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Gabinete do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO

Excelentíssima Senhora Ministra-Presidente do Tribunal de Contas da União

Com fundamento no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e no artigo 237, inciso
VII, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, aprovado pela Resolução
155/2002, o Ministério Público junto ao TCU oferece

REPRESENTAÇÃO

com o propósito de que o Tribunal, no cumprimento de suas competências


constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da administração pública federal, decida pela adoção das medidas
necessárias a apurar a participação remunerada do ex-presidente da Caixa Econômica
Federal, Sr. Pedro Guimarães, em pelo menos 21 conselhos de administração de empregas
ligadas à estatal em 2021, considerando que tal ocorrência contraria o disposto nos incisos
XVI e XVII da Constituição Federal, bem assim o disposto no art. 20 da Lei das Estatais,
vigente desde 2016.
Gabinete do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO

- II -

Trago ao conhecimento do Tribunal matéria veiculada no porta R7


(https://noticias.r7.com/brasilia/contrariando-a-lei-ex-presidente-da-caixa-integrava-21-
conselhos-e-salario-passava-dos-r-230-mil-01072022), em 1/7/2022, que noticia a indevida
acumulação de cargos, em 2021, pelo ex-presidente da Caixa, Sr. Pedro Guimarães. Ao que
consta, o ex-dirigente — recentemente afastado em razão de escândalo envolvendo a
hedionda prática de assédio sexual — era membro de pelo menos 21 conselhos de
administração de empresas ligadas à estatal em 2021, o que lhe permitiu auferir, em
julho/2021, a singela remuneração de R$ 230.940,00.
Por relevante, reproduzo, abaixo, o inteiro teor da matéria:

O agora ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães era membro de pelo menos 21


conselhos de administração de empresas ligadas à estatal em 2021. No fim do mês, o
salário dele, por causa da remuneração dos conselhos, poderia saltar de R$ 56 mil para
mais de R$ 230 mil, como mostram dados obtidos pelo R7 relativos a julho de 2021,
quando Guimarães recebeu R$ 230.940. A Caixa nega irregularidades (leia nota da
instituição na íntegra ao fim da reportagem).

A situação supostamente contrariava o artigo 20 da Lei das Estatais, que proíbe "a
participação remunerada de membros da administração pública, direta ou indireta, em
mais de 2 (dois) conselhos, de administração ou fiscal, de empresa pública, de sociedade
de economia mista ou de suas subsidiárias".

De acordo com as informações obtidas com exclusividade pelo R7, referentes àquele
período, Guimarães aparece como presidente dos conselhos de administração do Banco
Pan, da Elo, da Caixa Cartões, da Caixa Seguridade e da Caixa Participações. (...)

Ele figura ainda como membro do conselho de administração das seguintes empresas:
Paranapema, BRK Ambiental, Too Seguros, Caixa Seguros Holding, Caixa
Capitalização, Caixa Seguradora, Caixa Consórcios, Youse Seguradora, Caixa DTVM,
Caixa Seguridade Corretagem e Administração de Seguros, XS3, XS1, XS4, XS5, XS6
e VLI.

Para Vera Chemin, especialista em direito constitucional e mestra em administração


pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV), há indícios de eventuais irregularidades
por parte de Guimarães diante da participação em mais de dois conselhos.

"Se ele [Guimarães] está participando, de forma remunerada, de mais de dois conselhos,
realmente está incorrendo em ato ilegal, porque vai contra o artigo 20 da Lei das
Estatais. Portanto, é ilegal", afirma Chemin.

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A Lei das Estatais foi assinada em 2016 e, portanto, estava em vigor quando Guimarães
assumiu o comando da Caixa, em 2019. Segundo a especialista, o ex-presidente da
Caixa pode ser enquadrado pela Lei de Improbidade Administrativa — quando há
conduta inadequada praticada por agente público que cause danos à administração,
como enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou violação dos princípios da
administração pública.

Além disso, alerta a especialista, Guimarães pode ser enquadrado em eventual


prevaricação — crime que ocorre quando o funcionário, em benefício próprio, retarda
ou deixa de praticar um ato de ofício ou praticá-lo contra o que diz a lei. Caso seja
processado e condenado, o ex-presidente deverá devolver aos cofres públicos os ganhos
que teve à frente da Caixa com a participação nos conselhos.

Denúncias de assédio sexual


Guimarães pediu demissão depois de se tornar alvo de investigações do Ministério
Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) por denúncias de
assédio sexual. As suspeitas foram reveladas pelo portal Metrópoles. De acordo com a
apuração, os casos teriam ocorrido com empregadas do próprio banco. Em entrevista ao
site, as mulheres relataram que se sentiram assediadas pelo economista em diferentes
ocasiões, sempre em eventos ou viagens de trabalho.

Há denúncias de aproximação física e toques indesejados. As investidas teriam


ocorrido durante viagens realizadas por Pedro Guimarães e funcionários do banco,
especialmente em ações do Caixa Mais Brasil, programa criado pelo executivo para dar
visibilidade à Caixa em todo o país.

Fontes ouvidas pelo R7 no MPF confirmaram a investigação e afirmaram que as


diligências estão sendo feitas sob sigilo na Procuradoria da República no Distrito
Federal, já que o economista não tem foro privilegiado. A presidente do TCU, Ana
Arraes, já confirmou a investigação da entidade sobre os mecanismos da Caixa para
combater esse tipo de assédio.

Quem é Pedro Guimarães


O economista carioca Pedro Guimarães tem 51 anos e assumiu a presidência da Caixa
em 3 de janeiro de 2019, sucedendo Nelson de Souza. Como presidente da empresa,
Guimarães também faz parte do conselho administrativo do banco. Antes disso, ele já
havia sido sócio em duas instituições do setor bancário: a BTG Pactual — banco de
investimentos fundado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes — e o Banco Plural.

