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CAMINHANDO NAS TRILHAS DE SANTA FELICIDADE: PRIMEIROS PASSOS

LIMA, A. M. L. Discente do Programa de Pós – Graduação em Geografia, UFPR -


Universidade Federal do Paraná.. gelilozano@yahoo.com.br

KOZEL, S. T. Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia, UFPR - Universidade


Federal do Paraná..skozel@ufpr.br

Resumo:
Uma experiência em Santa Felicidade que apresenta um “Ato de andar por ruas e calçadas”.
Percepção e vivência das relações entre caminhantes/veículos nas ruas construídas sem os
elementos necessários que permitam às pessoas sentir prazer em “ir a pé” aos lugares.
Atualmente, as pessoas andam entre carros e motos, cuja velocidade se constitui em uma
violência para os sentidos humanos. Lugares para andar a pé, somente nos parques. Esse texto
mostra as discussões preliminares da teoria e método desse tema que se apóiam na Geografia
Humanista/Cultural com aporte fenomenológico. As pesquisas de campo e mapas mentais
pretendem identificar se há falta: de espaços para caminhar, de sinalização para veículos e
pedestres, diferença entre as ruas do bairro (centrais e periféricas). Com isso, apresentar as
relações das pessoas com o movimento dos diversos veículos e sua visão como caminhantes.
Objetiva-se: identificar se a falta de espaços adequados como as calçadas, é motivo pelo qual
as pessoas deixam de fazer percursos a pé; identificar a relação afetiva das pessoas com o
lugar. Elaborar mapeamento: das calçadas, dos símbolos concretizados mais importantes para
a população, expressos em mapas mentais formando uma cartografia cultural do bairro.

Palavras-chave: Geografia, percepção, trilhas urbanas e caminhantes.

WALKING IN THE TRACKS OF FELICIDADE SAINT: FIRST STEPS


Abstract: It presents partial results of the project. Experience! “act of walking in the streets”.
Perception and experience of the relations: pedestrians/vehicles. Attitudes! The Streets:
Constructed without the necessary elements that they allow that the peoples feel the pleasure
in “going to the foot” to the places. Preliminary quarrels theoretical and methodology:
Humanist/Cultural Geography - Phenomenology. Currently the people walk between cars and
movements, whose speed if to constitute in a violence for the human directions. In the city,
almost it does not have places to walk, only in the parks. Research: of field, bibliografy,
mental maps, intend to show that analyzed of the subject. Identify problems: the lack of the
spaces to walk, the lack to signal for vehicles and pedestrians, difference enter in the streets of
the quarter (central offices, peripherals). Present the relations of the peoples with the
movement of the diverse vehicles and its vision as pedestrians, with analyses on rhythm of:
vehicles/man, comparing them, because the rhythms of the nature are slower. Objective:
identify the reasons that the peoples do not walk to see the city, to see the life, to increase the
relationships, to live the city; to elaborate cultural cartography of these aspects.

Key –words: Geography, perception, to walk, street


INTRODUÇÃO

Este artigo faz parte de uma pesquisa ainda em andamento. Apresentaremos as primeiras
reflexões obtidas com a pesquisa: Santa Felicidade – entre carros, ruas e avenidas: trilhas
urbanas para pés caminhantes em dois tópicos: A primeira parte mostra o lugar como o objeto
do estudo, os objetivos gerais e a problemática do trabalho, apresenta as etapas dos
procedimentos metodológicos e fatos observados preliminarmente, entre outros aspectos, já
baseados na abordagem escolhida: A Geografia Humanista/Cultural com aportes
fenomenológicos. A segunda parte apresenta as primeiras discussões teóricas e metodológicas
obtidas. Salientamos que a pesquisa está em andamento, portanto, não apresentamos analises
gerais, apenas as reflexões preliminares.
Através da "percepção" pretende-se se apropriar dos fatos e entendê-los sob o enfoque da
pesquisa qualitativa1, utilizando a fenomenologia, que tem como objetivo, captar, através da
percepção e da vivência, o entendimento dos fatos, de forma a considerar a essência do ser
humano numa analise com rigor.
A pesquisa em andamento, estudará através da categoria "lugar", as ruas e calçadas do bairro
Santa Felicidade, às quais, denominamos "Trilhas urbanas", por onde "andamos" e não apenas
por onde circulam os veículos. São as trilhas de Santa Felicidade por onde “passam” carros,
motos, pessoas. Entendidas sob o enfoque humanista, distanciam-se das análises quantitativas
para se aproximar de uma visão qualitativa, ou seja, “da apreensão dos significados” das coisas
para o homem. Aproximam-se da compreensão de que as mesmas trilhas projetadas para a
circulação dos veículos, prioritariamente, também são percursos por onde andam as pessoas
que se deslocam entre os lugares, assim, as ruas e calçadas não são construídas para um
elemento humano básico que compõe a vida cotidiana: o andar. Na primeira parte a seguir, o
lugar é apresentado e ao mesmo tempo, as primeiras observações em campo são mostradas.
Não há analises nessa etapa, apenas uma apresentação descritiva, usando já de inicio o método
aplicado.
Para a compreensão desse aspecto, definimos que nessa pesquisa serão abordados os seguintes
questionamentos:
A) Como estão as condições das ruas do bairro?
B) Como estão as condições das calçadas do bairro?
C) Qual a relação afetiva das pessoas com o lugar?

1
Entende-se que “a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2001, p. 22).

2
D) É possível espacializar os símbolos que as pessoas expressam?
E) É possível espacializar a sinalização ou sua falta?
F) Quais as possíveis ações para a melhoria desses espaços?
G) O que os planejadores pensam sobre isso? E os moradores?
H) De onde vem e para onde vão esses caminhantes e motoristas?

A partir dessas perguntas, busca-se compreender o fato sob a perspectiva humanista,


fenomenológica e cultural. Dessa forma, os trabalhos de campo iniciais mostram o lugar,
descrevendo-o e descrevendo o que é feito, tanto na parte dos procedimentos quanto nas etapas
teóricas, que é a pesquisa de gabinete e de campo.

