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3 Criatividade e Inovação na Atuação Profissional

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Criatividade e Inovação na Atuação


Profissional
Marta L. P. Valentim
Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP
Docente de graduação e pós-graduação da UNESP/Marília

Resumo: Partindo do questionamento sobre como o bibliotecário pode usar a criatividade para inovar seus
serviços e produtos informacionais, o presente artigo discute a importância da criatividade na atuação desse
profissional. Comenta a conexão entre criatividade e inovação e a necessidade de um ambiente propício para o
desenvolvimento do processo criativo.

Palavras-chave: Criatividade; inovação; profissionais da informação; atuação profissional

Pensar sobre criatividade e inovação na atuação do profissional bibliotecário inicialmente


remete-nos a uma questão fundamental: de que forma ele pode usar a criatividade para
inovar seus serviços e produtos informacionais?

A evolução do conceito de criatividade mostra que ela evoluiu


historicamente de uma perspectiva espiritualista – a criatividade como
dom, reservada a poucos privilegiados e escolhidos – para uma visão
cada vez mais racional e científica (GURGEL, 2006, p.21).

A palavra criatividade origina-se do latim “creare”, cujo significado é criar, fazer, elaborar.
No grego, a palavra “krainen” (criatividade) significa realizar, desempenhar, preencher
(PFEIFER, 2001, p.26). Compreende-se que a criatividade necessita de um sujeito que
deseja realizar algo novo para si mesmo ou para os outros.

A palavra inovação origina-se do latim “innovatione”, cujo significado é renovação.


Acredita-se que a inovação representa a aplicação da criatividade, ou seja, primeiro tem-
se a criatividade, depois a inovação.

O processo criativo é definido por Torrance e Torrance (1974, p.2)

[...] como um processo natural nos seres humanos, através do qual


uma pessoa se conscientiza de um problema, de uma dificuldade ou
mesmo de uma lacuna nas informações, para o qual ainda não
aprendeu a solução; procura, então, as soluções possíveis em suas
experiências prévias ou nas experiências dos outros. Formula
hipóteses sobre todas as soluções possíveis, avalia e testa estas
soluções, as modifica, as reexamina e comunica os resultados.

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O sujeito criativo possui características próprias que influem na atuação profissional, isto
é, a criatividade não é inerente a todo ser humano. Aliás, a sociedade ocidental
culturalmente prestigia os sujeitos que usam a lógica e a racionalidade, e a criatividade é
oposta à lógica e à racionalidade, pois vale-se da percepção, da intuição, da emoção, da
subjetividade etc.

A criatividade humana está relacionada com a necessidade de transcender os limites


pré-estabelecidos. O sujeito criativo possui algumas características que o diferenciam
dos sujeitos não criativos. É altruísta, persistente, motivado, ousado, sensível, intuitivo,
tem percepção aguçada, é flexível, observador, receptivo, tem espírito investigativo, é
autoconfiante, tem visão holística, é autocrítico, é auto-suficiente e independente.

Alencar (1998, p.19) destaca três distintos eixos em que a criatividade está vinculada:

 Pessoa: relaciona-se com características pessoais, favoráveis ou desfavoráveis


à expressão criativa;
 Cultura: diz respeito aos fatores do contexto social, que afetam tanto a
produtividade criativa quanto a própria consciência dos indivíduos a respeito de
suas potencialidades criadoras;
 Ambiente: diz respeito às características do ambiente de trabalho, isto é, se o
contexto no qual o indivíduo desenvolve atividade profissional se apresenta
como estímulo ou bloqueio à criatividade.

A criatividade é um processo cognitivo, individual ou coletivo, que gera idéias e


perspectivas originais para uma determinada questão problemática ou não. Nesse
sentido, acredita-se que a criatividade é pensar algo original e a inovação é a execução,
ou seja, a inovação é a implantação da idéia criativa.

