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DOI 10.18471/rbe.v31i3.22290 Artigo Original

COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL COM PACIENTES


ONCOLÓGICOS EM CUIDADOS PALIATIVOS

INTERPERSONAL COMMUNICATION WITH


ONCOLOGICAL PATIENTS IN PALLIATIVE CARE

COMUNICACIÓN INTERPERSONAL CON PACIENTES


ONCOLÓGICOS EN CUIDADOS PALIATIVOS
1
Maria Ireni Zapalowski Galvão
2
Moema da Silva Borges
3
Diana Lúcia Moura Pinho

Como citar este artigo: Galvão MIZ, Borges MS, Pinho DLM. Comunicação interpessoal com pacientes oncológicos
em cuidados paliativos. Rev baiana enferm. 2017;31(3):e22290.

Objetivo: compreender o processo da comunicação interpessoal na trajetória dos pacientes em cuidados paliativos
à luz de Peplau. Método: estudo exploratório e descritivo de abordagem qualitativa. Participaram pacientes em
cuidados paliativos de um hospital de Brasília, Distrito Federal. Os dados foram coletados em setembro e outubro
de 2015, por meio de entrevista semiestruturada e foram submetidos a análise de conteúdo com auxílio do software
Alceste. Resultados: da análise de conteúdo emergiram dois eixos. O primeiro refere-se à comunicação das más
notícias, o tratamento e as estratégias de enfrentamento; o segundo relaciona-se a fatores resilientes que ajudaram
a superar as adversidades. Conclusão: as necessidades sentidas pelos pacientes foram atendidas por meio de uma
comunicação eficaz, e a equipe mobilizou as melhores capacidades e potencialidades do ser humano para enfrentar
as situações estressoras e preservar a autonomia e a dignidade de pessoas sob seus cuidados.

Descritores: Comunicação. Cuidados paliativos. Teoria de enfermagem. Relações interpessoais. Oncologia.

Objective: to understand the interpersonal communication process in the trajectory of patients under palliative care in
the perspective of Peplau’s theory. Method: exploratory, descriptive study with a qualitative approach. Patients under
palliative care from a hospital in Brasília, Distrito Federal, Brazil, participated in the study. Data were collected in
September and October 2015 through semi-structured interviews and were submitted to content analysis with the use
of the software Alceste. Results: content analysis generated two axes. The first one refers to communication of bad
news, the treatment, and coping strategies; the second one relates to resilient factors that helped them to overcome
adversities. Conclusion: the needs experienced by patients were met by means of an effective communication, and
the team mobilized the best skills and potentialities of the human being to cope with these stressful situations and
maintain the autonomy and dignity of individuals under their care.

Descriptors: Communication. Palliative care. Nursing theory. Interpersonal relations. Oncology.

Objetivo: Comprender el proceso de comunicación interpersonal en la experiencia de pacientes bajo cuidados


paliativos a la luz de Peplau. Método: Estudio exploratorio, descriptivo, de abordaje cualitativo. Participaron
pacientes en cuidados paliativos de un hospital de Brasília, Distrito Federal. Datos recolectados en setiembre y
octubre de 2015, mediante entrevistas semiestructuradas, sometidos a análisis de contenido con ayuda del software

1
Enfermeira. Mestre em enfermagem. Brasília, Distrito Federal, Brasil. irenigalvao@yahoo.com.br
2
Enfermeira. Mestre. Doutora em Ciências da Saúde. Professora Associada da Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil.
3
Enfermeira. Mestre em Educação. Doutora em Psicologia. Professora Adjunta da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil.

Rev baiana enferm (2017); 31(3):e22290


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Comunicação interpessoal com pacientes oncológicos em cuidados paliativos

Alceste. Resultados: Del análisis de contenido surgieron dos ejes. El primero hace referencia a la comunicación de
las malas noticias, el tratamiento y las estrategias de enfrentamiento; el segundo se relaciona a factores resilientes
que ayudaron a superar las adversidades. Conclusión: Las necesidades sentidas por los pacientes fueron atendidas
mediante una comunicación eficaz, y el equipo empleó las mejores capacidades y potencialidades del ser humano
para enfrentar las situaciones generadoras de estrés y para preservar la autonomía y dignidad de las personas bajo
sus cuidados.

Descriptores: Comunicación. Cuidados paliativos. Teoría de enfermería. Relaciones interpersonales. Oncología.

Introdução

O processo de comunicação e as habilidades profissional e descreve uma “necessidade sen-


