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omarketing Social como instrumento


das políticas públicas
por Carlos Oliveira Santos

RESUmO: no campo da mudança dos comportamentos sociais nas sociedades democráticas, o marketing Social,
definido em 1971 por Philip Kotler, constituiu-se como um importante instrumento de interuenção pública, resul-
tante da aplicação, aos comportamentos sociais, dos princípios do marketing empresarial, nomeadamente aanálise
cuidada dos destinatários, a concepção de estratégias e produtos adequados, a eficaz adopção de mecanismos de
acesso ede comunicação, tendo em uista amudança efectiua epositiua de comportamentos sociais. Sem menospre-
zo de outras áreas de interuenção, como aeducação, a legislação, apersuasão ou aprópria tecnologia, omarketing
Social tem-se reuelado um instrumento muito positiuo para odesenuoluimento de políticas públicas, em inúmeros
países eáreas. Este artigo articula os fundamentos ecomponentes do marketing Social com ocampo das políticas
públicas, no sentido do aperfeiçoamento eeficácia destas.
Palavras-chave: Marketing, Marketing Social, Políticas Públicas

TITlE: Social marketing, an instrument of public policies


H8STRHCT: In order to change public behauiour in democratic societies, Social marketing, introduced by Philip
Kotler, in 1971, is an important instrument of public policies, applying to social issues the principles of commercial
sector marketing: costumer orientation, marketing research, tailored strategies, products and seruices, in order to
achieue better results. Compared with other ways to influence social change, like education, persuasion, techno-
logy, legal and political policymaking, Social marketing has a unique and useful approach. This article underlines
that relation between Social marketing and public polices.
Key words: Marketing , Social Marketing, Public Polici es

E
screveu Almada-Neg rei ros, «Quando eu nasci as frases tismo dos discursos, a perfeição das elucubrações, o rendi-
que hão-de salvar a Humanidade já estavam todas lhado dos estilos verbais, a genialidade das teses e, por
escritas, só faltava uma coisa - salvar a Humanidade.» 1 outro lado, a realidade de que eles emergem, mas perante
Mesmo que se entenda que novas questões e problemas a qual soçobram, desistem e falecem .
colocados pelos tempos, possam suscitar novas frases sal- De facto, quando se trata de, não direi salvar a
vadoras - e fá-Io-ão -, têm de ler-se as palavras de Almada Humanidade, mas pelo menos melhorar a vida humana nas
sobretudo como um dedo apontado ao desejo de realiza- suas diversas comunidades, não bastam apenas os discursos
ção, à eficácia, à concretização de resultados efectivos e salvadores. Temos de ter vontades, capacidades e esforços
positivos. sistemáticos, suportados por métodos e processos que os
Nós, portugueses, sabemos sobremaneira, normalmente potencializem .
pela negativa, qual é a diferença profunda entre o brilhan- A ciência política e, em especial, as políticas públicas não

