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Os 7 mitos da busca e apreensão de veículos.

Um guia rápido e seguro


Atualizado em junho de 2019. Meu objetivo aqui é demonstrar o que chamo de “os 7 mitos da busca e apreensão de
veículos.” Descubra o que é mito e o que é verdade.

Por Márcio dos Santos Vieira em 14/03/2016 | Direito Civil | Comentários: 59

A situação econômica atual tem levado mais e mais pessoas a considerar a possibilidade de rediscutir seus débitos
bancários. Dentre estes, um dos mais comuns se refere ao financiamento de veículos automotores, incluindo carros,
motos e também maquinários agrícolas.
 
Recentemente também escrevi um texto falando sobre alienação fiduciária de bens imóveis. Fica aqui a sugestão de
leitura.
 
Ao longo dos últimos vinte anos, advoguei para pessoas que têm carros financiados, e também fui, durante quatro
anos, funcionário de um banco que promove ações de busca e apreensão.
 
Minha experiência mostra que infelizmente são comuns situações de pouco profissionalismo. E isso dos dois lados
do balcão, mas principalmente do lado dos advogados de financiados. É comum ver colegas que não se atualizam, e
ficam insistindo em teses jurídicas que já estão superadas nos tribunais, prometendo o que não podem cumprir, e
causando prejuízos para seus clientes.
 
Meu objetivo aqui é demonstrar o que chamo dos “7 mitos sobre busca e apreensão de carros financiados”. Este é
um guia rápido e seguro para você tomar as decisões certas, e verificar se o profissional que você está contratando
realmente pode lhe ajudar a solucionar seu problema.
 
Este texto também pode servir como uma primeira referência para profissionais do direito que se interessem pelo
tema, frente à crescente demanda de ações judiciais desta espécie.
 
Uma advertência importante: o que eu vou explicar aqui não valerá para sempre, este é um mercado em que as
regras mudam constantemente. Aliás, esta é a razão de muitos dos meus colegas colocarem seus clientes numa fria:
não se atualizam. Portanto, considere isso como verdade hoje. E se quiser se manter atualizado, acompanhe minhas
próximas publicações, em que eu vou atualizando o entendimento dos tribunais sobre busca e apreensão de carros
financiados.
Outra advertência importante: para os limites deste artigo, eu não vou entrar em muitos detalhes jurídicos (o
“juridiquês” como as pessoas dizem). Minha preocupação é te dizer como as coisas são e ponto. Mas se você quiser
saber mais detalhes (porque as coisas são como são, ou de onde vêm essas coisas) me escreva que te respondo
com o maior prazer, dentro daquilo que eu sei. Da mesma forma, se você é um profissional do direito, e quer discutir
os aspectos técnicos, me escreva que será um prazer tratar deste assunto num nível um pouco mais aprofundado.
 
Vamos lá?
 
Para facilitar sua leitura, segue abaixo a lista dos mitos. Em seguida eu detalho cada um deles. Vale a pena a leitura,
eu recomendo! 
1. Juros superiores a 12% ao ano são abusivos.
2. Os bancos não podem cobrar juros sobre juros.
3. A comissão de permanência é ilegal
4. Os bancos só podem entrar com busca e apreensão depois de três parcelas em atraso
5. A notificação para busca e apreensão tem que ser de um cartório da cidade do devedor.
6. Enquanto eu não receber a notificação eu posso ficar tranquilo
7. Se eu depositar o valor que entendo devido a busca e apreensão tem que ser suspensa.
Vamos agora detalhar cada um destes itens:
 
1 – Juros superiores a 12% ao ano são abusivos – Isso até foi verdade por um tempo. Na Constituição Federal de
1988 havia a previsão expressa de que os juros reais estariam limitados a 12% ao ano. Mas esta limitação foi
revogada em 2003! Então durante um tempo muita gente conseguiu mesmo reduzir seus juros a 12% ao ano, e em
vários casos o banco teve até que devolver dinheiro ao cliente.
 
