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AVALIAÇÃO DA

APRENDIZAGEM

Percursos e discursos

Professora Dra. Maria Theresa Corrêa


2020

O texto que integra esse material apresenta recortes na íntegra da tese de


doutorado defendida pela autora, elaboradora dos slides e professora dessa
disciplina.
A avaliação situa-se em um campo polifônico e tensionado. Polifônico porque o
discurso que a cerca não é unívoco uma vez que os interesses que tecem o
processo avaliativo são diversos. Nesse âmbito podem-se encontrar diferentes
objetivos a que se presta a avaliação: seleção, ranqueamentos, exclusão,
exposição dos alunos e de suas famílias, aprendizagens, reprovação, aprovação,
dentre outros. Tensionado porque é nos embates travados por aquela polifonia
que se constroem os contradiscursos dos propósitos individuais e coletivos. Essa
dinâmica é produtiva do ponto de vista da materialização das práticas
pedagógicas e, dentre elas, a avaliação.
Tais propósitos, por sua vez, situam-se em tempos e espaços determinados e
não são neutros. Isso sinaliza que a avaliação também não é um processo
neutro, desvinculado dos interesses sociais. O domínio pedagógico no qual a
avaliação circula é influenciado por esses interesses e a eles responde, seja em
concordância, ou em resistência. No distanciamento entre eles situa-se o
campo tensionado do processo avaliativo, que não é recente e vem se
modificando ao longo da sua constituição, confundindo-se com práticas
pontuais e classificatórias, como os exames, as provas e os testes.(CORRÊA,
2015, p.89)
• A avaliação já era praticada há muitos séculos “a.C.” em várias sociedades, com
objetivos e formas diferentes da que se aplica no contexto educacional. Ela
somente foi sistematizada com o surgimento da escola quando foram criados
mecanismos de avaliação, como testes, provas, dentre outros que davam maior
credibilidade e rigor ao sistema de medidas e de seleção (SOBRINHO, 2002).

• Os exames podem ter sido utilizados por Shun, imperador chinês que em 2.205
a.C. exercia essa prática em seus oficiais com o propósito de promovê-los ou de
demiti-los.
• Os exames surgiram com a finalidade de controle social. Na China Imperial eles
eram realizados para “[...] evitar a constante ameaça de apropriação de cargos,
impedirem o clientelismo e a formação de monopólios de notáveis [...]” (idem, p.
28). Avançando um pouco mais no tempo, segundo as autoras, Durkheim aponta
que, no século XV, os examinados eram frequentemente ridicularizados por meio
de questionamentos embaraçosos (DEPRESBITERES e TAVARES, 2009).