O LUGAR
As ruas de Santa Felicidade apresentam-se predominantemente com uma cobertura asfáltica
esburacada, sem guias2, sem calçadas e com o mato crescido nos lugares de circulação de
pedestres. A alta velocidade dos diferentes veículos que por elas circulam, a falta de
sinalização apropriada para veículos e pedestres, são aspectos que puderam ser observados.
Nos percursos iniciais pelas trilhas, notou-se, também, que muitos pedestres circulam no meio
da rua, ou, em locais, onde deveriam ter sido instaladas as guias e calçadas, portanto andam
junto aos carros. Com tais observações, percebe-se que poucas ações são efetivadas para a
melhoria das condições de circulação (para pedestres e motoristas) nesses lugares. Além disso,
há uma diferença entre as ruas centrais, mais visitadas por turistas, que são bem conservadas e
aquelas que ficam na periferia do bairro, sem conservação. Essas observações foram realizadas
em trabalhos de campo realizados de carro por ruas do bairro entre os meses de dezembro de
2005 a maio de 2007. Com um mapa, seguiu-se por várias ruas, passando por elas em
velocidade não superior a 30 quilômetros por hora a fim de observar os aspectos visuais.
Os termos da Geografia Humanista como "topofilia”, que exprime a relação de amor, de gostar
de um lugar, e “topofobia" que é a relação de medo por um lugar, adotado por Tuan, por volta
do ano de 1980, serão pertinentes, quando tratarmos das relações afetivas dos moradores com
o seu bairro, ou seja, mesmo quando não contam com benfeitorias, (limpeza, iluminação,
calçadas, segurança, etc), sentem orgulho do lugar devido à sua ligação pessoal e histórica
com o mesmo. Entretanto alguns moradores estabelecem uma relação topofóbica com o bairro,
devido a tais carências, fatos notados nas primeiras conversas informais com alguns

2
Ato ou efeito de guiar; condutor; pedras que se colocam para fazer o meio fio das calçadas. (BUENO, 1995, p. 551)

3
moradores.
Apresenta-se a seguir uma síntese da base teórica e metodológica utilizada, referendando-a nos
vários aportes da Ciência Geográfica.

PROCEDIMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

O estudo se fundamenta em principio na percepção, na intuição e no significado que damos às


coisas. Este método fenomenológico, embora utilizado por muitos geógrafos ainda é visto com
parcimônia por muitos, sobretudo por trabalhar com a subjetividade, ou seja, aspectos
subjetivos da vida cotidiana, mas, não deixa de manter o rigor exigido pela ciência.
Inicialmente, ao justificar a opção pela abordagem Humanista, aponta-se a necessidade das
ciências gerais em inserir o aspecto humano nas análises de seus objetos de estudo, pois este é
geralmente, relegado ao segundo plano ou ignorado. Acredita-se que deixando de responder
sobre as aflições humanas, instala-se uma grande crise, tanto nas ciências, quanto nas próprias
relações homem/ambiente e, isso pode ser visto nos diversos problemas sócio/ambientais que
são enfrentados por todos. As ciências, deixaram de responder as questões mais subjetivas da
vida cotidiana. A tecnologia, o modo de pensar moderno, que geralmente nega a própria
natureza humana, acarreta uma corrida ao consumo desenfreado e muitos valores humanos são
praticamente esquecidos. Com isso posto, a fenomenologia, que busca métodos mais
humanizados, proposta como aporte teórico e metodológico, auxiliará na busca do
entendimento dessas questões, estabelecendo, conhecendo e identificando as relações entre os
sujeitos e o lugar, aliando, nesse caso, o estudo das trilhas como forma de entender a relação
homem/Terra, esta, chamada aqui por Geograficidade3, um termo usado por Eric Dardel, em
1952 e que expressa essa relação.
A Geografia se estruturou em bases positivistas e, a partir dos anos 1970/80 acentuam-se as
discussões em relação às abordagens referentes aos fatos humanos nos estudos geográficos,
retomam-se, assim, leituras da década de 1940/50, citando como exemplo, a obra de Eric
Dardel: L’homme et la terre: Nature de la réalité géographique, de 1952. Esta obra re-inaugura
a leitura e a descrição subjetivas e poéticas que podem ser feitas por geógrafos: “Poursuivant
notre exploration des expressions géographiques, nous entrons, sur les voies de l'imaginaire,
dans une géographie de rêve.” (DARDEL, 1990, p. 6)4. Baseando-se, principalmente em

3
Geograficidade é um termo utilizado por Dardel em seu trabalho em 1952, traduzido como sendo “a relação
homem Terra”. Esse tema será abordado em um dos capítulos do trabalho ao final da pesquisa.
4
Prosseguindo a nossa exploração das expressões geográficas, entramos, sobre as vias da imaginação, numa geografia de
sonho. (tradução feita pela autora em 2007).