Mas como essa regra não existe desde 2003, os bancos podem sim cobrar mais do que 12% ao ano. Mas há uma
limitação! A taxa cobrada deve ficar na média do mercado, segundo ditado pelo Banco Central. Existe inclusive uma
súmula do STJ (Superior Tribunal de Justiça) – que é o tribunal de Brasília responsável por unificar as decisões,
entre outras, sobre direito do consumidor –  autorizando a cobrança de juros segundo a média estipulada pelo Banco
Central.
 
Esta súmula vale desde 2004, e diz assim:
 
Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência,
à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
 
Se você quiser saber mais detalhes sobre as taxas médias de juros, o Banco Central disponibiliza em seu site o
“Sistema Gerenciador de Séries Temporais”. É um pouquinho complicado de consultar na primeira vez, mas ali
consta a taxa média de mercado, mês a mês. Basta verificar a taxa média que era praticada no mês que você fez o
seu financiamento, e ver se você está pagando a mais ou não.
 
2 – Os bancos não podem cobrar juros sobre juros – Este é outro mito que também já está superado, mas
infelizmente ainda vejo muito advogado sustentando esta tese, e prometendo sucesso para seus clientes. É a
chamada capitalização, também conhecida como anatocismo.
 
Na verdade havia um decreto de 1933, conhecido como “Lei da Usura”. Entre vários outros artigos, havia o 4º, que
dizia o seguinte: “É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos
aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.” Se você ler com atenção, vai perceber que este decreto proibia
a capitalização em período inferior a 12 meses.
 
Isto valeu até março de 2000, quando foi editada uma Medida Provisória autorizando a capitalização em períodos
menores que 12 meses, ou seja, autorizou a capitalização mensal. Existem até duas súmulas do STJ sobre o
assunto:
 
Súmula 539: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com
instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como
MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.
 
Súmula 541: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente
para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.
 
Na prática, o que importa é o seguinte: Se o seu contrato com o banco foi assinado depois de 31 de março de 2000,
o banco pode te aplicar a capitalização mensal. Você só ganha isso na justiça se o banco cometer um erro no
processo, ou seja, se você tiver sorte. Logo, não acredite em quem TE GARANTE que é errado o banco cobrar juros
capitalizados, porque, pelo menos a partir de 31 de março de 2000, eles podem fazer isso sim!
ATUALIZAÇÃO IMPORTANTE: em maio de 2017, o STJ fixou o tema 953, em sede de julgamento de Recursos
Repetitivos. Este tema diz o seguinte:
 
A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação.
 
Portanto, há aí alguma possibilidade em favor dos clientes dos bancos. De toda maneira, a matéria da capitalização
ainda segue sendo bastante controvertida. As polêmicas em torno deste assunto estão longe de terminar.
 
3 – A comissão de permanência é ilegal – Eu canso de ver petição em que os advogados alegam a abusividade da
comissão de permanência. Essa é uma taxa que está prevista nos contratos, e que o banco pode te cobrar quando
você atrasa. Realmente, no passado, houve abusos. Os bancos, além de multa e juros de mora, ainda cobravam a tal
de comissão de permanência. Até que o STJ sumulou o assunto em junho de 2012, e a partir de então os bancos
podem cobrar a comissão de permanência, desde que não ultrapasse a soma dos juros contratuais mais os de mora.
A súmula 472 é assim:
 
Súmula 472: A cobrança de comissão de permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos
remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da
multa contratual.
 
Portanto, se eles fizerem como diz a súmula, a justiça dá razão para eles, é batata!
 
Leia também os meus textos no portal O que diz a Lei: 
 
4 – Os bancos só podem entrar com busca e apreensão depois de três parcelas em atraso  – Essa também é
uma lenda urbana que foi se formando com o tempo. E se formou porque na prática, a partir de 90 dias de atraso, os
bancos passam a dar um outro tratamento aos contratos, o nível de provisão aumenta, etc. O cálculo do nível de
inadimplência leva em conta o que tem menos de 90 dias de atraso e o que tem mais de 90 dias.
 
Por essa razão, como regra, os bancos tentam de toda maneira resolver amigavelmente antes dos 90 dias. Aliás,
essa é uma boa dica de negociação. Se você tem chance de botar em dia seu contrato, a chance de conseguir uma
condição mais favorável (dispensando multa, juros de mora, OU a comissão de permanência, lembra do item
anterior?) aumenta quando se está quase chegando nos 90 dias de atraso.
 
