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OS SETE PECADOS CAPITAIS: A GULA, EM CONTRASTE COM A VIRTUDE DA

TEMPERANÇA.

Danilo Pinheiro Lorenzotti, 2° ano de filosofia.

"Todo pecado é uma ofensa a Deus e confere ao homem a perda da sua dignidade a qual
é restabelecida pela graça divina e com a conquista de virtudes. O pecado é uma verdadeira
escravidão. Quando pecamos, nós perdemos a nossa liberdade, vivemos escravos da nossa
própria vontade, unicamente em função de nós mesmos, amando-nos de maneira desordenada."
(Gabriella Gomes Silva)

A gula, um dos sete pecados capitais, muito além de ser um pecado simplesmente ligado
ao consumo exagerado de alimentos é um pecado que está ligado a tudo aquilo que fazemos de
maneira exagerada. É um pecado que, ao contrário da virtude da temperança, deixa o homem
escravo de seus próprios vícios. O homem, de certa forma, perde a sua liberdade de viver,
vivendo à merce de seus vícios.

Com isso, percebo que a gula é um pecado muito mais complexo do que imaginava. Se
observarmos, baseando-se no livro do Geneses, podemos dizer que a gula é o primeiro de todos
os pecados. O primeiro pecado cometido pelos primeros viventes. Adão e Eva não pecaram
primeiramente por desobediencia a Deus, mas antes de desobedecerem, pecaram por gula,
comeram do fruto proibido, ou seja, não controlaram seus desejos corporais e, com isso, o desejo
excessivo por querer sempre mais tomaram conta deles a ponto de desobedecerem a Deus.

A gula, vai dizer Santo Tomás de Aquino, é um desejo desordenado e irracional.


Analisemos esta frase. Vai dizer Santo Tomás que a gula é um desejo, portanto, parte de nós, da
nossa mente, mas muito mais do que a mente, parte do corpo. A gula está muito mais ligada ao
corpo do que a racionalidade. Neste sentido, Santo Tomás continua a frase dizendo que a gula é
um desejo irracional: querer sempre e mais sem pensar. Por exemplo, quando estamos com muita
fome e temos um banquete diante de nós. O desejo por querer comer tudo é tão grande que nem
tomamos consciencia se estamos saciados ou não.
Portanto, percebo que a gula é um pecado que está mais ligado ao nosso corpo do que
imaginamos, pois se não houver atitudes corporais o pecado não se realiza. Mas será que
podemos controlar o nosso corpo a ponto de equilibrarmos a tendencia pelos excessos? Nesse
sentido, gostaria de refletir sobre o pecado da gula em contraste com a virtude da temperança,
iluminados pela obra de Dante Alighieri, "Inferno da Divina Comédia".

"Nos últimos 20 séculos, pelo menos, falar em gula era necessariamente se remeter a
algum preceito ético ou religioso referente à cultura do mundo ocidental, principalmente pela
perspectiva do termo “pecado”. Isso talvez pela proximidade que o ato de comer,
exageradamente e bem, mantenha com a idéia de prazer, até mesmo daquele sexual. Mas desde
os tempos mais remotos, naqueles em que eram produzidos os escritos que serviram de
fundamento para a formação cultural do ocidente cristão, discute-se sobre os limites do prazer,
seja ele em relação ao alimento ou de qualquer outra espécie. Trata-se da antigüidade grega
clássica e das contribuições feitas por seus filósofos, principalmente Platão e Aristóteles."
(Emanuel França de Brito)

Portanto, percebemos que a gula já era entendida desde a antiguidade como sendo um
pecado que está relacionado ao prazer, não somente em comer, mas de tudo o que se refere aos
exageros humanos. O prazer de mandeira equilibrada não faz mal e nem é considerado pecado,
porém, quando o prazer se torna uma lei na vida do homem, quando o homem busca sempre e
mais pelo prazer e não se contenta com o que possui a isto chamamos de vicil.

Aristóteles, em sua obra "Ética a Nicômado", fala sobre os valores dos princípios éticos e
morais que regem a conduta dos homens, onde procura organizar as virtudes humanas em
contradição aos vícios que atrapalham a conduta humana. Os vicios são considerados os
extremos opostos das virtudes. Aristóteles, portanto, os dividou em tres grupos:

Segundo São João Cassiano, o primeiro combate espiritual contra os vícios “é contra o
espírito da gastrimargia ou a concupiscência do comer. Ora, São João Clímaco afirma que o
Príncipe dos demônios é Lúcifer, que caiu, e príncipe dos vícios, como incentivo de todos eles, é
a concupiscência da gula e expõe com precisão:
"Gula é hipocrisia e fingimento do ventre que, depois de farto, nos faz

crer que tem necessidade de mais e, depois de cheio quase a arrebentar, ainda diz que

padece fome. Gula é inventora de sabores e guloseimas e descobridora de novos

regalos. [...] Gula é engano do juízo, o qual nos leva a crer que temos necessidade de

comer e beber tudo o que se nos põe diante, e junto com isto estraga no homem, não

só a temperança, como a penitência e a compaixão" (São João Climaco)

Para Aristoteles a temperança seria a capacidade do homem de evitar se deixar dominar pelas
paixões, que o impele a agir no sentido contrário ao que aponta sua razão. O intemperante é
aquele que abandona o caminho correto por não conseguir resistir ao apetite concupiscente.
Portanto a temperança é o equilibrio que se deve ter diante das coisas. É a capacidade que o
homem deve ter de não ser nem deficiente nem excessivo.