Carlos Oliueira Santos 28 I REUISTH PDIIIUGUESII EBllllSILEIRH DE 6ESTRO


ARTIGOS

são, evidentemente, isentas desta necessidade, contudo são Hdoptado epraticado em inúmeros países, em especial
muito escassos os contributos de articulação entre conceitos, nos anglo-saKónicos, omarketing Social
programas e objectivos, por um lado, e a sua benéfica con- tem contribuído para uma melhor aplicação
cretização, por outro. de políticas nos diuersos campos da saúde,
A mobilização do Marketing Social, como instrumento de do ambiente, da educação, da segurança, do ciuismo,
melhoria das políticas públicas, inscreve-se neste propósito dos direitos humanos, entre muitos outros.
de concretização positiva . Adoptado e praticado em inú-
meros países, em especial nos anglo -saxónicos, o Marketing dições das pessoas envolvidas, da formulação de produtos e
Social tem contribuído para uma melhor aplicação de políti- serviços adequados e tendentes à melhoria dos seus com-
cas nos diversos campos da saúde, do ambiente, da edu- portamentos, identificando benefícios, assegurando sempre
cação, da segurança, do civismo, dos direitos humanos, os problemas dos custos e preços envolvidos, do acesso das
entre muitos outros . pessoas em causa, bem como dos investimentos comunica-
As situações que esta disciplina procura enfrentar são as cionais correctamente articulados com todos os objectivos,
que tropeçam constantemente em políticas vagas e extem- meios e pessoas, sem esquecer aturados esforços de avalia-
porâneas, em acções desconexas e sem estratégia, em inves- ção dos resultados.
timentos enormes com resultados nulos, em constantes ape- Às tradicionais ferramentas do marketing, aos cinco «p» de
los genéricos sem enquadramento e operacionalidade. São pesquisa, produto, preço, distribuição (placement, em inglês)
milhões de euros gastos em prevenções rodoviárias sem e promoção (comunicação), temos de acrescentar o primei-
controlo e avaliação, são preservativos distribuídos dis- ro P de pessoas e o necessário P de políticas, para con-
cricionariamente pelas escolas sem se entender o mínimo seguirmos assim um composto susceptível de bons resulta-
objectivo, são as sempre bem adornadas campanhas sobre dos.
a sido que acompanham impotentes o escalar da doença, Apresentado em 1971, num artigo de Philip Kotler 2, uma
são campanhas de prevenção de fogos feitas em pleno das grandes referências do próprio marketing, o Marketing
Agosto, para incêndios que já começaram muitos meses Social teve um sólido incremento e é hoje desenvolvido
antes. amplamente por prestigiadas instituições, entre as quais, nos
A crença que suporta o Marketing Social é a de que se EUA, o Social Marketing Institute 3 , de Washington, os gover-
pode corrigir ou aperfeiçoar muito mais tais acções e namentais Centers for Disease Control and Prevention 4 , a
propósitos, graças a processos que tiveram origem e prova Turning Point Social Marketing National Excellence
no marketing comercial e empresarial, nomeadamente os Collaborative 5, ou a actividade persistente da University of
que derivam do conhecimento das características e con- South Florida 6 , com a sua conferência anual e inúmeras

Carlos Oliveira Santos


carlas.a.s@mail.telepac.pt
O autor possui o "Course of Social Marketing in Public Health» (University of South Florido, 2005), é licenciado em Estudos Portugueses (Faculdade de Ciências
Sociais e Humanos, Universidade Novo de Lisboa, Portugol), pó~ - graduado em Ciêncio Político (Instituto de Estudos Políticos, Universidade Católico
Portugueso) e doutorondo em Gestão pelo ISCTE, Lisboa, Portugal. E docente do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISC EM), em Portugal, e foi
direclor-adjunto do pós-groduação em "Marketing Político e Sociol» do INDEG/ ISCTE (2002/2003 ).
The author hos the Course of Social Marketing in Public Health (University of South Florido, 2005), is graduated in Portuguese Studies (Faculty of Social and
Human Sciences, UNL, Portugal), post-groduated in Political Science (Political Studies Institute, UCp, Portugal) and prepares his PhD in Management at ISCTE, Lisbon,
Portugal. He is assistant professor at ISCEM, Portugal, and was co-diredor of the post-graduation of Political and Social Marketing at INDEG/ ISCTE (2002/2003).

Nota
Este artigo acompanho de perto os comunicações entretanto apresentados pelo autor 00 111 Congresso do Associação Portuguesa de Ciência Político (Fundação
Calouste Gulbenkian, 30 de Março de 2006) e à Conferência Internacional "O Estado, o Sociedade Civil e o Administração Público em Portugal» (Univer-
sidade de Aveiro, 20 de Abril de 2006).

Recebido em Maio de 2005 e aceite em Julho de 2006.


Received in May 2005 and accepted in July 2006.

