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Revista Brasileira de Análise do Comportamento / Brazilian Journal of Behavior Analysis, 2009,Vol.

5, Nº 1, 79-96

EFEITOS DO ESQUEMA DE INTERVALO VARIÁVEL NO DESENVOLVIMENTO DE


ANEDONIA INDUZIDA POR ESTRESSE CRÔNICO MODERADO EM RATOS

THE EFFECTS OF VARIABLE INTERVAL SCHEDULE ON ANHEDONIC INDUCTION BY


RATS SUBJECTED TO CHRONIC MILD STRESS

Luciana Roberta Donola Cardoso1 e Roberto Alves Banaco


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, BRASIL

RESUMO
Este estudo verificou o desempenho de ratos em esquema concorrente de intervalo variável (conc VI VI) e o desenvolvimento de
anedonia induzido por estresse crônico moderado (CMS). Os sujeitos foram submetidos a testes de consumo/preferência de líquidos,
sessões operantes (conc VI VI) e CMS. A frequência de respostas em uma barra que correspondia à apresentação de água com sacarose
foi maior antes do CMS do que durante e depois do protocolo de estresse. Durante o CMS, os sujeitos apresentaram aumento no
consumo de líquidos e perda de peso. A perda de peso durante o CMS parece estar relacionada à combinação de estímulos aversivos e
privação intermitente e aumento no consumo de líquidos durante o CMS, e à exposição ao esquema concorrente.
Palavras-chave: estresse crônico moderado, estímulo aversivo, esquema concorrente, intervalo variável, Rattus norvegicus.

ABSTRACT
This study has investigated the performance of rats in concurrent schedule of variable intervals (conc VI VI) and the development
of anhedonia induced to chronic mild stress (CMS). The subjects were submitted to tests of consumption/preference of liquids, ope-
rant sessions (conc VI VI) and CMS. The frequency response on the bar that corresponded to sucrose liberation was greater before the
CMS than during and after the stress protocol. During the CMS, the subjects showed an increase in fluid intake and weight loss. The
weight loss during the CMS seems to be related to the combination of deprivation and intermittent aversive stimuli and increased
consumption of liquids during the CMS in concurrent schedule exposure.
Keywords: chronic mild stress, aversive stimulus, concurrent schedule, variable interval, Rattus norvegicus.

O chronic mild stress (CMS – estresse crô- nosticados com depressão (Willner, Tower,
nico moderado) é um modelo experimental Sampson, Sophokleous, & Muscat, 1987).
de depressão que tem por objetivo verificar Nesse modelo de depressão, a anedonia ou
a relação entre a exposição de sujeitos, co- insensibilidade ao reforço é avaliada por
mumente ratos, a um conjunto de estímu- meio da ingestão (em ml) de pelo menos
los aversivos crônicos e moderados por um duas substâncias, geralmente água e solução
longo e ininterrupto período de tempo (no de sacarose, antes, durante e depois da ex-
mínimo três semanas e no máximo seis se- posição ao protocolo de estresse. Quando os
manas) e o desenvolvimento de anedonia sujeitos apresentam diminuição no consu-
(Willner, 1984). A anedonia, ou insensibili- mo de líquidos (solução adocicada e água)
dade ao reforço em modelos experimentais, durante o protocolo de estresse, comparado
é uma característica comportamental similar com o consumo medido antes da exposição
à perda de interesse ou prazer e sintomas de ao CMS, diz-se que eles apresentam anedo-
melancolia apresentados por humanos diag- nia ou que diminuíram a sensibilidade ao

1
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reforço (Heyman, 1997; Samson, Pfeffer, & revisão realizada por Willner em 2005 mos-
Tolliver, 1988; Samson, Roehrs, & Tolliver, trou, em linhas gerais, que a submissão dos
1982; Willner et al., 1987). sujeitos (ratos) a um conjunto de estímulos
Nos primeiros estudos realizados com aversivos crônicos e moderados, além de al-
estresse crônico moderado, seguindo o pro- terar a sensibilidade à recompensa, também
tocolo proposto por Willner et al. (1987), ob- provocava alterações em outras características
servou-se que os sujeitos, quando expostos presentes no diagnóstico de depressão. Os su-
aos estímulos aversivos, no decorrer das seis jeitos apresentavam variação na ingestão de
semanas do protocolo, apresentaram redução alimentos (Gamaro, Manoli, Toerres, Silveira,
no consumo de líquidos (água e solução de & Dalmaz, 2003; Tannenbaum, Tannenbaum,
sacarose), comparado com as aferições ini- Sudom, & Anisman, 2002;Weiss, 1997), perda
ciais. Já os sujeitos que não foram submeti- de peso corporal (Willner, 1997), diminuição
dos ao protocolo não apresentaram tal redu- na atividade motora (Strekalova, Spanagel,
ção. A diminuição no consumo de líquidos, Bartsch, Henn, & Glass, 2004), entre outros.
especialmente no consumo de sacarose, foi Na maioria desses estudos, foram administra-
interpretada como uma alteração na “sensi- das drogas antidepressivas a fim de reverter
bilidade à recompensa”, ou anedonia, caracte- os sintomas produzidos pelo procedimen-
rística de depressão em humanos. Segundo os to de CMS. Os tratamentos medicamento-
autores, a exposição ao conjunto de estímulos sos proporcionaram aumento no consumo
aversivos provocou tal alteração (ver também da solução de sacarose, restabelecimento do
Muscat, Papp, & Willner, 1992;Willner, 2005). peso corporal, diminuição na variação do
Com o objetivo de reverter esse sintoma de padrão alimentar e aumento na locomoção
depressão (anedonia), os autores submeteram (Di Chiara, Loddo, & Tanda, 1999; Willner,
os sujeitos a um tratamento com um antide- 1997, 2005).
pressivo tricíclico (DMI – desmetilimiprami- Entretanto, três estudos recentes realiza-
na) por um período de quatro semanas. Após dos no Brasil (Dolabela, 2004; Rodrigues,
a administração do antidepressivo, os sujeitos 2005; Thomaz, 2001), mais especificamente
que receberam a droga apresentaram aumento no Laboratório de Psicologia Experimental
no consumo de solução de sacarose, chegando da Pontifícia Universidade Católica de São
próximo aos valores obtidos antes da exposi- Paulo, apresentaram uma característica dife-
ção ao protocolo (linha de base). A resposta rente dos já publicados. Em vez de utilizar
dos sujeitos ao antidepressivo ressaltou que drogas antidepressivas para reverter os sinto-
a diminuição no consumo poderia ser com- mas de depressão, tal como a diminuição no
preendida como insensibilidade ao reforço ou consumo da solução de sacarose, os sujeitos
anedonia. Esse resultado validou a anedonia foram submetidos a situações de controlabi-
como uma característica de depressão, e o es- lidade (sessões operantes). Nessas pesquisas,
tresse crônico moderado como um modelo o delineamento experimental foi composto,
experimental para aferir essa psicopatologia. basicamente por três condições: 1) submissão
Inúmeros trabalhos foram realizados nas dos sujeitos aos testes de consumo e prefe-
últimas duas décadas utilizando o CMS. Uma rência de líquidos; 2) exposição ao proto-

