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Filosofia Política

Licenciatura em Direito

1.º Ano - 1.º Semestre

Docente - Professor Doutor João Manuel Cardoso Rosas

Universidade do Minho

Cátia Couto
Filosofia política
Thomas hobbes

Vida e obra

Thomas Hobbes (1588-1679) é o autor de Leviatã (1651), no entender de muitos o texto


fundador da modernidade política.

▪ Leviatã é uma obra permeada por uma paixão e um estado de espírito característicos: o
medo, designadamente, o medo da morte violenta, e a ansiedade do futuro, que ele
necessariamente acarreta.

Hobbes é um intelectual, tem uma origem humilde, estudou em Oxford e acabou por
ser um professor de filhos de um aristocrata.

▪ Hobbes está muito alinhado com a monarquia inglesa e até chega a ser precetor de
Jaime II, que viria a ser rei posteriormente.

Uma série de acontecimentos em Inglaterra acabam por influenciar a vida de Hobbes de


que são exemplos as Guerras Civis Inglesas.

A origem da Guerra Civil Inglesa tem a ver com a tradição política e religiosa.

A nível político, Jaime I ambicionava assumir-se como monarca absoluto e o Parlamento


que de certa forma tentava restringir esta ambição.

A nível religioso, a igreja anglicana e as correntes protestantes da religião cristã entram,


também, em conflito.

Com a morte de Jaime I, sucedeu-lhe o seu filho Carlos I no preciso momento em que se
verificava o auge das tensões políticas e religiosas, culminando com a Guerra Civil.

A Guerra Civil é dirigida, por um lado, pelo exército do rei e, por outro lado, pelo exército
do parlamento. No seu término, o exército do Parlamento vence (1649), exército esse, dirigido
pelo célebre Oliver Cromwell. O final da Guerra Civil consequentemente provocou a execução
de Carlos I em Londres. Com a morte do Rei, institui-se o período Republicano no qual Cromwell
se torna chefe da República. Ora, depressa começou a governar absolutamente, caindo em
desgraça, dando-se, posteriormente, a restauração da monarquia.

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Daqui surge, o desenvolvimento, pela pessoa de Thomas Hobbes, de uma filosofia
política completamente inovadora e, ao mesmo tempo, perigosa para a monarquia. Isto porque
é uma teoria com um teor materialista, mas ao mesmo tempo defende que o respeito ao Estado
e às leis que emanam dele, devem-se a um contrato social.

O século XVII na Europa é um século de grandes inovações filosóficas, mas é também


marcado pela preocupação metodológica, isto é, o método como fonte de reerguer a
cientificidade da filosofia. Procura-se fundar o conhecimento filosófico e o conhecimento
científico numa nova base, numa nova verdade.

▪ Renovar a fórmula de produzir conhecimento.

Tentar construir uma filosofia moral e civil, mas com um caráter científico
(absolutamente rigorosa) e ao mesmo tempo, concluir que no campo da política é também
possível alcançar conceções tão rigorosas como aquelas que derivam do campo da ciência
porque, defende Hobbes, as sociedades políticas são criações humanas tal como as figuras
geométricas.

Natureza humana

Como já foi referido, na base do sistema filosófico de Hobbes está o seu materialismo.
Para Hobbes, tudo o que existe é matéria, matéria em movimento, e nada existe para além dela:
“O mundo, (e não me refiro apenas à terra (…) mas ao Universo, isto é, à massa total de todas
as coisas que existem) é o Corpo.” - Leviatã. Consequentemente, tudo o que acontece é, para
Hobbes, suscetível de uma explicação física, em termos de movimentos na e entre matéria. Este
materialismo intransigente estaria na base da crítica hobbesiana a uma série de entidades e
conceitos centrais à religião: demónios, espíritos, eternidade, natureza incorpórea de Deus e
imortalidade da alma. Se a vida é movimento, quando o movimento cessa, apenas a morte pode
existir.

