegetal, a redução de fertilização artificial dos solos, a redução de danos causados por doenças, e a
redução de compostos xenobióticos pela decomposição de pesticidas depositados no solo. São
exemplos de microrganismos usados como inoculantes agrícolas bactérias dos gêneros
Bradyrhizobium e Rhizobium, que fazem simbiose com leguminosas como a soja e o feijão e fixam
nitrogênio atmosférico. Outro exemplo é o fungo micorrízico do gênero Pisolithus, que estabelece
associação mutualística com espécies arbóreas dos gêneros Pinus e Eucaliptus.

72
Biotecnologia Industrial

3.1.4.4. Produção de biopolímeros: plásticos biodegradáveis


A substituição de plásticos de origem petroquímica por plásticos produzidos por
microrganismos é uma alternativa para a prevenção da poluição ambiental. Os materiais plásticos
atualmente produzidos são de difícil decomposição, permanecendo no meio ambiente por várias
centenas de anos, enquanto os biopolímeros são materiais biocompatíveis e são degradados
rapidamente no ambiente. Poli-hidroxialcanoatos (PHA) são polímeros produzidos por algumas
bactérias como material de reserva, apresentando propriedades termoplásticas comparáveis às dos
plásticos de origem petroquímica, além de serem totalmente biodegradáveis. Essa propriedade
confere aos PHA grande relevância no que concerne à preservação ambiental, e, além disso, a
utilização de PHA contribuiria para o desenvolvimento sustentável, considerando que são produzidos
por microrganismos a partir de recursos naturais renováveis. A bactéria Cupriavidus necator
(anteriormente denominada Alcaligenes eutrophus, Ralstonia eutropha, Wautersia eutropha), é uma
excelente produtora de PHA.

3.1.5. Produtos obtidos por bioconversões microbianas


Os microorganismos são extremamente úteis na realização de processos de biotransformação ou
bioconversão nos quais um composto é convertido em um produto estruturalmente relacionado por uma ou
por um pequeno número de enzimas contidas nas células. Os processos de bioconversão são
caracterizados por rendimentos extremamente elevados (90-100%), condições brandas de reação,
especificidade e o acoplamento de reações usando várias enzimas de um microrganismo trabalhando em
série. A Bioconversão está se tornando essencial para a indústria de química fina. Um dos exemplos mais
bem sucedidos de produção biocatalítica de uma comomodity química é a produção de acrilamida por
conversão de acrilonitrila usando as bactérias Rhodococcus rhodochrous ou Pseudomonas chlororaphis.
Cerca de 20.000 toneladas deste composto são produzidas anualmente no Japão para uso como
floculante, componente de fibras sintéticas, condicionador do solo e agente de recuperação na indústria do
petróleo. Outro exemplo é o uso de bioconversão para produção de nicotinamida (vitamina B3), utilizando
células imobilizadas de R. rhodochrous, atualmente realizado na China.

3.1.6. Produtos da Biotecnologia Industrial Moderna

3.1.6.1. Biofármacos
As proteínas e outras moléculas biológicas recombinantes para uso terapêutico, como as
citocinas, fatores de crescimento, enzimas, imunoterápicos, esteróides, dentre outros, representam
hoje uma parcela importante da indústria farmacêutica mundial.
O desenvolvimento de um bioprocesso para produção de proteínas ou outras moléculas
recombinantes até a escala industrial passa por diferentes estágios. O primeiro deles está
relacionado à manipulação genética do microrganismo hospedeiro do gene exógeno, ou seja, aquele