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colo de estresse; e 3) submissão dos sujeitos e consistiam em dispor aos sujeitos, em sua
a sessões operantes antes e depois do CMS gaiola viveiro (lado a lado na parede frontal),
(Thomaz, 2001), ou antes, durante e depois duas garrafas, uma contendo água e a outra,
do CMS (Dolabela, 2004; Rodrigues, 2005). solução de sacarose durante 60 minutos. Os
O primeiro estudo foi realizado por lados da apresentação das garrafas (à esquerda
Thomaz (2001) com o objetivo de investigar ou à direita da gaiola) eram alternados sessão
a influência da exposição ao protocolo de es- a sessão.
tresse no desempenho de ratos submetidos a Thomaz (2001) observou que os sujeitos
um esquema concorrente de razão fixa (FR) submetidos ao protocolo de estresse apresen-
com valores idênticos. O delineamento expe- taram maior perda de peso, comparados com
rimental foi realizado dentro de um ciclo de aqueles que não foram submetidos aos es-
sete dias: durante cinco dias consecutivos, os tressores. Além disso, durante o CMS, os su-
sujeitos eram submetidos às sessões operan- jeitos diminuíram o consumo total de líqui-
tes (com 20 minutos de duração). No sexto dos (água e solução de sacarose), comparado
dia não era realizada nenhuma intervenção, com o consumo anterior ao protocolo. Os
e no sétimo dia os sujeitos eram submetidos sujeitos que não foram submetidos às sessões
ao teste de consumo e preferência de líqui- operantes começaram a diminuir o consu-
dos. Antes do CMS, esse ciclo se repetiu até mo a partir da primeira semana, enquanto
que os sujeitos atingissem a exigência de 15 para aqueles que foram submetidos às sessões
respostas para obtenção do reforçador em operantes antes do CMS a diminuição ocor-
esquema concorrente em razão fixa (conc reu mais tardiamente, a partir da terceira e
FR15 FR15). Depois do CMS, os sujeitos quarta semana de exposição ao protocolo de
foram submetidos a esse ciclo durante três estresse. Após a suspensão do CMS, os sujei-
semanas consecutivas. As sessões operantes tos submetidos às sessões operantes voltaram
tiveram início pela modelagem de resposta a consumir uma quantidade de líquidos se-
de pressão à barra. Em seguida, os sujeitos melhante ao período anterior à exposição ao
foram submetidos a duas sessões em esquema protocolo.
conc FR4 FR4, quatro sessões em conc FR10 Segundo a autora, a perda de peso duran-
FR10, quatro sessões em conc FR12 FR12 e te o CMS esteve associada à diminuição no
oito sessões em conc FR15 FR15, utilizando consumo total de líquidos em decorrência da
como estímulo reforçador água e solução de exposição aos estímulos estressores. A dimi-
sacarose a 8%. Após as oito sessões em conc nuição no consumo de solução de sacarose
FR15 FR15, os sujeitos foram submetidos ao pode ter ocorrido em decorrência de uma
protocolo de estresse. Durante a exposição alteração no valor reforçador do reforço (sa-
ao CMS, os sujeitos não foram submetidos carose) provocado pela exposição ao CMS. A
às sessões operantes: a única condição que se submissão à situação operante posterior ao
mantinha eram os testes de consumo e pre- CMS proporcionou um restabelecimento no
ferência de líquidos. Os testes de consumo e consumo de líquidos (água e solução de sa-
preferência de líquidos eram realizados uma carose). Esse resultado foi semelhante aos en-
vez por semana durante todo o experimento contrados em estudos que utilizaram drogas

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antidepressivas para reverter a insensibilidade jeitos foram submetidos ao mesmo protocolo