• Para Comenius, o exame não tinha propósito de promover o aluno ou de atribuir-


lhe notas. O medo, segundo ele, era um elemento excelente utilizado pelos
professores para manterem os alunos atentos às atividades escolares e
aprenderem “com facilidade, sem fadiga e com economia de tempo” (LUCKESI,
1996, p. 22 - 23).
• No Brasil dos séculos XVI e XVII, os exames escolares foram sistematizados no
documento intitulado Ratio Studiorum, elaborado pelos jesuítas, cujas orientações
práticas, segundo Luckesi (2003), alcançam os dias atuais, tais como não ser
permitido conversar com o colega durante a sua realização, pedir materiais
emprestados, a rigidez do tempo, absolutamente controlado, dentre outros.
• A força da concepção de exames e de provas nos primórdios da avaliação pode ser
identificada pela “docimologia”, ciência do estudo sistemático dos exames, em
particular, do sistema de atribuições de notas, segundo De Landshere (1976, apud
Depresbiteris e Tavares, 2009, p.30).
• Essa ciência, amplamente propagada por Henrí Pierón, na França em 1920,
alcançou outros países, como Portugal e Estados Unidos. Nos Estados Unidos do
século XIX, foram criados comitês para a elaboração e desenvolvimento de testes
padronizados. Nas primeiras décadas do século XX a maior parte dos trabalhos
situados no campo da avaliação educacional formal estava associada à aplicação
de testes. Esse fato imprimia ao processo avaliativo uma característica
exclusivamente instrumental.
Nesse contexto dos testes direcionados aos conteúdos escolares, surgiram os testes
psicológicos, como os de inteligência. Dentre eles, os testes Binet-Simon, que
objetivavam identificar crianças que, em função de terem um nível intelectual
insuficiente, possuíam dificuldades de aprendizagem. Assim a proposta era reunir
essas crianças “incapazes” em classes especiais onde seriam dispensados a elas
métodos pedagógicos adaptados aos seus níveis.
Estes testes , segundo Barriga (1993, apud DEPRESBITERES e TAVARES, 2009, p. 31),
“[...] estabeleceram sutis vínculos entre os delinquentes, os pobres e os pouco
inteligentes [...] A criação desses testes buscava reduzir a responsabilidade da
sociedade, sob o argumento de que as diferenças escolares e sociais nada mais são
do que problemas das pessoas em suas diferenças biológicas”
• Fundamentada nos quocientes de inteligência, passou a assumir o
estabelecimento desse vínculo entre os aspectos biológicos e o desempenho dos
alunos, selecionando, assim, aqueles que deveriam prosseguir com os estudos e os
que seriam preparados para o trabalho. Destaca-se a significativa influência
exercida pela Psicologia no campo da avaliação, por meio da aplicação de testes e
de seus desdobramentos no âmbito da educação formal. Sobrinho (2002) observa
que, em boa parte do século XX, o significado inicial e representativo de avaliação
que ganhou espaço refere-se à ideia da criação de instrumentos que pudessem,
com precisão, medir, selecionar e classificar o desempenho escolar dos alunos.
Na década de 1930, Ralph Tyler, educador norte-americano, pai do “ensino por
objetivo” e criador do termo avaliação das aprendizagens, ressalta Luckesi (2003,
p.15) “ [...] elaborou uma forma de desenvolver a avaliação das aprendizagens que
garantisse a qualidade de um ensino-aprendizagem eficiente”. Ancorada na
abordagem behaviorista, a avaliação destinava-se a verificar o grau de mudanças
comportamentais ocorrido nos alunos uma vez que esse era o objetivo da educação.
De acordo com Hoffmann (2003), essa proposta de avaliação tornou-se referência
nos cursos de formação de professores. A autora faz uma análise acerca das
manifestações do pensamento de Tyler no processo avaliativo ao destacar que a
partir dos objetivos estabelecidos pelo professor, em sua maioria intimamente
relacionados ao conteúdo programático, em intervalos de tempos os alunos são
submetidos a testes para verificar o alcance dos objetivos propostos. Dessa forma,
“Quando inserida no cotidiano, a ação avaliativa restringe-se à correção de tarefas
diárias dos alunos e registro dos resultados. Assim, quando se discute a avaliação,
discutem-se, de fato, instrumentos de verificação e critérios de desempenho final”.
(HOFFMANN, 2003, p. 33-34).
A influência da proposta de Tyler provocou, segundo Luckesi (2003), um equívoco
conceitual e prático acerca da verificação do desempenho dos alunos. Segundo o
autor, todos os instrumentos/procedimentos utilizados para aquela verificação, tais
como exames, seleção, entre outros, e a própria avaliação, passaram a receber essa
denominação.
EXAME/AVALIAÇÃO
Fonte: Luckesi (2011), com adaptação de Corrêa (2015).

VARIÁVEIS EXAME ESCOLAR AVALIAÇÃO


Dirigido ao passado (verificação do que o Centrada no presente e voltada para o futuro
aluno já aprendeu)
Temporalidade

Solução de problemas Fixado no problema Focaliza a solução


Expectativa dos resultados Centrado com exclusividade no produto Centrada no processo e no produto ao mesmo tempo
final

Abrangência dos condicionantes psicológicos Simplifica a realidade, secundarizando a Reconhece a complexidade humana e das
e sociais, relacionais, históricos, biológicos, complexidade dos elementos que afetam os aprendizagens, levando em conta os elementos que
administrativos resultados interferem nos resultados, tanto intermediários,
quanto finais

Momento do desempenho do educando Pontual (considera somente o que ocorre Tem em vista as aprendizagens anteriores, as atuais e
no presente em decorrência de aquelas que ainda podem vir a ocorrer
aprendizagens passadas)