Mas, para compreendermos isso precisamos saber que a gula não é apenas o pecado pelo
excesso de alimentos. A gula é muito mais que isso. Comer demais é pecado. Muitas vezes temos
alimento de sobra em nossa casa e, ao invés de repartirmos com quem não tem, comemos o
quanto aguentamos e ainda por cima desperdiçamos o que sobra. Portato, pensar no próximo
também é uma virtude que nos livra do pecado da gula, caso contrário caímos no egoísmo.

Pois bem, o egoísmo é um dos males que nos levam ao pecado da gula. Quando eu não
penso no próximo, e vivo como se tudo girasse ao meu redor e que a única coisa que importa é o
meu bem estar, movido pelo egoísmo,caio no pecado da gula, desejando excessivamente sempre
e mais o bem só para mim. Esta atitude é imoral, pois quando penso no bem comum estou agindo
com moralidade. E a gula, é o desejo exacerbado de desejar somente o bem próprio.

Entretanto, como dizia antes, a gula não se refere apenas em comer em excesso, mas a
tudo aquilo que é excessivo na vida do homem. Neste sentido vamos analisar outros casos que
nos levam ao pecado da gula. Na obra do Inferno de Dante, são apresentados tres tipos de gula:
física, intelectual e espiritual.
A gula física, na obra, está relacionada aos excessos de comida. São os chamados
gulosos, as almas que foram para o inferno por terem "estragado" seus corpos alimentando-se
exageradamente e de alimentos maus a saúde física.

"É certo que devemos considerar o fato de que no período medieval, dentro do qual se
compreende a Divina Comédia, o ato de comer exageradamente estava relacionado a uma atitude
nobre. Nobre não no sentido de louvável, mas sim de estar diretamente ligado ao comportamento
de aristocratas. E nesse intento, o de comer sem limites, não era considerada a ética cristã, mas
sim contrariada." (Emanuel França de Brito)

Na obra, se repararmos, há uma critica aos clérigos. Na Idade Média o auto clero levava
uma vida super requintada, pregavam a pobreza mas viviam totalmente o oposto, acusavam as
prostitutas, mas eram os primeiros a cometerem os pecados da luxiria. Enfim, pregavam o que
não viviam e o que era contrário ao Evangelho.

Pela fraca atividade agrícola, pois não possuiam grandes técnicas, os alimentos eram
escassos para os cidadãos medievais, os plebeus. Quem possuia alimentos com fartura eram os
nobres da sociedade, dentre eles o clero.

"A gula, desde quando analisada pelos pensadores citados, sempre foi considerada e
condenada como um crime individual por fazer mal somente àquele que a comete e pelo pecado
estar em “venerar o próprio ventre como a um Deus” (PROSE, pág. 17). É de se crer, no entanto,
que Dante poeta a julgava sob uma outra perspectiva, vista a maneira coletiva como cumprem
suas penas os culpados pela gula no Inferno de sua Comédia." (Emanuel França de Brito)

Porque a culpa da gula me danou

como me vês, nesta chuva me achaco

co’as tristes almas que estão, como estou,

condenadas a pena semelhante

por semelhante culpa.[...]4


(DANTE, Inferno: Canto VI, versos 53-57)

Neste sentido a gula não é um pecado que afeta apenas o guloso, mas que afeta toda a sociedade
ao seu redor, pois onde existe alguém que come de maneira deliberada, havaerá também pessoas
passando fome pela falta de alimentos. Isso nos leva a pensar em realidades presentes em nossa
sociedade nos dias atuais. Do mesmo modo que muitas pessoas passam fome, e a realidade da
fome no mundo é grave, muitas pessoas, principalmente as de maior condiçoes financeiras, sobre
tudo as autoridades, comem de maneira deliberada.

O farisaísmo está presente em nossa sociedade até os dias atuais: políticos que antes das
eleições prometem acabar com a fome no país mas que, ao terem suas mesas fartas todos os dias,
já não pensam mais nos que passam fome. Infelismente é a realidade de muitos países.

Portanto, a gula é uma realidade fisica, o desejo por querer comer de maneira exagerada
sem haver real necessidade. Acabamos passando mal de tanto comer! Esta é uma das
caracteristicas da gula e, certamente, a mais comum e pensada. Mas vamos agora conhecer outro
tipo de gula apresentada na obra: a gula intelectual.