ao reforço em sujeitos submetidos ao CMS. de estresse utilizado por Thomaz (2001). Du-
Dando continuidade ao estudo realizado rante o CMS, três sujeitos foram submetidos
por Thomaz (2001), Dolabela (2004) bus- a uma sessão operante uma vez na semana.
cou investigar se a exposição dos sujeitos à Após a exposição ao protocolo de estresse, os
sessão operante antes, durante e depois do sujeitos voltaram a ser submetidos ao mesmo
CMS produziria alterações no peso corpo- ciclo de sete dias, utilizando o esquema conc
ral, no consumo de líquidos (água e solução FR15 FR15, durante três semanas. Os sujei-
de sacarose) avaliado no teste de consumo e tos submetidos ao protocolo de estresse apre-
preferência de líquidos e na taxa de resposta sentaram uma diminuição no peso corporal
de pressão à barra medida nas sessões operan- que variou de 12 a 22%. Os sujeitos sub-
tes em esquema concorrente de razão fixa. metidos às sessões operantes antes, durante
A grande diferença entre esses dois estudos e depois do CMS recuperaram o peso mais
se deu pela inclusão das sessões operantes rapidamente do que aqueles que não tiveram
durante o CMS para um grupo de sujeitos. o treino operante durante o CMS. A inges-
Após a estabilização do peso a 85% ad lib, os tão de líquidos, medida nos testes de consu-
sujeitos foram submetidos à modelagem de mo, mostrou que a submissão dos sujeitos às
resposta de pressão à barra e em seguida a sessões operantes retardou a diminuição no
12 sessões operantes em esquema de refor- consumo de líquidos (água e solução de sa-
çamento contínuo (CRF) com 20 minutos carose) durante o protocolo de estresse, e três
de duração. Nas primeiras quatro sessões, as sujeitos começaram a apresentar tal redução
respostas de pressão à barra eram consequen- após a terceira semana de exposição ao pro-
ciadas com água pura; nas quatro sessões con- tocolo, três sujeitos quatro semanas depois e
secutivas com solução de sacarose a 8%; nas um sujeito apenas na quinta semana. Dolabe-
duas sessões seguintes novamente com água; e la (2004) também observou que os sujeitos
nas outras duas com solução de sacarose.Após expostos à sessão operante antes da exposição
essas 12 sessões, os sujeitos foram submetidos ao protocolo de estresse voltaram a ingerir
ao esquema de reforçamento concorrente, sacarose depois do término do protocolo de
inicialmente em conc CRF CRF, posterior- modo semelhante ao início da exposição.
mente em conc FR2 FR2, conc FR3 FR3, conc Além disso, todos os sujeitos submetidos às
FR5 FR5, conc FR9 FR9 e conc FR15 FR15. sessões operantes apresentaram maior nú-
Antes e depois do CMS, o delineamento ex- mero de respostas na barra correspondente
perimental foi realizado em um ciclo de sete à sacarose do que na correspondente à água,
dias: durante cinco dias consecutivos, os su- durante todo o experimento. Segundo a au-
jeitos eram submetidos às sessões operantes tora, a submissão dos sujeitos às sessões ope-
(com 20 minutos de duração); no sexto dia, rantes dificultou a alteração no valor refor-
não era realizada nenhuma intervenção; e, no çador da sacarose após a exposição ao pro-
sétimo dia, os sujeitos eram submetidos ao tocolo de estresse. A submissão dos sujeitos a
teste de consumo e preferência de líquidos. uma situação de controlabilidade (relação de
Após 15 sessões em conc FR15 FR15, os su- dependência entre resposta e consequência)

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durante a exposição ao protocolo de estres- sões operantes antes e depois do CMS. O


se parece promover uma redução dos efeitos consumo de solução de sacarose foi maior
aversivos decorrentes do protocolo. entre os sujeitos submetidos ao esquema conc
Seguindo o procedimento emprega- FR5 FR5 em relação aos sujeitos submetidos
do por Dolabela (2004), Rodrigues (2005) aos outros esquemas concorrentes.
replicou sua metodologia e verificou com Quanto aos resultados obtidos em esque-
mais especificidade a relação entre a expo- ma concorrente, todos os sujeitos apresenta-
sição dos sujeitos (ratos) aos CMS e a sub- ram maior número de respostas na barra cor-
missão às sessões operantes. Para tal, realizou respondente à solução de sacarose do que na
duas alterações metodológicas, sendo elas: barra correspondente à água durante todo o
acréscimo de medidas diárias no consu- experimento, fato que foi interpretado como
mo de líquido e de alimento e introdução uma medida de preferência por sacarose. Du-
do esquema concorrente de razão fixa (conc rante a exposição ao protocolo, houve uma
FR5 FR5) para alguns sujeitos. A introdu- diminuição no número de resposta de pres-
ção do FR5 teve por objetivo investigar se são na barra correspondente à solução de sa-
o custo de resposta envolvido nos esquemas carose comparada com o desempenho ope-
concorrentes (conc FR FR5 versus conc FR15 rante antes e depois do CMS. Entretanto, em
FR15) poderia reduzir os efeitos decorrentes nenhum momento o número de respostas na
do CMS. Desse modo, quatro sujeitos foram barra correspondente à sacarose foi menor
submetidos ao esquema conc FR5 FR5; dois do que na correspondente à água.
sujeitos, ao conc FR9 FR9; e dois sujeitos, ao Com esses resultados, Rodrigues (2005)
conc FR15 FR15. Todos os sujeitos subme- conclui que a perda de peso apresentada pe-
tidos ao protocolo de estresse apresentaram los sujeitos submetidos ao CMS parece estar
redução no peso corporal, inclusive aqueles relacionada com a restrição de água e ração
submetidos às sessões operantes. Não houve a que os sujeitos são submetidos durante o
diferença na redução do peso corporal entre protocolo. A partir dos dados produzidos por
os sujeitos submetidos aos diferentes esque- esse estudo, pode-se supor que a exigência de
mas concorrentes. No entanto, a submissão à um operante de baixo custo (FR5) retardou
sessão operante influenciou na recuperação o aparecimento de anedonia.
do peso dos sujeitos expostos ao CMS, vis- Como observado nos mencionados tra-
to que os que não foram submetidos a es- balhos de Thomaz (2001), Dolabela (2004) e
sas sessões não recuperaram o peso. Todos os Rodrigues (2005), foram utilizados esquemas
sujeitos expostos ao protocolo apresentaram concorrentes de reforçamento com compo-
redução no consumo total de líquidos ava- nentes de razão fixa, FR15 (água) FR15 (so-
liado no teste de consumo e preferência. O lução de sacarose), para avaliar o desempenho
aumento no consumo de solução de sacarose operante dos sujeitos submetidos ao CMS.
após o CMS foi mais rápido para os sujeitos Uma característica dos esquemas concorren-
expostos às sessões operantes antes, durante tes FR FR de valores iguais é que, uma vez
e depois da exposição ao protocolo, do que iniciada uma sequência de respostas em uma
para os sujeitos que foram submetidos às ses- das alternativas, a probabilidade de o refor-

