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Instituto de Educação
Lisboa
2018
UNIVERSIDADE DE LISBOA
Instituto de Educação
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................................11
“Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação.”
Charles Chaplin
A IDEOLOGIA E O PRAGMATISMO DAS SUAS DEFINIÇÕES
Como nos alerta Turato (2003), todo conhecimento está socialmente condicionado e,
assim sendo, não só a ideologia assim o é, como também a crítica à ideologia está socialmente
condicionada. Desta forma, tanto a análise crítica acerca da ideologia quanto a própria ideologia
podem estar deformadas e adaptadas de acordo com a intenção, propósito ou discurso político.
O ambiente escolar, talvez, com maior intensidade, seja o campo em que os confrontos e
discursos ideológicos estejam mais presentes de forma intrínseca, embora, muitas vezes –
propositadamente ou não – passem despercebidas e ou naturalizadas. As influências desses
discursos nas construções didáticas de ensino desenvolvidas pelo professor e pelas experiências
de vida dos estudantes, refletem cargas culturais de todos os indivíduos relacionados com o
processo de ensino e aprendizagem, inclusive a próprio instituição que abriga este processo.
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Sendo assim, os contextos ideológicos nas falas perpassam, inevitavelmente, por um
olhar crítico que espelha a ideologia do seu agente. A rigor, é impossível identificar qualquer
discurso de defesa, conteúdo pedagógico ou apresentação de pensamento académico que não
esteja imergido em um contexto ideológico pessoal, tornando a imparcialidade no processo de
construção do conhecimento algo, no mínimo, complexo de apresentar qualquer hipótese de
isenção.
Por outro lado, é importante salientar que esta carga ideológica qual nos referimos, não,
necessariamente, é algo negativo ou produzido de maneira consciente com o propósito de
domínio e de manipulação das informações. É provável, inclusive, que grande parte dos
envolvidos neste processo, sequer reconhecem em suas próprias falas o impulso de um discurso
que carregue um viés ideológico ou fundamente qualquer proposta de domínio por meio da
educação.
Diante deste contexto, identificamos que a escola e o docente reafirmam o seu papel de
provocadores de reflexão. O olhar sobre a própria existência e as construções históricas a partir
de infinitas perspetivas promovem a perceção dos indivíduos como agentes e protagonistas das
próprias histórias, e não como meros espectadores de um passado e presente.
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Para analisarmos de maneira estruturada e lógica toda e qualquer obra de arte, é
fundamental que tenhamos como ponto de partida a contextualização de período e espaço em que
esta obra é construída. Olhar sobre a situação histórica, social e política em que a produção é
realizada ajuda-nos a perceber em qual contexto as falas podem ser encaixadas e de qual maneira
o autor dialoga e identifica esta obra com o universo qual se insere.
Desta maneira, cabe-nos abordar uma linha de observação que parte do ano em que este
filme foi vinculado. O ano de lançamento do filme é 1989, o que esclarece alguns princípios e
falas destacadas no filme. A reprodução do embate entre o conservadorismo e os movimentos de
liberdade, utilizando os jovens como agentes dessa transformação social, remonta o universo da
queda do muro de Berlim e das novas conceções europeias ao que tange as ideologias capitalistas
e comunistas.
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Assim, compreende-se que a história construída pelo autor se passa no ano de 1959, mas
dialoga e reproduz anseios e ideologias vividas em 1989. Momento em que as características de
transformação social e ampliação dos direitos e participação politica, tanto nos Estados Unidos
(cenário em que se passa o filme) como na Europa e nos Países Latino-americanos ganham força
e visibilidade mundial.
Na primeira cena do filme, é exposto o diálogo que sugere uma ligação intima entre a
legitimidade do poder com o exercício da docência como única fonte de saber. A simbologia
representada na aquisição da “chama da sabedoria” a partir de uma vela oferecida pelo
magistrado reforça o conceito de que somente através dessa fonte chegar-se-á ao conhecimento.
Ainda dentro da mesma cena, são expostos quatro conceitos: Tradição, Honra, Disciplina e
Excelência.
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Durante o filme, observamos a ideia de que a intimidação por meio da reitoria e dos
professores aplicada aos alunos se apresentam como ferramenta principal no sentido de
orientação, qual a rigidez na condução de todo processo de ensino aprendizagem permeia-se
muita mais pelo advento do medo do que pela lógica da influência e do conhecimento.
Este exemplo se aplica em um processo de formação cuja, antes de tudo, meta de fazer
com que as habilidades e aptidões individuais estejam sempre em harmonia com as necessidades
e os interesses de manter a comunidade, pensamento que se fundamenta a partir de uma
perspetiva de estrutura cristalizada ou estagnada no que tange a economia e a sociedade.
Por fim, está análise se define pela dicotomia de conceitos e fundamentos ideológicos
representados pelo despotismo e rigidez casernal da Welton School com a quimera subversivado
professor Keating.