A gula intelectual é o desejo demasiado pelo conhecimento. O ser humano, diferente de


todos os outros seres vivosé um ser racional, ou seja, tem capacidade de pensar, de conhecer, etc.
Portanto, o ser humano possui uma alma, coisa que os outros seres vivos não possuiem. É
justamente por essa razão que o ser humano também corre o risco de ser demasiado no
conhecimento. Tudo aquilo que é acumulado de maneira exacerbada na maioria das vezes não
tem utilidade, só é um empecilho. Um exemplo prático para entendermos: imaginemos aquela
quantidade imensa de roupas que não tem mais utilidade para nós mas, mesmo assim, fazemos
questão de daixa-las no guarda roupa independente de não usarmos mais. A roupa só estará
ocupando espaço em casa enquanto outros não tem nem o que vestir. A questão do conhecimento
segue a mesma linha.

"Também para Dante, só a razão é capaz de mostrar que Deus vai muito além da razão.
Com isso, através do viés dantesco, assim como católico, pode-se entender legítima a busca pelo
conhecimento quando se trata de um conhecimento destinado à fé, que pode ampliar a visão de
mundo daquele que o procura exageradamente para que toda essa racionalidade seja conduzida –
necessariamente – a Deus. Como faz menção o tópico destinado à noção de aspecto subjetivo de
pecado, encontrado na Enciclopédia Católica, quando discorre sobre a importância em adquirir
conhecimento para melhor formar a consciência." (Emanuel França de Brito)

Potanto, o problema do conhecimento em excesso não pode ser generalizado a tudo, mas
a alguns tipos de conhecimento que segundo Dante nos afasta de Deus. Muitas vezes estamos em
busca de conhecimentos que não nos dão base nenhuma para nossa vida. Conhecimentos imorais
e nada éticos, que ao invés de dar sustento a nossa formação humana, só atrapalha ou não
significa nada.

Deve-se, portanto, buscar sempre e mais o conhecimento de coisas que são uteis para
nossa vida e que nos formam enquanto seres humanos, tendo sempre em mente o desejo de
buscar-mos ser pessoas melhores a cada dia. Nisso consiste todo o valor moral do homem.

Para Dante, seguindo a perspectiva da tradição filosófica e, sobretudo, da teológica, se o


conhecimento não pode conduzir a Deus e não pode engrandecer a alma, ele não pode ser
aproveitado e, portanto, será julgado como supérfluo. Sendo assim, por trás daquilo que é
supérflo, ou seja, aquilo que esta além do necessário, esta a gula.

Pensemos novamente no livro do Gêneses, Adão e Eva comem do fruto proibido pois,
segundo a serpente, eles teriam o conhecimento do bem e do mal. Eles não cairam na tentação
pelo fruto em sí, mas pela propósta feita pela serpente, eles seriam como Deus. Neste sentido,
pensemos em algumas atitudes que o ser humano tem. O desejo em querer ter o conhecimento
maximo é algo muito presente. As pessoas querem saber mais do que as outras. Há um grande
perigo, dentro da própria religião cristã, de querermos ter o conhecimento integro de quem é
Deus. A religião não é uma escola para se conhecer a Deus como se conhece uma matéria na
faculdade, mas sim, é uma escola de fé. A fé é o sustento da religião.

Entramos agora na terceira característica do pecado da gula, a gula espiritual. Esta


terceira caracterista está relacionada a anterior, quando viamos no Gêneses que Adão e Eva
pecaram pela proposta feita pela serpente de serem iguais a Deus. Não só no que se diz respeito
ao corpo, mas também no que se refere a alma é preciso haver equilibrio. Neste sentido, em
contraste ao pecado da gula, devemos prezar pela virtude da temperança. Na vida humana a
temperança é o equilibrio que devemos ter para controlar nossas paixões e prazeres. A
temperança é o justo meio entre a carência e o excesso. A vida espiritual é marcada por
irregularidades, ou ficamos muito euforicos por algum motivo extraordinário, ou ficamos
entediados pela falta de euforia. É preciso encontrar o equilíbrio. Eis um dos maiores problemas
da espiritualidade. E é justamente neste estado de temperança que surgem, na maioria das vezes,
as crises espirituais. As crises não se dão na hora da carencia espiritual, mas no estado de
temoperança, justamente pelo fato da temperança não ser algo comum na vida espiritual.
Portanto, muitos, buscando os autos níveis da espiritualidade, sentem-se frustrados no meio do
caminho, pois ao invés, não prezam pela temperança.

É, portanto, estes os três tipos de pecado da gula apresentado na obra de Dante. Mas
podemos levantar outros inumeros tipos, como por exemplo, a gula pelo poder, pelo prazer, pelo
consumismo, etc. O importante é tomarmos conciência de que a gula não se refere unicamente a
comida, mas a tudo aquilo que vai contra a virtude da temperança, ou seja, a tudo aquilo que é
vicil, excessos. Tudo o que é demais não é bom, já dizia minha avó. Com isso, a virtude da
temperança é o meio de se combater o pecado da gula, pecado que é a raiz de todos os outros
pecados.

Em uma sociedade marcada pela gulosidade do supérflo, prezemos pela virtude de querer
aquilo que é humanamente edificante e bom para nós e para os outros, assim, estaremos
cosntruindo uma sociedade mais ética.

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