interpessoais são componentes básicos no aten- tida”. Na fase de identificação, o paciente esta-
dimento de alta qualidade e competência pro- belece afinidade com a enfermeira e responde
(1)
fissional . Sendo assim, sustentam as relações seletivamente às pessoas que podem preencher
humanas e representa um instrumento de ajuda as suas necessidades. Na fase da exploração,
terapêutica que ancora a prestação do cuidado o paciente usa os recursos que lhe são ofere-
individualizado que o paciente em cuidados pa- cidos por meio da relação, para obter benefícios
(1-2)
liativos requer . e os melhores serviços possíveis, variando no
Nesse contexto, a teoria das relações inter- grau de seus interesses e necessidades. A última
pessoais de Hildegard Elizabeth Peplau, que fase é a resolução, que representa o momento
teve influências teóricas da psicologia e da psi- em que o paciente adota novas metas, pois suas
quiatria, estabeleceu um novo foco e significado necessidades foram contempladas pelo pacto
para o cuidar em enfermagem com base na di- terapêutico estabelecido com a enfermeira. As
mensão psicológica e subjetiva do outro, o pa- quatro fases descritas estão inter-relacionadas
(3)
ciente ; buscou afastar a condição da doença e se sobrepõem. A duração de cada uma delas
como o foco principal da assistência de enfer- varia de acordo com a evolução do processo até
magem e valorizou a expressão dos sentimentos a solução do problema ou alcance das metas
(3-5)
dos pacientes, bem como os mecanismos para terapêuticas .
(3-5)
ajudá-los a lidar com essa experiência . O outro componente fundamental da teoria
O modelo teórico de Peplau surge da en- de Peplau são os seis papéis da relação enfer-
fermagem psicodinâmica e a define como “[...] meira e paciente que ocorrem ao longo do pro-
capaz de compreender o comportamento de cesso terapêutico, a saber: papel de estranha, de
uns para ajudar os outros a identificar as dificul- pessoa de recurso, de líder, de professora, de
(3-7)
dades sentidas e aplicar princípios de relações substituta e de conselheira . O papel de es-
humanas aos problemas que surgem em todos tranha é desempenhado no primeiro encontro,
(4:426
os níveis de experiências” . Essa definição quando a enfermeira e o paciente são estranhos
possibilita a elaboração de conceitos estruturais um ao outro. Como pessoa de recurso, a enfer-
do processo interpessoal, as fases da relação en- meira promove respostas específicas e claras
fermeira-paciente e os papéis de enfermagem a questões amplas apontadas pelo paciente, es-
que, ocorrem ao longo do relacionamento tera- pecialmente sobre saúde. A enfermeira, no papel
(3-6)
pêutico entre enfermeira e paciente . de líder, é responsável pelo direcionamento
Peplau descreve quatro fases da relação en- e seguimento das metas do paciente, a fim de
fermeira-paciente: orientação, identificação, ex- ajudá-lo no alcance dos resultados. O papel de
(3-6)
ploração e resolução . A fase de orientação professora configura-se na somatória de todos
diz respeito a esclarecimentos prestados pela os papéis e sua ação deriva do que o paciente
enfermeira, quando o paciente busca ajuda sabe e da capacidade de usar uma informação.

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O papel de substituta é designado pelo paciente, atendimento cirúrgico e quimioterápico, além


ao compreender a enfermeira como aquela que de complementação do tratamento, com a rea-
ocupa o lugar do outro. A função da enfermeira bilitação físico-funcional dos pacientes.
é auxiliar o paciente a reconhecer as semelhanças Participaram do estudo pacientes em cui-
e diferenças entre a enfermeira e essa pessoa. dados paliativos em regime de internação, por-
Por fim, o papel de conselheira, que ocorre pela tadores de tumores malignos primários de parte
forma como a enfermeira responde e escuta as moles e ósseos. Os critérios de inclusão foram:
solicitações do paciente, mediante habilidades pacientes maiores de 18 anos de ambos os
(3-5)
comunicacionais e atitudes de ajuda . sexos; que apresentavam, no período da coleta
Para tal interação, a teorista enfatiza que a en- de dados, informações relacionadas ao avanço
fermeira deve assegurar o desenvolvimento do da doença registrado em prontuário eletrônico,
relacionamento interpessoal pelo uso dos instru- com os termos progressão tumoral, aumento dos
mentos da comunicação, como escuta, esclareci- nódulos, tumor irressecável, metastático, em pro-
(5)
mento, aceitação e ensino . Vale assinalar que gressão, radioterapia paliativa, múltiplos nódulos.
o paciente, no processo de adoecimento, vivencia Foram utilizadas essas terminologias, visto que
duplos sentimentos de conhecer e compreender nem todos os prontuários registravam informa-
o processo de doença, tratamento e prognóstico, ções de que os pacientes estavam em cuidados
e de sentir-se conhecido e compreendido em paliativos, apesar da modalidade de tratamento
(8)
sua individualidade e necessidade . instituída ser paliativa. Os critérios de exclusão
Por outro lado, sabe-se que os profissionais foram: pacientes com alterações cognitivas e di-
da saúde, apesar de perceberem a importância ficuldades de verbalização. O dimensionamento
da comunicação interpessoal, mencionam difi- do número de entrevistas seguiu o critério de sa-
culdades em empregá-la como recurso terapêu- turação dos dados, ao atingir a homogeneidade
tico na assistência, sobretudo nas abordagens da das informações no grupo em estudo.
(1-2,8)
comunicação das más notícias e final de vida . Os dados foram coletados no período de 16
Considerando que o modelo teórico de Pe- de setembro a 15 de outubro de 2015, por meio
plau concebeu um novo paradigma para a enfer- de acesso ao registro documentário em pron-
magem direcionada para as relações interpessoais tuário eletrônico, a fim de buscar termos para
que ocorrem entre a enfermeira e o paciente a inclusão de pacientes em cuidados paliativos
e contribuiu para nova abordagem do paciente no estudo. Além disso, utilizou-se um questio-
com base na valorização da relação interpes- nário para delineamento do perfil dos sujeitos,
soal, privilegiando esse aspecto no cuidado de além de um roteiro de entrevista semiestrutu-
(3-5)
enfermagem , este estudo teve como objetivo rada, sequenciado e elaborado de acordo com as
compreender o processo da comunicação inter- quatro etapas da relação enfermeira-paciente de
pessoal na trajetória dos pacientes em cuidados Peplau. Embora a Teoria de Peplau tenha sido
paliativos à luz de Peplau. Declara-se que a in- relacionada à prática da enfermagem, neste es-
ter-relação entre teoria, pesquisa e prática clínica tudo, as fases enfermeira-paciente foram expan-
é imprescindível para o desenvolvimento con- didas para a comunicação da equipe de cuidados
(9)
tínuo da enfermagem como profissão e ciência . paliativos. Todas as entrevistas foram realizadas
no programa de oncologia, em local reservado,
Metodologia com duração aproximada de 60 minutos.
Os dados obtidos por meio das entrevistas
Trata-se de um estudo exploratório e des- foram transcritos na íntegra, e o corpus do texto
critivo baseado na abordagem qualitativa. Foi foi submetido à análise de conteúdo com au-
desenvolvido no programa de oncologia de xílio do software ALCESTE – Analyse Lexicale par
um hospital de Reabilitação localizado em Bra- Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte.
sília, Distrito Federal. Nesse serviço, realiza-se Esse software é considerado uma metodologia,

