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A JUSTIFICAÇÃO DO CONTRATO EM HOBBES

Juan Schossler Laureano1

Este artigo tem como objetivo entender o que Thomas Hobbes explicita de
argumentos em seu livro O Leviatã (1651) – mais especificamente na segunda metade
do capitulo XVII – para justificar a amputação voluntária dos direitos naturais dos
homens em detrimento de uma vida mais segura, para isso, é preciso antes entender o
que ecoa na física, na razão e na ontologia humana hobbesiana que dá lugar a uma
estrutura racional e de representatividade civil de poder absoluto dentro da obra.
Primeiramente, Hobbes é um autor racionalista, materialista, mecanicista e
determinista que tem todo desenvolvimento de sua teoria lógica e prática a respeito
da natureza tributária à nova ciência do séc. XVII – a teoria de movimento e a lei da
inércia. Compreender os conceitos explorados em Hobbes é a chave para desenrolar
todo seu campo racional que se consagra na passagem do estado de natureza para o
estado civil; e na prudência de respeitá-lo enquanto contrato. Buscarei esclarecer seus
principais conceitos de maneira separada e, por fim, legitimar o contrato social.

Antes de tudo, uma breve contextualizada. O século de seu nascimento – séc.


XVII – fora marcado envolto de discussões científicas e religiosas principalmente a
respeito da noção de legitimação de poder,

o embate entre concepções sobre a natureza, iniciado pela ascensão da


nova ciência representada por Galileu, e caracterizado por um conflito que
se estendia ao domínio do dogma religioso, chegando, portanto, às
questões centrais de estruturação de visão de mundo e de poder 2.

Hobbes nasce então no meio de uma disputa intelectual e se baseia justamente


na nova noção de ciência que tinha sido apresentada recentemente por Galileu para
desenvolver suas principais teses, ou seja, em Hobbes tudo é desenvolvido a partir do

1
Graduando do curso de Licenciatura em Filosofia/UFRGS. E-mail: juan300@hotmail.com.br
2
BERNARDES 2002, p.7.
campo teórico; e explicado por uma cadeia de pequenos movimentos que regem a
natureza dos objetos sensíveis.

a) Física hobbesiana
A física de Hobbes é baseada no princípio de inércia e tem o movimento
como sendo a causa primeira e única de toda a realidade, ou seja, ela é
mecanicista como afirma Limongi 3. A realidade aqui é interpretada como sendo
material na sua essência, o que não quer dizer que ela é ligada à experiência
bruta como a ciência aristotélica – na verdade, a nova ciência entendida como
matemática e geométrica – recorre à experiência mental para conceber um
plano ideal teórico que atende os requisitos ontológicos experimentais, tal
quanto o senso comum exige, mas que são insuficientes para obter
conhecimento prático a priori. De acordo com Julio Bernardes

ela decreta a liberdade e autonomia da nova ciência frente às intuições do


senso comum, superando a teoria aristotélica, que se incumbiu de explicá-
las, transpondo-as, sob certos postulados ontológicos, para um domínio
teórico, (...) Entretanto, se atribuirmos à experiência o sentido de
“experiência bruta”, como se referindo à observação empreendida pelo
senso comum, então produzir-se-á um grande erro de leitura sobre esse
período da história conceitual da física4.

Como vimos, Hobbes segue o princípio da causalidade determinado pela lei da inércia
para todos os campos da ciência e da natureza, sendo esta, a ciência a priori de toda sua
teoria, logo devemos antes encarar a abstração possibilitada pela nova ciência para adquirir
conhecimento da realidade sensível e entender a determinação dos objetos devido à
geometrização da realidade que independe da experiência bruta.

b) A liberdade humana e a razão

Hobbes anuncia nas primeiras linhas do capítulo XX do Leviatã que; o momento


pré-civil na vida do homem é chamado de estado de natureza. Esse estado faria com
que os homens estivessem em liberdade irrestrita, tendo como único impedimento
para suas vontades, outro objeto livre igual a ele e que eventualmente poderia por
3
LIMONGI, M. I. Hobbes.
4
BERNARDES, 2002, p. 9.
seus interesses em conflito com os deste objeto, essa noção está totalmente ligada a
ideia de movimento vista antes, pois, Hobbes imagina um corpo livre no vácuo para
conceber sua teoria de liberdade. Hobbes a partir disso desenvolve a questão da
liberdade humana seguindo uma linha determinada, porém, de completa liberdade no
espaço sendo o único capaz de julgar uma ação o próprio indivíduo, tornando todos
seus próprios soberanos.

Dado que em nenhum Estado do mundo foram estabelecidas regras


suficientes para regular todas as ações e palavras dos homens (o que é uma
coisa impossível), segue-se necessariamente que em todas as espécies de
ações não previstas pelas leis os homens têm a liberdade de fazer o que a
razão de cada um sugerir, como o mais favorável a seu interesse 5.