O processo criativo pode ser dividido em sete passos básicos:

1. Percepção e recepção da questão;


2. Análise e delineamento da questão;
3. Apropriação da questão;
4. Cognição sobre a questão;
5. Julgamento e análise crítica da questão;
6. Seleção e escolha de alternativas;
7. Experimentação e avaliação para o aprimoramento da idéia.

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É importante ressaltar que nem sempre a inovação é o resultado da criação de algo


totalmente novo, ou seja, a inovação pode ser (ROUSSEL; SAAD, BHLIN, 1992, p.56):

 Incremental: aplicada a algo existente, mas que requer ajuste ou modificação;


 Fundamental: advém das necessidades/demandas da sociedade, isto é, atende
solicitações de um grupo ou segmento social;
 Radical: algo que não existe e que não possui demanda, ou seja, completamente
novo.

O sujeito criativo é independente por natureza. Não se prende a regras pré-


estabelecidas. Trata-se de um sujeito libertário no pensar e na ação. Contudo, a
criatividade não deve ser confundida com irresponsabilidade. Ao contrário, exige do
sujeito criativo a busca de melhoria. Por isso mesmo existe uma forte relação entre
criatividade e inovação.

A criatividade é o primeiro passo para a inovação. Contudo, apesar de haver forte


relação entre criatividade e inovação, nem sempre uma idéia criativa será uma inovação.
Isso ocorre porque nem sempre uma idéia criativa tem de fato viabilidade no mundo real,
ou seja, a idéia pode ser muito boa, mas não tem condições reais para sua implantação.
Dessa forma, a inovação depende essencialmente de uma condição: sua viabilidade.

O fazer biblioteconômico é afetado por distintas variáveis, cujo impacto na profissão é


real. Destacam-se as tecnologias de informação e comunicação cuja influência nele é
constante. A informação, elemento fundante da profissão, é constantemente afetada
pelas tecnologias, não só em relação a sua produção, mas também à gestão,
organização, tratamento, mediação, disseminação, acesso etc.

Nesse contexto, o bibliotecário precisa ser criativo, já que sua ação profissional é afetada
por transformações sociais e tecnológicas, cujas dinâmicas exigem novas formas de
gerenciar, tratar, mediar, dar acesso à informação, entre outros procedimentos.

A criatividade, portanto, é uma característica fundamental para o profissional bibliotecário,


porquanto os serviços e produtos informacionais devem ser, no mínimo, ajustados às
transformações ocorridas ou às necessidades/demandas existentes. Contudo, muitas
vezes ele terá de criar algo novo, que não foi pensado, não foi demandado, algo que
extrapola a realidade profissional, que surpreenda o mundo do trabalho. Para isso,
precisa ser criativo.

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Na proposta de Diretrizes Curriculares, elaboradas pelo Ministério da Educação (MEC),
para a área de Ciência da Informação, mencionam-se as atitudes e procedimentos
essenciais aos profissionais da área:

 Sensibilidade para a necessidade informacional de usuários


reais e potenciais;
 Flexibilidade e capacidade de adaptação;
 Curiosidade intelectual e postura investigativa para continuar
aprendendo;
 Criatividade;
 Senso crítico;
 Rigor e precisão;
 Capacidade de trabalhar em equipes profissionais;
 Respeito à ética e aos aspectos legais da profissão;
 Espírito associativo (VALENTIM, 2000, p.15, grifo nosso).

A criatividade, conforme mencionado anteriormente, é essencial para a inovação,


porquanto gera alternativas mais bem adequadas ao que se quer melhorar ou solucionar.
Possibilita ao bibliotecário um novo „olhar‟ para uma questão. Exercita a percepção do
profissional, ampliando as possibilidades para a resolução de problemas.

De que forma o bibliotecário pode atuar criativamente, visando a inovação de seus


serviços e produtos informacionais? São muitas as ações que podem ser aplicadas ao
ambiente informacional, seja biblioteca pública, escolar, universitária, especializada,
empresarial, ou centros de documentação e informação, consultorias, assessorias,
trabalhos freelancers ou terceirizados.