73
Biotecnologia Industrial

no qual o gene (ou genes) originário de uma planta ou um animal será clonado (integrado ao seu
genoma). Os microrganismos receptores desses genes são chamados de sistema de expressão. A
engenharia genética aplicada para desenvolver esses microrganismos recombinantes é feita em
laboratórios por cientistas treinados em biologia molecular e bioquímica.
A tecnologia de DNA recombinante tem avançado notavelmente em consequência do
desenvolvimento de sistemas de expressão eficientes. Os seguintes microrganismos têm sido
empregados com os seguintes objetivos:
 Escherichia coli
Escherichia coli tem sido amplamente utilizada como hospedeiro recombinante pelas seguintes
razões: facilidade e rapidez para modificar o genoma de forma precisa; rápido crescimento e
facilidade de obtenção de culturas em altas concentrações; facilidade de cultivo em meios
baratos. E. coli pode acumular proteínas heterólogas até 50% do seu peso seco de células. Os
seguintes produtos recombinantes são obtidos em E. Coli: insulina, hormônio de crescimento
humano, interferon ,  e , e fatores estimulantes de colônias de granulócitos (G-CSF).
 Saccharomyces cerevisiae
Esta levedura pode ser cultivada rapidamente em meios de cultivo simples, com altas
densidades de células, podendo secretar várias proteínas heterólogas no meio de cultivo. Além
disso, o conhecimento sobre sua genética é mais avançado do que o de qualquer outro
eucarioto. Apesar destas vantagens, S. cerevisiae é considerado inadequado para produção em
larga escala de algumas proteínas de mamíferos por causa da formação de compostos que
podem causar resposta antigênica em pacientes. Genes humanos já foram clonados e
expressos em S. cerevisiae para produzir interferon, fator de crescimento epidérmico,
hemoglobina, superóxido dismutase e interleucina-6. O maior sucesso comercial usando
leveduras recombinantes a vacina contra hepatite B.
 Pichia pastoris
Pichia pastoris tornou-se um dos sistemas de expressão mais amplamente utilizados, em função
das seguintes vantagens em relação à S. cerevisiae: capacidade de integrar múltiplas cópias do
DNA exógeno em seu DNA cromossômico, gerando transformantes estáveis; capacidade de
secretar altos níveis de proteínas exógenas. Exemplos de produtos recombinantes feitas em P.
pastoris incluem fator de necrose tumoral, toxina tetânica, proteína do invólucro do HIV-1,
interleucina-2, albumina sérica humana e hirudina.
 Hansenula polymorpha
Altos níveis de expressão de certos genes heterólogos têm sido alcançados com a levedura H.
Polymorpha. São exemplos os seguintes produtos: antígeno para hepatite B, albumina sérica
humana e hirudina.
 Fungos filamentosos

74
Biotecnologia Industrial

O desenvolvimento de técnicas moleculares para a produção de proteínas recombinantes


heterólogas em fungos filamentosos contrasta acentuadamente com os excelentes resultados
alcançados em leveduras. A capacidade de introduzir ou eliminar genes é difícil, apesar de
alguns avanços na transformação de certas espécies, os níveis de produção de proteínas são
baixos. Alguns exemplos incluem: interleucina-6 humana, lisozima humana e lactoferrina
humana.
A Tabela 2 apresenta alguns exemplos de produtos obtidos com microrganismos
recombinantes e seus respectivos usos terapêuticos.

Tabela 2 – Exemplos de moléculas humanas clonadas em microrganismos e o uso terapêutico indicado.


PROTEÍNA USO TERAPÊUTICO
Hormônio de crescimento Nanismo, queimaduras, envelhecimento
Rejuvenescimento da pele; reparo de cicatrizes;
Fator de crescimento fibroblástico (FGF)
cura de ferimentos; estimula crescimento capilar
Cura de ferimentos; estimula a formação de
Fator de crescimento epidermal (EGF)
epitélio
Fator estimulante de colônias de granulócitos (G- Neutropenia (deficiência de glóbulos brancos
CSF) induzida por quimioterapia)
Fator estimulante de colônias de granulócitos e Estimula crescimento de células brancas no
macrófagos (GM-CSF) transplante de medula óssea
Crescimento capilar; cicatrização de úlcera
Fator de crescimento insulínico (IGF) cutânea; Aumenta produção de colágeno e
elastina
Antígeno de superfície do vírus da hepatite B Vacina contra Hepatite B
Verrugas genitais, sarcoma de Kaposi, antiviral,
Interferon 
hepatite B e C
Interferon  Esclerose múltipla
Interferon  Tratamento de doença granulomatosa
Interleucina 2 Câncer de células renais
Interleucina 11 Trombocitopenia decorrente de quimimioterapia
Hirudina Inibidor de trombina; anticoagulante
Superóxido dismutase Tratamentos cardíacos e transplantes

Outro conceito de biofármaco envolve o uso de microrganismos recombinantes administrados


por via oral. Ou seja, sua utilização como “veículos de entrega” de fármacos para o trato
gastrointestinal. Trata-se de um importante desafio para o desenvolvimento de medicamentos
inovadores. As potenciais aplicações médicas desta nova geração de biofármacos são numerosas:
por exemplo, a correção de deficiências enzimáticas, o controle da ativação de pró-droga a droga ou
a produção de proteínas terapêuticas, como vacinas, diretamente no trato digestivo. Por meio do
aumento da proteção do organismo contra xenobióticos ambientais, esses biofármacos podem
também oferecer uma forma inovadora para prevenir ou tratar doenças que escapam da ação de

75
Biotecnologia Industrial

drogas tradicionais, como o câncer ou outras doenças multifatoriais. As potenciais aplicações são
numerosas e algumas já foram avaliadas em bactérias e leveduras (Tabela 3).
Dois diferentes protocolos ou maneiras de administrar as células vivas estão sendo avaliadas:
a bioconversão ou a biossíntese.
 Bioconversão
Três tipos de aplicação potenciais destes microrganismos recombinantes podem ser
considerados:
 Fornecimento de enzimas deficientes no organismo hospedeiro, por exemplo para aumentar a
proteção do contra xenobióticos ambientais, particularmente aqueles veiculados pelos alimentos
(por exemplo, pesticidas e aditivos químicos). As células recombinantes também podem criar
vias alternativas para a desintoxicação, por exemplo, expressando proteínas anti-estresse
oxidativo, como a glutationa redutase ou glutationa peroxidase.