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intervenções concretas. No Canadá, uma referência para a piecemeal social engineering 14, considerando a possibili-
importante e activíssima Social Marketing Network 7, centra- dade e utilidade de uma intervenção nas instituições e pro-
da no Ministério da Saúde. No Reino Unido, destaque para blemas sociais, numa perspectiva «'funcional' ou 'instrumen-
o Institute for Social Marketing, com origem no trabalho da tai'»15, «abarcando actividades sociais, tanto privadas como
University of Strathclyde B. públicas, as quais, com o propósito de realizar algum objec-
Do que se trata, pois, em Portugal, é de implantar este tivo ou finalidade, utilizam conscientemente conhecimentos
conhecimento - a participação e aplicação do Marketing tecnológicos disponíveis»16.
Social nas diversas acções de intervenção na melhoria dos
comportamentos sociais, incluindo as políticas públicas. Não Demarcando-se do construtiuismo cartesiano
poderíamos, contudo, deixar de ser sensíveis ao que Gabriel ou do positiuismo comtista, das engenharias sociais
Almond apelidou de «digamos, movimentos para penetrar holísticas ou utópicas, esta lengenharia social
na ciência política lateralmente»9, e furtarmo-nos à própria garfada-a-garfada' interuém pontualmente,
fundamentação política desta disciplina, tendo em conta em problemas e sectores delimitados, tentando
todo o saber e experiência acumulada e processadas, alcançar «pequenos ajustamentos e reajustamentos
nomeadamente no campo das políticas públicas, benefi- que podem ser continuamente melhorados»,
ciando de uma «leitura conjunta, das perspectivas analíticas sempre consciente das suas limitações.
e da direcção dos estudos em curso»10.
O nosso vasto pano de fundo é esse imenso processo de Demarcando-se do construtivismo cartesiano ou do posi-
mudança que os últimos duzentos anos geraram, sextupli- tivismo comtista, das engenharias sociais holísticas ou utópi-
cando a população mundial, multiplicando por cinquenta a cas, esta 'engenharia social garfada-o-garfada' intervém
produção, duplicando o produto mundial per capita nos pontualmente, em problemas e sectores delimitados, tentan-
primeiros 60 anos do século em que nascemos e voltando a do alcançar «pequenos ajustamentos e reajustamentos que
duplicá-lo nas três décadas seguintes 11, passando, em podem ser continuamente melhorados» 17, sempre cons-
escassos 130 anos, o número de estados soberanos de 37 ciente das suas limitações. Aquele 'engenheiro social garfa-
para 192; propagando a democracia quase do zero para os da-o-garfada' «sabe, como Sócrates, o pouco que sabe.
actuais 89 estados democráticos, mais os 58 parcialmente Sabe que podemos aprender apenas com os nossos erros.
livres, num total de 76% dos países existentes 12. Todos Nesse sentido, faz o seu caminho, passo-a-pass0 1B , com-
somos filhos desse turbilhão de esperança e de apreensão, parando cuidadosamente os resultados esperados com os
com uma complexidade sem fronteiras, cheio de feitos obtidos, e sempre atento às inevitáveis consequências inde-
notáveis mas de disparidades abismais. sejadas .» 19
De braço dado com esta profunda mudança, esteve sem- O aparecimento do Marketing Social não é, de modo
pre, nas nossas sociedades, uma aspiração de melhoria nenhum, alheio, a este espírito, bem como, no que à tra-
individual e colectiva, bem como o nosso próprio desejo de dição das políticas públicas diz respeito, às obras de Charles
resolvermos os inúmeros problemas pessoais e sociais gera- Merriam 20 ou de John Dewey21, ainda que, actualmente,
dos pelo desenvolvimento ou de adoptarmos correctamente numa perspectiva multiteorética, ele possa surgir transver-
os meios que esse mesmo desenvolvimento vai proporcio- salmente, tanto às correntes «behavioristas», às da rational
nando. Os propósitos de construtivismo social que daqui choice ou ao funcionalismo, como aos neo-institucionalis-
derivaram, e que tiveram em Hayek, em nome da liberdade mos, à Escola de Grenoble ou mesmo aos normativismos 22 ,
e de uma ordem espontânea, um dos seus maiores críti- pelo menos no sentido que refere Robert Dahl de que «esco-
cos 13, encontraram, nas nossas sociedades democráticas, lher uma política (policy) implica possuir tanto standards nor-
um caminho equilibrado e sensato, aquele a que Popper, mativos como juízos empíricos»23. E mesmo que, se tenha
sem desprezar totalmente a posição hayekiana, chamou de em conta, como Cristina Montalvão Sarment0 24 , a existên-