É importante que os bibliotecários que atuam nesses ambientes informacionais


dediquem tempo para a leitura de artigos científicos da área, no intuito de conhecer o
que há de novo sobre conceitos, pensamentos, correntes, tendências e perspectivas
futuras. Essa ação viabiliza, entre outras coisas, a atualização profissional e o contato
com teorias que podem ser aplicadas no dia-a-dia, transformando uma dada realidade.
Nesse sentido, o sujeito precisa permitir-se a educação continuada, voltar-se à
aprendizagem constante.

A interação com pares, também, é essencial para o bibliotecário desenvolver a


criatividade, uma vez que a troca, o compartilhamento e a socialização de conhecimento
e experiências possibilitam ampliar a visão do trabalho, além de propiciar o
benchmarking de produtos e serviços informacionais inovadores. Essa ação pode ser
desenvolvida de diferentes formas: participação em eventos, cursos, grupos de estudo,
listas de discussões, associações, redes cooperativas etc.

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A adoção de determinados modelos de gestão em espaços informacionais podem ajudar


no desenvolvimento da criatividade. Como exemplo, pode-se mencionar a gestão por
projetos, cujo enfoque inicial ocorre a partir do delineamento da questão/problema; num
segundo momento define-se a equipe, geralmente multidisciplinar, visto ser mais
adequada para analisar a questão/problema. Na fase seguinte, elabora-se o projeto
propriamente dito. Nesta fase, há a troca de conhecimento e experiências vivenciadas,
negociação etc. Isto é, é uma fase que permite ao sujeito participante liberar a
criatividade. Na fase seguinte, o planejamento, estabelece-se as metas e os resultados
esperados, a análise dos riscos potenciais etc. Isto é, ajusta-se a idéia criativa à
implantação da inovação propriamente dita. Existem outros modelos de gestão que
incentivam a criatividade nos indivíduos, contudo não serão objetos de detalhamento
neste artigo: gestão participativa, gestão da qualidade, gestão de pessoas, gestão do
conhecimento, inteligência competitiva, entre outras.

A criatividade precisa de um ambiente propício. Nesse sentido, o espaço físico também


influi no processo criativo do indivíduo. Certamente, um ambiente agradável, que
propicie ao sujeito um bem-estar, uma sensação de satisfação, influenciará na geração
de idéias criativas. Num ambiente informacional em que as pessoas não interagem, em
que as paredes inibem a socialização, em que o silêncio é o principal interlocutor, não há
possibilidade de criação.

Destaca-se a cultura organizacional, por meio dos valores, crenças e atitudes, como
principal elemento influenciador da criatividade. Dessa forma, os chefes e líderes têm
papel fundamental no processo criativo. É a partir dos valores, crenças e atitudes
disseminadas por eles, no ambiente de trabalho, que as pessoas serão influenciadas
positiva ou negativamente a serem criativas.

As variáveis externas ao ambiente profissional e ao próprio sujeito criativo também


influem na criatividade. Destacam-se, entre elas, a situação econômica do país, a
política, as taxas de juros, o stress do dia-a-dia, entre outras.

Gurgel (2006, p.72) sistematizou a partir da visão de quatro autores as condições


favoráveis à criatividade e inovação, conforme Figura 1:

Bruno-Faria e Alencar1
Sternberg2 (2003) Amabile3 (1989)
(1996)
Ambiente físico adequado - Prover um ambiente de
aprendizagem que seja
percebido como importante e
divertido
Desafios Encorajar o aluno / Dar às pessoas possibilidade
profissional a correr riscos de escolha
Estrutura organizacional Focalizar em idéias gerais em -
flexível vez de fatos específicos