A razão então leva o homem completamente livre no estado de natureza a


buscar preservar sua vida, que por sua vez é finita; e precisa ser mantida pelo maior
tempo possível, ‘’ A consequência desses conceitos é que, em razão do axioma da
finitude, o homem busca sempre sua preservação e sua segurança na maior medida
possível. Eis porque ele procurará Power after Power enquanto substituir seu
movimento vital6 ‘’.

c) Estado de guerra e as paixões

Do estado de natureza coexiste o estado de guerra que seria, nas palavras de


Limongi7, ‘’ o estado de guerra é, nos termos de Hobbes, uma inferência que se
pode fazer a partir das paixões humanas ’’, no capítulo O estado de guerra e as
paixões naturais dos homens8 a autora mostra que a paixão em Hobbes é tratada
como derivada de uma determinação experiencial que é igual para todos os seres
humanos, sendo todos os homens iguais em juízo e razão e assim, igualmente
capazes de experienciar todas as paixões. A razão então supõe uma desconfiança
causada pelo conflito iminente – ainda que irreal – o que faz com que os homens
procurem se antecipar aumentando seu poder de resistência e ataque contra

5
HOBBES, T. Leviatã, p. 74.
6
BARBOSA FILHO, 1989, p. 68.
7
LIMONGI, M. I. Hobbes.
8
LIMONGI, Maria Isabel. Hobbes. Zahar, 2002.
qualquer tipo de injúria (ainda que a noção de injúria não exista por conta da
soberania generalizada) contra suas vidas, tornando desta maneira o estado de
guerra parte da natureza do homem e por consequência deixa a vida belicosa e
insegura.

**

A SOLUÇÃO CONTRATUALISTA

Como foi visto o movimento sem impedimento torna todos os homens


completamente livres e soberanos no estado de natureza, porém, com a ideia
iminente da guerra e do conflito pairando as relações humanas, ‘’ é necessário
compreender por guerra, como o próprio Hobbes adverte, não a realidade empírica do
conflito, mas um período de tempo onde a vontade ou disposição de enfrentar-se em
batalha é suficientemente reconhecida9 ’’.
É importante atentar que; como foi visto no tópico – a) a física hobbesiana – a
tradição seguida por Hobbes sendo uma tradição teórica que depende do recurso
imaginativo para funcionar de maneira plena, não é menos importante agora para
explicar o estado de natureza e de guerra. Ambos os conceitos não são um resgate
histórico da humanidade, mas sim um recorte hipotético e artificial.

O estado de natureza e a passagem para o Estado político exigem do leitor o


mesmo grau de abstração exigido pelo procedimento de prova de Galileu.
No cerne do Leviatã encontra-se essa forma, própria da nova ciência, de
provar suas teses10.

Hobbes nessas condições cria o artifício que dá nome ao seu livro – o Leviatã –
que seria um corpo artificial político composto por todos os súditos e de absoluto
poder que é erguido deliberadamente pelo povo para sua segurança. O Leviatã se
torna necessário à medida que a preservação da vida fica perigosa devido ao estado de
guerra e, por uma questão lógica, voluntariamente o povo se permite ser governado,
não mais sendo soberano de si mesmo, mas tendo como único soberano, o Leviatã.

9
BARBOSA FILHO, 1989, p. 70.
10
BERNARDES, 2002, p.9.
É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes, (para falar em termos
mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus
Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por
cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força
que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de
todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e ela ajuda mútua contra
os inimigos estrangeiros11.

Hobbes então faz um cálculo que contém a liberdade natural – pois a liberdade
natural, ainda que irrestrita, coexiste com o estado de guerra e por isso não há paz –
também coloca na equação o fato de que a razão levaria a adesão ao corpo civil em
detrimento da liberdade para preservar a vida finita que temos desde que todos
também o façam (caso contrário, não haveria motivo a renuncia do estado de
natureza). Aí é consolidado o contrato social, um acordo entre todos os indivíduos que
se permitem serem governados sob a lei do Leviatã que detém não só o controle
absoluto das leis, como também a espada para se fazer valer a lei, pois, de acordo com
Hobbes, ‘’ Lei sem espada não passam de palavras jogadas ao vento 12 ’’, logo, por um
ato racional de preservar a vida, o contrato social é formado com todas as partes do
corpo civil cedendo seu direito de liberdade total para o Leviatã.

11
HOBBES, 1974, p. 109 -110.
12
HOBBES, T. Leviatã, p. 59.
Referências e fontes

 HOBBES, Thomas. Leviatã: matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e


civil. LeBooks Editora, 2019.

 BARBOSA FILHO, Balthazar. Condições da autoridade e autorização em


Hobbes. Filosofia, 1989.

 BERNARDES, Julio. Hobbes & a liberdade. Editora Schwarcz-Companhia das


Letras, 2002.

 LIMONGI, Maria Isabel. Hobbes. Zahar, 2002.

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