Carlos Oliueira Santos 30 I REUISTR PORTUGUESR EBRRSllEIRR DE GESTAO


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cla de perspectivas nacionais de políticas públicas, como merciais e o espaço da fábrica perdia vantagem para o das
marcas distintivas e, porventura, resistências a certas ino- vendas. Jean-Baptiste Say não tinha, neste aspecto, razão .
vações e aquisições, não pode considerar-se impossível ou As mercadorias não se vendem por si .
desaconselhável a implantação do Marketing Social nos O passo seguinte deste processo seria, digamos assim,
diversos países, incluindo Portugal, nomeadamente como inevitável! A dinâmica saída da Segunda Guerra Mundial iria
componente do chamado new public management na esclarecer que o processo de venda só tem suficiente con-
Administração Pública 25 . sistência se emergir e se se subordinar ao seu agente decisi-
Cabe-nos, por outro lado, entender o desenvolvimento do vo : o consumidor. Cada vez mais educado e informado, com
marketing, em geral, a sua inserção naquela tensão criado- mais capacidade económica e de opção, mais ciente da sua
ra entre uma ordem espontânea e intervenções pontuais individualidade e diversidade, desejoso de valorizar o seu
muito diversificadas, surgindo como uma disciplina onde prazer de viver, este consumidor do pós-guerra vai operar
imensas práticas e contributos teóricos de muitas origens se uma revolução coperniciana na forma de se actuar nos mer-
foram conjugand0 26 . cados, fazendo nascer aquilo que autenticamente conside-
O crescente surto produtivo que inundou os mercados nas ramos ser, hoje, o conceito essencial de marketing : «Vender
primeiras décadas do século passado foi muito centrado na foca-se nas necessidades do vendedor; o marketing, nas do
introdução de novos produtos e no processamento da pro- consumidor. Vender preocupa-se com a necessidade do
dução e do trabalho, a que Frederick Taylor aplicou os seus vendedor converter o seu produto em dinheiro; o marketing,
eficazes princípios de 'gestão científica'27 . Parecia que a lei com a ideia de satisfazer as necessidades do consumidor
de Say funcionava perfeitamente: «Toda a oferta cria a sua através do produto e do conjunto de factores associados
própria procura .»28 As mercadorias escoavam quase que com criar, entregar e finalmente consumir.»32 Só deste modo
por si mas gerando logo a percepção de que o mesmo o vendedor pode identificar, conceber, produzir, distribuir e
esforço de sistematização que foi aplicado à produção tinha vender um produto adequado e estimulante, lucrando com
de se estender à 'gestão científica' da força de vendas . isso. O marketing constituiu-se num processo de mediação e
Charles Hoyt29 e Percival White 30 , ambos engenheiros, tal com este autêntico empowerment dos chamados consumi-
como Taylor, foram alguns dos principais formuladores deste dores, ele adquire uma maior dimensão democrática, fun-
desígnio. «Os métodos de fabricação de massa, com a dada na livre iniciativa e na livre escolha, rejeitando em
gestão científica dos homens e das máquinas, conseguem grande parte as acusações de manipulação e deturpação
reduzir os custo da produção, mas as economias realizadas que o acompanharam ao longo do sécul0 33 .
deste modo são, de certa maneira, neutralizadas pela de- Para sustentar este marketing concept, foi necessário
sordem da distribuição, pela concorrência destrutiva e por desenvolver e agregar inúmeras áreas, dos estudos de mer-
desorganizados processos de Marketing.»31 cados e de consumidores, ao planeamento estratégico, à
A eminente crise económica dos anos 1930 e a política do concepção criativa de produtos, serviços e marcas, à
New Oeal vieram transformar aquela percepção numa au- definição e gestão de preços, de canais de distribuição e
têntica evidência, obrigando, mais do que os académicos, os vendas, e de acções de comunicação integrada (integrated
que estavam envolvidos directamente nos mercados, a marketing communications)34.
redefinirem as suas técnicas de gestão e de acção comercial , Com sobejos resultados, comprovados diariamente pela
no que podíamos mesmo chamar de piecemeal comercial evolução dos mercados, o próprio marketing vem suscitar a
engineering, um intervencionismo microeconómico no mar possibilidade da sua aplicação a outras dimensões, para
cada vez mais complexo dos mercados e das sociedades, além da sua vertente empresarial e comercial. Se a essência
sempre sujeitas a uma grande dose de 'ordem espontânea', do marketing era o conhecimento das pessoas, a identifi-
por mais macrointervencionismos que os Estados lhes cação de necessidades e aspirações, e a sua satisfação, não
impusessem. Os engenheiros davam lugar aos exércitos co- poderia esta metodologia ser aplicada a outros campos?

