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A importância da assistência psicológica junto ao paciente em hemodiálise - Melissa Pascoal1,I;

Paula da Silva Kioroglo2,I; Wilze Laura Bruscato3,I; Luiz Antonio Miorin4,II; Yvoty Alves dos
Santos Sens5,II; Pedro Jabur6,II

RESUMO

Através da articulação da teoria pesquisada com a prática em Psicologia Hospitalar nas


Unidades Renais da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - ISCMSP este
artigo reflete sobre a atuação do psicólogo junto a pacientes portadores de insuficiência renal
crônica (IRC) em tratamento hemodialítico além de elucidar a importância do psicólogo como
membro da equipe de Nefrologia na assistência ao paciente desde o diagnóstico da
insuficiência renal crônica (IRC) e indicação do tratamento hemodialítico.

Introdução

A doença crônica é caracterizada por qualquer estado patológico que apresente uma ou mais
das seguintes características: incapacidade residual, alterações patológicas irreversíveis,
reabilitação ou longos períodos de observação e cuidado no decorrer da vida (Santos &
Sebastiani, 1996).

Os rins são órgãos que desempenham um papel vital no organismo. Eles são responsáveis pela
filtragem e eliminação de substâncias tóxicas do corpo e o seu não funcionamento resulta no
desenvolvimento de um quadro patológico (Meleti, 1988). A diminuição da função dos rins
pode ocorrer de forma aguda (repentina) ou gradual como acontece no caso da insuficiência
renal crônica (IRC) (Garcia & Zimmerman, 2006).

A doença renal crônica afeta indivíduos de diferentes faixas etárias e são muitas as causas da
perda da função renal: doenças sistêmicas que afetam diretamente os rins como diabetes e
hipertensão, doenças congênitas, ou ainda as doenças hereditárias. Com o desenvolvimento
da doença podem aparecer diferentes sintomas como: perda de interesse em atividades,
dificuldade de atenção e relaxamento, perda ou diminuição da energia vital, falta de ar,
hemorragia digestiva, hálito urêmico (leve odor de urina), enjôos, vômitos, anemia, edema dos
membros inferiores, alterações do paladar, hipertensão arterial, etc. (Barros, 2004).

O tratamento da insuficiência renal (IR) requer inicialmente dieta especial e/ou uso de
medicamentos (Barros, 2004). Este tratamento, com a progressão da doença, afeta
consideravelmente a rotina do paciente, pois consiste em restrições líquidas e alimentares
rigorosas, além de uso contínuo de medicamentos diversos e conseqüente prejuízo no
rendimento físico (Rodrigues, Lima & Amorim, 2004).

Quando a função renal atinge menos que 10%, se encontra no estágio terminal da função renal
e são necessários tratamentos dialítico e/ou transplante (Barros, 2004). Os tratamentos
dialíticos estão disponíveis em diferentes modalidades: diálise peritoneal ambulatorial
contínua (DPAC), diálise peritoneal automatizada (DPA), diálise peritoneal intermitente (DPI)
ou hemodiálise (HD) (Martins & Cesarino, 2005).

Cada uma destas modalidades utiliza equipamentos específicos que tem como objetivos suprir
algumas das funções renais (Rodrigues et al., 2004), aliviar os sintomas da doença e preservar
a vida do paciente, mas nenhuma modalidade é curativa (Martins & Cesarino, 2005). A
hemodiálise é geralmente realizada por períodos de aproximadamente quatro horas e três
vezes por semana em unidades especializadas onde o paciente é conectado à máquina através
de fístulas artério-venosas (Velloso, 2001) obtidas por técnicas cirúrgicas. O sangue é
bombeado e encaminhado para a máquina onde é realizado o processo de filtragem do sangue
artificialmente, retornando, então, para o organismo. A diálise peritoneal pode ser realizada de
maneira contínua, normalmente à noite, ou intermitentemente, quatro vezes por dia e
consiste na infusão de um líquido na cavidade abdominal que executará a função de filtragem
e depois será drenado do organismo. Este procedimento pode ser realizado em casa ou em
Unidades Hospitalares (Garcia & Zimmerman, 2006).

Com base na assistência psicológica aos pacientes que realizam tratamento hemodialítico nas
Unidades Renais da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – ISCMSP, observa-
se que eles vivenciam diversas limitações em sua rotina e inúmeras mudanças na vida como
perda do emprego, alteração na imagem corporal, além das dificuldades com restrição
alimentar e de ingestão de líquidos. Considerando este panorama, o paciente disponibiliza e
apresenta seus recursos emocionais de forma variada, principalmente na descoberta da IR e
no início do tratamento hemodialítico.

