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Segundo Hobbes, o sábio deveria, portanto reconhecer que todo conflito é, no fundo,

um conflito de crenças, e também deveria reconhecer que todas as crenças que são matéria de
conflito estão mal fundamentadas1.

O julgamento de todas as controvérsias, que pertence à soberania. Ao soberano


compete, pois também conceder títulos de honra, e decidir qual a ordem de lugar e
dignidade que cabe a cada um, assim como quais os sinais de respeito, nos encontros
públicos ou privados, que devem manifestar uns para com os outros.

Uma comparação entre Grócio e Hobbes nessa área é instrutiva. Por um lado,
Hobbes aceita o argumento de Grócio de que, nesse estado, todos reconhecem o direito
de cada indivíduo a se autoconservar, de modo tal que no estado de natureza haveria um
acordo básico sobre os fundamentos de uma teoria moral; mas por outro lado discorda
de Grócio ao considerar que tal acordo básico não é suficiente por si só para gerar uma
ordem moral estabelecida, pois continuaria havendo discordâncias radicais sobre todo o
resto, destacando-se aías circunstâncias concretas nas quais os povos teriam o direito de
se autopreservarem. Como conseqüência desse desacordo entre povos, o estado de
natureza seria inevitavelmente um estado de guerra: eu me defenderia de você de uma
maneira2.

A maneira mais fácil de compreender o argumento de Hobbes nesse ponto é


voltar para aquilo que, conforme afirmei, é a teoria nãojurídica subjacente ao emprego
da linguagem de direitos e deveres. O homem sábio reconhecerá a fragilidade de suas
próprias crenças sempre que houver verdadeiros desacordos com outras pessoas;
também reconhecerá que insistir na verdade de suas crenças nessas situações conduzirá
ao conflito. O caminho para a paz e a tranqüilidade está, portanto, na renúncia a essas
crenças, assim como ensinaram os cépticos do Renascimento (e, muitas vezes, seus
aliados estóicos). Nosso próprio compromisso profundo com a autoconservação nos
ensinará que usar nosso próprio juízo sobre o que conduz à conservação em casos
discutíveis levará ao fracasso. O paradoxo é apenas superficial - é análogo a Ulisses e as
Sereias, ou a qualquer outra teoria relativa à maneira como um conjunto de necessidades

1
HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. Tradução
de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. XXXII.
2
HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. Tradução
de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. XXXIV.
de ordem superior prescreve as necessidades de ordem inferior, que cada qual deveria
testar para induzir-se a adotá-Ias como suas3.

3
HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. Tradução
de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. XXXVII.

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