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O interacionismo: uma teorização sobre a aquisição da linguagem

4.1: Interacionismos

- Interacionismo: propostas que incluem o outro. “via de regra, interação é sinônimo de


comunicação” (p. 102)
- A fala da criança depende da fala do outro, especialmente o Outro Materno. (p. 102)
- Sociointeracionismo: outro-social mais destacado, em vez do outro-falante. Apelo ao social
suplanta o linguístico.
- “Quando se enfatiza o outro-social, privilegia-se a construção da dinâmica da
intersubjetividade que, como o próprio nome sugere, é dual e, por isso, fala-se em díade mãe-
criança. As palavras-chaves de tais vertentes são ‘estruturação de turnos’, ‘troca/negociação
de pontos de vista’ ou ‘transmissão de mensagens/intenções/informações’ e
‘atribuição/apreensão de intenções’.” (p. 104)
- Comunicação é negociação de pontos de vista e de conhecimentos.
- No sociointeracionismo, linguagem é apenas veículo de conteúdos e significados. Seu papel
é unicamente transmitir as informações que são a razão para a interação entre os falantes.
- Voltados para a interação mãe-criança (díade) e não para o jogo entre falas (construção da
dinâmica da intersubjetividade). Limite no que tange à aquisição da linguagem: não responde
por uma questão que envolve a linguagem. “(...) convivem em paralelo processos
intersubjetivos (assumidos como pré-requisitos para a aquisição da linguagem) e descrições
da construção sentencial (que são realizadas solitariamente pela criança).” (p. 105)
Ou seja, os limites do sociointeracionismo se apresentam na tentativa de desvendar o
processo de aquisição da linguagem, uma vez que apenas as interações entre sujeitos
não dão conta de todo o aprendizado linguístico que ocorre, fazendo falta nesta teoria o
reconhecimento das descrições de construções de sentenças.
- Sobre a descrição categorial da fala de crianças: “a manutenção do compromisso com
teorias linguísticas [traz] prejuízo a uma perspectiva ontogenética” (LEMOS, 1982, p. 14
apud FINGER, ????, p. 105) [ontogenia: origem e desenvolvimento de um organismo]. Para
ela, o problema é que os aparatos da descrição categorial são sincrônicos e, por isso, não
apreendem a mudança; ela só seria válida se pudesse representar a contribuição do adulto e a
da criança. Esse ponto expõe uma invalidade das explicações sociointeracionistas de
aquisição.
- Para apostar nos processos intersubjetivos da aquisição, precisamos assumi-los como
determinação, como se impusessem uma direção obrigatória. Um sociointeracionista,
portanto, não poderia admitir que o desenvolvimento linguístico depende da interação e que o
processo culmina, apesar disso, no individual, porque assim estaria diminuindo a força da
determinação.
- Inconsistência teórica: processos intersubjetivos não participam da aquisição da
linguagem, que é uma atividade cognitiva: a criança analisa, segmenta e internaliza a frase do
outro sozinha, sabe se apropriar da linguagem sem que a ensinem a fazê-lo. Há uma
subjetividade governada pela cognição. Além disso, inconsistência metodológica: descrição
apenas da alternância interacional, e não de mudanças na fala da criança. Portanto, por
tratarem a interação como facilitador, e não determinante, o sociointeracionismo não daria
conta de falar da aquisição da linguagem.
- Problema: “Enfatizamos que a atenção dos investigadores ficou presa no trabalho conjunto
(mãe-criança), na organização da relação intersubjetiva e se desviou das mudanças na fala de
crianças. Nesta medida, os sociointeracionismos viraram as costas para o fundamental:
para a fala da criança.” (p. 106)
- Aplicação: as aplicações ignoram a relação entre objetos teóricos e dados. Ao analisarem os
dados em busca do que é regular, eliminam dados variantes. “[A] relação entre aparatos e
dados é assimétrica: nos dados há irregularidade, inconstância, hesitação, inconclusividade,
erros e equívocos, o que não pode haver no nível das abstrações descritivas.” (p. 107)
- Higienização: enunciados das crianças muitas vezes são “higienizados”, ou seja, erros e
imitações são descartados por não representarem um conhecimento gramatical, categorial.
- Articulando o tema da inconsistência teórica, da aplicação e da higienização, temos a
direção metodológica dos sociointeracionismos: o diálogo como unidade de análise e o erro
como dado de eleição. (p. 107)
- “[...] para que serve esse objeto - a linguagem -, ou que acessório é ele dessa subjetividade
em que não é integrado, nem para constituí-la, nem para ser por ela constituído.” (LEMOS,
1986, p. 5 apud FINGER, ????, p. 107)
- Sociointeracionistas contribuem para apagamentos e esquecimentos nos estudos da
aquisição da linguagem. Introduzem o trabalho da criança com o outro, mas a aquisição não
reconhece esta questão como uma problemática. Sociointeracionismo criou uma fratura no
campo da aquisição, e ficou mais para fora dele do que para dentro.

4.2 O interacionismo: um esforço de teorização

- Socioconstrutivistas: relação entre processos intersubjetivos e linguagem. Processos


intersubjetivos (alternância de turnos, intercâmbio de papeis) operam como facilitadores da
aquisição. Claudia de Lemos discorda disso.
- Interacionismo: interação é diálogo e é proposição problemática. Consequências teóricas:
(1) o reconhecimento da opacidade dos enunciados e não coincidência entre eles; (2) diálogo
e interpretação se implicam mutuamente.
- Processos intersubjetivos (sociointeracionismo) x Processos dialógicos (interacionismo).
- A proposta interacionista de Cláudia de Lemos busca afirmar a diferença entre
interacionistas e sociointeracionistas. Isto porque propõe o respeito à fala da criança como
uma fonte incessante de movimento de teorização. Isso cria também um conflito com a área
da aquisição.
- Fala da criança é indeterminada do ponto de vista categorial: as separações de classes
gramaticais não estão tão enrijecidas quanto de seres adultos. Por exemplo, um verbo é capaz
de afetar a realização morfológica de um substantivo, quando isso dificilmente aconteceria
em um indivíduo em quem a linguagem já estivesse consolidada.