Este artigo visa apresentar uma revisão bibliográfica de trabalhos publicados sobre os aspectos
emocionais do paciente em tratamento hemodialítico e a atuação do psicólogo junto a estes
pacientes. Os objetivos são: traçar um paralelo entre a teoria e a prática na Unidade Renal da
ISCMSP, elucidar o papel do psicólogo como membro da equipe de Nefrologia no atendimento
ao paciente desde o diagnóstico da IRC e indicação do tratamento hemodialítico além de
promover uma reflexão crítica acerca da atuação do psicólogo neste contexto.

Aspectos emocionais do paciente em tratamento hemodialítico

Conforme Santos (2007) o ser humano vive em uma espécie de adormecimento onde a saúde
é sentida como o “silêncio dos órgãos”. Quando há o “despertar” deste corpo com a doença, o
sujeito reage com angústia e depara-se com um contexto que vivencia como insuportável.

Pode-se dizer que cada ser humano está intimamente relacionado com a sua doença, e desta
forma acaba vendo-a como uma ameaça, uma realidade a ser vivida para si, como um
sofrimento. A doença acaba adquirindo necessariamente um sentido dentro da história da
pessoa. (Jeammmet, Reynaud, & Consoli, 2000).

O desenvolvimento no indivíduo de uma doença crônica que gera incapacidades na vida adulta
são comumente associadas à deterioração, à redução de competências, à dor física e
emocional resultante de uma perda da independência e ao aumento da necessidade de ajuda
e assistência (Castro, Fonseca & Castro 2004).

Desta forma, para Resende, Santos, Souza & Marques (2007), o indivíduo com insuficiência
renal (IR) vivencia uma brusca mudança em seu viver. Ele passa a conviver com limitações, com
um pensar na morte e com tratamentos dolorosos. O tratamento dialítico é responsável por
um cotidiano restrito onde suas atividades são limitadas após o início do mesmo e favorecem o
sedentarismo e a deficiência funcional, além de outros fatores que refletem na vida diária do
paciente.

Como conseqüência destas restrições, os pacientes acabam se tornando desanimados ou


desesperados. (Cesarino & Casagrande, 1998). A insuficiência renal crônica (IRC) e sua
terapêutica acabam se constituindo como importantes estressores para os pacientes que
podem ter um grande impacto sobre a qualidade de vida (Almeida, 2003).

Em dados obtidos através de pesquisas, observou-se que as principais reações emocionais de


pacientes submetidos à hemodiálise são a regressão, a insegurança, o medo, sentimentos de
inferioridade e de raiva, dissimulação, impulsividade, auto-estima diminuída e introversão
(Diniz, Romano & Canziani, 2006).

Frente a estes sentimentos, Reichsman & Levy (1977 como citado em Meleti, 1988, p. 153)
descrevem alguns estágios de adaptação para a manutenção do processo dialítico: período de
lua-de-mel, período de desencanto e desencorajamento e período de adaptação. No período
de lua-de-mel, o paciente sente acentuada melhora física e emocional e consequentemente
uma necessidade de gozar a vida tendo confiança e esperança. No período de desencanto e
desencorajamento os sentimentos de melhora diminuem significativamente ou desaparecem e
os pacientes sentem-se abatidos e desamparados com o tempo. O estágio de adaptação surge
de forma gradual com a aceitação do paciente das suas limitações, deficiências e complicações
inerentes à hemodiálise.

Percebe-se assim, que a hemodiálise promove a melhora de alguns sintomas clínicos, porém
ao mesmo tempo provoca algumas desordens emocionais. A cronicidade e os estresses desse
tratamento podem ter como conseqüência a depressão grave do paciente e uma maior
dificuldade deste em lidar com a nova forma de vida. (Silva, Krollmann, & Miranda, 1993).
Estes quadros depressivos, quando surgem, são considerados uma importante complicação e
conforme alguns estudos sugerem, estão relacionados ao aumento da mortalidade entre os
indivíduos desta população (Garcia & Zimmerman, 2006).

Para Castro et al (2004), a história de vida de cada indivíduo deve ser considerada, ou seja,
como ele lidou com situações de perda ao longo de sua vida. Esta história pregressa marcará
de forma significativa a vivência hospitalar atual. São utilizados por cada indivíduo mecanismos
de defesas como regressão, recalque, negação e também condutas de fuga desta realidade
angustiante como a revolta e o misticismo. A doença é fantasiada pelo sujeito, e acaba por
vezes se vestindo de culpa sendo dado a ela, por exemplo, um valor de punição por algo
cometido por ele no passado.