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Comunicação interpessoal com pacientes oncológicos em cuidados paliativos

porque dispõe de métodos estatísticos sofisti- Federal, tendo sido aprovado sob Certificado
cados, que permitem ancorar a análise de con- de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE)
(10)
teúdo . O corpus do texto obedeceu a crité- nº 42277015.7.3001.0030. Todos os pacientes
rios exigidos pelo próprio programa. Durante assinaram o Termo de Consentimento Livre
a análise lexical realizada, ocorreu a contagem e Esclarecido.
sistemática de palavras no texto, para o reco-
nhecimento do número total e tipos de palavras Resultados
nele presentes. Nesse nível de análise, o agrupa-
mento de palavras de maior Chi2 (qui-quadrado), Participaram do estudo 10 pacientes, 6 com
isto é, de maior relevância, permitiu a confor- diagnóstico de tumores malignos primários de
mação da análise qualitativa em classes nas quais partes moles e 4 tumores malignos primários ós-
se buscou identificar aspectos significativos das seos. O perfil desses pacientes ficou composto
vivências do grupo em questão. Esse processo da seguinte maneira: 6 eram do sexo masculino
possibilitou agrupar as raízes semânticas, defi- e 4 do sexo feminino. Quanto à faixa etária, 4
nindo-as por classes, de acordo com a função da estavam entre 20 e 29 anos; 3 entre 30 e 39 anos;
palavra no discurso. 2 entre 40 e 49 anos; 1 entre 60 a 69 anos. Sendo
O programa identificou as variáveis deno- assim, 7 dos entrevistados tinham entre 20 e 39
minadas de Unidades de Contexto Inicial (UCI) anos, caracterizando um grupo composto por
usadas para individualizar o discurso de cada adultos jovens. Quanto à afiliação religiosa, 6
entrevista, caracterizada por seus aspectos re- professavam a religião católica e 4 eram protes-
levantes (idade, profissão, sexo, escolaridade, tantes. Quanto ao período de acompanhamento,
dentre outras). Os participantes do estudo foram 5 estavam no programa entre 0 e 1 ano; 2 entre
identificados pela letra P (paciente), e o nu- 2 e 3 anos; 2 entre 4 e 5 anos; e 1 entre 6 e 16
meral corresponde à ordem da sequência dos anos. Os 5 pacientes que estavam em acompa-
entrevistados. O corpus da pesquisa no ALCESTE nhamento na instituição no período de zero e 1
produziu um conjunto de enunciados que tradu- ano foram admitidos no programa em estágio
ziram diferentes pontos de vista dos pacientes, avançado do tumor de comportamento agressivo.
possibilitando várias fontes de interpretação Da exploração de conteúdo das entrevistas
e discussão epistemológica sobre o assunto pelo software resultaram cinco classes denomi-
investigado. nadas: resposta à necessidade sentida; orien-
Os resultados gerados pelo programa foram tação/participação proativa no tratamento; e ex-
representados graficamente em espaço de cor- ploração/enfrentamento do tratamento. Essas
respondência e mediante um dendograma da três classes fazem referência à comunicação das
Análise Hierárquica Descendente (AHD), demos- más noticias, tratamento e esforço individual
trou as relações entre as classes/categorias que dos pacientes no manejo do estresse do adoe-
foram interpretados teoricamente pelas autoras cimento e sofrimento causado pela terapêutica.
e empiricamente justificados. As duas classes denominadas “identificação com
O estudo foi desenvolvido em conformidade a equipe/vínculo terapêutico” e “identificação
com a Resolução n. 466, de 12 de dezembro dos próprios sentimentos/resolução resiliente”,
de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Foi mencionam a resultante do trabalho da equipe
submetido à apreciação dos Comitês de Ética de cuidados traduzido no esforço pessoal em-
e Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências da preendido pelos pacientes para lidar com
Saúde, da Universidade de Brasília (UnB), e da a doença, conforme demonstrado no dendo-
Associação das Pioneiras Sociais do Distrito grama da Figura 1 a seguir:

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Figura 1 – Dendograma com os Eixos e Classes que emergiram das entrevistas com os pacientes.
Brasília, Distrito Federal, Brasil – 2015. (N=10)

Eixo 1 – Vivência do paciente ao longo Eixo 2 – Aprendizado e superação/


do tratamento com câncer resolução resiliente

CL3 CL4 CL5 CL1 CL 2

Resposta à Orientação/ Exploração/ Identificação Identificação


necessidade Participação Enfrentamento com a equipe/ dos próprios
sentida/ proativa no do tratamento Vínculo sentimentos/
Comunicação tratamento terapêutico Resolução
da má notícia resiliente
entrar, sala, quimioterapia, uns, conversar, achar, coisa,
radioterapia, sangue, entender, enfermeira, familiar,
irmã, fazer, último, atendimento, vem, gente, relação,
grave, tumor, conseguir, viajar, iguais, técnico, hora, morrer, muita,
primeira, efeito, aparecer, atender, atenção,
problema, normal, colocar, ir, enfermagem, possa, vezes,
oncologia, corpo, venho, Deus, novo, tempo, modo, tipo,
mandar, faço, tomar, quiser, plano, procurar, poder,
braço, melhorar, assunto, por profissionais, atendido,
reunião, medicação, que, quinze maior, fazer, vida, triste,
terminando, informar, ver, dias, tranquila, paciente
consulta, mãe consulta, tratamento, intimidade,
parece, daqui pedir
ambulatório

Fonte: Elaboração nossa.