Função Classificatórios Diagnóstica


Consequências da função Seletivos Inclusiva
Dimensão política Antidemocrática Democrática
A partir da década de 60 que os aspectos qualitativos começaram a se fortalecer e o
campo da avaliação estabeleceu o diálogo com outras áreas concorrendo com o
estabelecimento de um novo formato para a avaliação. Nesse contexto, de acordo
com Sobrinho (2002), a avaliação transpôs os limites impostos pelos especialistas em
testes, medidas e currículos, originários principalmente da psicologia, convergindo
diferentes áreas do conhecimento, como a antropologia, a filosofia, a antropologia, a
economia e a administração.
Nesse percurso, na segunda metade da década de 1970 e início da de 1980, ensina
as abordagens centradas no caráter qualitativo da avaliação operaram na busca pela
superação da dimensão técnica daquele processo, evidenciando o seu caráter social,
político e a sua intrínseca relação com poder. Esse quadro que se estende até o
momento vem sendo desenhado por diferentes autores que se dedicam ao estudo
da avaliação e também por outros que, para além da dimensão técnica do processo
avaliativo, discutem a sua dimensão social e as formas como ela se manifesta por
meio das abordagens teóricas, sob as quais tem se alicerçado o processo educativo.
Essa relação intrínseca da avaliação com o âmbito social e político é analisada por
Luckesi (1996, p.28) a partir dos modelos teóricos de educação. Segundo o autor,
“[...] a avaliação não se dá nem se dará num vazio conceitual, mas sim dimensionada
por um modelo teórico de mundo e de educação, traduzido em prática pedagógica”.
Situando esse processo na educação brasileira, o autor defende que a avaliação das
aprendizagens opera a favor do modelo social liberal conservador.
“A sociedade atual prevê e garante (com os percalços conhecidos de todos nós) aos
cidadãos os direitos de igualdade e liberdade perante a lei. Cada indivíduo (esta é
outra categoria fundamental do pensamento liberal) pode e deve, com seu próprio
esforço, livremente, contando com a formalidade da lei, buscar sua auto-realização
pessoal, por meio da conquista e do usufruto da propriedade privada e dos bens”
(idem, p. 29).
Esse modelo social, de acordo com o autor, originou as pedagogias Tradicional,
Renovada ou escolanovista e Tecnicista, que, embora diferentes, aspiram a conservar
a sociedade na sua forma de organização. O processo avaliativo no modelo liberal
conservador, prossegue o autor, necessariamente será autoritário uma vez que ele
demanda essa característica na medida em que requer controle e ajustamento dos
sujeitos aos parâmetros de equilíbrio social.
A avaliação será, portanto, “[...] um instrumento disciplinador não só das condutas
cognitivas como também das sociais, no contexto da escola” (LUCKESI, 1996, p. 32).
Luckesi (1996) destaca, ainda que, em direção contrária a essa configuração de
sociedade, as Pedagogia Libertadora, Libertária e dos Conteúdos Socioculturais,
buscam, ao invés da domesticação, a humanização dos estudantes. Assim, enquanto
as primeiras aspiram a manutenção do modelo social vigente por meio da adaptação
e ajustamento dos educandos ao modelo social, as segundas objetivam viabilizar os
meios para que eles possam ser agentes desse processo e não objeto de
ajustamento
Nessa direção, o autor assevera que a prática avaliativa estará comprometida com a
transformação e deverá se ater aos meios para superar o autoritarismo e estabelecer
a autonomia do estudante uma vez que o novo modelo social requer a participação
democrática de todos. Em suas palavras,
“Isso significa igualdade, fato que não se dará se não se conquistar a autonomia e a
reciprocidade de relações. Nesse contexto a avaliação deverá manifestar-se como
mecanismo de diagnóstico da situação, tendo em vista o avanço e o crescimento e
não a estagnação” (LUCKESI, 1996, p. 32).
A proposta de Luckesi remete a um processo avaliativo acolhedor, que
reconhece e respeita os estudantes, seus saberes e sua cultura. Quão
distante ela se encontra da proposta que vem construindo o processo de
avaliação na perspectiva pontual, seletista, classificatória e excludente que
ainda se manifesta com relativa força nos fazeres pedagógicos de algumas
instituições educativas onde as relações interpessoais e a construção da
autonomia parecem ocorrer à margem do processo educativo.
REFERÊNCIA

• CORRÊA, M.T.O. Avaliação para as aprendizagens na Educação Infantil: constituição e


desenvolvimento na Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Tese de Doutorado, Faculdade de
Educação. UNB: Brasília, 2015. 246 p. Disponível em
https://repositorio.unb.br/handle/10482/20144#:~:text=Os%20sinais%20identificados%20evidenci
aram%20que,concebendo%20a%20inf%C3%A2ncia%2Fcrian%C3%A7a%20universalizada.Acesso
em: agosto-2020.

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