Segundo Almeida (2003), é possível encontrar uma relação entre o perfil psicológico do
paciente e o tratamento ao qual é submetido. Pacientes que são mais ativos frente a
obstáculos, que buscam ativamente informarem-se sobre eles e superá-los podem se
beneficiar mais de um tratamento que exija uma participação mais ativa, como a diálise
peritoneal intermitente (DPI). Por outro lado pacientes mais passivos, que evitam enfrentar
diretamente as dificuldades e delegam essa responsabilidade podem se adequar melhor ao
tratamento hemodialítico.
Em outros estudos (Silva et al, 1993) encontramos que o paciente com insuficiência renal
crônica (IRC) pode atravessar diferentes fases de alterações emocionais desde a sua inclusão
no programa de hemodiálise até a realização do transplante ou o óbito. Em um primeiro
momento ele se encontra em estado de alerta, tenso, agitado e na expectativa de que algo
está para acontecer, o que lhe ocasiona um grande desgaste físico e emocional. Em um
segundo momento passa a imaginar qual será o próximo acontecimento, sofrendo diante do
desconhecido e criando fantasias. Um outro momento é o da fase de adaptação permanente,
onde ele ainda não aceitou a doença e o tratamento, porém externamente mostra-se calmo e
tranqüilo.

Silva et al (1993) complementam ainda que entre estas fases, que podem não ser seqüenciais,
pode surgir uma depressão resultante do conflito existente entre aceitar ou não esta nova
forma de vida que lhe é imposta. O paciente com insuficiência renal crônica (IRC) necessita de
uma máquina e isso acaba afetando seu equilíbrio emocional.

O transplante renal é tido pelos pacientes como a solução para suas angústias e sofrimento.
No transplantado renal, são grandes os benefícios que a cirurgia propicia ao rendimento físico,
apetite, sono e vida sexual. A restrição de alimentos e de líquidos deixa de existir ou é
atenuada e o nível de autonomia, anteriormente prejudicada pela hemodiálise apresenta uma
melhora substancial (Rodrigues et al, 2004). Isto faz com que haja um grande desejo por parte
de muitos pacientes pelo transplante, porém como o tempo de espera para doação de órgão
cadáver é relativamente grande, isto acaba gerando novas angústias e sentimentos que
interferem na estabilidade emocional.

A psicologia e o tratamento hemodialítico

Conforme Castro (2005), o psicólogo como profissional da saúde tem um papel essencial junto
às pessoas doentes para ajudar a melhorar seu bem-estar e sua qualidade de vida. Almeida
(2003) complementa dizendo que a saúde mental se constitui em um elemento crucial para o
sucesso do processo de tratamento do paciente nefropata.

O paciente renal crônico passa por diversas situações de perda, medo e carência que tornam
necessária a intervenção do psicólogo. Esse paciente apresenta uma descompensação
emocional variada. Suas dificuldades, que surgem no decorrer da doença, necessitam ser
abordadas de modo bastante cuidadoso, levando-se em consideração as características
pessoais de cada paciente (Silva et al, 1993).

A abordagem psicoterápica é desafiadora entre os pacientes renais crônicos e isso se deve a


autonomia comprometida, ao estresse contínuo a que são submetidos e, as vezes, a déficits
cognitivos. Sessões breves que coincidam com os dias em que se submetem à hemodiálise
podem ser bastante eficazes. (Garcia & Zimmerman, 2006). Percebe-se que a relação
terapêutica contínua com o psicólogo é de grande valor, pois proporciona ao paciente formas
para a expressão de seus sentimentos, medos e angústias (Silva et al, 1993).
Para Garcia, Souza, & Holanda (2005), os pacientes apresentam um sofrimento psíquico
sobreposto ao sofrimento físico sendo necessário, então, entendê-lo na sua totalidade, num
contexto de mal-estar, de seqüelas de tratamento e de hospitalização.

Thomas & Alchieri (2005) complementam referindo que reações negativas imediatas ao
processo terapêutico podem ser uma forma de resposta adaptativa frente a estes sentimentos
de insegurança e perdas ocasionadas pelo início do tratamento.

Assim, a função do psicólogo dentro de uma unidade de hemodiálise abrange vários níveis,
como a relação entre paciente e unidade de diálise, a relação entre equipe e paciente, a
relação entre pacientes, seu tratamento e doença, relação entre paciente, família e equipe,
etc. Para um trabalho eficaz é necessária uma interação destes vários níveis. Assim, o psicólogo
que atua dentro de uma unidade de hemodiálise, atendendo pacientes com insuficiência renal
crônica (IRC), contribui com seu conhecimento específico e auxilia os pacientes com questões
emocionais presentes na descoberta da doença e tratamento, além de propiciar aos demais
profissionais uma atuação mais condizente com a proposta de atendimento ao paciente
nefropata, que é possibilitar uma melhora na sua qualidade de vida. (Zaborowski & Herzog,
1989).