Mas isso não é uma regra fixa. De acordo com o contrato que você assinou, e de acordo com a lei que regula a
busca e apreensão, nada impede que o banco entre com a ação para pegar seu carro no dia seguinte ao do
vencimento da primeira parcela. CLARO que isso não é comum. E CLARO, também que, entre o dia que o banco
decide ajuizar sua ação e o dia que o oficial de justiça vai bater na sua porta, geralmente leva um tempão, salvo
exceções (seja por agilidade do foro, o que é meio raro, seja por “interesses” que a gente ouve que existem, e que
fazem as coisas andarem mais rápido). Eu já vi ação de busca e apreensão ajuizada e no mesmo dia o juiz dá a
liminar, o mandado é expedido e o bem é apreendido.
 
Mas como regra (lembra que admite exceção) eu diria que entre o dia que você atrasa a primeira parcela e o dia que
o seu carro vai ser apreendido, pode-se levar uns quatro meses. Mas fica esperto. Ficou devendo, já começa a
procurar aconselhamento sério, porque esse prazo pode ser menor.
 
Outra coisa importante, e que vamos falar mais nos próximos itens, é que antes de entrar com a ação, o banco
precisa te notificar formalmente do atraso. Até novembro de 2014, a notificação tinha que ser através do Cartório de
Títulos e Documentos. Agora simplificou, basta que o banco te mande uma carta registrada, e qualquer pessoa no
teu endereço pode assinar. Veja o exato texto da lei:
 
“A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada
com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio
destinatário.”
 
Chama-se a isso a “notificação para constituição em mora.” É um requisito formal para que o juiz possa autorizar a
busca e apreensão do teu bem.
 
Então, entre ficar inadimplente, o banco notificar formalmente o devedor (constituição em mora), entrar com a ação e
apreender o bem, VIA DE REGRA, você tem uns meses para respirar e se reorganizar.
5 – A notificação para busca e apreensão tem que ser de um cartório da cidade do devedor  – Essa é uma
discussão que já está superada. Antes da lei 13.043, de novembro de 2014, se discutia se a notificação tinha que ser
feita pelo cartório da cidade do devedor.
 
A justiça já tinha decidido que podia ser a partir do cartório de qualquer cidade. Portanto, se você tem alguma ação
judicial em que este é um dos argumentos, saiba que suas chances são mínimas.
 
E a partir de novembro de 2014, basta que o banco te mande uma carta registrada, com aviso de recebimento,
conforme falei no item anterior. Se qualquer pessoa no seu endereço receber a correspondência, o banco já pode
entrar com a ação de busca e apreensão.
 
Portanto, essa questão de qual cartório emitiu a notificação deixou de ser importante. Primeiro, porque mesmo se
você tivesse recebido cartinha, originária de um cartório do interior do Ceará por exemplo, e se alguém na sua casa
ou no seu prédio tivesse assinado, estava valendo. Segundo, porque agora basta uma simples correspondência,
direto do banco, para constituí-lo em mora e autorizar o banco a ajuizar a ação. Não se iluda, quem te disser
diferente disso ou está mal informado, ou está querendo tomar o seu dinheirinho!
 
6 – Enquanto eu não receber a notificação eu posso ficar tranquilo – outro erro muito comum. Ora, se para fazer
a busca e apreensão o banco precisa me notificar primeiro, é só eu me esconder, e orientar as pessoas para não
receberem nem assinarem nada que venha para mim, que eu estou salvo. Certo? Errado!
 
Pois se pensas assim estás redondamente enganado, lamento informar.
 
A primeira opção prevista na lei é a notificação por carta registrada com aviso de recebimento. Mas caso o correio
não encontre ninguém na sua casa, por exemplo, o banco pode lançar mão de outras opções até que a notificação se
realize. É possível fazer a notificação judicial, a notificação por cartório de títulos e documentos, a notificação por
protesto e por edital. 
 
Portanto, como não precisa da assinatura do devedor na carta registrada, em tese é possível seguir com a busca e
apreensão mesmo que o correio devolva como “ausente”, por exemplo. Claro, para isso o banco vai ter que lançar
mão de alguma ou algumas das alternativas que eu mencionei.
 