Discussão Resposta à necessidade sentida

Nessa classe, a presença dos verbos entrar,


Eixo 1 – Vivência do paciente ao longo do mandar, fazer, associados às palavras sala, ra-
tratamento com câncer diologia, irmã, grave, tumor, primeira, problema,
oncologia, reunião, consulta, mãe no discurso
O perfil dos participantes ratifica que o câncer dos pacientes, especifica quando, onde e quem
é considerado um problema de saúde pública, estava presente no momento do diagnóstico da
doença grave, de grande letalidade e encon- doença. A fala dos pacientes assinalou que a co-
tra-se em crescimento nos países desenvolvidos municação da má notícia ocorreu em diferentes
(11-13)
e em desenvolvimento . No Brasil, para 2016 momentos do processo terapêutico.
e 2017, a estimativa é de aproximadamente 600 Na leitura da comunicação do diagnóstico à
(12)
mil novos casos de câncer . luz da teoria de Peplau, apreendeu-se que o pa-
O diagnóstico de câncer, impõe ao paciente ciente, frente a uma necessidade sentida (tumor
um tratamento longo e agressivo. Esta trajetória grave), procurou investigar e entender o pro-
é permeada pela comunicação das más notícias, cesso de doença, remetendo à fase de orientação
diferentes terapêuticas, tratamento e estratégias descrita por Peplau. Nesse momento, a equipe
(11-13)
de enfrentamento . paliativista desempenhou o papel de estranha,

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Comunicação interpessoal com pacientes oncológicos em cuidados paliativos

e a sua postura foi pautada pela solicitude. Essa A reunião que teve no hospital veio meu esposo, meus
dois irmãos e um casal de amigos, a enfermeira, a psi-
relação favoreceu a expressão do paciente, para cóloga e o médico. Foram essas pessoas, para falar sobre
que, juntos, pudessem identificar a necessidade a doença. (P6).
(1-3)
de ajuda .
O repasse da má notícia deve acontecer em
Quando eu entrei para oncologia, o primeiro dia, tive um ambiente físico acolhedor, que viabilize
uma palestra. Explicaram que o problema era grave e po-
dia amputar o meu braço, e tinha que tirar a doença a privacidade, a individualidade, e a expressão
[...] (P9). contínua do pensamento, além do local, ser des-
(16-17)
Assim que eu internei, antes de começar a quimioterapia. provido de ruídos sonoros . De acordo com
Foi bem no comecinho a reunião. (P1).
essa orientação, apreendeu-se que o anúncio da
A comunicação das más notícias é uma das má notícia aconteceu em um local reservado na
atividades mais complexas enfrentadas pelos presença da tríade equipe-família-paciente.
médicos e demais membros da equipe. O re- Numa sala à parte, isolada. Acho que uma sala de reu-
niões mesmo [choro] [...]. (P1).
passe do diagnóstico de câncer representa uma
má notícia, pois modifica radicalmente, ou nega- Foi num escritório, uma sala reservada [respiração pro-
funda]. Foi uma sala aqui dentro da Oncologia, que eles
tivamente, a percepção do paciente sobre o seu fazem essa reunião. (P6).
(14)
futuro . O anúncio da má notícia provoca no
paciente um forte impacto emocional, quase Um espaço reservado é fundamental para
sempre acompanhado de medos, angústias, preservar a privacidade dos pacientes. Via de
incertezas, sendo um momento propício para regra, o relembrar e discorrer sobre esse mo-
o profissional estabelecer o papel de conselheiro. mento mobiliza sentimentos de tristeza, que se
Ademais, quanto mais cuidadosa for a forma de expressam no choro e na respiração profunda.
comunicar, maior será o entendimento e a com- Nessa ocasião, o comportamento da entrevista-
preensão do paciente em relação à sua doença dora foi de conselheira, ao interromper a con-
e ao processo de tratamento
(8,11,13)
. versa para proporcionar a escuta e o apoio te-
Apreendeu-se que a equipe interviu em di- rapêutico que o paciente requeria. Essa atitude
ferentes momentos, a fim de possibilitar a inte- encontra respaldo na teoria de Peplau, que res-
ração e a troca de informações entre paciente salta o significado psicológico dos eventos e que
e profissionais, para favorecer uma resposta os sentimentos devem ser incluídos nas interven-
(3-6)
satisfatória às necessidades sentidas, conforme ções de enfermagem .
(3-5)
indicado por Peplau .
Orientação/Participação proativa no
Foram várias reuniões [...] A mais difícil foi quando co-
mecei a quimioterapia e terminei e não estava dando tratamento
certo [...] Agora eu vou fazer uns exames. Aí, depois dos
resultados dos exames, eles irão me explicar. (P8).
Esta classe é composta pelos verbos vir,
Teve uma reunião que falaram que não era possível fazer conseguir, tomar, fazer, melhorar, informar, as-
a cirurgia, porque o tumor estava muito profundo, entre
a bacia e a coluna. (P10). sociados às palavras quimioterapia, sangue, úl-
timo, efeito, normal, corpo, medicação, consulta
O diagnóstico foi informado ao paciente pela e ambulatório, que denotam a participação ativa
equipe paliativista na presença de familiares. do paciente. Essa atitude é recomendada por
Essa conduta corrobora o exposto por Peplau, Peplau, que sugere, no tratamento, a ação do
quando determina que a equipe, o paciente (3)
paciente como colaborador . A adesão do pa-
e a família necessitam unir esforços para des- ciente ao processo terapêutico está diretamente
(3,15)
velar e esclarecer a situação problema . relacionada à importância que ele atribui às
Quando eu entrei para oncologia, no primeiro dia, tive orientações da equipe, ao entendimento sobre
uma palestra, uma consulta grande com o Doutor [...]
e equipe.Chamou minha família, meu pai, minha mãe, a doença, à percepção de cura ou de controle
meus irmãos. (P9). dos sinais e sintomas, à maneira como lida