 Expressão de enzimas digestivas heterólogas para corrigir erros do metabolismo resultantes


de deficiências enzimáticas gástrica ou intestinal (por exemplo, lipase, tripsina e lactase) ou
falência de órgãos (por exemplo, remoção de uréia em caso de insuficiência renal, ou de amônia
no caso de falência do fígado).

 Controle da ativação do pró-medicamento para convertê-lo em medicamento ativo diretamente


no trato digestivo. Isto pode ser útil quando a droga, mas não o pró-medicamento, é tóxico em
altas concentrações ou é danificado por secreções digestivas.

 Biossíntese
Várias proteínas terapêuticas, como a insulina, interleucinas, fatores de crescimento e fatores
de coagulação poderiam ser produzidos por microrganismos geneticamente modificados
diretamente no trato digestivo. Em comparação com os sistemas clássicos, tal sistema de entrega
seria vantajoso nos seguintes casos:

(1) para administrar medicamentos sensíveis à secreções digestivas;


(2) para direcionar os alvos específicos em toda a extensão do trato digestivo;
(3) para proporcionar efeitos terapêuticos com doses mais baixas.

Outra aplicação potencial é o desenvolvimento de vacinas orais, que são baseadas no uso de
microrganismos recombinantes que liberam antígenos diretamente no trato digestivo para estimular
uma resposta imune local (produção de imunoglobulinas) e prevenir doenças. Estes MGM poderiam
ser usados para vacinas contra bactérias patogênicas, toxinas bacterianas, vírus e parasitas ou
para controlar alergias alimentares (por exemplo, beta-lactoglobulina bovina, o maior alérgeno do
leite de vaca). Por exemplo, leveduras que expressam antígenos contra hepatite B têm sido
sugeridas como uma possível vacina oral contra o vírus.

76
Biotecnologia Industrial

Tabela 3. Exemplos de potenciais biomedicamentos produzidos com bactérias recombinantes.


Conceito Aplicação Exemplo Microrganismo Efeito
recombinante
Biodetoxicação Remoção de E. coli, Diminuição do
Benzopireno efeito
mutagênico
Correção da L. lactis, Aumento da
BIOCONVERSÃO deficiência de digestibilidade
Correção de erros lipase de lipídeos
do metabolismo Correção da E. coli Diminuição do
deficiência de ácido úrico
urease plasmático
Síntese de Secreção de L. lactis Redução dos
mediador biológico interleucina 10 sintomas de
colite

BIOSSÍNTESE Síntese de vacinas Vacina contra L. lactis Indução da


orais tétano resposta imune
Vacina contra Salmonella Indução da
Streptococcus atenuada resposta imune
pneumoniae
Adaptado de Blanquet et al. (2001).

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aquarone, E., Borzani, W., Lima, U.A.(2001) Biotecnologia Industrial: Processos Fermentativos e Enzimáticos.
São Paulo: Edgard Blücher, v.3.
Blanquet, S., Marol-Bonnin, S., Beyssac, E., Pompon, D., Renaud, M., Alric, M. (2001) The ‘biodrug’ concept:
an innovative approach to therapy. TRENDS in Biotechnology, v.19, n.10.
Bon, E.P.S., Ferrara, M.A., Corvo, M.L. (2008) Enzimas em Biotecnologia - Produção, Aplicação e Mercado. 1ª
edição.
Demain, A.L., Adrio, J.L. (2008) Contributions of Microorganisms to Industrial Biology. Molecular Biotechnology,
(38) 41-55.
Demain, A. L., Davies, J.E., Atlas, R.M. (ed.). (1999) Manual of Industrial Microbiology and Biotechnology.
Washington: American Society for Microbiology, 2nd edition.
Doran, P.M. (1995) Bioprocess Engineering Principles. Amsterdan: Elsevier Academic Press.
Glazer, A.N., Nikaido, H. (1995) Microbial Biotechnology: Fundamentals of Applied Microbiology. W. H.
Freeman.
Schenberg, A.C.G. (2010) Biotecnologia e desenvolvimento sustentável. Biotecnologia na agricultura. In: Faces
da Biotecnologia. Rev. Estudos Avançados, v.70.
Willke, Th. and Vorlop, K.-D. (2004) Industrial bioconversion of renewable resources as an alternative to
conventional chemistry. Applied Microbiology and Biotechnology, (66): 131-142.