Os primeiros capítulos de Leviatã vingou o projeto de Hobbes, ao oferecer-nos uma


explicação estritamente materialista dos mecanismos de formação de ideias, de percepção
sensorial à imaginação e destas aos processos de pensamentos não linguísticos. Hobbes começa
assim por afirmar que “não há qualquer concepção na mente do homem que não tenha
primeiro, na sua totalidade, ou em parte, sido gerada pelos órgãos dos Sentidos”.

▪ As nossas percepções ou imagens mentais nada mais são, para Hobbes, portanto, do
que movimento localizado nos nossos corpos, cansado pela pressão exercida por um
objeto ou meio contíguo (por exemplo o ar). O movimento propaga-se então no interior,

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em direção ao cérebro e coração, onde causa uma resistência, produzindo aparências,
a que chamamos sentidos, e que experienciamos ilusoriamente como coisas realmente
existentes fora de nós.
▪ É, pois, desta forma que formamos as nossas ideias, sejam elas mera recordação de
coisas vistas anteriormente ou ideias mais complexas, compostas a partir da conjugação
de ideias simples (por exemplo a ideia de centauro, um misto de homem e cavalo).
▪ A imaginação, essa, nada mais é do que “sentido em decadência”: a impressão feita nos
órgãos dos sentidos tende a esvair-se quando o objeto é removido, daí que à imaginação
por vezes, chamamos memória.

Todavia, Hobbes defende ainda que o potencial pleno do raciocínio se manifesta apenas
com o advento da linguagem, que vem separar o homem dos restantes animais. A capacidade
de comunicar conceções e pensamentos e de entender as conceções e pensamentos de outrem
é distintamente humana. A linguagem permite-nos transcender e falar em termos universais. A
linguagem é entendida como a mais nobre e vantajosa das invenções humanas. Mas esta é uma
invenção que encerra outros tantos perigos.

O ser Humano é, portanto, um ser material que é capaz de conhecimento e, sendo


guiado pela razão e pelas paixões, a razão acaba por colaborar com aquilo que o ser humano
deseja.

Daqui decorre a ideia de que o ser humano entra em choque com os outros porque esses
outros normalmente têm os mesmos desejos. Hobbes conclui então que a vida humana é uma
constante competição, tenta-se ser mais do que os outros e por ser mais do que os outros. (visão
egoísta do ser humano)

Esta visão da vida humana trará grandes consequências na teoria de Hobbes.

Estado de natureza

No capítulo XIII do Leviatã, Hobbes oferece-nos uma imagem memorável da vida na


ausência de Estado como sendo “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”.

O Estado de Natureza é aquilo que existe quando não há Estado Político.

A caracterização que Hobbes preconiza em relação ao Estado de Natureza é


especialmente inovadora.

▪ Por um lado, para Hobbes, a condição natural não é necessariamente uma condição
original; ela tanto pode ocorrer antes como após a dissolução da comunidade política

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(no caso da guerra civil, por exemplo) ou até coexistir com ela (no caso de estado de
natureza entre Estados).
▪ Por outro lado, o estado de natureza hobbesiano é-nos apresentado como um estado
de guerra, em que, embora a hostilidade armada possa não ter lugar, não é razoável
esperar que não interrompa a qualquer momento.

A Guerra Civil é de facto o exemplo mais nobre de Estado de Natureza uma vez que
rompe com toda a estrutura organizacional social (tudo está bem e de repente matam-se uns
aos outros, pela falta de um Estado).

O que acontece no Estado de Natureza é realmente uma constante competição dos


seres humanos e que é agravada porque os seres humanos são “basicamente iguais”. A relação
entre os seres humanos em estado de natureza é uma relação de constante rivalidade. (A guerra
de todos os Homens contra todos os Homens.)

Nestas circunstâncias, não é possível haver uma sociedade politicamente organizada


porque, na prática, não há lei, não há justiça nem bem nem mal.

Hobbes conclui, pois, que tendo em conta esta sociedade que vive em constante
sobressalto, os seres humanos preferiam então viver num Estado Político do que num Estado de
Natureza.