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Horários flexíveis Alocar tempo para o -
pensamento criativo
Liberdade e autonomia Identificar interesses -
Participação em ações e Propiciar oportunidades para -
decisões a exploração do ambiente e
questionamento de
pressupostos
Recursos tecnológicos e - Prover material diversificado
materiais adequados e abundante
Relacionamento interpessoal - -
Salário e benefícios Recompensar idéias e -
adequados e satisfatórios produtos criativos
Sistemas de comunicação - -
bem definidos
Suporte da chefia Aceitar o erro como parte do  Envolver-se na avaliação
(receptividade e participação) processo de aprendizagem do próprio trabalho e na
aprendizagem através dos
próprios erros
 Fornecer feedback
construtivo e significativo
Suporte do grupo de trabalho - Enfatizar cooperação ao
invés de competição
Suporte organizacional  Gerar múltiplas hipóteses Encorajar a compartilhar
 Formular problemas interesses, experiências,
idéias e materiais
Treinamento e capacitação Possibilitar a imaginação de Prover oportunidades de
outros pontos de vista experiências de
aprendizagem próximas às
da vida real
Figura 1 – Condições Favoráveis à Criatividade. Fonte: Gurgel – 2006 – p.72

A conexão entre criatividade e inovação, portanto, é real. Não há como inovar sem antes
criar. As condições favoráveis ao desenvolvimento do processo criativo perpassam
distintos eixos, cuja influência no indivíduo e no ambiente pode engessar o processo.

Os bibliotecários precisam investir em ambientes cujo paradigma vigente seja voltado à


criatividade e à inovação, visto que o fazer bibliotecário recebe influências constantes
das transformações que ocorrem no mundo. Nesse sentido, a atuação do profissional
requer a característica criativa.

Os profissionais da área precisam perceber as necessidades informacionais da


sociedade, de modo a atendê-las de forma eficiente e, além disso, analisar as
tendências e perspectivas futuras, para criativamente proporem novos serviços e
produtos informacionais que atendam às futuras necessidades informacionais da
sociedade, ainda não explicitadas.

A criatividade é essencial aos bibliotecários, pois é por meio dela que será possível
inovar o fazer da área.

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REFERÊNCIAS

ALENCAR, E. M. L. S. Promovendo um ambiente favorável à criatividade nas Organizações. RAE - Revista de


Administração de Empresas, São Paulo, v.38, n.2, p.18-25, 1998.

GURGEL, M. F. Criatividade e inovação: uma proposta de gestão da criatividade para o desenvolvimento da


inovação. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. 203f. Dissertação. (Mestrado em Engenharia de Produção –
Universidade Federal do Rio de Janeiro).

PFEIFER, S. S. Criatividade: um estudo nas fronteiras da ciência, da arte e da espiritualidade. Florianópolis:


UFSC, 2001. 256f. Tese (Doutorado em Engenharia da Produção – Universidade Federal de Santa Catarina).

ROUSSEL, P. A.; SAAD, K. N. ; BOHLIN, N. Pesquisa & desenvolvimento: como integrar P&D ao plano
estratégico e operacional das empresas como fator de produtividade e competitividade. São Paulo: Makron
Books, 1992. 198p.

TORRANCE, E. P.; TORRANCE, J. P. Pode-se ensinar criatividade. São Paulo: EPV, 1974.

VALENTIM, M. L. P. (Org.). O profissional da informação: formação, perfil e atuação profissional. São Paulo:
Polis, 2000. 156p. (Coleção Palavra-Chave, 11)

1
BRUNO-FARIA, M. de F.; ALENCAR, E. M. Estímulos e barreiras à criatividade no ambiente de trabalho. RAE
- Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.31, n.2, p.50-61, 1996.
2
STERNBERG, R. J. The development of creativity as a decision-making process. In: SAWYER, R. K.;
STEINER, V. J.; MORAN, S.; STERNBERG, R. J.; STERNBERG, D. H.; FELDMAN, J.; CSIKSZENTMIHALYI,
N. M. (Orgs.). Creativity and development. New York: Oxford University Press, 2003. p.91-138
3
AMABILE, T. A. Growing up creative: nurturing a lifetime of creativity. 2. ed. New York: The Creative
Education Foundation Press, 1989.

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