4
Dardel, Y-Fu-Tuan escreve sua tese de doutorado, reavivando consideravelmente as
discussões e debates em bases filosóficas mais humanas sob aportes fenomenológicos e
existencialistas.
Os debates acerca dessa abordagem se acentuam no Brasil por volta de 1970 na Unesp de Rio
Claro. Posteriormente Holzer, desenvolve pesquisa em geografia Humanista, resgatando boa
parte da trajetória desse paradigma e seus principais precursores. Dessa forma, a Geografia
Humanista/Cultural se dissemina mais abertamente entre os pesquisadores brasileiros nos anos
1980, em direção ao novo século, sobretudo com a criação do NEPEC (núcleo de Estudos
sobre Espaço e Cultura) na UERJ no Rio de Janeiro, onde se destacam os geógrafos Zeny
Rosendhal e Roberto Lobato Correa. Na Universidade Federal do Paraná, foi criado o NEER,
(Núcleo de Estudos em Espaço e Representações), em 2006, intensificando as pesquisas na
linha Território, Cultura e Representação onde atuam os geógrafos Sylvio Fausto Gil Filho e
Salete Kozel. Portanto a tendência é aumentar esse diálogo em nível nacional, visto que o
NEER atualmente congrega uma rede de pesquisadores em várias Universidades do país. O
ano de 2006 foi marcado pelo ingresso no programa de pós-graduação em Geografia da UFPR
de grande número de alunos interessados por essa abordagem, aprofundando assim os debates
nessa linha, consolidando nesta instituição a Geografia Cultural e Humanista em suas várias
vertentes.
Essa pesquisa como já nos referimos anteriormente tem suas bases na Geografia Humanista
referenciada na fenomenologia. Segundo Peixoto 2003,
A palavra fenomenologia tem sua origem em duas outras palavras gregas:
phainomenom, que significa “o que se mostra”, “o que se manifesta”, e logos, que
significa “discurso”, “ciência”. Portanto, etimologicamente, fenomenologia significa
o estudo ou ciência do fenômeno. (p. 16).

Desse modo, o “lugar” é estudado através da fenomenologia, ou seja, o fenômeno, partindo da


idéia de HUSSERL, de que fenômeno é tudo que existe e que aparece à nossa consciência. A
consciência toma este “fato” como “imagem” no pensamento e assim tomamos consciência do
“lugar”. Lugar é um espaço, onde estabelecemos nossas relações entre homem e ambiente.
Lugar é para TUAN, um pequeno mundo ligado por redes (ruas, vias), onde são “guardadas”
as histórias e as vivências das pessoas. Assim, DARDEL entende a Geograficidade, que,
segundo ele, é a relação homem/Terra, (que se dá através da percepção).
A percepção é outro termo adotado neste trabalho e significa o uso dos sentidos humanos que
(nos põem em contato com os objetos e fatos reais). “Para perceber alguma coisa, deve-se
primeiro ter consciência dela”. (SCHIFF, 1973, p. 49). É através da percepção que
estabelecemos contato com o mundo (real ou imaginário). Desse modo, a percepção visa

5
conhecer e dar significado às coisas e ao ambiente. É através dela que se estabelecem os
significados das trilhas. Assim, percebemos, sentimos, olhamos, caminhamos por trilhas. As
trilhas estão nas cidades como formas e estruturas, fazem parte da "caminhada humana". A
palavra trilha significa: “ato de trilhar, direção, rastro, caminho” (BUENO, 1995, p. 1149).
Trilhas, ruas ou vias podem enfeitar a cidade (topofilia), entretanto, muitas deixam a cidade
feia e causam medo (topofobia). Elas formam uma rede complexa de conexões, de encontros,
de modos de circulação e são responsáveis pela fluência dos veículos, e pessoas. As ruas dão
movimento à vida. As ruas não impõem ritmos...lentos ou rápidos, esses são impostos pela
circulação de valores, trabalhos, mercadorias. E lá, nas trilhas, estão as calçadas5: “Calçada é
parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de
veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário
urbano, sinalização, vegetação e outros fins6”. O passeio também é parte da calçada:

“O passeio é parte da calçada ou da pista de rolamento, neste último caso, separada


por pintura ou elemento físico separador, livre de interferências, destinada à
circulação exclusiva de pedestres e, excepcionalmente, de ciclistas. A via, também
pode ser entendida como rua, é a superfície por onde transitam veículos, pessoas e
animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro
central.)”.

Desse modo, o pedestre7 poderia circular com segurança em todas as rua ou vias, segundo o
artigo sessenta e oito do código de trânsito.
Um dos primeiros procedimentos metodológicos da pesquisa foi realizar percursos no bairro a
pé e de carro. Em seguida foram elaborados mapas mentais com alunos de 5º, 6º e 7º series do
Ensino Fundamental e, com alunos do Ensino Médio, em escolas do bairro. Também

5
Para apresentar alguns termos, leis e códigos brasileiros foram utilizados. O código de trânsito ajuda a definir a
exemplo a palavra calçada, vias, entre outras.
6
Calçada, passeio: captado em 02/04/2007 (http://www.pr.gov.br/mtm/index.shtml).
7
§ 1º É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das
vias rurais para circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde
que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres. Este código trata o ciclista como um pedestre também. § 2º Nas áreas urbanas,
quando não houver passeios ou quando não for possível a utilização destes, a circulação de pedestres na pista de rolamento
será feita com prioridade sobre os veículos, pelos bordos da pista, em fila única, exceto em locais proibidos pela sinalização e
nas situações em que a segurança ficar comprometida. § 3º Nas vias rurais, quando não houver acostamento ou quando não
for possível a utilização dele, a circulação de pedestres, na pista de rolamento, será feita com prioridade sobre os veículos,
pelos bordos da pista, em fila única, em sentido contrário ao deslocamento de veículos, exceto em locais proibidos pela
sinalização e nas situações em que a segurança ficar comprometida § 5º Nos trechos urbanos de vias rurais e nas obras de arte
a serem construídas, deverá ser previsto passeio destinado à circulação dos pedestres, que não deverão, nessas condições, usar
o acostamento.
§ 6º Onde houver obstrução da calçada ou da passagem para pedestres, o órgão ou entidade com circunscrição sobre a via
deverá assegurar a devida sinalização e proteção para circulação de pedestres.
Art. 69. Para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a
visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que
estas existirem numa distância de até cinqüenta metros dele, observadas as seguintes disposições: Acostamento - parte da via
diferenciada da pista de rolamento destinada à parada ou estacionamento de veículos, em caso de emergência, e à circulação
de pedestres e bicicletas, quando não houver local apropriado para esse fim. Vias: vias ou conjunto de vias destinadas à
circulação prioritária de pedestres. . http://www.senado.gov.br/web/codigos/transito/cnt00020.htm#E15E4 Captado em
02/04/2007