4.3 Os movimentos da teorização


- Fala da criança como enigma, como resistência: não como simples corpus. Compromisso
de não abordar esta fala como material dócil e neutra de confirmação de hipóteses. Precisa ser
escutada na sua condição de resistência às categorizações gramaticais, pois em muitos
momentos não é sequer possível estabilizar um significado para a fala.
- “(...) a marca inaugural do interacionismo consiste na possibilidade de escutar a resistência
que a fala da criança opõe aos objetivos - de natureza teórico-empírico-metodológica - que a
investigação científica visa alcançar.” (p. 111)
- Resistência da fala da criança à sistematização pretendida se demonstra através dos
fragmentos de enunciados do adulto nas produções infantis (dependência dialógica da fala
da criança à fala do adulto, base do nome interacionismo). Esses fragmentos de falas do
adulto transparecem na prosódia (SCARPA, 1985), nos “erros” (FIGUEIRA, 1985; 1986), na
argumentação (PEREIRA CASTRO, 1985, 1992) e nas narrativas (PERRONI, 1992).
- Três processos dialógicos (LEMOS, 1981; 1982; 1985): processo de especularidade
(criança e mãe incorporam mutuamente trechos da fala da outra parte em seus enunciados;
incorporação mútua, coloca em questão a relação sujeito-objeto de conhecimento e a ideia de
interação concebida como relação dual), processo de complementaridade (partes mutuamente
incorporadas parecem se completar na formação de uma “sentença”) e processo de
reciprocidade (a criança assume o papel da mãe, iniciando a interação). - Exemplos nas
páginas 112 a 114.
- A fala da criança evidencia o conhecimento linguístico de quem fala com ela, devido à
especularidade. Com isso, uma dúvida: atribuímos o conhecimento linguístico que se
descreve a partir das falas infantis à própria criança ou ao adulto?
- A partir das percepções dos três processos dialógicos, suspende-se a relação criança-
linguagem como motor da aquisição, e recusa-se a interação como uma relação dual, e passa
a se falar de uma estrutura triádica, na qual o terceiro ponto implicado é o próprio espelho (a
língua), que se evidencia através dos “erros” de natureza linguística, que não aparecem na
fala do adulto, mas surgem na da criança, como efeitos de substituição.
- Heterogeneidade e imprevisibilidade das produções infantis: as crianças usam determinados
itens verbais ora como acerto, ora como erro. Isso indica uma indeterminação categorial, ou
seja, a criança incorpora pedaços de falas alheias sem analisá-las.
- Suspensão da condição dual da relação mãe-criança a partir da presença do espelho, a
língua, que leva a combinações singulares que podem produzir enunciados estranhos, nunca
ouvidos pela criança.
- Cláudia de Lemos não pensa nos monólogos de crianças como egocentrismo (visão de
Piaget e Vygotsky) para construção do sujeito psicológico, mas sim como um exercício de
“escuta para a fala”, com fundamentos de experimentação linguística.
- A escuta da resistência na fala infantil nos leva a impasses: argumentos empíricos como a
incorporação de fragmentos, a heterogeneidade e o erro nos levam a questionar a ideia de
desenvolvimento da linguagem como uma aquisição de conhecimento sobre a linguagem que
se dá de modo gradual. [Passa-se a considerar que nem tudo vem a partir de interações, mas
sim que a criança tem possibilidades de, sozinha, desenvolver alguns aspectos linguísticos
independentes da fala de outros.]
- Cláudia de Lemos (1992): estruturalismo europeu - Saussure e Jakobson: língua como
sistema; não pode ser “concebida como passível de ser parcelada e ordenada (como em
descrições gramaticais)” (p. 117). Impedimento imposto por uma reflexão estrutural em vez
de um pensamento teleológico. Ordem própria da língua implicada na abordagem da fala e
das mudanças que ocorrem nela é um ponto de diferença entre o interacionismo e a Aquisição
da Linguagem. A teorização de Lemos não ignora a linguística, mas não faz descrição
categorial da fala de crianças. Utiliza a ideia de langue de Saussure para falar sobre o
funcionamento da língua como determinante do aparecimento de formas estranhas, mas
possíveis a partir de relações dinâmicas.
- O sujeito falante (no caso, a criança) não se apropria da linguagem por tê-la como aparato
cognitivo, conforme defende a Aquisição: para o interacionismo, ela é capturada pela
linguagem, estando submetida ao seu funcionamento e às suas estruturas. Por essa visão, a
ideia de um “período crítico da aquisição”, que estaria dentro do conceito de crescimento do
organismo, não interessa aos estudos interacionais.
- Três posições da criança na estrutura linguística: Primeira posição (a criança incorpora
fragmentos da fala do outro; fala do outro domina); segunda posição (língua começando a
funcionar, fazendo surgir erros e estruturas estranhas; correções não adiantam muito, pois a
criança precisará perceber seus erros sozinha); terceira posição (criança reconhece a diferença
entre sua fala e a do outro, e domina sua relação com a sua própria fala).
- Erros, embora imprevisíveis, não são aleatórios: ocorrem em espaços críticos, em zonas de
turbulência.

4.4 Questões metodológicas

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