Guimarães formou-se em economia em 1992 pela Pontifícia Universidade Católica do


Rio de Janeiro (PUC-RJ), fez mestrado em economia na Fundação Getulio Vargas
(FGV) e doutorado pela Universidade de Rochester, em Nova York, onde apresentou
uma tese sobre privatizações no setor financeiro.

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Guimarães é genro de Léo Pinheiro, da empreiteira OAS. Pinheiro foi o delator do


"Caso Triplex", que levou à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). Ele também já foi acusado de assédio moral, inclusive com a divulgação de vídeos
em que constrange funcionários da Caixa e os obriga a fazer flexão.

Na época, o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal notificou


Guimarães e recomendou que o presidente da instituição não submetesse os
colaboradores a "situações de constrangimento no trabalho" sob pena de abertura de um
procedimento investigatório e adoção de medidas para correção da conduta, sem
descartar responsabilizações civil, criminal e administrativa.

Em outro episódio recente, em dezembro de 2020, o economista ficou em evidência por


comentar que não sabia que há pessoas morando em lixões no Brasil.

Em março deste ano, Guimarães assinou acordos de R$ 24 mil com duas ex-empregadas
domésticas que o acusaram de não pagar direitos trabalhistas.

O presidente da Caixa chegou a cogitar a possibilidade de concorrer às eleições, mas a


ideia acabou perdendo força. Ele também chegou a ser lembrado como possível
substituto de Paulo Guedes no Ministério da Economia, que o indicou para a presidência
do banco.

Outro lado
Sobre a participação nos conselhos, o R7 não conseguiu contato com Pedro Guimarães.
Em nota, a Caixa afirma que não houve "extrapolação legal" na participação de
Guimarães nos conselhos. Leia a íntegra da nota:

"A CAIXA esclarece que não há limite legal para a participação de presidente de
empresas estatais em conselhos de administração de outras empresas subsidiárias ou
participadas. Na CAIXA, até novembro/2021, aplicava-se a vedação do Art. 20 da Lei
13.303/2016 (Lei das Estatais), somente à participação remunerada em até dois
conselhos de empresas públicas, sociedade de economia mista e suas subsidiárias, não
alcançando as empresas privadas participadas.

Após novembro/2021, em razão de mudança no Estatuto Social da CAIXA, passou a ser


prevista a vedação remuneratória em mais de dois conselhos, independente da natureza
pública ou privada.

Em relação ao ex-presidente, não houve extrapolação legal quanto à participação


remunerada em conselhos de natureza pública e, após a modificação estatutária, em
novembro/2021, houve renúncia à remuneração também dos conselhos privados,
limitando-os a dois."

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Ora, a Constituição Federal de 1988, em seus arts. XVI e XVII (com a redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) veda as acumulações remuneradas de
cargos, empregos e funções na administração direta, estendendo-se tal proibição às
autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias,
e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver


compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões
regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias,


fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e
sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

A regra, portanto, é a inacumulabilidade, a qual intenta impedir que um mesmo


indivíduo ocupe vários cargos ou exerça várias funções, sendo remunerado por cada um
deles, sem que desempenhe, de forma eficiente, as atividades que lhes são pertinentes.
Exceção apenas quando houver compatibilidade de horários e nas hipóteses expressamente
previstas no texto constitucional — em consonância com a firme jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, a exemplo do ARE 1.246.685 —, as quais não se aplicam ao caso do ex-
dirigente da Caixa.
Ademais, o art. 20 da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), já vigente à época que
o ex-presidente da CAIXA foi nomeado, veda a “participação remunerada de membros da
administração pública, direta ou indireta, em mais de 2 (dois) conselhos, de administração
ou fiscal, de empresa pública, de sociedade de economia mista ou de suas subsidiárias”.
No caso, consta que o Sr. Pedro Guimarães, além de exercer o cargo de
presidente da empresa pública, chegou, em 2021, a ser membro de ao menos 21 conselhos
de administração de empresas ligadas à estatal!!!!
Julgo que, pela gravidade envolvida, os fatos apontados na matéria acima
colacionada devam ser objeto de detida investigação pelo Tribunal.
Não é demais ressaltar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça possui
entendimento consolidado no sentido de que “a acumulação ilegal de cargos públicos é
prática que se protrai no tempo e, por isso, pode ser investigada a qualquer tempo, sobretudo
porque os atos inconstitucionais não se convalidam pelo mero decurso do tempo, razão pela
qual não haveria que se falar, na realidade, em decadência, da Administração” (vide
Acórdão 1317799, de 10/2/2021, 7ª .Turma Cível, TJDFT)

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Saliente-se, por fim, que este Ministério Público junto ao TCU possui
legitimidade para representações junto a essa Corte, os fatos foram apresentados em
linguagem clara e objetiva e estão acompanhados, em anexos, de todos os dados informados
no bojo desta representação.

- III –

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de


Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e no artigo 237,
inciso VII, do Regimento Interno do TCU, requer à Corte de Contas, com base no exposto,
que sejam adotadas as medidas necessárias a apurar a participação remunerada do ex-
presidente da Caixa Econômica Federal, Sr. Pedro Guimarães, em pelo menos 21 conselhos
de administração de empregas ligadas à estatal em 2021, considerando que tal ocorrência
contraria o disposto nos incisos XVI e XVII da Constituição Federal, bem assim o disposto
no art. 20 da Lei das Estatais, vigente desde 2016.

Ministério Público, 04 de julho de 2022.

(Assinado Eletronicamente)
Lucas Rocha Furtado
Subprocurador-Geral

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