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e enfrenta a doença, e ao lugar da equipe no confiança com a equipe . Diante disso, os pa-
seu imaginário. Portanto, a adesão à terapêutica cientes tornam-se autossuficientes, apresentam
envolve um processo multifatorial que se esta- iniciativa e adotam atitudes apropriadas para al-
belece na parceria entre quem recebe e quem cançar os objetivos, visando a um melhor estado
(18) (3,5,15)
presta o cuidado . de saúde .
Para o paciente assumir a posição de pro- Nos discursos dos pacientes foi possível in-
tagonista do seu próprio tratamento e apresen- ferir que as respostas de aceitação e atitudes
tar-se participativo, necessita estar bem orien- diante de um diagnóstico, prognóstico e trata-
tado e receber informações em relação ao seu mento foram diretamente influenciados pelo re-
processo terapêutico, além de estabelecer vín- lacionamento interpessoal e pela forma como os
(18-19)
culos de confiança e de autenticidade . A au- profissionais conduziram o processo comunica-
togestão e a tomada de decisão compartilhada cional na transmissão das informações.
são importantes ferramentas para capacitar os
(18)
pacientes . O compartilhamento das decisões Exploracão/Enfrentamento do tratamento
vai ao encontro das recomendações de Peplau,
que ressalta como um dos papéis da equipe, Nesta classe, os verbos entender, viajar,
oferecer condições para que os cuidados de ir, colocar fazem referência às restrições que
saúde possam ser direcionados do hospital para o tratamento do câncer impõe ao paciente. As
(3-5,7,15)
a casa . palavras atendimento, Deus, plano, assunto,
tratamento remetem às diferentes estratégias uti-
Eu venho para consulta, o médico informa tudo o que
irei fazer. No começo do tratamento, ele informou tudo, lizadas no enfrentamento desses cerceamentos.
e entramos em acordo e agora só estamos cumprindo
Foi possível compreender que, apesar das difi-
o trato. (P2).
culdades e barreiras determinadas pela doença,
Faço as minhas sessões de quimioterapia, consigo voltar
para casa tranquilo. Os médicos passam remédios para os pacientes preconizaram o tratamento, assu-
gente tomar, para ajudar a melhorar. (P2). miram as condições impostas pela doença e ex-
ploraram os recursos ofertados, superando as
Nas falas, constatou-se que os pacientes com-
adversidades. Durante o enfrentamento de uma
preenderam o objetivo do tratamento e os pro-
doença, principalmente quando há ameaça à
cedimentos a que foram submetidos, bem como
vida, o ser humano procura encontrar signifi-
a conduta a ser tomada em caso de intercor-
cado para a sua existência e redimensionar al-
rências em domicílio. Percebeu-se também que (19)
gumas habilidades .
a equipe adotou o papel de professor, ao incen-
As falas dos pacientes sugeriram que essas
tivar a participação ativa do paciente no trata-
competências foram usadas para desvendar as
mento, esclarecer as dúvidas, os possíveis efeitos
soluções disponíveis. Esse comportamento con-
colaterais da medicação e favorecer a tomada de
figurou a fase de exploração, caracterizada pelo
decisão compartilhada.
uso ativo dos benefícios disponíveis nos serviços,
Eu passei pelas quimioterapias e vieram os efeitos colate- (3-5)
conforme os seus interesses e necessidades .
rais que atacaram o corpo, e eu tento passar por isso de
uma forma normal, como se fosse uma pedra no meu Passei por um tratamento e usei uma medicação, não
caminho. (P2). resolveu. Estou fazendo outra, aí vêm as dúvidas [...] será
que a doença evoluiu, será que vai regredir? Mas eu sei
Pode colocar o tratamento que tiver. Não tenho medo. A
que tem outras tentativas. Tem jeito, tem outras possibi-
não ser que eu não resista ao tratamento, mas eu faço. Se
lidades. (P6).
é para minha saúde, tenho que fazer. (P9).
Estar num lugar bom. Aqui tem recursos, o atendimento
A participação ativa apresentada pelos pa- e o hospital são muito bons, a comida, cama. Não é igual
a outros hospitais [...] (P9).
cientes no tratamento, está em consonância com
a teoria de Peplau. Para ela, a autogestão do Na fase de exploração, o paciente utiliza
tratamento é resultante de uma comunicação as estratégias de enfrentamento diante de uma
efetiva e do relacionamento interpessoal de doença grave e tratamento agressivo. Isso abarca

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Comunicação interpessoal com pacientes oncológicos em cuidados paliativos

um processo multidimensional e dinâmico que Os pacientes utilizaram o enfrentamento na


suscita uma série de respostas. Estas abrangem emoção de distanciamento, pois procuraram
a interação do indivíduo com o seu ambiente manter o foco na vida, evitando pensar no trata-
e a utilização de mecanismos para manejar uma mento. Puderam também fazer uma reavaliação
ameaça que está prestes a acontecer e adminis- positiva em relação à doença, ao referirem:
(20)
trar situações difíceis da vida . “antes isso do que coisa pior”.
Os discursos dos pacientes possibilitaram Por que eu consigo viver, até mesmo esquecer às vezes
o esclarecimento das várias estratégias empre- o tratamento, sem ficar preocupado com a doença, mas
com a vida. Também não fico perguntando: Por que
gadas para responder às necessidades do per- comigo? Tenho que agradecer, porque antes isso do que
curso do tratamento. Com o intuito de amenizar uma coisa pior. (P5).