77
Glossário

GLOSSÁRIO DE BIOTECNOLOGIA

Agrobacterium tumefaciens: agente causal do tumor do colo em certas espécies vegetais, uma
doença que leva a formação de uma galha na coroa da planta. A bactéria é atraída por compostos
fenólicos secretados pela superfície ferida da planta, e daí um conjunto de genes bacterianos
(operon vir) é ativado, levando à transferência de um segmento de DNA do plasmídeo Ti
bacteriano para o genoma hospedeiro. O DNA bacteriano integrado à célula do vegetal (T-DNA)
sintetiza precursores e fitorreguladores (oncogenes), e o tecido afetado cresce, formando um
tumor. Linhagens desarmadas de A. tumefaciens (sem os oncogenes) são usadas, em laboratório,
para transferir genes exógenos para células vegetais e, mais raramente, para fungos.

Aclimatação: adaptação de um organismo (planta, animal ou microorganismo) a um ambiente que


lhe induz algum tipo de mudança fisiológica.

Adventícia: estrutura que surge em locais (sítios) diferentes do habitual, como a formação de raízes
na superfície de partes aéreas da planta.

Angiosperma: no reino vegetal, classe que inclui as plantas que florescem; plantas vasculares nas
quais ocorre fertilização dupla no saco embrionário, resultando no desenvolvimento de fruto com
sementes. Há duas subclasses: a de plantas monocotiledôneas e a de dicotiledôneas.

Apomixia: produção de um embrião na ausência de meiose. Plantas superiores apomíticas


produzem sementes derivadas de tecido materno.

Autoclave: câmara utilizada para esterilizar materiais diversos, incluindo vidrarias e meios de
cultura, usando-se vapor e alta pressão (em geral, 120 psi por 20 min.).

Auxina: grupo de reguladores de crescimento que estimula divisão e diferenciação celular,


organogênese e embriogênese, dominância apical e florescimento. Auxinas sintéticas, como 2,4-
D, estimulam resposta morfogênica in vitro.

Banco de germoplasma: local onde são armazenadas coleções do material genético de uma
espécie, constituídas de sementes ou outras partes da planta, como órgãos (tubérculos, por ex.)
ou embriões encapsulados.

Bioacumulação: conseqüência da acumulação de uma substância química estável, como um metal


pesado, em um ambiente natural. Em locais onde não existem agentes capazes de biodegradá-la,
as concentrações da substância podem aumentar ao longo da cadeia alimentar, e os organismos
superiores podem sofrer com seus efeitos tóxicos. A remoção de metais tóxicos de locais
contaminados se faz por biorremediação.

Biobalística: técnica para produzir células transformadas na qual o DNA é aderido a esferas de
tungstênio ou ouro, que são impelidas por pressão de gás (He, por exemplo), perfurando um
tecido-alvo. O DNA é integrado ao genoma da célula hospedeira ou de organelas (mitocôndrias e
cloroplastos), as quais são submetidas à seleção em meio de cultura contendo o agente
apropriado. Tem sido usada para transformar animais, plantas e fungos. São sinônimos os termos
bombardeio de micropartículas e biolística.

Biocombustível: fonte de combustão de origem biológica, como o álcool de cana-de-açúcar; energia


renovável.

78
Glossário

Biocontrole: controle de pragas ou doenças por meios biológicos. Qualquer procedimento que usa
organismos vivos deliberadamente introduzidos para conter o crescimento e o desenvolvimento de
outros organismos, como a introdução de insetos predadores ou a pulverização de esporos de
fungos em uma lavoura para controlar uma praga. O mesmo que controle biológico.

Bioconversão: conversão de uma substância química em outra por organismos vivos, à diferença
da conversão por enzimas isoladas, células fixadas ou processos químicos. Particularmente útil
para introduzir mudanças químicas pontuais em moléculas grandes e complexas.

Biodegradação: decomposição de substâncias complexas em outras mais simples por


microorganismos.

Biodiversidade: variabilidade presente nos organismos vivos; inclui a diversidade intra e


interespecífica e entre os diversos ecossistemas, i.e., terrestres, marinhos e outros complexos
ecológicos. O mesmo que diversidade biológica, diversidade ecológica.

Bioprocesso: qualquer processe que usa células vivas ou os seus componentes, como enzimas e
cloroplastos, para provocar mudanças físicas ou químicas desejadas.