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ço ocorrer naquela alternativa é maior. Com estáveis de respostas em cada manipulandum,


a utilização de reforçadores de magnitude distribuídas conforme a preferência do sujei-
idêntica para cada alternativa e essas alternati- to. Os esquemas de reforçamento em inter-
vas fornecendo os reforçadores em esquemas valo variável também produzem um número
concorrentes FR FR de valores iguais, é pos- fixo de reforços, caso o animal responda às
sível gerar padrões de preferência com baixas alternativas constantemente. Produção de
ocorrências de alternação entre as alternati- números menores do que os reforçadores
vas e pausas do responder típicas do esquema programados em uma das alternativas tam-
em razão fixa (Banaco, 1988). Já no esquema bém pode ser um indicativo da diminuição
concorrente com componentes de intervalo no valor do reforçador.
variável (conc VI VI), o padrão de respostas Considerando essas diferenças metodo-
é mais estável no decorrer do tempo, pois é lógicas das contingências que caracterizam
possível que o organismo mantenha-se res- cada esquema, levantam-se alguns questiona-
pondendo regularmente (Millenson, 1967). mentos: 1) Sujeitos submetidos ao esquema
As respostas de alternação entre as alternati- concorrente com componentes de intervalo
vas são mais frequentes e as pausas entre uma variável produziriam resultados semelhantes
resposta e outra, menores. No esquema de ao encontrado nos trabalhos que utilizaram
intervalo variável, quanto mais tempo o su- esquema concorrente com componentes de
jeito permanece respondendo ao Esquema 1, razão fixa? 2) Os resultados encontrados nos
maiores são as chances de o reforço ocorrer estudos de Thomaz (2001), Dolabela (2004)
quando emitir a primeira resposta no outro e Rodrigues (2005) seriam uma caracte-
(Esquema 2). Dessa maneira, o organismo é rística típica do esquema concorrente com
capaz de produzir todos os reforçadores pro- componente de razão ou poderiam ser ob-
gramados para a sessão, caso alterne entre os tidos com outros esquemas, como o esque-
manipulanda. ma concorrente com componente de inter-
Por outro lado, uma das medidas tradi- valo variável? 3) As medidas de preferência
cionalmente aceitas para medir anedonia tem produzidas em esquemas concorrentes com
sido a medida de preferência com a simples componente de intervalo variável poderiam
submissão do animal à apresentação de dois ser indicativas de anedonia?
tipos de líquidos. Os esquemas concorrentes O objetivo deste estudo foi investigar os
de reforçamento podem ser utilizados tam- efeitos do esquema concorrente com com-
bém como uma medida de preferência, por ponentes de intervalo variável (VI) sobre o
produzirem taxas de respostas comparáveis desenvolvimento de anedonia em ratos sub-
entre os operantes que produzem reforça- metidos ao estresse crônico moderado (CMS).
dores de qualidades distintas, se mantidas as
condições de exigência (custo da respostas, Método
magnitude do reforçador, valor do esquema Sujeitos
de reforçamento). Nessas medidas, os esque- Foram utilizados cinco ratos Wistar ma-
mas em intervalo variável traduziriam me- chos, experimentalmente ingênuos, com apro-
lhor a preferência, já que produzem taxas ximadamente dois meses de vida, provenien-

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ESQUEMA DE INTERVALO VARIÁVEL E ANEDONIA

tes do Laboratório de Psicologia Experimen- Aferiu-se o consumo de água e alimen-


tal da Pontifícia Universidade Católica de to diariamente para todos os sujeitos durante
São Paulo. todo o experimento. Media-se a diferença
entre o volume em mililitros disponíveis an-
Equipamento tes e depois do acesso à água. O volume de
Foi utilizada uma caixa de condiciona- água desperdiçado ficava alojado em um re-
mento operante Med Associates®, medindo servatório abaixo da garrafa e era recolhido
27 cm × 28 cm × 30 cm, conectada a uma por meio de uma seringa. As pelotas de ração
interface para registro das sessões. A caixa ex- eram pesadas antes e depois da disponibilida-
perimental continha, tanto na parede direita de ao alimento. Além disso, o farelo de ração
quanto na parede esquerda, uma barra (2 cm depositado ao fundo da gaiola era recolhido,
× 4,5 cm) pressionável mediante força de peneirado e pesado junto com o restante das
15 N, posicionadas frente a frente. A barra pelotas de ração. Essas medidas foram realiza-
ficava localizada no centro, tanto na parede das sempre no mesmo horário.
esquerda quanto na direita, a 8 cm de altura O delineamento experimental foi com-
da grade do chão. O bebedouro ficava loca- posto por três condições, sendo elas: teste de
lizado 6 cm a baixo da barra. Cada barra po- consumo e preferência de líquidos, sessão
dia, por meio de um circuito eletromecânico, operante em esquema conc VI VI e protocolo
acionar seringas nas quais ficavam alojados os de estresse.
líquidos utilizados como reforçadores (água e Os sujeitos S1 e S2 foram submetidos às
solução de sacarose). A apresentação dos estí- aferições diárias do peso; consumo diário de
mulos e o registro do desempenho dos sujei- água e ração; testes de consumo e preferência
tos foram controlados pelo software Schedule de líquidos durante todo o experimento; ses-
Manager para Windows produzido pela Med sões operantes em esquema conc VI VI antes,
Associates®, versão 2.0, em um computador durante e depois do CMS; e submissão ao
IBM 486. protocolo de estresse.
Os sujeitos S3 e S4 foram submetidos às
Procedimento mesmas condições experimentais de S1 e S2,
Com aproximadamente dois meses de com a diferença de que não foram submeti-
vida, os animais foram alojados em gaiolas in- dos às sessões operantes durante o CMS.
dividuais.A partir de então, foram pesados dia- O sujeito S6 foi submetido às aferições
riamente. Antes e depois do CMS, os sujeitos diárias do peso. Esse sujeito ficou alojado no
S1, S2, S3 e S4 foram submetidos à privação biotério sem acesso aos estímulos estressores.
diária de água (23h30min). Os animais tinham A distribuição dos sujeitos nas condições
acesso à água por 30 minutos ao dia. Durante experimentais pode ser observada na Figura 1.
o CMS, a privação de água e ração foi realiza- Optou-se por não incluir mais sujei-
da de acordo com as exigências do protocolo tos na condição experimental a que S6 foi
de estresse proposto por Willner et al. (1987). submetido, porque, baseado em literatura da
O sujeito S6 não foi submetido à privação em área (Tomanari et al., 2007; Tomanari, Pine,
nenhum momento do experimento. & Silva, 2003), acredita-se não ser necessário

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SUJEITOS

S1 e S2 S3 e S4 S6

Aferições diárias Aferições diárias Aferições diárias


do peso corporal do peso corporal do peso corporal

Aferições diárias Aferições diárias


do consumo de do consumo de
água e ração água e ração

Teste de consumo Teste de consumo


e preferência de e preferência de
líquidos líquidos

Sessões operantes Sessões operantes


antes, durante e antes e depois do
depois do CMS CMS

Protocolo de Protocolo de
estresse (CMS) estresse (CMS)