os impactos estressores sobre o estado emo-


Todavia, o enfrentamento focalizado no pro-
cional, físico e de bem-estar, destacou-se:
blema trabalha diretamente com o fator estres-
a) a busca de informação, com o intuito sante. No proativo, busca-se prever e antecipar
de adquirir recursos essenciais para solucionar os estressores potenciais e agir precocemente
(20)
o problema ou equilibrar a emoção ; para prevenir o seu impacto na vida. No comba-
tivo, a pessoa reage ou procura fugir ao estressor
Porque eu pergunto para o médico o que está acontecen-
(19-20)
do, e ele vai me explicando o assunto direitinho. Aí, se que não pode ser impedido .
eu não entender, pergunto de novo, até entender. (P10).
Os fragmentos a seguir ilustram o enfrenta-
b) a ação direta, que tem a finalidade de so- mento focado no problema proativo e comba-
lucionar o problema que está se apresentando ;
(20) tivo, respectivamente:

Quando a enfermeira vai falar com você, tem que falar Acho interessante entender o que está acontecendo no
o que está sentindo: por exemplo, se estou com enjoo. Ela nosso corpo, né? (P10).
fala: agora eu vou colocar um remedinho. (P9).
Se precisar, o melhor lugar é ficar aqui. Se eu for para
casa, como vou melhorar? Você tem que tomar os medi-
c) a inibição da ação, a fim de controlar as camentos certos, não ir embora com pressa. Acho que
(20)
ações julgadas perigosas para o paciente ; o certo é falar para os médicos o que está se passando
[...] (P3).
Teve casamento, momentos familiares, que a gente deixa
de participar, viajar são coisas que são inevitáveis, quan- Por fim, os pacientes utilizaram a espiritua-
do você tem algum tipo de doença grave. (P7).
lidade como sustentação e energia para lutar
(21)
d) esforços intrapsíquicos, que asseguram re- contra a doença e as adversidades . Obser-
futar ou evitar o problema, a fim de regular as vou-se que os pacientes, ao sentirem-se fragi-
emoções frente a uma situação ameaçadora ;
(20)
lizados e enfermos, buscaram recursos em suas
crenças e rituais religiosos, a fim de encontrar
Queria saber quanto tempo de vida eu vou ter, né? [...] E
eu tenho até hoje essa dúvida, mas eu nunca perguntei um significado e um propósito para a sua vida.
e não quis saber também. (P6).
Esse recurso favoreceu o amadurecimento psi-
e) a busca do outro, uma estratégia que visa cológico, auxiliando no enfrentamento das ex-
(20-21)
usar o apoio para resolução do problema .
(20) periências adversas da vida .
Eu, vivo aquilo que acredito. Se eu não acreditasse, que
Na hora do banho, dos curativos, de fazer outro procedi-
não teria jeito, eu acho que não estaria com essa força. E
mento, passarem uma sonda, sempre são elas que estão
eu, tenho muita fé e me apego em Deus. (P6).
lá com a gente, no atendimento. (P1).

No percurso do tratamento, evidenciou-se Eixo 2 – Aprendizado e superação/


que os pacientes também utilizaram o enfrenta- resolução resiliente
(19-20)
mento focalizado na emoção e no problema .
Nas estratégias de enfretamento, o indivíduo O aprendizado, segundo Peplau, é o resul-
busca controlar a emoção, a resposta emocional tado do comportamento da equipe para com
ao estressor, por meio de estratégias comporta- o paciente e da relação que desenvolvem du-
(20)
mentais e cognitivas . rante o percurso da doença, a fim de motivar

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Maria Ireni Zapalowski Galvão, Moema da Silva Borges, Diana Lúcia Moura Pinho

mudanças positivas em sua saúde e de resiliência Considerando que o trabalho da enfermagem
(1-3)
diante do adoecimento . fundamenta-se em um processo interpessoal sig-
(1-2,19)
A resiliência é a habilidade de elaborar estra- nificativo e terapêutico , apreendeu-se que,
tégias de enfretamento ao longo da vida, apesar na perspectiva dos pacientes, a profissional dis-
das circunstâncias adversas, além de se reestabe- ponível para maior vinculação é a enfermeira.
lecer e prosperar após situações estressantes. Os Esse fato ratificou a teoria de Peplau, pois sina-
suportes da resiliência podem ser desenvolvidos lizou que a enfermagem, de maneira empática,
com fins terapêuticos diante de uma doença esteve atenta para a importância de oportunizar
(19)
grave e com prognóstico limitado . É um meca- espaço e voz ao paciente, compreendendo-o
nismo que ocorre no decorrer da vida por meio plena e integralmente.
(20)
de ajustes entre fatores de risco e de proteção . A proximidade da enfermeira, conforme os
Foi possível apreender dois fatores de pro- pacientes, permitiu o estabelecimento de afini-
teção, podendo ser interpretados pela vincu- dade e a construção de vínculos de confiança.
lação terapêutica de confiança com a equipe, A enfermeira atua em diferentes estágios da
sobretudo da enfermeira, considerando que esta doença oncológica, a saber: após o diagnóstico
passa a maior parte do tempo interagindo com e início do tratamento, fornecendo orientações,
o paciente, influenciando-o e promovendo mu- esclarecendo informações médicas, escutando
danças de comportamentos e atitudes. Outro e discutindo com o paciente e o familiar sobre
fator está relacionado à personalidade resiliente as propostas terapêuticas oferecidas pelo mé-
(11,19,22)
do paciente diante de situações estressoras. dico . Durante o tratamento ativo, escu-
tando as preocupações, avaliando os sintomas
Identificacão com a equipe/Vínculo e orientando os pacientes e familiares para com-
terapêutico partilharem dúvidas, e sobre como agir em dife-
rentes situações. No estágio avançado da doença,
Nessa classe, os verbos conversar, atender demonstra sensibilidade e atenção às preocupa-
e procurar denotam os cuidados comparti- ções do paciente e seu familiar .
(22)