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Poderia, como perguntou Wiebe, aplicar-se aos comporta- • a pesquisa é essencial em todas estas fases, na con-
mentos sociais? À política? À religião? À pessoa? Aos países? cepção, no pré-teste e na avaliação das intervenções;
• os mercados sociais, chamemos-lhes assim, devem ser
Os destinatários de um programa de marketing Social, cuidadosamente segmentados, de acordo com as suas
os cidadãos, são oponto de partida eoseu centro características diversificadas. Este aspecto é fundamental
de atenção. Por isso, a pesquisa, uisando para evitar as generalidades e vacuidades, criando pro-
oconhecimento dos seus comportamentos postas específicas e apropriadas para cada segmento,
ecaracterísticas, mesmo que estes sejam porque é essa a melhor maneira de obter bons resultados;
profundamente negatiuos ereactiuos, é essencial. • e, por melhores que sejam as intervenções, a concorrên-
cia deve ser sempre considerada, tanto a negativa, que é
Os anos 1970 trouxeram uma resposta concludente a obstáculo e resistência à nossa acção, como a positiva
estas hipóteses 35 e abriram o passo a inúmeras intervenções presente em intervenções conexas ou também incidentes
positivas, entre as quais se inclui o Marketing Social (ver nota nos nossos objectivos.
2), como resultante da «aplicação das técnicas do marketing Apesar de termos vindo a fundamentar o Marketing Social
comercial à análise, planeamento, execução e avaliação de nas «técnicas do marketing comercial», não esquecemos de
programas concebidos para influenciar o comportamento modo nenhum as suas particularidades e mesmo algumas
voluntário dos alvos visados, com o objectivo de melhorar o diferenças significativas:
seu bem-estar pessoal e o da sua sociedade.»36 • o tipo de produtos envolvidos é bastante distinto. Os pro-
Esta formulação envolve alguns aspectos básicos que são dutos sociais, como componente de mudança dos com-
também essenciais para a aplicação do Marketing Social às portamentos, têm um grau de complexidade maior que
políticas públicas: não se resume apenas à transacção de bens e serviços;
• os destinatários de um programa de Marketing Social, os • no sector comercial, o objectivo da entidade promotora é,
cidadãos, são o ponto de partida e o seu centro de em última análise, o seu lucro financeiro, enquanto o
atenção. Por isso, a pesquisa, visando o conhecimento dos Marketing Social procura sobretudo "ganhos" para as pes-
seus comportamentos e características, mesmo que estes soas e a sociedade, o que provoca, muitas vezes, maiores
sejam profundamente negativos e reactivos, é essencial; dificuldades, dado que nem sempre estes "clientes" estão
• estes programas devem buscar uma relação eficiente entre dispostos a "pagar" em termos monetários pelos produtos
custos e resultados. O objectivo do Marketing Social não é e serviços sociais, os quais são, também muitas vezes, vis-
meramente especulativo, mas o da melhoria efectiva dos tos por eles como desnecessários, indesejáveis ou sem
comportamentos e da vida das pessoas, com vantagens valor;
palpáveis para elas e para as sociedades; • a competição no Marketing Social é muito mais difícil de
• neste sentido, todas as estratégias começam com as pes- identificar e de confrontar, estando normalmente condi-
soas que são alvo das acções específicas, envolvendo as cionada por contextos, por comportamentos negativos
suas percepções, dificuldades, necessidades e aspirações; persistentes, por valores profundos;
• os programas de Marketing Social não são meras • o financiamento do Marketing Social é sempre difícil já
intenções, boas vontades vagas e distantes mas envolvem que os seus "lucros" permanecem difusos e não são ime-
sempre produtos e serviços adequados, considerações e diatamente revertíveis para a entidade de partida;
decisões sobre o seu preço material e imaterial, medidas • o incremento da procura de produtos e serviços sociais
de distribuição desses produtos e serviços, na perspectiva nem sempre é possível porque os recursos necessários
de um acesso mobilizador por parte das pessoas desti- podem não estar disponíveis;
natárias, bem como uma comunicação integrada com • a dimensão política do Marketing Social, mesmo quando
todos estes aspectos estratégicos; não é aplicado no âmbito de políticas públicas, é muito

Carlos Oliueira Santos REUISTH PORTUGUESH EBRHSllEIRH DE GESTnO


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maior, gerando assiduamente controvérsias e fragmen- Hoje, é bem palpáuel a ineficácia da "fantasia
tações. A necessidade de um amplo suporte público não mediática" quando ela não se funda no marketing
impede que os seus propósitos e intervenções colidam enum cuidado trabalho de aualiação.
com interesses vários 37 .
No campo das políticas públicas, também convém que Finalmente, os avanços tecnológ icos são importantíssimos
façamos uma análise comparativa entre o Marketing Social na resolução de inúmeros problemas sociais, mas a tec-
e outras formas de intervenção - como a educação, a comu - nolog ia necessita de ser divulgada, aplicada, particulariza-
nicação, a legislação ou a inovação tecnológica -, qualquer da, e nesse aspecto o Marketing Social tem um papel deci-
delas relevante, mas onde a perspectiva do Marketing SIVO .

