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Como a economia comportamental pode contribuir para as políticas


públicas?
Fernando B. Meneguin 1

Flávia Ávila 2

O Estado é cada vez mais exigido e questionado no desempenho de suas funções.


As ações estatais devem ser pensadas e construídas de forma a serem mais eficientes e
efetivas para a melhoria da realidade socioeconômica, em especial no Brasil, onde
existem tantas carências. Para atingir os objetivos em prol da população, os governos, em
seus vários níveis, devem desenhar suas políticas públicas de forma que sejam criados os
incentivos corretos para o atingimento do que se pretende.

Existem ferramentas e metodologias para se construir uma política pública


adequada de forma a se alcançar o resultado desejado. No entanto, para qualquer
metodologia utilizada, há que se ter em mente que o sucesso de qualquer atuação
governamental depende de como as ações escolhidas vão influenciar o comportamento
do cidadão, que, em muitos casos, não age de forma “racional” (basta ver quantos de nós
dirigem enquanto enviam uma mensagem pelo celular, mesmo sabendo de todos os
riscos envolvidos). Mais ainda, sua eficácia depende das hipóteses sobre o
comportamento humano feitas pelos formuladores das políticas.

Nesse ponto é que se destaca a contribuição da Economia Comportamental, pois o


estudo dessa área disponibiliza uma série de novas ferramentas que frequentemente
permitem o alcance dos resultados almejados com menos custos ou menos efeitos

1
Mestre e Doutor em Economia. Visiting Scholar no Programa de Direito e Economia da Universidade da
California em Berkeley. Consultor Legislativo do Senado Federal. Pesquisador do
EconomicsandPoliticsResearchGroup – EPRG, CNPq/UnB. E-mail: fbmeneguin@hotmail.com
2
Mestre em Economia Comportamental pela Universityof Nottingham. Doutoranda em Economia na
Universidade de Brasília. Professora de Economia Comportamental na ESPM. Fundadora e Editora do site
www.economiacomportamental.org. E-mail: flavia.avila@gmail.com
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colaterais, quando comparados com os conseguidos por meio da tributação ou da


regulação, por exemplo.

Como ilustração, pode-se citar a aplicação da Economia Comportamental nas


políticas públicas na área de educação. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino
fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. É o que
indica o Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, divulgado pelo Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Se o aluno pensasse de forma puramente racional, ele se empenharia para ficar na


escola, pois os retornos futuros do estudo seriam altos o bastante para compensar seu
esforço. No entanto, existem fatores que desviam os estudantes dessa racionalidade
como valorizar o presente muito mais do que o retorno esperado no futuro, o contexto
em que vivem, os modelos de comportamento que tem como inspiração, questões de
saúde que possam impactar a sua assiduidade, o esforço exigido para chegar até a escola,
entre outros. Assim, as políticas educacionais devem estar atentas a vieses
comportamentais observados nos jovens, considerando que a tomada de decisão quando
falamos de educação vai muito além de pesar custos e benefícios materiais a serem
obtidos no futuro.

Os gestores públicos têm o desafio de incorporar a Economia Comportamental no


ciclo das políticas e transformar esse desafio em oportunidades para gerar intervenções
governamentais mais efetivas e eficientes.

Conforme mencionado no Relatório de 2015 do Banco Mundial (World


DevelopmentReport, 2015),as pessoas, independentemente de sua classe social, em
algum momento fazem escolhas contrárias ao seu próprio bem-estar, principalmente
quando agem de forma automática. Elas podem também agir em decorrência de hábitos
ou por inércia. Existe ainda uma diferença entre ação e intenção (conflitos
intertemporais) com consequências econômicas negativas para indivíduos, grupos e toda
a sociedade. Isso abre um enorme espaço para a atuação do governo.

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A Economia Comportamental surge mostrando em seus estudos empíricos que


diversas variáveis, muitas vezes ignoradas, permitem influenciar decisivamente a forma
como fazemos escolhas. Fatores como a maneira de apresentação de uma opção ou o
seu contexto podem, inclusive, ter impacto maior do que ações baseadas em incentivos
financeiros

Para se ter ideia da importância da Economia Comportamental, importa saber que


existe uma organização vinculada ao Governo Britânico, Behavioural Insights Team 3, mais
conhecida como Nudge Unit, cuja função é testar novas abordagens para se alcançar os
objetivos das políticas públicas. Vários países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália,
França e Arábia Saudita, vêm utilizando o modelo dessa organização para desenhar
políticas que consideram o enfoque comportamental.

Outro fato que ressalta a importância do tema nos programas governamentais


constitui-se a publicação de um conjunto de normas constantes na ExecutiveOrder 4, de
15/09/2015, emitida pelo Presidente Barack Obama, que cria diretrizes para os órgãos
públicos utilizarem o enfoque comportamental nas políticas públicas.