Discussão

Os dados encontrados na revisão bibliográfica mostram-se compatíveis com a prática clínica na


qual evidenciamos que os pacientes que acabam de receber o diagnóstico de insuficiência
renal crônica (IRC) e indicação de hemodiálise se encontram intensamente descompensados
emocionalmente e com uma série de restrições que alteram sua rotina e afetam inclusive seu
ambiente familiar.

Conforme salienta Reichsman & Levy (1977 como citado em Meleti, 1988, p. 153), o paciente
atravessa alguns estágios de adaptação no início do processo hemodialítico. Na prática
verifica-se que estes estágios estão presentes no paciente em hemodiálise e não somente no
início do tratamento, e que não ocorrem necessariamente nessa ordem. Alguns pacientes,
desde o início, podem reagir ao tratamento com desencanto e desencorajamento e
permanecer neste estágio durante um longo período de tempo.

Cada pessoa, de acordo com sua história de vida e constituição psíquica, pode reagir de
diferentes formas à necessidade de hemodiálise e desenvolver alguns sentimentos como
tristeza, revolta, inconformismo e até mesmo depressão demonstrando a influência das
características de personalidade do paciente diante da doença. Este dado trazido da prática
condiz com o que foi exposto por Castro et al (2004) que relata que a história pregressa do
indivíduo marcará de forma significativa sua vivência hospitalar atual e que cada um utilizará
diferentes formas de reagir a esta nova realidade.

Garcia & Zimmerman (2006) afirmam que os quadros depressivos são considerados uma
grande complicação e estão relacionados ao aumento da mortalidade na população em
hemodiálise. Confirmamos este aspecto, porém, acrescentamos que outras reações
emocionais como a raiva e o inconformismo, também trazem prejuízos contribuindo para o
aumento da mortalidade, dificuldade na adesão ao tratamento e eficácia do processo
hemodialítico.

Conforme Silva et al (1993), o paciente em estágio pré-hemodialítico vivencia uma tensão e


estresse intensos diante do desconhecido. Verificamos este dado e acrescentamos que, de
forma geral, os pacientes referem, após o início do tratamento, que imaginavam que seria
pior. Demonstra-se, assim, a importância dos aspectos emocionais neste momento.

Para Rodrigues et al (2004), a possibilidade de realizar o transplante é considerada por muitos


pacientes em hemodiálise como a possibilidade de cura para a doença. Salientamos que o
acompanhamento psicológico desde o início da enfermidade e a desmistificação desta
idealização com o transplante possibilita que o paciente vivencie sua doença se apropriando
dos cuidados que a mesma requer, porém, vislumbrando uma vida que vai muito além da
doença.

Percebe-se então, na prática, a necessidade do acompanhamento psicológico ao paciente


portador de insuficiência renal crônica (IRC) desde a descoberta da doença e início do
tratamento, pois a presença deste profissional neste momento oferece para o paciente uma
fonte de referência e segurança. Ele poderá explorar seus medos e fantasias em relação à
doença, ao tratamento e expressar sua angústia pela imposição da nova realidade que inclui a
doença. Muitas vezes, os pacientes não se sentem seguros em exprimir seus sentimentos para
a família por se considerarem fonte de preocupação. É através do acompanhamento
psicológico que terão a oportunidade de elaborar estes conteúdos, e de uma forma mais
saudável, organizar psiquicamente sua nova possibilidade de existência.

Alguns pacientes encontram recursos para lidar com as mudanças decorrentes do


adoecimento como a religião ou como a socialização que o ambiente hemodialítico propicia. O
psicólogo se insere nesta realidade visando a trabalhar os conteúdos emocionais relacionados
à insuficiência renal crônica (IRC), possibilitando uma busca de soluções para as mudanças
advindas com a doença, melhorando a compreensão desta e a adesão ao tratamento, além de
contribuir para uma melhor capacidade de enfrentamento desta realidade.

Um aspecto fundamental para uma assistência eficaz ao paciente em hemodiálise é a inserção


do psicólogo em uma equipe multidisciplinar. A troca de informações entre os membros da
equipe multiprofissional, como médicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas e
psicólogos, é essencial para o sucesso do tratamento e melhoria na qualidade de vida do
paciente que está em hemodiálise. É através desta troca que se desenvolverá uma atenção a
este paciente em sua globalidade e consequentemente um resultado positivo para a equipe e
o paciente.

Conclusão

Possibilitar o acompanhamento psicológico na descoberta da doença e indicação do


tratamento é também possibilitar aos pacientes em hemodiálise a oportunidade de
ressignificar vários aspectos de suas vidas. O sofrimento trazido pelo adoecimento pode ser o
início de um amadurecimento emocional que alterará questões existenciais no paciente e ao
psicólogo se atribui o papel de construir ativamente junto com o paciente esta nova realidade.

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