lhados. As palavras enfermeira, técnico, profis-


Particularmente, eu gosto de conversar com as enfermei-
sionais, tranquila, intimidade desvelam o esforço ras, acho a linguagem mais simples. O médico está ali
para dar o veredito. Mas a enfermeira é muito conhece-
da equipe para atender as necessidades dos
dora da área que se encontra, então opto por esse pro-
pacientes. Essa postura favoreceu o reconheci- cesso. (P7).
mento da disponibilidade da equipe em acolher Eu peço ajuda para as enfermeiras. As enfermeiras estão
a dor para encontrar as soluções capazes de pro- sempre ali do nosso lado para quando a gente precisar.
Elas já chegam e perguntam o que a gente está passando
porcionar tranquilidade e intimidade. [...] A gente pega mais afinidade com elas. (P2).
Peplau aponta que a comunicação inter-
pessoal eficaz oportuniza ao paciente espaço As falas dos pacientes referiram também a va-
e voz, e também a identificar-se com a equipe lorização dos demais membros da equipe paliati-
(15)
que o acompanha , pois as suas necessidades vista que prestou cuidados diretos e de suportes.
não se restrigem àquelas concretas, como de Ratificou-se que o trabalho em equipe pode ser
beber, comer, dormir, respirar, mas abrange compreendido como uma estratégia de atuação,
ainda as subjetivas, como as próprias experiên- de papel de pessoas de recursos, a fim de me-
cias, sentimentos, crenças e atitudes. Nesse pro- lhorar a efetividade e resolutividade dos serviços
cesso, o paciente determina os profissionais que de saúde, decorrentes da complexidade do pro-
(1,19)
possam preencher as suas necessidades, estabe- cesso saúde/doença .
lecendo um relacionamento interpessoal sólido É uma das melhores equipes que eu conheço. Eles estão
(3-5) sempre ali para ajudar [...] tudo que eu peço, indepen-
e de confiança .
dente da hora, eles já vêm, e ajudam a gente. (P2).

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Comunicação interpessoal com pacientes oncológicos em cuidados paliativos

São profissionais capacitados para atenderem a gente. e utilizam a seu favor ajudando-os a se tornarem
Humanizados, preparados para lidar com essas situa- (20)
ções [...] Da limpeza até o médico, todos são excelentes. resilientes No discurso do paciente, o suporte
.
(P6). “Eu tenho” referiu-se à ajuda da equipe e dos
familiares;
O reconhecimento da equipe pelo paciente
durante a trajetória do tratamento proporcionou A equipe toda atende a gente bem e tem boa relação com
a gente. (P4).
um relacionamento interpessoal e terapêutico,
Meu familiar cuida de mim com atenção [...] (P4).
assim como a elaboração de fatores protetores
para a resiliência. b) suportes internos da pessoa, definidos
como “Eu Sou”, são suportes internos do pa-
Identificacão dos próprios sentimentos/ ciente, aqueles comportamentos que reforçam
Resolução resiliente a confiança e o comprometimento frente à ad-
(20)
versidade Para o paciente, acreditar na vida
Nesta classe sobressaíram os verbos achar, .
e ter força denotaram esperança no futuro e sina-
poder, atender, fazer, pedir. Esses verbos deno-
lizaram um aspecto da personalidade resiliente;
taram que o paciente buscou, no percurso de
Eu, eu vivo naquilo que eu acredito, na vida. Se eu acre-
seu tratamento, compreender a situação viven- ditasse que não teria jeito, eu acho que não estaria com
ciada, para, assim, conseguir suportá-la. esta força. (P6).

Peplau elucida que a equipe deve estimular


c) suportes interpessoais conceituados como
o paciente a reconhecer os seus sentimentos
“Eu Posso”, são os meios utilizados pelo pa-
e elaborar estratégias utilizando as suas poten-
ciente para enfrentar as adversidades devido à
cialidades para adaptar-se à situação problema, (20)
situação Apesar da incapacidade para deter-
ressignificar a doença e alcançar, dentro de suas .
minar o sentido dos eventos relacionados com
limitações, a sua autonomia. Dessa forma, esses
a doença e de sentirem-se incapazes de pre-
pacientes elaboram metas realistas quanto ao
verem os resultados com precisão, os pacientes
seu estado de saúde, visando melhor qualidade
(3,15) mantiveram a disposição de luta;
de vida .
Porque tem o tratamento e não sei como vai ficar, mas,
Nessa perspectiva, a personalidade resiliente
assim, com relação ao meu modo de pensar, correr atrás
busca modificar uma experiência pessoal desa- das coisas, mesmo sem o membro eu não pretendo parar.
(P6).
gradável em competência pessoal, pois interpreta
e maneja, de forma positiva, as situações estres- Pode-se inferir que a doença representou
(23)
soras como fatores de superação . Os pacientes uma oportunidade de aprendizado e cresci-
resilientes, geralmente, tomam a experiência vi- mento. “O sofrimento que provoca a doença
vida como um aprendizado e são protagonistas é matéria-prima para a renovacão da vida; da
(20)
do meio em que estão inseridos . Sendo assim, doença que gera saúde quando desperta a cons-
facilmente identificam os recursos disponíveis ciência do poder interno de superação”
(19:87)
.
e os utilizam como fatores protetores. Nessa perspectiva, o processo de adoecimento
A enfermeira e demais profissionais, segundo foi usado como “trilha para emersão da luz”. E
Peplau, devem proporcionar um clima de acei- a personalidade resiliente foi capaz de ressigni-
tação e de apoio, para que o paciente seja au- ficar a doença e usar os fatores protetores a seu
toconsciente, utilizando pontos fortes para mini- favor. Como resultado desse processo, segundo
(3)
mizar as fragilidades . Peplau, profissionais e pacientes tornam-se mais
Deste modo, os fatores denominados prote- fortes e amadurecidos .
(3)