6
importante na pesquisa8, são as conversas com os entrevistados9. De acordo com Goldemberg
e Minayo na pesquisa qualitativa a vivência do pesquisador que se põe como sujeito e objeto,
que é co-participante do fato que analisa pois, o mesmo está inserido naquele contexto, é de
fundamental importância. Este não deixa de obter uma informação "da coisa em si”, "sem
preconceitos estabelecidos" já que, deixa de lado aquilo que ele "acha" para obter a certeza
daquilo que a "coisa lhe apresenta".
Entre as técnicas utilizadas, recorre-se a documentos antigos e atuais, diários de campo10 e os
relatos, essenciais, pois, desde os mais antigos moradores que contam sobre a história do
lugar, até os mais jovens, todos colaboram para a produção e continuidade do projeto. Os
percursos de campo são efetivados entre 2006 e 2007, tanto a pé como de carro, assim como a
produção fotográfica que ocorreu a partir de 2007, como opção em selecionar apenas os locais
estabelecidos. As cenas11 inesperadas foram incluídas, pois em muitos momentos, flashs do
cotidiano se apresentaram e tornou-se importante adicioná-los. Dessa forma, os pressupostos
teóricos e metodológicos12, o histórico de Santa Felicidade sob a perspectiva da oralidade,
mapas mentais13 e as relações afetivas dos moradores de Santa Felicidade, passarão por uma

8
A parte da pesquisa, é considerada por Minayo, (2001, p. 17), como a “atividade básica da ciência na sua indagação e
construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e atualiza frente à realidade do mundo. Portanto,
embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação”.
9
No caso das entrevistas, optou-se por faze-las do modo informal, de forma mais aberta e com pessoas selecionadas
previamente, de acordo com a necessidade da pesquisa. Ressaltamos que os entrevistados foram selecionados da seguinte
maneira: Estudantes das quintas, sextas e sétimas séries do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais Ângelo Volpato (Jd.
Itália), e Pinheiro do Paraná (Jd. Ipê), com idades entre 10 a 17 anos. Estes,produziram os mapas mentais dos adolescentes
além da contribuição oral, explicando o seu mapa. Alunos do Ensino médio da Escola Ângelo Volpato entre 16 a 60 anos:
produziram mapas mentais e interpretaram o mapa. Os demais entrevistados foram selecionados respondendo aos seguintes
objetivos: os mais velhos para auxiliar a contar história oral do bairro, com detalhes que fogem das páginas dos livros, além
de apresentar seus sentimentos, desejos, angústias e impressões. Todos os demais entrevistados que não se encaixam na
categoria estudantes e idosos, foram escolhidos aleatoriamente quando caminhavam pelos lugares do bairro, levando em
conta a “ação” que praticavam, desta forma, seguindo Neto, fazemos a “articulação necessária entre o pesquisador e os
atores sociais envolvidos no trabalho” (2001, p. 62) -
10
É um documento pessoal onde o pesquisador registra os momentos de vivência no campo.
11
As fotografias: servem não só como ilustração/documentos, mas, amplia o conhecimento do objeto, permitindo que os
flashs do cotidiano das pessoas fiquem armazenados de forma que a imagem que nosso olhar/pensamento “capturou ” e
conseguiu externalizar através da foto, seja também uma forma de expressão, uma linguagem, usada como parte do método
fenomenológico, através da aproximação da lente, quando é possível extrair da foto, particularidades então percebidas
“enganosamente “ em um primeiro momento da percepção: é a atitude fenomenológica.
12
Baseado em Minayo, (2001, p. 17), por metodologia entende-se “o caminho do pensamento e a pratica exercida na
abordagem da realidade”, incluindo-se neste caso, as concepções teóricas das abordagens Cultural, humanista e
fenomenológica da Geografia, além das demais técnicas operacionais que vão possibilitar a revelação da realidade de Santa
Felicidade vista a partir de suas trilhas. Desta forma, a parte teórica é fundamental para a explicitação do que se pretende
compreender e mostrar. Sendo assim, do pensamento geográfico e do filosófico, fez-se um texto introdutório, acreditando ser
necessário para um melhor entendimento dos leitores. Devido à preocupação com a questão teórica do trabalho, juntou-se em
um capitulo, (caminhando entre a geografia e a filosofia), um apanhado de informações sintéticas e básicas no que se refere
aos autores escolhidos. A intenção é de apresentar aos leitores em geral, que poderão consultar a dissertação, todo o processo
de aprendizado que antecede a produção escrita, contribuindo dessa forma, com a comunidade acadêmica, visto que o trabalho
revela uma grande quantidade de referências.
13
Os croquis e mapas: são desenvolvidos através da técnica mais simples, que é a entrega de uma folha em branco às
pessoas, sugerindo apenas uma frase que incentiva ao desenho: “Santa Felicidade: que lugar é esse? Os mesmos serão
analisados através das falas dos desenhistas e do método Kozel que pode ser sinteticamente resumido em “interpretação do
desenho”: forma de representação dos elementos da imagem; distribuição dos elementos na imagem; especificação dos
ícones, representação dos elementos da paisagem natural e construída; elementos humanos, entre outros aspectos. Para um
maior aprofundamento e compreensão da utilização do método é aconselhável que se leia detalhadamente o trabalho:

7
fase de interpretações e análises baseadas em vários autores. A importância do caminhar (a pé)
e o ritmo (velocidade dos veículos e pressa das pessoas), também são itens importantes a ser
considerados nas reflexões pretendidas.