▪ Mas como é que os homens podem sair do Estado de Natureza?

Hobbes apresenta uma série de motivações que levam os Homens a preferirem


viver num Estado politicamente organizado, destacando a paixão humana e o medo de
morrer.

▪ A esperança de ter uma vida mais confortável e de a alcançar através do trabalho;


▪ A razão indica-nos o caminho de como alcançar a paz, de como podemos sair do Estado
de Natureza.

Temos ou podemos ter a obrigação de preservar a vida dos outros assim como o seu
corpo desde que exista reciprocidade, desde que os outros tenham a mesma atitude em relação
a nós. Ideia subjaz ao conceito das Leis da Natureza que nos indicam a forma como se sai do
Estado de Natureza:

1. Todo o Homem se esforça pela paz na medida em que tenha a esperança de a conseguir.

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2. Que um Homem concorde com os outros também o faz renunciar ao seu direito a todas
as coisas.

Para dar seguimento às paixões fundamentais temos que seguir os preceitos da razão
tendo como finalidade alcançar a paz e para isso é necessário que deixemos de parte alguns dos
nossos impulsos.

Só que as Leis da Natureza têm um problema: “os pactos sem espada não passam de
palavras”.

Ora este problema só se resolve se for instituída uma autoridade soberana. Estes pactos
passaram então, a transferir para um Terceiro o direito natural.

Nota: Contudo, não existe nenhum contrato entre súbditos e soberanos porque
os contratos implicam reciprocidade, coisa que só existe entre os súbditos.

O que existe é uma alienação voluntária do direito natural de fazer todas as


coisas.

Neste momento, os cidadãos já não se podem comportar como querem uma vez que os
pactos são verificados por uma espada, isto é, por um soberano.

E assim se dá a gênese do Estado Civil ou político.

▪ A partir do momento em que existe um soberano que reúne em si todos os direitos, o


poder último, existe um Estado Político.

Esta ideia de Soberano pode ser na figura de uma só pessoa ou então coletivamente, de
acordo com a filosofia de Hobbes. A soberania tanto pode existir num principado como numa
república, seja concentrada num Homem como num grupo de Homens e vai ser sempre
absoluto.

A ideia de contrato social em Hobbes

Para que o contrato fundador da comunidade política tenha lugar, o soberano que ele
cria tem de ser já pressuposto. Ao formular os termos do contrato, Hobbes dá-nos sinais
evidentes do seu caráter heurístico: “é como se cada um dissesse a cada um: autorizo este
homem ou esta assembleia e sedo e transfiro o meu direito de governar-me a mim mesmo, na
condição de lhe transferiram também o teu direito, autorizando de igual todas as suas ações”.

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O contato é assim uma figura através do qual nos é permitido caracterizar o tipo de
obrigações que, enquanto membros de uma comunidade política, temos para as estruturas
políticas que nos resgatam de uma situação de guerra iminente de todos contra todos.

Apesar de tudo, o único direito que nunca o devemos ceder é o direito de proteger a
vida e a integridade pessoal, ou seja, o direito à vida.

▪ No campo religioso, o soberano tem também poder político.

Direitos / deveres do soberano

▪ Não tendo ninguém acima dele, o soberano pode fazer tudo o que pretender e por isso
não pode ser punido nem deposto;
▪ A palavra do soberano é a lei;
▪ O soberano faz a lei à sua vontade, mas é também juiz de todas as opiniões. Tem
também autoridade judicial, não havendo separação de poderes.
o Autoridade executiva;
o Poder de punir e de recompensar
▪ Tem poder de fazer a guerra e a paz;
▪ Tem em si reunidos todos os poderes.

✔ Para Hobbes, um soberano tem que ser absoluto (porque foi o que nós desejamos, o
poder absoluto tem uma gênese democrática, ou seja, assente na vontade popular).
✔ Deve manter a paz, manter a integridade do Estado e de salvaguardar o Povo.
✔ Os deveres do soberano são cumpridos por si mesmo ao mesmo tempo que são
interpretados por si mesmo.