tores contribuem para identificar estratégias úteis Sugere-se ampliação de estudos utilizando
para vencer as situações adversas, sendo estrutu- a Teoria das Relações Interpessoais em diferentes
(20)
rados em três grupos : contextos vividos pelos pacientes oncológicos,
a) suportes externos, caracterizados como a fim de oferecer aos profissionais subsídios para
“Eu tenho”, são aqueles que os pacientes têm aprimorar o relacionamento interpessoal com

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Maria Ireni Zapalowski Galvão, Moema da Silva Borges, Diana Lúcia Moura Pinho

o paciente e estabelecer um cuidado humani- o paciente torne-se resiliente frente à doença


zado, integral e cientificamente fundamentado. e ao tratamento.
Como limitações do estudo, é preciso consi- Por fim, afirma-se que a oportunidade de
derar que foi realizado em apenas um local, em correlacionar a teoria das relações interpessoais
período e cenário historicamente datados, com de Peplau ao contexto atual da comunicação
pacientes hospitalizados sob cuidados paliativos dos pacientes em cuidados paliativos permitiu
em condições clínicas satisfatórias e que apre- constatar a sua contemporaniedade. Embora ela
sentavam a linguagem preservada. Sugere-se es- tenha sido criada na década de 1950, sob outra
tender o estudo em diferentes cenários e com ótica histórica, permanece atualizada, pois se
foco em pacientes com perda da capacidade baseia em premissas que transcendem o foco
e das habilidades de linguagem falada e escrita. doença e avançam para o mundo subjetivo do
outro, que sempre foi e será a essência do cui-
Conclusão dado de enfermagem.

A leitura das vivências dos pacientes oncoló- Colaborações:


gicos em cuidados paliativos à luz da teoria de
Peplau apontou que o processo de comunicação 1. concepção, projeto, análise e interpre-
interpessoal entre paciente e equipe iniciou-se tação dos dados: Maria Ireni Zapalowski Galvão
na fase de orientação, por meio da resposta e Moema da Silva Borges;
a uma necessidade sentida – diagnóstico e es- 2. redação do artigo e revisão crítica relevante
claracimento da doença e seu devido tratamento. do conteúdo intelectual: Maria Ireni Zapalowski
Considerando que as fases do relacionamento Galvão, Moema da Silva Borges e Diana Lúcia
enfermeira-paciente de Peplau entrelaçam-se Moura Pinho;
e sobrepõem-se, aprendeu-se que a autogestão 3. aprovação final da versão a ser publicada:
do tratamento, o vínculo de confiança – identi- Maria Ireni Zapalowski Galvão, Moema da Silva
ficação –, a utilização dos recursos disponíveis Borges e Diana Lúcia Moura Pinho
– exploração – e a mobilização de recursos in-
ternos – resolução resiliente – foram resultantes Referências
de competências interpessoais e comunicacio-
nais da equipe de cuidados. 1. Silva MJ. Comunicação tem remédio: comunicação
nas relações interpessoais em saúde. 9a ed. São
Nessa linha de pensamento, os resultados da
Paulo: Loyola; 2013.
pesquisa permitem concluir que as necessidades
sentidas pelos pacientes foram atendidas por 2. Stefanelli MC, Carvalho EC. A comunicação nos
diferentes contextos da enfermagem. 2a ed. São
meio de uma comunicação eficaz, e a equipe
Paulo: Manole; 2012.
mobilizou as melhores capacidades e potenciali-
dades do ser humano para enfrentar as situações 3. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos
para a prática profissional. 4a ed. Porto Alegre:
estressoras e preservar a autonomia e a digni-
Artes Médicas Sul; 2000.
dade de pessoas sob seus cuidados.
4. Tomey AM, Alligood MR. Teóricas de enfermagem
Reafirma-se a prioridade das competências
e a sua obra: modelos e teorias de enfermagem.
comunicacionais relacionadas ao uso de proto-
5a ed. Portugal: Lusociência; 2004.
colos e técnicas adequadas para a comunicação
5. Peplau HE. Interpessoal relations in nursing:
e a necessidade de atentar-se para os senti-
a conceptual frame of reference for psychodynamic
mentos do outro, as atitudes empáticas durante
nursing. New York: Springer Publishing Company;
o tratamento, as estratégias que facilitem a par- 1991. Reprint. Originally published: Houndmills,
ticipação ativa do paciente no processo terapêu- Basingstoke, Hampshire Macmillan; 1988.
tico e no enfrentamento do câncer, para que
6. Oliveira CN, Nunes EDCA. Caring for family
members in the ICU: challenges faced by

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Comunicação interpessoal com pacientes oncológicos em cuidados paliativos

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