Figura 1. Distribuição dos sujeitos em relação às condições experimentais em que foram submetidos ao
longo do estudo.

a utilização de mais de um sujeito para con- sões operantes em esquema conc VI VI com
trole de peso. valores idênticos. De um lado da caixa ex-
Após a resposta de pressão à barra ter sido perimental, eles tinham acesso a uma bar-
modelada, os sujeitos S1 a S4 foram subme- ra correspondente à água; do outro, a uma
tidos a 12 sessões em esquema de reforça- barra correspondente à solução de sacarose.
mento contínuo (CRF), como proposto por Os sujeitos foram submetidos a quatro ses-
Dolabela (2004). As respostas eram conse- sões em esquema conc VI2 VI2; em seguida,
quenciadas com água pura ou com solução a quatro sessões em conc VI5 VI5 e a nove
de sacarose. Tanto a magnitude do reforço sessões em conc VI10 VI10. Essas sessões ti-
(água ou sacarose) quanto o lado (direito nham duração de 20 minutos cada. Após as
ou esquerdo) da caixa experimental em que nove sessões em esquema conc VI10 VI10, os
eram liberadas foram randomizados dia a dia. sujeitos S1 a S4 foram submetidos ao proto-
Em seguida às 12 sessões em CRF, os colo de estresse.
sujeitos S1 a S4 foram submetidos às ses-

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ESQUEMA DE INTERVALO VARIÁVEL E ANEDONIA

O protocolo de estresse é composto por pausas na apresentação dos estímulos aversi-


um conjunto de estressores que são apre- vos, cada uma com duração de 60 minutos.
sentados alternadamente aos sujeitos durante Nos estudos com CMS, essas pausas têm duas
seis semanas consecutivas. Os estressores que finalidades: 1) realização do teste de consu-
compõem esse protocolo são: a) inclinação mo de preferência de líquidos; e 2) aplica-
da gaiola a 30º; b) luz estroboscópia; c) priva- ção de tratamento (administração de drogas
ção de água; d) privação de ração; e) barulho antidepressivas, por exemplo). No presente
intermitente; f) gaiola suja com maravalha; estudo, os testes de consumo de preferência
g) iluminação contínua; h) exposição a uma de líquidos e as sessões operantes foram reali-
garrafa vazia após período de privação; i) zados nessas pausas. Em seguida, retornava-se
objeto estranho; j) agrupamento; e k) acesso a apresentação dos estímulos estressores.
restrito à ração após período de privação e Inicialmente, foram realizados dois pré-
odor (purificador de ambiente). A distribui- -testes, com um intervalo de sete dias entre
ção e apresentação dos estressores podem ser eles, com o objetivo de medir a quantidade
visualizadas na Tabela 1. de consumo apenas de solução de sacarose.
Durante o CMS, os sujeitos S1 e S2 fo- Após 23 horas de privação de água e comi-
ram submetidos uma vez por semana a uma da, os sujeitos tinham acesso, por uma hora, a
sessão operante em conc VI10 VI10. Ao tér- uma garrafa tipo mamadeira com 100 mili-
mino do protocolo, os sujeitos S1 a S4 fo- litros de sacarose. Após sete dias do segundo
ram submetidos a 15 sessões operantes em pré-teste, iniciaram-se os testes de consumo
conc VI10 VI10. A exposição do sujeito às ses- e de preferência de líquidos com ambos os
sões operantes foi realizada de acordo com a líquidos (água e solução de sacarose), confor-
programação proposta por Dolabela (2004) e me descrito a seguir. Os testes eram realiza-
utilizada por Rodrigues (2005). dos uma vez por semana, sempre no mesmo
Antes e depois da exposição ao proto- dia e horário. Os sujeitos tinham acesso, em
colo de estresse, as condições experimentais sua gaiola viveiro, às soluções (água e solução
eram realizadas dentro de um ciclo de sete de sacarose), concomitantemente, por 60 mi-
dias. Do primeiro ao quinto dia do ciclo, os nutos, após 23 horas de privação de água e
sujeitos S1 a S4 eram submetidos às sessões ração. A apresentação dos líquidos era alterna-
operantes com 20 minutos de duração. No da (lado direito e lado esquerdo) a cada teste.
sexto dia, os sujeitos não eram submetidos Ao final, os sujeitos foram submetidos a três
a nenhuma intervenção. No sétimo dia, fi- testes antes, seis durante e três após o CMS,
nalizando o ciclo, era realizado o teste de totalizando 12 testes. A concentração de saca-
consumo e preferência de líquidos. Em se- rose empregada nos testes para os sujeitos S1,
guida, novo ciclo era iniciado com as sessões S2, S3 e S4 foi de 8%, a mesma utilizada nas
operantes. Essa sequência de procedimentos sessões operantes (Dolabela, 2004; Rodrigues,
ocorreu por três semanas consecutivas antes 2005).Vale ressaltar que, 23 horas antes da re-
e três semanas após o término do protocolo. alização do teste, bem como no dia em que
Vale ressaltar que, no protocolo de estres- eles eram realizados, os sujeitos não foram
se proposto por Willner et al. (1987), há duas submetidos a nenhum outro procedimento.

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L. R. D. CARDOSO & R. A. BANACO

Tabela 1
Distribuição semanal dos estressores que compõem o protocolo de estresse apresentados aos
sujeitos durante seis semanas consecutivas

Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 Dia 5 Dia 6 Dia 7


Horas
Dom. Seg. Ter. Qua. Qui. Sex. Sáb.
Privação de Privação de Privação de Privação de Privação de
00h00
água/ração água/ração água água/ração ração
01h00          
02h00 + + + + +
03h00        
Iluminação Iluminação Objeto estra- Agrupa-
04h00 Sujeira
contínua contínua nho mento
Inclinação Odor
05h00          
06h00          
07h00          
08h00          
09h00          
10h00          
11h00        
TESTE DE
Garrafa vazia
CONSUMO Acesso
12h00 DE LÍQUI- + restrito à
DOS Luz estrobos- ração
cópica
Luz estro- Privação de
13h00 boscópica água
Privação de Privação
14h00
Luz estrobos- ração + Incli- Barulho in- de água/
15h00 cópica nação termitente ração
16h00
17h00 Privação de
Privação
água + Baru-
de água/
18h00 lho intermi-
ração
tente
Privação Privação
Privação de
19h00 Inclinação de água/ de água/
ESQUEMA ração
ração ração
CONCOR- Privação de
20h00 RENTE água/ração +
Odor
21h00 + + Objeto Agrupamento +
estranho
Ilumina-
Privação de
22h00 ção contí-
água +
nua
Iluminação
23h00 Sujeira
contínua
00h00