Direitos/ deveres dos cidadãos

“O silêncio da lei é a liberdade dos cidadãos”.

▪ O conteúdo em que a lei não se pronunciou, o cidadão tem direito.


▪ O que a lei civil não proíbe, mantém a liberdade dos cidadãos.
▪ Têm o direito à liberdade de defesa da sua própria vida/ integridade física, ou seja, o
direito à vida.

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NOTA: O que acontece caso o soberano mande matar um cidadão? Os cidadãos não
têm o direito de se revoltarem porque foram eles que escolheram o soberano. Em última
hipótese, posso apenas fugir.

Este estado absoluto apenas se pode dissolver quando, por exemplo, se instaura uma
Guerra Civil uma vez que há um rompimento com a paz, traduzindo-se, pois, num regresso
temporário ao Estado de Natureza.

Nota sobre o poder eclesiástico:

▪ O surgimento de correntes protestantes muito mais democratizantes do que a bíblia é


vista como um problema para Hobbes porque isso implica o surgimento de vários
profetas e de inúmeras e diferentes interpretações dos textos religiosos. Sendo assim,
é necessário regular e aplicar o poder no setor religioso. A esfera religiosa é nesta altura
uma esfera política.

Hobbes denomina Estado Civil = Leviatã, o estado Leviatã é o Deus Mortal logo abaixo
do deus imortal.

Deus porque é muito poderoso, mas mortal porque se pode regressar ao Estado
de Natureza.

“Pela arte é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, que não é senão um homem artificial,
embora de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado. E no qual a
soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento ao corpo inteiro; os magistrados e outros funcionários judiciais
ou executivos, juntas artificiais; a recompensa e o castigo (pelos quais, ligados ao trono da soberania, todas as juntas e
membros são levados a cumprir seu dever) são os nervos, que fazem o mesmo no corpo natural; a riqueza e prosperidade
de todos os membros individuais são a força; a segurança do povo é seu objetivo; os conselheiros, através dos quais todas
as coisas que necessita saber lhe são sugeridas, são a memória; a justiça e as leis, uma razão e uma vontade artificiais; a
concórdia é a saúde; a sedição é a doença; e a guerra civil é a morte. Por último, os pactos e convenções mediante os
quais as partes deste Corpo Político foram criadas, reunidas e unificadas assemelham-se àquele Fiat, ao Façamos o
homem proferido por Deus na Criação”.

John Locke (1632-1704)

John Locke nasceu em Wrington, filho de um jurista, formou-se em medicina e o facto de ter
sido criado num ambiente influenciado pelas ideias protestantes traduz a sua visão filosófica.

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O seu célebre livro Dois Tratados sobre o Governo Civil não foi escrito durante a Gloriosa
Revolução de 1688, mas resulta de um tempo e de um conflito anteriores.

Contexto político/ religioso

Após a instauração da monarquia em Inglaterra na figura de Carlos II, sucedido por Jaime II dá-
se início a uma série de conflitos entre monarquia e parlamento tendo em conta a sua
preferência religiosa, era católico e como monarca, não pode ter simpatias católicas.
Consequentemente, instaura-se uma crise constitucional que levou, em 1688, a Revolução
Gloriosa → “Glorious Revolution”

Jaime II é derrotado pelas tropas do Parlamento na Revolução Gloriosa de 1688 e fugiu para
França. A coroa é entregue a Mary (filha de Jaime) e William, mais conhecido como Guilherme
de Orange. Este episódio não só se traduz como uma substituição de monarcas como também
assinala uma mudança constitucional, Mary e Guilherme de Orange assinam a Declaração dos
Direitos → “Bill of Rights” (1689)

A Declaração dos Direitos , Bill of Rights, reafirma os direitos dos ingleses e afirma a limitação
dos poderes da monarquia. → afirma-se pela primeira vez uma monarquia limitada.