Social, não as desprezando nem sequer anulando, pode aju- Em suma, o exercício de políticas públicas com base no
dar a melhorar propósitos e resultados . Marketing Social tem de incorporar um adequado conheci-
A educação como factor de melhoria dos comportamentos mento das pessoas a que se destina, a sua segmentação de
é, actualmente, incontornável, mas os seus resultados não acordo com as respectivas características, a concepção de
são imediatos nem totalmente fiáveis, dada a distância entre medidas específicas e acessíveis, do ponto de vista do
o ensinado e o praticado, num mundo sujeito a um intenso reconhecimento, do envolvimento, dos custos, da aquisição,
e rápido processo de mudança . O Marketing Social, correc- da comunicabilidade, com evidência dos benefícios para as
tamente praticado, ao delimitar problemas, alvos, objectivos próprias pessoas, com factores de compensação dos com-
e estratégias específicas, podendo parecer mais modesto e portamentos mais resistentes e difíceis, com práticas de
pontual, aumenta, na verdade, a eficácia com que se procu - aval iação que impulsionem ou corrijam o caminho percorri-
ram resultados. do. Tudo em nome das pessoas e das melhorias efectivas da
A comunicação, po r seu lado, tem sido a " arma" mais sua vida . Não é fácil mas é necessário num mundo em que
imediata e praticada de influência na mudança de compo r- não podemos deixar que os problemas se agravem e que a
tamentos sociais. Para qualquer problema, faça-se uma vida perca a procura do melhor.
campanha mediática! Contudo, os problemas que se têm Não cabe aqui a total explanação do processamento do
detectado nesta opção são imensos, apesar dos investimen- Marketing Social 38 mas fica esta "chamada de atenção",
tos feitos e dos custos dispendidos. Tratei, de forma desen - certos de que a sua incorporação nas nossas políticas públi-
volvida , deste aspecto noutro estudo para o qual remet0 38 . cas traria benefícios, como tem trazido nos países que o
Hoje, é bem palpável a ineficácia da "fantasia mediática" adoptaram . Necessitamos de uma maior divulgação, de
quando ela não se funda no marketing e num cuidado tra- mais formação, da criação de especial istas nesta área, e na
balho de avaliaçã0 39 . sua integração activa e contributiva nas instituições 42 . É um
A legislação é sempre um instrumento ao alcance do caminho bom e necessário! •
decisor político, mas todos sabemos a distância entre a sua
emissão e a sua aplicação, sobretudo em sociedades «de- notas
legativas»40 como Portugal. No mero acto de legislar, o 1. ALMADA-NEGREIROS, José, Poesia (1971 ), Editori al
perigo do decretismo está sempre presente: " enchermo-nos" Estampa, VaI. 4 de Obras Completas, Lisboa, p. 142 .
2. KOTLER, Ph ilip e ZALTMAN, Gerald (1971 ), «Social
de leis que não têm concretização, que não são res-
Marketing : an app roach ta planned social cha nge», Journal
peitadas e cumpridas. O Marketing Social tem valo r no of Marketing , n.O35, pp . 3-12 . Contudo, jó em 1951 , o psicó-
reconhecimento do impacto das leis nos diversos segmen- logo G. D. Wiebe tinha publicado aquele que é conside rado o
texto precursor do Marketing Social, ao colocar a possibilidade
tos, na concepção e apl icação de acções que antecipem, de apl icação às questães sociais dos processos adaptados nos
acompanhem, difundam e prolonguem o papel das leis ou mercados: «Mercha ndi sing commodities and citizenship on
television », Public Opin ion Quarter/y, n.o 15, 1951 -52, pp .
mesmo das inúmeras deci sões políticas dum órgão ou insti- 679 -691.
tu içã0 41. 3. Social Marketing Institute, na Web em www.social-marketing.org.