88
ESQUEMA DE INTERVALO VARIÁVEL E ANEDONIA

Análise dos dados metidos apenas antes e depois. Os resultados


Os efeitos da relação entre esquema con- foram descritos por números absolutos (n) e
corrente em intervalo variável e exposição porcentagem (%). Nos testes de consumo e
ao CMS foram avaliados por meio das me- preferência de líquidos, a preferência foi ava-
didas do peso corporal (valores em gramas); liada por meio da porcentagem de mililitros
consumo diário de ração e água (valores em ingeridos de sacarose sobre a quantidade em
gramas e mililitros); consumo e preferência mililitros ingeridos de água pura.
de líquidos; frequência de respostas emitidas
em cada barra; e frequência de reforços ob- Resultados
tidos nelas quando submetidos ao esquema
concorrente. Os valores obtidos em cada uma Peso corporal
dessas variáveis foram comparados intra e in- A Figura 2 mostra o peso corporal de
tersujeitos, antes, durante e depois do proto- todos os sujeitos (ao longo de todo o expe-
colo. Além disso, os resultados também foram rimento). O sujeito S6, utilizado para con-
comparados entre os sujeitos que foram sub- trole do peso, apresentou do 1o ao 57o dia
metidos às sessões operantes antes, durante e do experimento aumento corporal de 47%.
depois do CMS com aqueles que foram sub- Entre o 58o e o 100o dia do experimento,

Figura 2. Aferição diária do peso corporal dos sujeitos antes, durante e depois do
CMS.

89
L. R. D. CARDOSO & R. A. BANACO

houve aumento de 3%. Posteriormente a essa entre 9,2 ml e 10 ml por dia, e o consumo de
data, o peso se estabilizou até o final do ex- ração variou entre 21 g e 23,8 g por dia, para
perimento. Para os sujeitos S1, S2, S3 e S4, o os sujeitos S1, S2, S3 e S4. Durante o CMS,
aumento do peso corporal foi menor do que o consumo de água e ração aumentou para
o aumento apresentado por S6. Até o dia an- todos os sujeitos, comparado com o consumo
terior ao início do protocolo de estresse (57o antes e depois da exposição ao protocolo. Com
dia do experimento), os sujeitos apresenta- a suspensão do protocolo de estresse, o consu-
ram aumento progressivo no peso corporal, mo de água e ração foi semelhante ao apresen-
variando entre 4,8 e 23%. Durante o CMS, os tado antes do CMS para todos os sujeitos.
sujeitos S1, S2, S3 e S4 apresentaram estabili-
dade no peso. Após o CMS, todos os sujeitos Teste de consumo e preferência de líquido
voltaram a ganhar peso. O aumento no peso A Figura 4 mostra os resultados obtidos
corporal variou entre 4,2%, apresentado por nos testes de consumo e preferência de lí-
S4; 6,8%, por S2; 14,6%, por S1; e 17%, por S3. quidos antes, durante e depois do CMS.
Observa-se que a quantidade de ingestão de
Ingestão diária de água e ração solução de sacarose oscilou durante todo o
A Figura 3 mostra o consumo de água e experimento para todos os sujeitos (S1, S2,
ração antes, durante e depois do CMS. Antes S3 e S4). O consumo médio de ambos os
do CMS, o consumo médio de água variou líquidos foi maior durante o protocolo de

Figura 3. Consumo diário de água e ração, antes, durante e depois do CMS.

90
ESQUEMA DE INTERVALO VARIÁVEL E ANEDONIA

Figura 4. Ingestão de água e solução de sacarose apresentada pelos sujeitos nos testes de consumo e prefe-
rência de líquidos antes, durante e depois do CMS.

estresse do que nas outras duas fases do ex- (todos os sujeitos), a frequência de resposta
perimento. Durante a exposição ao CMS, os emitida para cada liberação de reforço na
sujeitos S1, S2, S3 e S4 apresentaram redu- barra correspondente a água foi maior do
ção no consumo de solução de sacarose bem que na correspondente à sacarose. Os refor-
próximo ao término do protocolo. ços produzidos pelos sujeitos antes da sub-
missão aos estressores e com esquemas conc
Frequência de resposta de pressão à barra e número VI VI de menor valor (até por volta da 10a
de reforços obtidos em esquema concorrente de sessão) foram mais frequentes na barra que
intervalo variável fornecia sacarose. Em intervalos maiores, as
A Figura 5 mostra a frequência de res- diferenças observadas são quase inexistentes,
postas sobre o número de reforços obtidos e quando ocorreram deveram-se à distri-
(água e solução de sacarose) em cada uma das buição dos reforços programada pelo com-
barras antes, durante e depois do protocolo putador. Pode ser notado, também, que S1
de estresse. Observa-se que todos os sujeitos produziu menos reforços em ambas às barras
apresentaram maior frequência de respos- durante a submissão ao protocolo do que em
ta emitida por cada reforço obtido na barra períodos anteriores e posteriores a ele, e que
correspondente à sacarose nas primeiras 10 S3 e S4 nas primeiras sessões pós-submissão
sessões (VI 2, 5 e 10 s), antes da exposição aos estressores produziram menos reforçado-
ao protocolo. Quando houve diferença nas res, voltando aos níveis observados em perío-
frequências entre as barras durante (sujeitos dos pré-submissão ao CMS imediatamente
S1 e S2) e após a submissão aos estressores nas sessões seguintes.

91
L. R. D. CARDOSO & R. A. BANACO

Figura 5. Frequência de respostas sobre o número de reforços obtidos nas sessões operantes em esquema
concorrente de intervalo variável, antes, durante e depois do CMS.