A obra de John Locke acaba por ser uma antecipação daquilo que viria a ser as grandes
Revoluções, um século depois.

● Revolução Americana
● Revolução Francesa

Locke, tal como Hobbes, é um pensador contratualista e opõe-se também ao direito divino dos
monarcas, defendendo, por isso, uma corrente jusnaturalista e contratualista.

Por outro lado, Locke é também crítico em relação a Hobbes na medida em que perspectiva a
ideia de Estado de Natureza distintamente. Para Locke, a ideia de Estado de Natureza permite
uma certa sociabilidade apesar de poder surgir conflitos individuais, ou seja, não defende que o
Estado de Natureza seja um Estado constantemente em guerra, tal como Hobbes o concebia.
Além disso, Locke defende que não é possível voltar ao Estado de Natureza.

Segundo Hobbes, existem direitos naturais, derivados da “lei natural”outorgada por Deus a
todos os seres racionais. Esses direitos são anteriores a toda a ordem social: direito à vida, à

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propriedade e à liberdade de ação. Esses direitos existem no estado de natureza, isto é, são
anteriores à constituição, pelos os homens, da sociedade.

● Há, pois, uma ordem natural, da criação, devida a Deus e uma ordem civil,
política, que é a obra dos Homens.

Deste modo, os direitos dos homens não requerem a existência de um monarca absoluto
(soberano). Mas, como o governo implica uma limitação da liberdade dos cidadãos, ainda que
não uma restrição dos seus direitos, é preciso que seja legitimado pelo seu consentimento. O
consentimento é o único mecanismo de legitimação do governo.

O modelo de governo legítimo exprime-se, portanto, sob a forma de um contrato. Este expressa
uma transferência legítima pela qual os governados limitam a sua liberdade original, como
indivíduos livres, para que a sociedade lhes proporcione benefícios e segurança. A existência
deste contrato destaca-se sempre que ocorre uma genuína obrigação política através de um
consentimento tácito. A existência de um consentimento tácito revela-se de diferentes formas,
sendo a primeira aquela em que os cidadãos, perante a possibilidade de recorrerem à
desobediência política, não o fazem. Ou seja, mostram que obedecem por sua própria escolha.

O que torna o governo legítimo é a sua ação governativa, modelada pelos fins que lhe foram
atribuídos: a proteção dos direitos dos seus súbditos e da qual resulta a paz social.

Em suma, o modelo de governo legítimo é uma refutação do absolutismo e uma apologia do


governo constitucional: os indivíduos têm uma liberdade original que o governo, sob nenhum
motivo, têm direito de eliminar completamente.

➔ Estado de Natureza = direito e lei natural


➔ Direito Natural = dispor de si mesmo e da sua propriedade, ou seja, autopropriedade

Cada indivíduo é proprietário de si mesmo e nunca de outrem. Daqui decorre a ideia de que
também o monarca não é proprietário de ninguém.

Lei natural obrigação de respeitar a propriedade (vida, liberdade e propriedade em sentido


estrito, bens)

Propriedade em sentido estrito: bens materiais

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Propriedade em sentido lato: a propriedade do seu corpo e da sua liberdade.

- À partida Deus deu a Terra a todos os seres humanos por igual e portanto tudo é de
todos.
● Esta conceção permite-nos refletir como é que então surge a ideia de
propriedade privada.

Locke defende que é a partir do trabalho. O comum passa a ser privado através do privado!

Contudo, como tudo é de todos, temos que deixar o mesmo e o suficiente para os outros.
Apenas me posso apropriar daquilo que necessito para viver.

● A ideia de enriquecimento não é justificada pela justiça mas sim pelo dinheiro. → meio
de troca que permite guardar aquilo que se produz.

→ o dinheiro permite o enriquecimento

● Alguém com o seu trabalho pode enriquecer.

A ideia de propriedade privada e de dinheiro existe no Estado de Natureza, permitindo, assim,


uma certa sociabilidade.