A Geografia Humanista/Cultural e a fenomenologia de Husserl

O caminhar pelo mundo faz o homem sentir o lugar através da percepção e ele sabe que está
no mundo. Tem consciência então de si e do mundo. Seus sentidos captam os objetos, assim
como esses se formam em sua consciência como imagens mentais e símbolos internalizados.
Esses são a sua consciência do que é um “lugar”. Formam um mapa mental do seu “mundo”
que é único para si, assim, cada individuo forma seu “mapa” de acordo com suas impressões e
reflete a sua “visão de mundo”.
A percepção através dos sentidos coloca o homem em contato com a realidade, formando o
“conhecer”. É neste caminho que se inicia esta pesquisa, baseando-se em geografias e
filosofias, que sustentem o aporte fenomenológico escolhido para a mesma.
O termo fenomenológico/fenomenologia é utilizado pela primeira vez por J. H. Lambert em
1764 em uma obra intitulada “novo órganon”. Kant também utiliza o termo por volta de
1770/81, segundo Peixoto, (2003, p. 18). Entretanto, de forma direta ou indireta, pode-se
encontrar a fenomenologia em Descartes, pois ele, [...] se propõe a enumerar todos os atos de
nosso entendimento por meio dos quais podemos chegar ao conhecimento das coisas sem
temor algum de erro. Ele admite apenas dois, a saber: a intuição e a dedução”. (GILES, 1979,
p. 17). A tradição cientifica coloca sempre em contraste os dois caminhos pelos quais o
conhecimento e o entendimento se dão: (o da razão e o da intuição/percepção entretanto, suas
bases são as mesmas: o pensar humano. Esses “atos”, aos quais Descartes se refere, podem ser
os mesmos atos que Husserl aponta em sua obra14, (?), onde diz que “Todo pensar, e
sobretudo todo pensar e parecer teóricos perfaz-se em certos ‘atos’ que surgem em conexão
com a fala em que se exprimem”.(HUSSERL, 1975, p. 13).
Essa diferença entre as abordagens para a teoria do conhecimento aponta para uma atitude de
superação, esta, que Husserl propõe na sua fenomenologia, de nos despirmos dos pré-

KOZEL, S. Das imagens às linguagens do geográfico: Curitiba a capital ecológica, 2001. SEEMANN, J. Mapas e percepção
ambiental: do mental ao material e vice-versa. OLAM – Ciência & Tecnologia. Rio Claro: v. 3 n. 1 p. 200-223, setembro
2003.

14
Investigações Lógicas: Sexta investigação – (Elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento). 1º ed. Abril
Cultural . São Paulo: 1975

8
conceitos existentes e abrir nossa mente para novas possibilidades. Essa mesma visão, sobre
pré-conceitos pode ser observada em Minayo quando fala do conhecimento, da pesquisa: “a
cientificidade não pode ser reduzida a uma forma determinada de conhecer; ela pré-contém,
por assim dizer, diversas maneiras concretas e potenciais de realização”. (MINAYO, 2001, p.
11). Uma dessas maneiras vai ao encontro da Fenomenologia, um caminho mais humanizado.
Sendo assim, apresenta-se Edmund Husserl, que é considerado o precursor de sistematizar
essa fórmula de conhecimento, (experiência da vivência), baseando-se primordialmente em
um matemático: Kant. Husserl ampliou e divulgou esse método tão fenomenológico em razão
quanto em percepção, juntando a objetividade do rigor e a subjetividade humana das
vivências. Propôs o entendimento e conhecimento pela intuição, sem, entretanto, deixar de
buscar sempre a racionalidade e o rigor. Assim, Peixoto demonstra o método de Husserl:
Quanto à filosofia, sua critica demonstrou que o pensar filosófico cometia o erro de
tomar como ponto de partida as concepções preestabelecidas, os conceitos já
formados e não os fenômenos como eles são de fato. Por isso, a filosofia tem
construído concepções abstratas, desvinculadas com a realidade.

Continua o autor:

Demonstrou também que a preocupação da filosofia deve ser com o rigor e não
com a exatidão. Assim estabeleceu a diferença entre as ciências empíricas (que
trabalham com fatos) das ciências eidéticas ou ciências puras (que se ocupam com
idealidade).

Apresenta então para que serve a exatidão (matemática): “A exatidão é própria das ciências
empíricas, busca a abstração do tipo matemático, que possibilita chegar sem equivoco ao
resultado pretendido. É um resultado calculado, comprovado, exato.” E onde se pode utilizar
o rigor que é próprio para os fatos subjetivos:

O rigor é próprio das ciências descritivas ou eidéticas. A fenomenologia enquanto


ciência eidética que se ocupa da descrição das vivencias, dos atos e correlatos da
consciência é por natureza inexata; sua preocupação é com o rigor, com a
fidelidade ao real, superando os pré-conceitos, as aparências, o imediatismo. Essa
inexatidão é proveniente da própria natureza do objeto da filosofia – o mundo
humano -, que é complexo, plural e inconcluso. (PEIXOTO, 2003, p. 21 – grifos
meus).

Dessa forma, Husserl é uma das principais fontes onde se busca toda a inspiração para
compor este trabalho. Husserl, sempre apaixonado pelas ciências matemáticas, acabou se
voltando à filosofia atraído por Franz Brentano (PEIXOTO, 2003, p. 14), e em 1913 divulga
suas idéias através da obra: “As idéias diretrizes para uma fenomenologia pura”, inaugurando
a fenomenologia Husserliana. Esse autor faleceu no dia vinte e sete de abril de 1938 e deixou
um grande legado à história da filosofia. A proposta de Husserl surge num período de grandes