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A escola apresentada no filme apresenta uma ideia de docente qual seja ele o responsável
exclusivo do acesso a informação e a “chama do saber” (conforme conceito ilustrado na primeira
cena do filme).
Nesta estrutura, vale a ideia que os alunos seriam depósitos de conteúdos e que a fonte
seria o docente, qual proporcionaria a transferência desse conhecimento como num canal sem
interferências com o meio externo ou maiores reflexões acerca do que se apresenta. Assim sendo,
a escola seria o espaço e a ferramenta de reprodução das estruturas sociais tradicionais e não a
promotora de novos pensamentos críticos e análises a respeito do meio em que se vive,
aproximando o ambiente escolar e a escolarização como um objeto de adestramento e afastando,
portanto, do seu propósito educacional.
Por vários momentos no filme, sobretudo nos encontros do professor com seus colegas, o
pragmatismo do ensino é exposto de maneira mais ampla, conceituando a educação proposta pela
instituição Welton como única possível de propiciar qualquer lógica de ascensão social,
económica ou política do indivíduo. Assim, os padrões tradicionais e disciplinares não só
estavam presentes nos conteúdos, como representavam ali a consolidação e perpetuação dos
fundamentos estético-ideológicos hegemónicos na construção e “aquisição” dos saberes.
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escolarização e intensificadora dos valores adquiridas e passados no ambiente familiar, não
compreendendo a escola, portanto, como um espaço de transformação, conhecimento, e
reconhecimento de si, tanto para os alunos quanto para os demais envolvidos no processo de
ensino -aprendizagem.
Assim sendo, observamos a interferência das famílias nos projetos de vida e nos desejos dos
alunos, movimento que rompe com os princípios de liberdade – defendidos e apresentados no
período de lançamento do filme.
Esta intervenção, representada no filme, nem de longe fica somente no campo hipotético
ou imaginário da arte. É, significativamente, comum dentro dos espaços escolares, sobretudo em
instituições de elite, em que os alunos descendem de famílias tradicionais ou emergentes na
esfera social e económica e são identificados por seus familiares como perpetuadores ou
consolidadores da estrutura financeira e social da família.
O Clube dos Poetas Mortos indica este papel, também comum no período de lançamento
do filme, período em que os embates ideológicos entre a geração Baby Boom (então pais) se
deparavam com uma geração de descendia das filosofias hippies e dos recém-criados
movimentos punks ingleses.
O filme nos apresenta o professor Keating como uma figura transgressiva do sistema
tradicional e mecanizado da Academia Welton. Entretanto, sua pedagogia, inspiradora e
motivadora para que assiste a trama exige uma análise mais profunda e reflexiva em torno da
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funcionalidade e do seu papel, não apenas e somente no corpo escolar, bem como sua
aplicabilidade do contexto social qual dialoga com a escola.
Diante das novas perspetivas de educação, características do século XXI, a escola, assim
como o professor se apresentam como responsáveis pelo desenvolvimento das inteligências sem,
necessariamente, oferecer respostas e isentar a importância da emoção e do envolvimento afetivo
na construção dos saberes. Para isso, o professor funciona como elemento de excitação pela
informação e pelo prazer das descobertas.
O professor é, portanto, aquele que espanta, que motiva, que inspira a busca pelo
conhecimento, não exatamente aquele que oferece conclusões e sim um provocador de
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conflitos reflexivos, aquele que gera o desconforto no raciocínio e retira os estudantes
de uma zona de conforto e certeza de tudo aquilo que se encontra petrificado e
consolidado nos saberes individuais.
Assim, tanto como nos apresenta o filme e sugere as novas perspetivas educacionais do
século XXI, o uso dos saberes e das descobertas, necessariamente, precisam causar algum tipo de
emoção, sendo elas possíveis de prazeres, desconfortos ou imprecisões. A partir daí, esse
processo de aprendizagem torna-se cada vez mais presente na vida do individuo, fazendo com
que este entenda que o prazer da busca e da aplicação do conhecimento habita na possibilidade
de ascensão da compreensão do mundo que o cerca.
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Percebe-se então, que tal prática social só pôde ser alcançada através de uma ação
pedagógica problematizadora dos conteúdos sistematizados. Assim sendo, na relação de ensino
estabelecida no campo da escolarização, é fundamental que o educador tenha como principio que
ensinar não é simplesmente transferir conhecimento, mas, ao contrário, o verdadeiro papel do
professor provocador é promover por meio de sua atividade pedagógica a produção de novos
conhecimentos construídos e elaborados pela humanidade e assim contribuir na formação de uma
sociedade pensante.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 8ª ed. Petrópolis: Vozes,
1991.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 22 reimp. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
McLAREN, P. Utopias provisórias: as pedagogias críticas num cenário pós-colonial. Petrópolis:
Vozes, 1999.
PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2001.
TURATO, E.R. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Petrópolis: Vozes,
2003.
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