O surgimento de guerras em Estado de Natureza é provocado, diz Locke, pela ausência de um


soberano, de um juiz capaz de resolver os litígios. Porque quando não existe ninguém que
resolva os problemas, as pessoas fazem a justiça pelas próprias mãos, gerando ainda mais
instabilidade social. Apesar de defender que é legível fazer justiça pelas próprias mãos.

➔ A única forma de ultrapassar esta instabilidade seria a existência de um Contrato Social.


(estrutura diferente da de Hobbes)

Locke sugere que:

1. Cada indivíduo faça pactos com todos os outros de acordo com os quais, cada um
transfira diretamente para a sociedade / comunidade, numa primeira instância, o direito
a fazer executar a Lei da Natureza para que se possa preservar a vida e a liberdade, assim
como a propriedade em sentido estrito.
2. Numa segunda instância, a existência de uma delegação fiduciária, um trust desse poder
soberano que passa a ser detido por alguém (fonte da lei = soberano). Este poder
soberano é dividido, enquanto que para Hobbes não!
● poder legislativo
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● poder executivo
● poder federativo
➔ Poder executivo confinado ao Monarca;
➔ Poder legislativo confinado ao Parlamento.
➔ Poder federativo, a ideia de poder na esfera inter-estatal, internacional
● Em termos práticos, Locke sabe que o poder federativo é executado pelo poder
executivo. Em termos teóricos, o poder interno é totalmente diferente do poder
exercido externamente.
● É importante distinguir poder executivo e federativo: num esquema contratualista, os
Estados entre si, permanecem em Estado de Natureza porque certamente não existe
um contrato social mundial, daí decorre a necessidade de criar um poder que modere e
resolva os litígios decorrentes do Estado de Natureza.
● Em termos práticos, o poder legislativo é mais importante do que o poder executivo mas
este último não deixa de ser relevante, dá uma grande margem porque consegue
resolver assuntos que não estejam legislados = prerrogativa do executivo.
● Todos estes poderes implicam a existência de juízes e consequentemente a existência
de justiça;
● Os juízes atuam de acordo com a lei e o poder legislativo deve apoiar o trabalho dos
juízes ⇒ interligação entre o poder legislativo e executivo.
● Estes poderes devem fidelidade aos interesses da comunidade, respeitando o direito
natural.

Estas duas fases são deveras importantes porque aqueles que detêm o poder soberano podem
ser substituídos sem que se tenha de regressar ao Estado de Natureza → este poder “acumula-
se” na comunidade e é a comunidade que tem o dever de encontrar um novo soberano.

Quando os direitos do homem não são respeitados, o poder soberano é substituído. Dá-se o
nome de Direito de Resistência.

⇓⇓⇓⇓⇓⇓

Em casos excepcionais, a comunidade pode e deve revoltar-se contra o poder soberano,


substituindo-o posteriormente.

↳ Verifica-se, mais uma vez, um contraste com a filosofia de Hobbes. Este considerava que não
é legítimo o direito à resistência porque os cidadãos não se podem revoltar contra o soberano
uma vez que foram eles quem o escolheu.

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Questão religiosa em Locke

➔ É um dos primeiros defensores da tolerância religiosa (“Carta sobre a tolerância” -


1689);
➔ Faz a primeira distinção entre Estado e Igrejas.
★ Ao estado cabe proteger os bens civis;
★ A igreja não se deve ocupar dos direitos civis mas apenas à adoração de Deus e
a salvação da alma, ou seja, apenas se deve ocupar em matérias que têm a ver
com os seus dogmas de fé e os seus rituais). Portanto, a igreja não pode aplicar
leis civis quando surge determinado problema… apenas pode excomungar os
seus devotos.
➔ As propriedades da igreja não se devem confundir com as propriedades do Estado.

No entanto, há limites à tolerância religiosa:

● os materialistas, ateus não têm que ser tolerados;


● não se deve tolerar igrejas cujo poder temporal (poder religioso + poder civil = igreja
católica, ou Papistas.)