9
“mudanças”, como ele mesmo mostra na sexta investigação: “[...] durante os anos de guerra15,
[...] nova atividade em Friburgo [...]”, entre muitas mudanças que ocorreram. (HUSSERL,
1975, p. 9). Essas mudanças não são apenas em nível pessoal, mas sentidas em todos os
setores e, incluem-se aí as ciências em geral, as artes. É um momento de grande crise. Essa
crise é sentida nos paradigmas, que busquem respostas que mostrem soluções para a nova
realidade vivida por todas as pessoas16. Nas obras de Husserl, muitos autores se apoiaram e
encontraram a base para compor diversos trabalhos voltados aos estudos geográficos,
ajudando a dispersar as idéias e os pensamentos deste autor, acrescentando a eles outras
considerações, já que o próprio Husserl deixa seus trabalhos abertos, para que se lhes
acrescentem mais informações e renovações.
É necessário esclarecer que há várias correntes fenomenológicas em bases alemãs e francesas
como aponta Relph, citado por Amorim Filho 1999 p. 7317. A base desse estudo é apontada
pela fenomenologia baseada em Husserl. Para tanto, é necessário que se esclareça a diferença
da sua filosofia enquanto método utilizado pela Geografia. De acordo com Nicholas Entrikin
1980, um traço que distingue a fenomenologia de Husserl das demais é a epoché ou redução:
a eidética e a fenomenológica, processos mentais ocorridos durante o momento do
conhecimento. A redução eidética faz da fenomenologia a ciência das essências. As essências
são as formas, as idéias, mas não são conceitos, antes, são “visadas” e depois tomam forma na
consciência. Já a redução fenomenológica faz com que o senso comum seja deixado de lado,
juntamente com outras conceituações cientificas, tomando a experiência do momento o “ato”
que precede o “conhecer verdadeiro”. Dessa forma, aponta o autor:

15
Pode-se observar que sempre há mudanças. Aqui, cita-se apenas alguns fatos históricos a partir de 1898, situando o leitor
no contexto que Husserl escrevia. Por volta de 1898 está acontecendo uma guerra entre Estados Unidos, a Guerra Hispano-
Americana, como é chamada, marcando um importante momento na história mundial, já que a Espanha abandona o cenário
mundial depois de quatro séculos, e os Estados Unidos da América surgem como a nova potência que vai dominar o mundo
por muito tempo. A ciência está em amplo desenvolvimento, quando em 1904, Einstein anuncia a Teoria da Relatividade.
Um pouco mais tarde, as linhas de produção em serie passam a ser instaladas, dando origem ao novo sistema fabril no
mundo, inaugurando o período de grande produção. Acontecem revoltas e revoluções por todas as partes e se inicia a
Primeira Guerra Mundial em 1914 que vai durar até os anos de 1918. Em 1929 acorre a queda da bolsa de Nova Yorque.
Hittler assume o poder ao tornar-se primeiro ministro. Revoltas e guerras se espalham ao redor do mundo e muitos outros
fatos culminam em mudar os pensamentos. http://www1.uol.com.br/bibliot/linhadotempo/ captado em 21/06/2007 e
http://www.historiadaarte.com.br/linhadotempo.html, Captado em 22/06/2007.
16
Enquanto a guerra caminhava por um lado, a tecnologia caminhava por outros, encontrando-se com a própria guerra, com
as artes, com a música, com a produção de mercadorias. As demonstrações culturais apresentavam formas de combater os
sentimentos de crise pelos quais todos passavam. Husserl então escrevia mas suas preocupações eram muito maiores, iam
além, queria respostas...No período que vai de 1939 a 1945, muitos países são ocupados, entre eles a França, Polônia,
chegando inclusive o momento do Brasil entrar na guerra. Os reflexos da situação mundial são sentidos de modo mais
aguçado: sentimentos que aparecem nas ciências e as artes. Desde o inicio do século XIX, as artes se mostravam ao lado da
racionalidade, como um culto a Aristóteles. Já no período futurista, todos se voltam ao culto das máquinas e da velocidade.
Os artistas buscam captar e expor a forma da velocidade a qual todos passam a se curvar. Pode-se encontrar neste período
uma relação com o tempo da natureza e o tempo do homem, tema que será abordado com o slow movement, através da obra
inicialmente escolhida de Carl Honoré, ainda em fase de leitura.
Baseado em: http://www1.uol.com.br/bibliot/linadotempo.html captado em 22/06/2007
17
Para aprofundar as leituras sobre as diferenças entre as abordagens, leia AMORIM FILHO, 1999, p. 73 a 77.

10
[...] fenomenologia é um método, e não um sistema filosófico. Sistemas filosóficos
constroem explanações filosóficas. A fenomenologia é semelhante ao positivismo
lógico porque ela é uma reação contra a metafísica especulativa. Ou melhor,
buscando explicações filosóficas, os fenomenólogos procuram conhecimento
através da descrição da experiência. De acordo com Edie, a fenomenologia, melhor
que o empirismo é a ciência da experiência. (p. 9. grifos meus).

Fica claro, agora, após serem apresentadas diversas afirmativas, que a lógica, a razão, a
ciência, provêm do homem e tudo (que provém do pensar e conhecer/refletir humanos pode
ser considerado subjetivo, mas não menos cientifico) e que uma abordagem pode
complementar a outra.
De acordo com Amorim Filho, a fenomenologia dentro da Geografia torna-se mais aceita e
divulgada a partir da primeira metade do século XX. (1999 p. 69). A Geografia Clássica, base
de outras orientações como a Geografia Teorética, a Nova Geografia ou a Geografia Critica,
convivem pacificamente entre uma ou outra divergência durante algum período. A partir dos
anos setenta, como critica aos princípios da abordagem teorética principalmente, os geógrafos
voltam seu interesse para os problemas sociais e ambientais e, um grupo desses estudiosos se
une em torno da Geografia Humanista. Para Amorim Filho, algumas das causas que
identificam o deslocamento de muitos geógrafos para a corrente humanista é a adoção de
técnicas quantitativas, acríticas e racionalistas pela maioria dos estudiosos, enquanto que, por
outro lado, os humanistas pretendiam estabelecer relações entre o mundo natural e o
construído, atrelando às suas investigações os valores humanos, suas crenças, seu
comportamento e atitudes e isso só poderia ser subsidiado por uma filosofia que não
negligenciasse tais características humanas, elencando então a fenomenologia como método
para nortear tais estudos.
A adoção pela Geografia por mais esta linha de abordagem tem enriquecido as discussões e os
debates acerca das novas propostas epistemológicas e, com isso, cresce a necessidade de se
aprofundar no entendimento de suas bases filosóficas, principalmente a Fenomenologia. Esta,
visa orientar que trabalhos e estudos geográficos tenham um caráter mais concreto com a
realidade em que vivemos. A realidade é composta de fatos humanos e naturais. Os fatos
humanos podem ser classificados de diversas formas, mas a cultura é um traço que identifica
muitas características de um lugar. Dessa forma, os fatos humanos e sociais, bem como as
mudanças que ocorrem no espaço/tempo, sua produção e outros aspectos podem ser
analisados por este viés.
A Geografia que (hoje nomeamos Humanista/Cultural), não é recente, vem do período
clássico e está nas descrições: das paisagens, das rotas, dos cultivos, dos artefatos, das
linguagens, enfim, dos modos de vida, da história. Cabe, aqui, um breve histórico apontando