Discussão corporal pode ser superior a 20% (Dolabe-


la, 2004; Forbes, Stewart, Matthews, & Reid,
O objetivo deste estudo foi investigar os 1996; Matthews, Forbes, & Reid, 1995). Se-
efeitos do esquema concorrente com com- gundo Willner (1997), a perda de peso du-
ponente de intervalo variável sobre o de- rante o CMS pode estar associada aos perío-
senvolvimento de anedonia em ratos sub- dos de privação de água e ração em que os
metidos ao estresse crônico moderado. As sujeitos são submetidos nessa fase. Há, tam-
medidas utilizadas para avaliar essa relação bém, a hipótese de que os sujeitos poderiam
(desempenho em esquemas concorrentes VI diminuir a ingestão de líquidos e de ração
VI e efeitos da exposição ao CMS) foram: o como efeito decorrente da exposição aos es-
peso corporal; o consumo diário de ração e tímulos estressores. Para Rodrigues (2005), a
água; o consumo e a preferência de líquidos; perda de peso parece estar associada ao con-
a frequência de respostas emitidas em cada junto de eventos aversivos e incontroláveis
barra; e a frequência de reforços obtidos nelas aos quais os sujeitos são submetidos, e não
quando submetidos ao esquema concorrente. especificamente à privação de água e comida
A perda de peso corporal durante a expo- que ocorre durante o CMS, visto que em seu
sição ao protocolo de estresse tem sido consi- estudo os sujeitos não apresentaram alteração
derada uma característica importante para se no consumo de água e ração nesse período.
investigar anedonia no modelo de depressão Diferentemente desses estudos, na pre-
discutido neste artigo (e.g., Willner, 2005). sente pesquisa, todos os sujeitos submetidos
Estudos mostram que a redução no peso às sessões operantes apresentaram estabilidade

92
ESQUEMA DE INTERVALO VARIÁVEL E ANEDONIA

no peso corporal durante o CMS. Além disso, alimento foram realizadas de acordo com o
durante o CMS houve aumento no consumo protocolo proposto por Willner et al. (1987).
diário de água e ração. A estabilidade do peso Assim, parece que o aumento episódico no
nessa fase pode estar relacionada ao aumen- consumo de água e ração durante o CMS
to no consumo de água e ração. O aumento pode estar associado à combinação de priva-
no consumo de água e ração pode estar as- ção de água e ração apresentada aos sujeitos
sociado a um comportamento compulsivo de forma intermitente.
alimentar episódico, geralmente associado à Depois do CMS, os sujeitos apresentaram
privação intermitente e à apresentação de es- aumento no peso corporal. Esse resultado é
tímulos aversivos (Boggiano et al., 2007). semelhante aos encontrados nos estudos de
Boggiano et al. (2007) mostraram que ra- Thomaz (2001), Dolabela (2004) e Rodrigues
tos submetidos a estímulo aversivo severo após (2005), que submeteram os sujeitos às sessões
período de privação de alimento apresentaram operantes em esquema concorrente de razão
aumento no consumo de ração. Para os auto- fixa. Esses autores atribuíram a recuperação do
res, o comportamento compulsivo alimentar, peso à situação de controlabilidade em que os
ou binge, pode ser induzido por associação en- sujeitos foram submetidos. Dolabela (2004)
tre a apresentação de estímulo aversivo e a pri- ressalta que a recuperação foi mais rápida en-
vação intermitente de ração. Os autores ressal- tre os sujeitos submetidos às sessões operantes
tam que o acréscimo na ingestão de alimento durante as três fases do experimento (antes,
não aumentou o peso corporal dos sujeitos. durante e depois do CMS). Comparando os
Considerando essa discussão, a estabilida- resultados desta pesquisa com as realizadas por
de do peso e o aumento no consumo de água Thomaz (2001), Dolabela (2004) e Rodrigues
e ração durante a exposição ao protocolo de (2005), parece que a submissão dos sujeitos
estresse podem ter ocorrido em decorrên- ao esquema concorrente com componentes
cia da exposição ao conjunto de estímulos de intervalo variável promoveria estabilidade
aversivos e da privação intermitente de água no peso corporal durante o CMS, diferente
e ração composta no protocolo. Talvez seja dos sujeitos submetidos ao esquema concor-
por essa razão que Thomaz (2001), Dolabela rente com componentes de razão fixa. No
(2004) e Rodrigues (2005) não observaram esquema de razão fixa, os sujeitos perderam
o aumento no consumo de água e ração. Nos peso durante o protocolo de estresse.
três estudos, a privação de água durante o Entretanto, a estabilidade do peso duran-
protocolo de estresse não se diferenciou da te o CMS e o aumento após a suspensão do
realizada antes e depois do CMS. Os sujeitos protocolo também podem estar associados ao
ficavam privados de água a fim de manter o consumo de solução de sacarose durante as
peso corporal a 85% ad lib durante todo o sessões operantes. Neste estudo não houve um
experimento. Durante o CMS, os sujeitos fo- grupo de sujeitos que tivesse sido submetido
ram submetidos à restrição de ração, durante ao CMS e recebido solução de sacarose sem
três períodos na semana (ver Tabela 1), con- a exposição às sessões operantes. Além disso,
forme proposto no protocolo. Já no presente até onde se pode observar, na literatura não
estudo, tanto a privação de água quanto a de há um estudo que tenha realizado tal pro-