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6. University of South Florida (na Web em: http ://www.cme.- 26. COCHOY, Franck (1999), Une Hisloire du Markeling.
hsc.usf.edu/ coph/). A Universidade está associada à principal pu- Discipliner l'Economie de Marché, Éditions de la Découverte,
blicação desta área, a revista Social Marketing Ouarterly, editada Paris. Entre inúmeros faetores e experiências, o Marketing vai-se
pela Society for Social Marketing com a colaboração da empresa definindo, sobretudo, através da influência direeta da 'escola de
Best Start. economia histórica' alemã e no espaço dos problemas da economia
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asc/ aetivit/ marketsoc/i ndex e.htm I. sora nas universidades e escolas que mais se lhe encontravam asso-
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23. DAHL, Robert (1991), Modern Polilical Analysis, Prentice Fali Conference, Chicago, IL.
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24. SARMENTO, Cristina Montalvão (2003), «Políticas públicas e Changing Behavior lo Promole Heallh, Social Develop-
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p.492 . 37. KOTLER, Philip, ROBERTO Ned e LEE Nancy (2002), Social

Carlos Oliueira Santos REUISTH PORTUGUESH EBRHSllEIRH DE GESTiío


ARTIGOS

Marketing: Improving the Quality of Life, Thousond Ooks: 42 . Para tal, veja-se SANTOS, Carlos Oliveira, no prelo (coord).,
Soge, 2.° ed., p. 10, e SOLOMON, Douglos S. (1989), «A social Melhorar a Vida, Um Guia de Marketing Social, Lisboa:
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38. SANTOS, Carlos Oliveira (2002), «A eficácia da comuni- LEE Nancy, Social Marketing: Improving the Quality of Life
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e Marketing, Instituto Superior de Comunicação Empresarial, n.o 3, Seattle, disponível na Web em www.turningpointprogram.org/Pa-
Julho, Lisboa, pp. 51-64 . ges/ socialmkt.html .
39. Os estudos realizados sobre a eficácia das campanhas de co- 43. O Marketing Social, enquanto disciplina, encontra-se, no
municação pública, envolvendo mudança de comportamentos sociais, nosso país, numa fase muito inicial de reconhecimento: em 2002,
são inequívocos. Veja-se, paro os comportamentos rodoviários, RETO, Luís a Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal realizou, em Lisboa, o
e SÁ, Jorge de (2003), Porque nos Matamos nas Estradas e Seminário «Marketing Contra a Pobreza»; também nesse ano, o
Como o Evitar. Um Estudo Sobre o Comportamento dos Con- INDEG/ ISCTE iniciou uma pós-graduação em Marketing Político e
dutores, Editorial Notícias, Lisboa. No campo da comunicação de Social e incluiu, desde 2005, o Marketing Social nos seus cursos
prevenção da sida, veja-se LOPES, Orquídea (2002), «Contenidos y pós-graduados de Gestão de Unidades de Saúde; em 2004, a
Estructuros Básicas en la Elaboración de Spots Publicitarias dei SIDA Fundação CEBI organizou, em Lisboa, o Seminário Internacional de
Hetereosexual en Campanas y Programas Informativos para Marketing Social; a Iniciativa Comunitária EQUAL tem apoiado
Menores», Tese de Doutoramento, Salamanca. diversas acções de divulgação e aplicação em Marketing Social e o
40. No sentido que lhe dá O'DONNELL, Guillermo (1999), em autor participou em algumas delas promovidas pela Rede Europeia
Counterpoints: Selected Essays on Authoritarism and Demo- Anti-Pobreza, pela Fundação CEBI ou pela Fundação Irene Rolo .
cratization, University of Notre Dame Press, Notre Dame. No plano das intervenções práticas, abundam, em Portugal, as
41. Michel Le Net concebeu mesmo um modelo baseado em três dantasias mediáticas» ou simplesmente o desleixo irresponsável,
C - de convencer, constranger e controlar -, que articula marketing mas é também patente, em áreas como a prevenção rodoviária, a
e comunicação, com regulamentação e controlo. Ver LE NET, saúde ou o ambiente nomeadamente, a preocupação por novas
Michel, Communication Publique: Pratique des Campagnes formas de intervenção mais rigorosas e eficazes. O conhecimento,
d'lnformation (1993), La Documentation Française, Paris, e SAN- a difusão e a prática correda do Marketing Social satisfariam,
TOS, Carlos Oliveira (2002). decerto, essas preocupações.

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