Uma coisa é certa: essa recente alteração na lei veio para facilitar a busca e apreensão. Diversos outros artigos da
lei, que não vêm ao caso agora, mostram isso. Então, se antes o banco já podia entrar com a ação se não te
encontrasse, agora mais ainda. 
 
Portanto, se esconder pode até dar um pouco mais de trabalho para eles, e adiar um pouco a apreensão, mas não a
evita.
 
7 – Se eu depositar o valor que entendo devido a busca e apreensão tem que ser suspensa – Por fim, um ponto
que em alguns casos até funciona, mas que não pode ser considerado uma garantia em todos os casos.
 
Antigamente, bastava entrar com a ação revisional para discutir os juros, e os juízes, com raras exceções, impediam
o banco de apreender o carro e de colocar o nome do cliente no SERASA, SPC e afins. Depois, a coisa foi
apertando, e alguns exigiam que depositasse em juízo o que estava vencido.
 
Desde 2008, quem estuda a sério o assunto conhece o famoso julgamento da Ministra Nancy Andrigui, que diz o
seguinte:
 
A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou
medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente:
 
i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito;
ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência
consolidada do STF ou STJ;
iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz
(REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008.
 
Ou seja, depositar o valor que entende devido (incontroverso) é apenas o terceiro dos requisitos para obter liminar na
revisional (a decisão fala em não botar o nome no SERASA, mas na prática, atendidos os requisitos, na maioria das
vezes se suspende também a busca e apreensão).
 
O problema é o segundo requisito: “houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom
direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ“. 
 
Ora, a gente viu nos itens acima que o banco pode cobrar mais de 12% ao ano, que pode cobrar juro sobre juro, que
pode cobrar comissão de permanência, que pode te notificar apenas te mandando uma carta com AR, etc. Ou seja,
na maioria dos casos, o que o banco está cobrando está correto. Então fazer a prova de que tem cobrança indevida
nem sempre é fácil!
 
Então, o que interessa: não basta somente depositar o que o seu advogado disse que é devido. A chance de
conseguir uma liminar até existe, porque alguns juízes não aplicam à risca o julgado da Ministra Nancy Andrigui. Mas
a maioria dos tribunais estaduais o aplica, e aí o devedor está em apuros. Portanto, uma vez mais, desconfie de
quem promete que não tem erro.
 
CONCLUSÃO 
Neste post, eu procurei desfazer os 7 mitos mais comuns quando se trata de busca e apreensão de carro financiado.
Você pode ver que, ao contrário do que alguns profissionais alardeiam:
– Os bancos podem cobrar juros acima de 12% ao ano;
– Os bancos podem cobrar juros sobre juros (capitalização mensal);
– A comissão de permanência é legal, dentro de certos critérios;
– Os bancos podem entrar com busca e apreensão a partir do primeiro dia de atraso, ainda que isso não seja muito
comum;
– A notificação para busca e apreensão pode ser feita por meio de carta enviada diretamente pelo banco;
– O banco pode te notificar por edital;
– Só depositar o valor que se entende devido não é garantia de suspensão da ação de busca e apreensão.
 
O meu objetivo é prevenir que pessoas acabem tendo ainda mais prejuízos, gastando com serviços advocatícios que
não lhes ajudaram em nada, correndo o risco de ver o seu carro apreendido, e ainda tendo que pagar mais uma série
de valores (legalmente corretos) por terem recebido uma orientação equivocada.
 
A gente pode até discutir se as decisões judiciais são justas, se são corretas, etc. Isso é matéria para outro post.
Para o que importa aqui, o fato é que o Poder Judiciário tem decidido assim, e lutar contra isso é pura perda de
tempo e dinheiro.

Sobre o autor
Márcio dos Santos Vieira
Mestre em Direito. LLM Direito dos Negócios. Especialista em Processo Civil. Advogado com mais de 20 anos de
experiência em contencioso e processos de negociação de direito bancário, sendo 05 anos como gestor de
departamento jurídico de banco.
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Fonte: https://www.ibijus.com/blog/125-os-7-mitos-da-busca-e-apreensao-de-veiculos-um-guia-rapido-e-seguro

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