93
L. R. D. CARDOSO & R. A. BANACO

cedimento. Em um próximo estudo, poderia ram que a submissão dos sujeitos a uma situa-
ser acrescentado um grupo de sujeitos que ção de controlabilidade atenuaria ou retarda-
fosse submetido ao CMS e que recebesse a ria os efeitos de anedonia proposta por Willner
mesma quantidade (em mililitros por quilo- et al. (1987) em decorrência da exposição ao
grama) de solução de sacarose que os sujeitos CMS. Entretanto, parece que a exposição dos
submetidos às sessões operantes receberiam sujeitos a um esquema de intervalo variável
durante esse procedimento, controlando o antes da exposição ao CMS, além de atrasar a
peso corporal individualmente. Desse modo, diminuição no consumo de líquidos, também
a única diferença entre esses dois grupos seria pode provocar aumento no consumo duran-
em relação ao realizado nas sessões operantes. te essa fase. A submissão dos sujeitos a uma
Além do peso corporal, outra variável situação de controlabilidade em esquema de
importante para medir os efeitos produzidos intervalo parece dificultar o aparecimento de
pela exposição aos estímulos aversivos nos anedonia (diminuição no consumo) com as
estudos com CMS é o consumo de água e características descritas nos estudos realizados
solução de sacarose apresentado nos testes de por Willner et al. (Willner, 1997; Willner et al.,
consumo e preferência de líquidos. 1987). Além disso, o aumento no consumo de
Nos testes de consumo e preferência de líquidos durante o CMS é diferente do que é
líquidos, observou-se que a ingestão de água observado nos estudos que utilizaram esque-
e solução de sacarose oscilou durante todo ma de razão fixa (Dolabela, 2004; Rodrigues,
o experimento para os sujeitos submetidos às 2005). Nos estudos com razão fixa, os sujei-
sessões operantes, apresentando diminuição no tos, mesmo tardiamente (próximo ao término
consumo de solução de sacarose apenas pró- do protocolo), tiveram uma redução do con-
ximo ao término do CMS. Durante o CMS, sumo de água e solução de sacarose. Nesses
os sujeitos apresentaram aumento no consu- dois estudos, o consumo de água e solução de
mo total de líquidos e uma menor oscilação sacarose foi menor durante o CMS do que
na preferência por sacarose, comparado com nos outros dois períodos de avaliação.
o consumo antes e depois da exposição ao Em relação aos resultados obtidos em es-
protocolo de estresse, embora tenham apre- quema concorrente, observou-se que o nú-
sentado uma redução no final da exposição ao mero de reforços obtidos em ambas as mag-
CMS. Nos estudos realizados por Willner et al. nitudes (solução de sacarose ou água pura)
(1987), durante o CMS ocorre uma redução foi semelhante durante todo o experimento.
no consumo de sacarose. Tal redução indica Durante e depois do CMS, houve um dis-
a característica de anedonia desenvolvida pela creto aumento nas respostas de pressão na
exposição aos estímulos estressores. Parece que barra por reforço obtido correspondente à
a exposição às sessões operantes em intervalo água em detrimento da correspondente à
variável interferiu nesse efeito, impedindo a sacarose, diferentemente dos resultados ob-
observação de anedonia medida pelos testes tidos pelos sujeitos submetidos ao esquema
de consumo e de preferência de líquidos. de razão fixa (FR) nos estudos de Dolabela
Os resultados obtidos por Thomaz (2001), (2004) e Rodrigues (2005). Essa diferença
Dolabela (2004) e Rodrigues (2005) mostra- pode ter ocorrido em decorrência das carac-

94
ESQUEMA DE INTERVALO VARIÁVEL E ANEDONIA

terísticas dos esquemas. O esquema de razão os efeitos dos estímulos aversivos. Durante o
fixa pode ter produzido uma maior taxa de protocolo de estresse, os sujeitos da pesquisa
resposta por uma das alternativas, já que o de Dolabela (2004) e Rodrigues (2005) apre-
custo de resposta era o mesmo em ambas. sentaram redução no número de respostas
Assim, o próprio esquema pode ter determi- emitidas na barra correspondente à sacarose,
nado a permanência (sequência de respostas) mas em nenhum momento foi menor do
maior no esquema alocado à solução de sa- que na correspondente à água. A redução no
carose. Todos os sujeitos desta pesquisa apre- número de resposta chegou a 24% no estudo
sentaram maior frequência de respostas na de Dolabela e 33% no estudo de Rodrigues.
barra correspondente a sacarose quando o Antes do protocolo, a taxa de resposta era de
valor do intervalo era dois e cinco segundos, 100% na barra correspondente à sacarose.
antes da exposição ao CMS. Ainda no perío-
do de avaliação, quando o intervalo variável Referências
foi aumentado para 10 segundos, os sujeitos
apresentaram oscilação na frequência de res- Banaco, R. A. (1988). A igualação como resultado da
postas entre a barra correspondente à saca- escolha (do experimentador). (Tese de doutorado).
rose e a correspondente à água. Entretanto, Instituto de Psicologia da Universidade de São
as taxas de respostas foram maiores na barra Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
correspondente à sacarose. Quando avaliada Boggiano, M. N., Artiga, A. I., Pritchett, C. E., Chan-
a preferência do sujeito durante e depois da dler-Laney, P. C., Smith, M. L., & Eldridge, A. J.
exposição ao protocolo de estresse, a oscila- (2007). High intake of palatable food predicts
ção na taxa de resposta em ambas as barras binge-eating independent of susceptibility to obe-
mostra que não houve uma preferência com sity: An animal model of lean vs. obese binge-
as características apresentadas nos estudos eating and obesity with and without binge-eating.
com FR. Esse resultado mostra que o tipo de Internacional Journal of Obesity, 31, 1357-1367.
esquema de reforçamento empregado pode Di Chiara, G., Loddo, P., & Tanda, G. (1999). Re-
interferir quando se pretende analisar a res- ciprocal changes in prefrontal and limbic dopa-
posta operante sob o CMS. mine responsiveness to aversive and rewarding
Parece que a submissão dos sujeitos ao stimuli after chronic mild stress: implications for
CMS provoca alteração na preferência por the psychobiology of depression. Bio Psychiatry,
sacarose quando medida pela taxa de resposta. 15, 1624-1633.
Nos estudos com CMS, a anedonia tem sido Dolabela, A. C. F. O. (2004). Um estudo sobre as pos-
avaliada pelo consumo de líquidos. Entretan- síveis interações entre o chronic mild stress e o de-
to, poderia também ser investigada pela taxa sempenho operante. (Dissertação de mestrado).
de resposta. Além disso, parece que, para retar- Programa de estudos Pós-graduados em Psico-
dar ou reduzir os efeitos do CMS, não basta logia Experimental: Análise do comportamento,
submeter os sujeitos a uma situação de con- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
trolabilidade. A maneira pela qual o reforço é São Paulo, SP, Brasil.
liberado pode fazer com que essa seja a variá- Forbes, N. F., Stewart, C. A., Matthews, K., & Reid,
vel crítica para “imunizar” os sujeitos contra I. C. (1996). Chronic mild stress and sucrose

95
L. R. D. CARDOSO & R. A. BANACO

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