Thaler e Sunstein 5defendem que a mudança de comportamento pretendida pode ser


alcançada muitas vezes apenas com o correto desenho e aplicação de nudges. Um
nudge(“empurrãozinho”) é um aspecto da arquitetura de escolha que altera o
comportamento das pessoas de uma forma previsível sem criar proibições ou alterar os
incentivos econômicos. Por exemplo, colocar as frutas da lanchonete da escola em uma
prateleira que fique no nível dos olhos dos alunos de forma que eles comprem e comam
mais frutas é um nudge. Por outro lado, criar uma regulamentação que encareça ou
obrigue o banimento de comidas não saudáveis nas lanchonetes escolares não é.

O relatório MINDSPACE, divulgado pelo Cabinet Office e o Institute for Government


da Inglaterra, propõe nove aspectos que podem interferir quando se fala em influenciar o
comportamento das pessoas via políticas públicas. No relatório, buscam reunir de forma
simplificada os principais aspectos que devem ser apropriados pelos formuladores de
3
http://www.behaviouralinsights.co.uk/
4
https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american
5
Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness

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políticas públicas para se conseguir mais efetividade em suas ações. A seguir, tem-se uma
síntese desses novos aspectos considerados principais para gerar uma mudança real de
comportamento das pessoas frente a diferentes intervenções:

a) Mensageiro

Quem passa a informação e o modo como ela é passada tem implicação na força com
que a mensagem é assimilada. Por exemplo, observa-se que a efetividade das
intervenções aumenta quando os locutores são pessoas que detêm autoridade formal ou
informal sobre o assunto, assim como pessoas ligadas àárea geográfica e de condição
socioeconômica similar aos dos receptores.Pesquisa empírica 6 no universo dos alunos de
duas escolas canadenses observou estatisticamente que, num programa de prevenção de
obesidade e doenças relacionadas, o resultado foi muito mais efetivo quando alunos mais
velhos (treinados pelos professores) passavam as informações para os alunos mais novos
sobre alimentação saudável, mostrando como a interação entre os pares facilitou a
assimilação de hábitos alimentares melhores.

b) Incentivos

O mecanismo de incentivos deve ser usado pelos governos como uma estrutura que
motiva a mudança de comportamento. A economia comportamental contribui para o
tema ao revelar alguns instintos humanos. No geral, as pessoas preferem evitar perdas a
ter ganhos de valor equivalente, assim, as políticas públicas devem focar não nos
prêmios, mas nas perdas que acontecerão se determinado comportamento não for
adotado.

6
Stock, Miranda, Evans, Plessis and Ridley. (2007) Healthy buddies: a novel, peer-led health promotion
program for the prevention of obesity and eating disorders in children in elementary school. Pediatrics
120:e1059-68.

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Uma aplicação desse fato está detalhada em trabalho acadêmico 7, no qual se


comprova que a produtividade dos professores é mais incrementada quando eles ganham
antecipadamente um bônus, com a possibilidade de o perderem caso os alunos não se
saiam bem, do que uma política em que o bônus é dado em decorrência da melhoria da
aprendizagem do aluno.

c) Normas sociais

As pessoas tendem a repetir o que os outros fazem. A utilização dessa constatação


nas intervenções comportamentais tem dado resultado em diversas áreas e é um
instrumento poderoso à disposição dos formuladores dos programas governamentais8.
Primeiro, as campanhas devem focar o quanto a norma é aceita. Por exemplo, se o
objetivo é incentivar o cinto de segurança, deve-se divulgar que um percentual alto de
pessoas já o usam.É importante também considerar as redes sociais, pois as normas serão
assimiladas quanto mais “contagioso” for seu efeito.

Um fator ainda subestimado por economistas, a Economia Comportamental tem


explorado amplamente o poder da aplicação das normas sociais. Simplesmente invocar
princípios relacionados à economia de dinheiro, ser sustentável ou mesmo ter uma
atitude exemplar, não foi o suficiente para fazer com que as pessoas mudassem de
atitude.

d) Padrões

Muitas das decisões que são tomadas na nossa rotina envolvem uma opção pré-
selecionada caso nenhuma escolha seja feita. As pessoas, no geral, agem de forma
preguiçosa aceitando o padrão. Isso é um mecanismo importantíssimo para as políticas

7
Fryer, Roland G., Steven D. Levitt, John List, and Sally Sadoff (2012) “Enhancing the Efficacy of Teacher
Incentives through Loss Aversion: A Field Experiment.” National Bureau of Economic Research Working
Paper 18237
8
Dolan, P.; Hallsworth, M.; Halpern, D.; King, D.; Vlaev, I. (2010). MINDSPACE: Influencing Behaviour
through Public Policy. Institute for Government and the Cabinet Office. Disponível em 21/09/2915,
http://www.instituteforgovernment.org.uk/publications/mindspace

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públicas, pois estruturar os padrões de forma a garantir o máximo de benefício para a


sociedade é uma maneira de influenciar o comportamento das pessoas sem restringir
suas escolhas. Por exemplo, todos têm o direito de decidir se são doadores de órgãos ou
não, mas a lei pode dispor que, caso a escolha não seja feita, o padrão é ser doador.