11
os momentos principais pelos quais passou esta abordagem, seguindo as idéias de Paul Claval,
(1999).
Escola alemã: de Friedrich Ratzel, com termo antropogeografia, até Passarge, com“o conjunto
daquilo que o olho pode abarcar”, (CLAVAL 1999, p.29), a Geografia busca explicar o
homem enquanto dentro de um universo de costumes, valores, crenças, linguagem, etc. A
geografia, acrescentada em “antropo”, enriquece o termo e o traduz para um novo “momento”
desta ciência. Viajamos pela descrição e o mapeamento de lugares habitados, técnicas, a
distribuição dos homens por outros, pela influência da natureza sobre os mesmos. A política e
da importância do “estado”, o homem, o ambiente e suas marcas através de ferramentas, e as
paisagens. A Geografia alemã demonstra que a ação do homem produz uma paisagem,
Landschaft (termo alemão que significa paisagem e região), ou a Kulturlandschaft (paisagem
cultural). A geografia estuda homens, o solo e sua ocupação, a domesticação de animais e o
cultivo da terra, tornando-as também objetos de pesquisa, inserindo nos estudos, o
pensamento de Darwin. A cultura e a produção do espaço estavam inseridos no (mundo
vivido), através da organização da vida cotidiana. Os rituais religiosos dos povos, passam a
ser estudados. A critica ao cientificismo da época, estão presentes nessa Geografia. Entre
1920 e 1960, a Geografia Cultural alemã domina o cenário.
A escola francesa: Vidal de La Blache lança a noção de “gêneros de vida” estudando a cultura
humana através das técnicas e dos utensílios que usam para mudar o meio ambiente e modelar
o lugar onde vivem. Pesquisa a estruturação e organização do tempo/espaço (tempo da
natureza). Quer explicar lugares. Incorporam em seus estudos os aspectos comportamentais
dos grupos humanos. Jean Brunhes: valoriza o simbólico. Dedica-se a um estudo de geografia
cultural onde se debruça sobre técnicas e direitos para a captação e distribuição de água. Em
1909 publica uma obra onde se encontram métodos para a geografia humana para a analise da
ocupação/produção/destruição do espaço. Estes são alguns dos principais nomes do inicio da
Geografia Cultural Francesa.
A escola americana: Carl O. Sauer e a Escola de Berkeley: A escola alemã já conta com trinta
anos quando os primeiros trabalhos americanos (diferenciados) são publicados. Sauer rompe
com os métodos da escola do Middle West apresentando a influencia da geografia cultural
alemã quando mostra sua preocupação com “aquilo que o olho vê”, sem a rigidez. Ignora os
fatores sociais e psicológicos. Trabalha a ação do homem sobre a Terra, mudando a paisagem
através da combinação do uso da natureza e do desequilíbrio ambiental, orientando para um
uso equilibrado. Seus discípulos estudam as mudanças da sociedade moderna no ambiente:

12
plantas e animais exóticos, destruição ambiental. O homem muda o ambiente para a produção
industrial. A preocupação ecológica se faz presente desde os anos de 1930 por essa escola.
Após esse período, a Geografia Cultural entra em declínio, pois as mudanças que ocorrem na
sociedade são muito rápidas e este modelo explicativo não as acompanhou. Segundo Claval,
1999, p. 41, a Geografia Cultural Clássica ignorava as diversidades dos saberes entre lugares e
camadas sociais, esquecendo-se também dos aspectos normativos das instituições sociais.
Grupos culturais diferentes se juntam e surgem outros. Grupos que têm características
peculiares, quando se misturam, passam a agir de modo diferente e isso era incompreensível.
Um exemplo é a vida nos trópicos, a diversidade de “etnias” em um só lugar, como explicar
isso? Percebe-se que a Geografia Cultural surge como derivada da Geografia humana com
estrutura positivista, mas com a sua renovação entraram em cena diferentes pensamentos,
como o humanismo de ressalta a experiência, a vivência, o conhecimento do mundo
humano18, resumindo assim, três momentos importantes dessa abordagem.
A sociedade, agora, está voltada aos novos recursos que a modernidade19 traz. Os métodos
descritivos usados para as estruturas mais estáveis, utilizados tanto pela Geografia francesa
quanto pela alemã do período clássico, são pouco úteis ao novo, ao moderno, ao técnico.
E a Geografia Cultural vai tomando corpo e sendo mais valorizada pouco a pouco. Ao
incorporar a Fenomenologia passa a considerar a experiência humana, de suas ações, de sua
cultura como gestos, símbolos, crenças, valores e passa a ser denominada Geografia
Humanista.
Eric Dardel pode ser considerado um dos autores principais do aporte humanista da Geografia.
Com ele, vem o termo geographicité, ou seja, trata particularmente da relação Homem/Terra.
Procura elaborar uma geografia do sonho, uma geografia poética, buscando, com sua forma de
relatar, o sentido da vida humana, como cita PINCHEMEL: “o autor vai medir a riqueza desta
filosofia geográfica, vai descobrir, através de Eric Dardel que a Geografia e o meio pelo qual o
homem realiza a sua existência na Terra é uma possibilidade essencial ao seu destino, ela
renova o olhar humano sobre os sinais dos quais a Terra é portadora, os seus sentidos e os seus
valores” (Comentário de PINCHEMEL na abertura do livro de Dardel. 1990, in: DARDEL,
1990)20. Mesmo assim, suas idéias são esquecidas por um bom tempo e, somente em 1980,
Clara Copeta vai reeditar seu livro que estava esquecido nas prateleiras de uma biblioteca.