Biorreator: 1. Tanque no qual células ou enzimas levam a termo de reação biológica. 2. Tanque
onde se processa a fermentação praticada por microorganismos. 3. Recipiente estéril no qual se
cultivam células, com agitação, para exploração comercial de seus metabólitos secundários. 4.
Recipiente usado para propagação de plântulas em larga escala.

Biorrecuperação: uso de microorganismos para recuperar metais ou compostos orgânicos a partir


de misturas complexas.

Biorremediação: processo que utiliza organismos vivos para remover contaminantes, poluentes ou
substâncias não desejadas no solo, da água ou do ambiente.

Biossegurança: matéria que estuda os riscos potenciais da biotecnologia para a saúde humana e
animal, bem como para o ambiente. Às Comissões de Biossegurança compete regulamentar e
monitorar esses riscos.

Biotecnologia: 1. Tecnologia que gera produtos e processos de origem biológica. 2.Espectro ou


conjuntos de tecnologias moleculares aplicadas ao estudo de microorganismos, plantas e animais.

BOD: sigla inglês para Demanda Biológica de Oxigênio; estufa de crescimento.

Calo: 1. Tecido protetor, constituído de células similares às de um parênquima e que se desenvolve


sobre ferimentos vegetais. 2. Massa não diferenciada de células desenvolvida in vitro por indução
(ou não) de fitorreguladores. A Auxina sintética 2,4-D induz a formação de calos embriogênicos a
partir de explantes imaturos ou tecidos embrionários, mormente em gramíneas.

Câmara de crescimento: espaço ou equipamento no qual luz, temperatura, umidade e o


crescimento de organismos podem ser controlados.

Câmara de fluxo laminar: câmara projetada para manipulações em culturas de c´clulas e tecidos
que requerem um ambiente estéril, alcançado por um fluxo contínuo e não-turbulento de ar
esterilizado sobre a área de funcionamento.

Carboidrato: o mesmo que açúcar, ose, polihidroxialdeído ou polihidroxicetona e seus polímeros.

79
Glossário

Carvão ativado: carvão tratado para remover os hidrocarbonos e aumentar suas propriedades de
adsorção. Age capturando um gás ou soluto sobre sua superfície. Usado em cultura de tecidos
para adsorver substâncias inibitórias, fitorreguladores em excesso, fenóis, e com isso evitar a
oxidação dos explantes.

Célula: unidade dos seres vivos. Em procariotos, é formada pro uma dupla membrana especializada
onde se processa a respiração. Contém um cromossomo principal, circular, unido à membrana
interna, podendo haver cópias de um DNA extra, também circular, dito plasmídeo. Em eucariotos,
a célula é formada por várias organelas, ou seja, compartimentos que respondem por funções
específicas, como o núcleo que guarda os cromossomos.

Célula somática: célula não envolvida na reprodução sexual, célula do corpo ou soma (em grego,
corpo), dos organismos.

Clonagem: propagação, multiplicação a partir de um indivíduo, uma célula ou molécula, gerando


uma população geneticamente idêntica.

Clone: do grego, klón, broto. 1. Parte da planta que dá origem a um novo indivíduo por brotação e,
por isso, é igual à planta-mãe. 2. Grupo de células ou indivíduos geneticamente idênticos e que
são resultado de reprodução assexual, ou por manipulação em laboratório. 3. Variedade derivada
da seleção de um ou poucos indivíduos e que dá origem, pro propagação vegetativa, a uma
população geneticamente uniforme, como ocorre em cana-de-açúcar e mandioca. 4. Conjunto de
células idênticas nas quais foi inserido um vetor ou um cromossomo hospedeiro. 5. Segmento de
DNA (inserto) do qual se obtêm múltiplas cópias por multiplicação das células transformadas com
o segmento.

Código genético: estabelece a correspondência entre as 64 possíveis trincas de ribonucleotídeos


do mRNA (4 nucleotídeos combinados 3 a 3 = 43 = 64) e os 20 aminoácidos, o códon de iniciação
e os três códons de parada. Linguagem da Genética Molecular que traduz o significado das
trincas de nucleotídeos.

Competência celular: habilidade da célula em responder a um estímulo exógeno. Em cultura de


tecidos, essa resposta leva a diferenciação e morfogênese.

Criopreservação: preservação de recursos genéticos em estado dormente, por armazenamento em


temperaturas extremamente baixas, por imersão em nitrogênio líquido. Método usado para
armazenar sementes, embriões somáticos ou zigóticos, grãos de pólen, microrganismos, esperma
animal, células e tecidos, que são submetidos ao tratamento com crioprotetores e à desidratação,
antes de serem criopreservados.

Crioprotetor: composto que previne o dano à célula durante o processo de congelamento e


descongelamento. Crioprotetores são agentes com alta solubilidade em água e baixa toxicidade,
como o DMSO.