Acerca desse tema, pesquisa 9procurouentender o fato de que países vizinhos como
Dinamarca e Suécia tinham uma quantidade tão discrepante de doadores de órgãos –
4,25% e 85,9% respectivamente –, sendo que as suas bases culturais são muito parecidas.
O que se descobriu foi que o método utilizado para que o cidadão declarasse se era ou
não efetivamente um doador desencadeava um efeito divergente entre o número de
doadores dos países. Em seus experimentos, os pesquisadores descobriram que a
diferença residia na variação do desenho dos formulários em que as pessoas eram
questionadas sobre serem doadores ou não.

e) Ressaltar o que interessa

Nossa atenção é desviada para a informação que vem destacada, que está acessível e
que é simples. Isso facilita o registro mental. Como frisamos mais as perdas do que os
ganhos, uma aplicação interessante disso é dar destaque ao valor dos impostos junto das
mercadorias. Isso fará o consumo cair. Tal medida pode ser utilizada, por exemplo, numa
política para diminuir o consumo de bebidas alcoólicas.

f) Primeiras impressões

O comportamento das pessoas muda conforme algumas sugestões são passadas a


elas preliminarmente, como determinadas palavras ou imagens. Por exemplo, pesquisas
mostram que a leitura de expressões que tragam a mensagem de vida atlética e saudável
na entrada de um prédio faz com que as pessoas usem mais as escadas do que os
elevadores.

9
Johnson, Eric J. e Goldstein, D.; (2003). “Do Defaults Save Lives?”. Science (November 21). Disponível
em 21/09/2015, http://www.dangoldstein.com/papers/DefaultsScience.pdf

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g) Emoções

O estado emocional da pessoa interfere em como ela tomará suas decisões.


Experimentos mostram que cartas enviadas com a oferta de empréstimo são mais aceitas
quando trazem figuras atrativas em vez de simplesmente o lado financeiro da questão.
Provocar determinado estado emocional no público alvo pode facilitar o atingimento do
que se pretende. Como ilustração, houve uma campanha pública em Gana para se
incentivar que as pessoas lavassem as mãos. Num primeiro momento, a campanha
abordava o benefício de lavar a mão. Em uma segunda etapa, associou-se o não-lavar as
mãos com um sentimento de nojo. Essa segunda campanha teve muito mais efetividade.

h) Compromissos públicos

As pessoas tendem a procrastinar ações mais relacionadas com médio e longo


prazos. Uma maneira de aumentar o custo da procrastinação é fazer um compromisso
público que envolva outras pessoas ou instituições. Por exemplo, uma ideia de
compromisso que se comprovou eficaz é a utilização de uma conta de poupança para
fumantes que tentam largar o vício. Mensalmente é feito um depósito pelo fumante e, ao
final de seis meses, se ele passar num teste de nicotina, pode sacar o dinheiro, caso
contrário, o dinheiro é confiscado.

i) Ego

Todos nós tendemos a tomar ações que nos façam parecer pessoas melhores.
Trabalhar uma política pública de forma que o resultado venha associado com a melhoria
da imagem positiva do cidadão ajudará muito o atingimento dos objetivos.

Concluindo, o campo da Economia Comportamental tem atraído uma crescente


atenção dos governos no mundo todo, tanto para ajudar a explicar os resultados
aparentemente irracionais quanto por suas implicações diretas na efetividade das
políticas públicas. Seus estudos,baseados em experimentos e evidências empíricas,
fornecem insights valiosos que podem e devem ser integrados ao ciclo das políticas
públicas. Além disso, intervenções com baixo custo, como pequenas mudanças na

7
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formade as opções serem apresentadas ou na forma de como a informação é transmitida,


podem levar a grandes mudanças no comportamento dos cidadãos.

No Brasil, a ciência comportamental ainda é pouco utilizada na formulação das


políticas públicas. No entanto, aos poucos, tal arcabouço começa a ganhar espaço.
Recentemente, na discussão da Medida Provisória nº 676, de 2015, que promoveu
mudanças nos planos de benefícios da previdência, foi aprovada emenda na qual se
utiliza uma opção pré-selecionada (padrão ou default). O texto enviado para a sanção da
Presidência dispõe que os servidores públicos serão automaticamente inscritos no
respectivo plano de previdência complementar, podendo, a qualquer tempo, requerer o
cancelamento de sua inscrição, ou seja, se o servidor nada fizer, ele integrará a
previdência complementar.

Iniciativas como essa são exemplos de que os instrumentos da economia


comportamental aqui destacados, ao serem disseminados e utilizados de forma adequada
entre os gestores governamentais, ajudam a entender e a mudar o comportamento das
pessoas para melhorar o bem-estar social. No caso brasileiro, onde há forte restrição
orçamentária e enormes demandas sociais da população, a economia comportamental
pode contribuir com a acurácia da atuação do governo, agregando eficiência e efetividade
às ações do Poder Público.

Este texto está disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2691

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