18
Sobre as três escolas, as informações são baseadas em CLAVAL, 1999.
19
A mecanização, tanto da cidade como do campo, os diversos meios de comunicação, encurtando as distâncias, a
uniformização do mundo (jeans, como exemplo), o inchamento das cidades devido ao êxodo rural, construções padronizadas,
como os conjuntos habitacionais, são fatos e objetos de estudo que a Geografia precisa explicar, juntamente com a produção
do espaço.
20
Tradução da autora em 2007

13
Relph e Tuan são alguns dos primeiros a utilizá-lo como referência em trabalhos geográficos
como “The phenomenon of place” de E. Relph em 1973 e Espaço e lugar e Topofilia de Yi-Fu
Tuan. Nessas obras, percebe-se grande interesse da Geografia Humanista pelo lugar, pelas
ligações pessoais com os lugares. Nota-se mais nitidamente que os lugares são “feitos por
pessoas”, que essas mantêm relações de afetividade ou repulsa por lugares. Lugar, a partir de
Tuan passa a ser um conceito de fundamental importância dentro dessa análise.
Dessa forma, a Geografia Humanista/Cultural toma corpo/forma, com algumas teorias mais
estruturadas ainda em fase de debates a partir de 1970. Por volta de 1990, a Geografia
Humanista/Cultural reaparece com toda a força porque o homem está desiludido, há um
desencanto do homem com a sociedade, uma crise abala a instituição familiar, o homem se
desencanta com o mundo, então abalado com graves problemas ambientais e catástrofes
naturais e humanas. Passa a buscar respostas no transcendental. Re - inaugura o sentimento, o
valor ao simbólico, ao místico. Julga que a ciência não deu certo, que ela é a responsável pela
desgraça humana, pelo seu desamor. O homem volta a buscar a si mesmo, a compreender seus
sentidos, aquilo que o faz viver. Busca o entendimento do mundo a partir da vivência,
(abandonando em estudos onde isso é possível, a análise quantitativa de dados mensuráveis),
valorizando a analise qualitativa. Os aspectos: da representação, do sagrado, do valor, das
crenças, das ações, dos símbolos, passam a fazer parte integrante de muitos trabalhos
acadêmicos e o debate epistemológico se instala e avança em encontros, núcleos e grupos
reunidos nessas discussões.
A Geografia Humanista/Cultural, como todas as abordagens científicas, passa por diversos
momentos, de alta fecundidade ou de escassez de publicações e discussões. A proposta pós-
moderna da dessa Geografia vai para uma aplicação mais “fluida” de sua metodologia. Busca
apresentar propostas renovadoras para um período no qual a soberania da razão e do consumo
trouxe para as pessoas o esgotamento da sua capacidade criativa, a nulidade de suas raízes
mais humanas. O momento pelo qual a Geografia passa, busca um saber que também está
ligado ao método, ao rigor, à regra. Entretanto, o estabelecimento da Geografia
Humanista/Cultural, com fortes raízes no passado clássico, como apontado acima, não
desvaloriza a tradição, ao contrário, volta às suas fontes e amplia seu discurso em busca de
novos conceitos, lançando mão, sempre que necessário, de ancorar-se em outras ciências como
a Sociologia, a Filosofia, entre outras.

Considerações finais
Com esse texto, pode-se observar que as etapas iniciais da pesquisa seguem um caminho

14
apoiando-se na Fenomenologia, que se baseia principalmente na observação e descrição dos
fatos. A observação utiliza todos os sentidos humanos, desse modo, ao apresentar os
questionamentos iniciais, verificou-se que se tratava de fatos que poderiam ser observados e
tratados a partir dessa abordagem, por isso escolhida.
O lugar, um bairro de Curitiba, seguindo o caminho proposto, foi percorrido, ainda não
completamente, fornecendo as primeiras impressões necessárias para estruturar o trabalho. Nas
primeiras observações, os aspectos principais são notados, como a situação de algumas ruas e
calçadas, para a partir disso, elaborar as outras etapas, que consistirá em mapear o bairro como
um todo e por fim confeccionar uma cartografia. Essa terá dois enfoques: uma cultural que
expressará os símbolos mais importantes do bairro, feitos inicialmente em mapas mentais e
transpostos em mapas temáticos e outra que apresentará a situação das ruas e calçadas e a
sinalização ou a sua falta.
Na questão da relação de afeto com o bairro, pretende-se abordar as pessoas para esses fatos,
observando e ouvindo suas histórias e traduzindo isso em sinais gráficos. É relevante
considerar que mesmo com carência de benfeitorias, a população adulta não expressa medo ou
violência, ao contrário, apresenta o lugar como um agradável ponto de vivência, mostrando
festas e locais amenos. A relação topofóbica é percebida mas não há sobressaltos. Parte dessa
etapa já esta finalizada, entretanto as analises dos mapas ainda não foi efetivada, mas pode-se
considerar que, os mapas mentais produzidos pelos entrevistados, através da metodologia
citada, surtem resultados satisfatórios, pois as crianças e adultos que desenharam os mapas
conseguiram mostrar alguns símbolos do lugar como a igreja matriz e o portal de entrada que
mesmo fora do bairro é um dos ícones mais lembrados.
Por fim, analisando a importância desse trabalho, pode-se considerar que é relevante tentar
sugerir uma outra visão do lugar para as pessoas que nele moram. A mudança dessa visão só
ocorrerá se as mesmas observarem seu lugar com outros olhos, vendo não só aquilo que estão
acostumadas e que lhes parece bom, mas perceberem que existe sempre a possibilidade de
melhorar as condições de acessibilidade e que compõem o ato de andar por lugares, facilitando
a vida cotidiana e permitindo que as pessoas passem a viver mais concretamente o seu bairro.

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