CTNBio: Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, comissão técnica interdisciplinar que


regulamenta a pesquisa e o uso comercial de OGMs na indústria e agropecuária brasileiras. É
uma instância colegiada multidisciplinar, criada com a finalidade de prestar apoio técnico ao
Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de
Biossegurança relativa a OGM, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança
e pareceres técnicos referentes à proteção de saúde humana, dos organismos vivos e do meio
ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação,

80
Glossário

transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e


derivados. Consulte: http://www.ctnbio.gov.br/

Cultura axênica: cultivo livre de contaminantes externos e endofíticos. Difere de cultura asséptica.

Cultura contínua: cultivo em suspensão continuamente suprimida com nutrientes pelo influxo de
meio nutritivo fresco e cujo volume é mantido constante. Na cultura contínua fechada, as células
são mecanicamente separadas e retornam ao sistema de cultivo no qual o influxo de meio fresco
é equilibrado pelo correspondente do meio consumido.

Cultura de antera: cultivo de anteras imaturas que são desinfetadas e induzidas por fitohormônios
para regenerar brotos haploides a partir dos micrósporos, via androgênese.

Cultura de calo: cultivo em meio líquido ou sólido, iniciada a partir de explantes que originam uma
massa não-diferenciada de células. Usada para se obter organogênese, culturas de células ou
proliferação de embrióides. Pode ser mantida, indefinidamente, por subcultivos regulares.

Cultura de embrião: cultivo de embriões zigóticos em meio nutritivo.

Cultura de meristema: cultura derivada de ápices meristemáticos usada para a eliminação de vírus
e proliferação (clonagem) de brotos axilares.

Cultura de órgãos: cultivo asséptico de órgãos vegetais e de pequenos órgãos animais.

Cultura de pólen: cultivo in vitro de grãos de pólen para gerar plantas haploides.

Cultura de tecidos: nome genérico que se dá aos vários procedimentos de cultivo in vitro de células,
tecidos e órgãos vegetais em um meio nutritivo e em condições assépticas.

Cultura em suspensão: cultivo de células em meio líquido em agitação.

Densidade celular mínima efetiva: densidade de células abaixo da qual não dá multiplicação.

Desdiferenciação: processo pelo qual a célula vegetal especializada se torna meristemática. Ocorre
em certas regiões do explante (meristemóides), geralmente, por indução de um regulador de
crescimento. Este processo também pode dar origem a uma massa não-diferenciada de células,
dita calo, que pode se especializar para formar embriões somáticos (embriogênese) ou partes
aéreas (organogênese).

Desenvolvimento: sequência de eventos que levam à formação de um organismo. Processo de


crescimento e diferenciação.

Determinação: em Histologia, processo pelo qual uma célula não-diferenciada se torna determinada
a se desenvolver em um tipo celular específico, como neurônios, fibroblastos ou células
musculares.

Diferenciação: especialização; processo que leva células não-especializadas a desenvolverem


estruturas e funções de uma células diferenciada. É geralmente irreversível in vivo. Em cultura in
vitro, o termo é usado para descrever a formação de diferentes tipos de célula.

Divisão celular: 1. Uma das etapas do ciclo celular. 2. Formação de células-filha a partir de uma
única célula-mãe; divisão de células somáticas ou mitose; divisão que dá origem aos gametas ou
meiose.

81
Glossário

Eletroporação: indução de poros temporários em bactérias, protoplastos, células ou tecidos intactos


pela aplicação de um pulso elétrico, permitindo a entrada de DNA exógeno. Técnica usada
geralmente na transformação de células bacterianas.

Embrião nucelar: embrião vegetativo que se desenvolve a partir do tecido somático que envolve o
saco embrionário, e não a partir de fertilização.

Embrião somático: embrião morfologicamente semelhante a um embrião zigótico que é


diferenciado a partir de células somáticas.

Embriogênese direta: formação de embriões somáticos, em cultura in vitro, sem passar pela fase
de calo.

Embriogênese indireta: formação de embriões somáticos, em cultural in vitro, a partir de calos


oriundos de explantes.

Embriogênese somática: processo de diferenciação de embriões somáticos a partir de tecidos


vegetais ou, mais usualmente, de calos derivados de explantes, em geral embrionários; descrito
pela primeira vez por Levine, em 1947, em culturas de calos de cenoura. Via de regeneração de
plântulas de muitas gramíneas.

Embriogênese: desenvolvimento de um embrião em animais ou vegetais, in vivo ou in vitro.

Esterilização por filtragem: esterilização de um líquido pela sua filtragem em membranas porosas
(~0,22 μm de diâmetro) que não permitem a passagem de micróbios e esporos.

Esterilizar: 1. Desprover um indivíduo de sua capacidade reprodutiva. 2. Eliminar microrganismos do


ambiente, da vidraria de laboratório, usando-se altas temperaturas, radiação, filtração ou
substâncias químicas.

Fertilização: união de gametas de sexos opostos para formar um zigoto. Tipicamente, cada gameta
contém um complemento haploide de cromossomos (n) e o zigoto é diploide (2n).

Fitormônio: substância de origem vegetal ou sintética que estimula a divisão, o crescimento e a


diferenciação, bem como outros processos celulares. Há cinco classes de fitormônios: auxinas,
citocininas, giberelinas, ácido abscíssico e etileno. São moléculas pequenas, de fácil transporte
através das membranas celulares. O mesmo que fitorregulador, regulador de crescimento,
hormônio vegetal.

Friável: termo usado para descrever uma estrutura facilmente dissecada, e prontamente dispersada
em partes menores. Em cultura de tecidos vegetais, diz-se de calos ou massas celulares de
aspecto típico, não-compactos, com potencial morfogênico.

Gene marcador de resistência: gene marcador de seleção em transgenia, pois sua expressão
permite a sobrevivência de células transformadas na presença de agentes seletivos, como
antibióticos ou herbicidas. Estes genes foram usados no desenvolvimento dos primeiros
organismos transgênicos.

Gene repórter: gene cujo produto de expressão (peptídeo) pode ser detectado prontamente. Usado
com marcador para confirmar a transferência de um transgene em uma célula, órgão ou tecido,
pela sua expressão transiente.

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Glossário

Habituação: estádio fisiológico das células em cultura no qual, depois de vários subcultivos, elas
podem crescer sem a adição de fatores anteriormente necessários.

In vitro: do latim, fora do organismo, ou em um ambiente artificial. Diz-se do cultivo de células,


tecidos ou órgãos em recipientes.

Inóculo: do latim, inoculum, pl., inocula; em Microbiologia, alíquota de uma cultura em suspensão é
transferida para seu subcultivo; a quantidade de inóculo pode ser estimada por
espectrofotometria, por exemplo. Similarmente, em Cultura de Tecidos Vegetais, quantidade de
tecido, calo, explante ou células que dá início a uma cultura ou subcultura.

Meio de cultura: qualquer sistema usado no cultivo de células, bactérias, tecidos ou


microrganismos; normalmente, uma mistura complexa de nutrientes orgânicos e inorgânicos.

Meio salino: formulação de sais como fonte de macro e micronutrientes, sem suplementação de
orgânicos, i.e., vitaminas, fonte de aminoácidos e fitorreguladores. Para alguns autores, o mesmo
que meio basal.

Meio sólido: meio solidificação pela adição de ágar, agarose etc.

Monocotiledônea: classe de vegetais cujo embrião tem um único cotilédone. O milho, trigo, arroz,
lírio e a banana são monocotiledôneos.

Morfogênese: desenvolvimento por crescimento e diferenciação celular.

Morfologia: forma, estrutura ou arranjo.

Nutriente essencial: qualquer substância requerida para assegurar o crescimento e


desenvolvimento normais de um organismo.

Organogênese direta: desenvolvimento de órgãos diretamente a partir do tecido do explante, sem


passar por fase de calo.

Organogênese indireta: desenvolvimento de órgãos a partir de uma massa não diferenciada de


células, ou calo, derivado do explante.

Organogênese: 1. Processo que dá origem a órgãos em vegetais ou animais. 2. Em cultura de


tecidos vegetais, formação de órgãos in vitro a partir de meristemóides, processo, em geral,
estimulado por citocininas.

Oxidação: perda de elétrons de um átomo ou uma molécula, como ocorre quando o hidrogênio é
removido de uma molécula e o oxigênio é adicionado. Oposto de redução.

Oxidação fenólica: resposta típica observada em ferimentos e que se manifesta pelo escurecimento
do tecido vegetal.

pH: medida de acidez ou alcalinidade de uma solução.

Planta matriz: 1. Planta elite selecionada que pode dar origem a um clone, como em cultivos de
espécies florestais. 2. Planta doadora de explantes nos procedimentos de cultura in vitro.

Plasmídeo: 1. Molécula de DNA circular presente em muitos microrganismos, como bactérias e


leveduras, capaz de se duplicas autonomamente. Boa parte dos plasmídeos contém genes de
resistência de antibióticos, e certos microrganismos os transferem de uma célula a outra por
83
Glossário

conjugação. 2. Importantes vetores de clonagem e expressão gênica em procedimentos de


engenharia genética e biologia molecular.

Plasmídeo Ti: classe de plasmídeos conjugativos encontrados na bactéria de solo Agrobacterium


tumefaciens. Plasmídeos Ti possuem sequencias que são transferidas e integradas no genoma
vegetal como parte do processo de colonização. Formas desarmadas desse plasmídeo são
usadas na produção de plantas transgênicas.

Poliembrionia: produção de mais de um embrião a partir de um único zigoto. Os embriões são


geneticamente idênticos.

Polietilenoglicol (PEG): polímero cuja fórmula geral é HOCH2(CH2OCH2)nCH2OH, disponível em


uma gama de pesos moleculares. Agente que promove aglutinação de células. PEG 4000 e 6000
são usados na fusão de protoplastos e para facilitar a absorção de DNA em procedimentos de
transformação.

Propagação: multiplicação ou reprodução assexuada ou vegetativa, sem fertilização.

Propagação clonal: propagação assexual a partir de um único indivíduo, sendo o genótipo da


progênie o mesmo do indivíduo que lhe deu origem.

Propágulo: qualquer estrutura capaz de dar origem a uma nova planta (esporo, semente, gene).

Protocolo de biossegurança: conjunto de procedimentos aceitos internacionalmente para proteger


a saúde humana e animal e o ambiente de potenciais riscos do uso da biotecnologia e de seus
produtos; Protocolo de Cartagena.

Regeneração: em cultura de tecidos, desenvolvimento de órgãos, embriões ou plântulas a partir de


um explante introduzido in vitro.

Região de terminação: sequência de DNA que sinaliza o final de transcrição.

Regulador de crescimento: composto sintético ou natural que, em baixas concentrações, induz e


controla respostas de crescimento; hormônio de crescimento.

Rejuvenescimento: 1. Reversão da fase adulta para a fase juvenil. 2. Técnica usada na


micropropagação de plantas arbóreas de ciclo longo.

Resposta morfogênica: em cultura de tecidos vegetais, resposta de um explante levando à


formação de estruturas (calos, embriões, raízes ou parte aérea), principalmente, devido à ação de
fitorreguladores.

Semente artificial: semente ou embrião somático encapsulado visando a sua conservação.

Sinalização: comunicação celular com o meio externo por moléculas de sinalização; estas são
sintetizadas e libertadas por células sinalizadoras e induzem a uma resposta específica em
células-alvo que contêm receptores.

Suspensão celular: cultura de células em meio líquido, sob agitação.

Tamanho mínimo do inóculo: volume mínimo crítico de inóculo exigido para se iniciar uma cultura.

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Glossário

T-DNA: segmento de DNA do plasmídeo Ti, presente em Agrobacterium tumefaciens, que é


transferido e integrado no genoma da célula vegetal hospedeira, e responsável pela síntese de
precursores de reguladores de crescimento e opinas pela planta infectada.

Totipotência: atributo ou propriedade de célula de se dividir e desenvolver uma estrutura nova


diferenciada ou um organismo completo.

Transdução de sinal: em biologia celular, qualquer processo pelo qual são convertidos sinais
extracelulares em resposta celular.

Transformação: introdução e integração de DNA em uma célula hospedeira, descrita em bactérias


em 1932. Processo usual em laboratórios após o desenvolvimento da engenharia genética. O
mesmo que transformação genética.

Transformação mediada por Agrobacterium tumefaciens: processo de transferência de DNA


para a célula vegetal via Agrobacterium tumefaciens.

Transformante: célula ou organismo que foi alterado geneticamente pela integração de um


transgene.

Transgene: gene exógeno integrado em um genoma hospedeiro por evento de transformação.

Transgênese: introdução de um gene exógeno em células animais ou vegetais.

Transgênico: indivíduo no qual um transgene foi integrado ao seu genoma.

Variabilidade: variação biológica entre indivíduos da mesma espécie. Em populações naturais, a


variabilidade deve-se, principalmente, aos fatores ambientais e genéticos.

Variação somaclonal: alteração de natureza genética ou epigenética decorrente de procedimento


de cultura in vitro.

Vetor de clonagem: veículo de clonagem; pequena molécula de DNA auto-replicativa na qual o DNA
exógeno é inserido. Há vários tipos: plasmídeos, cosmídeos, fagos e cromossomos artificiais de
bactéria (BAC) e levedura (YAC). Os vetores de clonagem podem ser usados como vetores de
transformação para inserir DNA exógeno em uma célula hospedeira.

Vetor: 1. Um organismo que transmite um patógeno. 2. Pequena molécula de DNA (plasmídeo, fago,
cromossomo artificial) que pode ser usada para introduzir DNA em uma célula hospedeira.
Vetores devem dar origem de replicação e conter sítios de clonagem para a inserção do DNA
exógeno, entre outras características.

Zigoto: célula diploide formada pela fusão de dois gametas haploides durante a fertilização em
organismos eucarióticos com reprodução sexual.

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