Em suma, para Locke a ideia de contrato não só passa pelo campo político mas também pelo
campo religioso.

Rousseau

Rousseau nasceu em Genebra, em 1712, e morreu em França, em 1778.

O legado mais influente de Rousseau foi em filosofia política. Tentou, assim, formular uma
resposta convincente ao que ele considerou ser a questão fundamental da política, a
reconciliação da liberdade do indivíduo com a autoridade do Estado.

“Num mundo onde os seres humanos estão cada vez mais interdependentes uns dos
outros para poderem satisfazer as suas necessidades, como preservar a liberdade de
cada um sem que essa liberdade se transforme numa guerra de todos contra todos?”

De influência iluminista, Rousseau dá especial destaque ao progresso da razão humana que está
intimamente ligado ao progresso das paixões, o que explica que o desenvolvimento cultural do

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homem tenha levado a uma modificação da natureza humana, caracterizada principalmente
pelo aparecimento das “paixões sociais”. Destarte, o progresso acarreta consigo malefícios.

Na sua obra Discurso sobre a Desigualdade, Rousseau examina e renova um dos conceitos
centrais da escola do direito natural moderno: o paradigma do “estado de natureza”.

Estado de Natureza em Rousseau

Rousseau afirma que os autores que explicam o Estado de Natureza não compreenderam o que
era verdadeiramente o Estado de Natureza, afirmando que muitos apenas se limitavam a
descrever o que os rodeava, ou seja, o homem em Estado Civil.

É necessário um esforço de abstração para que se consiga perspetivar o homem em estado de


natureza, realizando uma conjuntura histórica retrospectiva ( como era o homem no início da
Humanidade).

⇘ O homem em Estado de Natureza seria um homem muito parecido com os demais animais,
limita-se a viver consoante as suas necessidades básicas e preocupado com a sua preservação.
É, no entanto, um ser menos ágil mas em compensação, é mais organizado e perfectivo (capaz
de se adaptar ao longo do tempo).

⇘ No início da humanidade, o homem não é possuidor da componente racional uma vez que a
sua capacidade linguística é reduzida. Por outro lado, vivem isolados e por isso sem a noção de
conceito de família natural.

⇘ Considera que, sendo os homens seres tão simples não têm amor próprio, apenas o “amor de
si” porque se concentram na sua conservação e bem-estar e não vivem obcecados por aquilo
que os outros pensam dele.

⇘ O homem da natureza não tem a noção de propriedade porque é naturalmente livre.

⇘ Mas o homem da natureza tem ainda uma outra característica → os homens são naturalmente
bons ⇔ piedade natural

● Piedade natural: capacidade para se condoer com o sentimento alheio.

Este homem da natureza vai dar origem, progressivamente, ao homem civilizado = “homem do
homem”.

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À medida que se verifica um crescimento populacional, o homem vai-se fixando em sociedades
e vai-se comunicando cada vez mais, desenvolvendo a linguagem, a razão, a técnica (surgimento
da agricultura, por exemplo)... há a formação de famílias e é aqui que se dá a transformação do
homem.

➥ Modificação moral dos seres humanos


● Surgimento do amor próprio: é baseado em suposições sobre as intenções e os juízos
dos outros, assim como o desejo insaciável de ser amado e invejado. O amor próprio
retira a humanidade do verdadeiro estado de natureza e integra-a na historicidade.
Surge a competição, a inveja e a raiva uns pelos outros.
● Os seres humanos ficam obcecados, consequentemente, pela propriedade, pelo
prestígio… ⇒ Cresce a desigualdade económica que se traduz na desigualdade política
● Surgimento da servidão: os que mandam e os que obedecem

O estado de natureza é, portanto, uma consequência histórica e não política.

Problema: O estado de natureza não pode regressar!

➔ A grande questão política de Rousseau

Como recuperar a liberdade e a igualdade iniciais do ser humano, como recriar a liberdade e a
igualdade?

Através do exercício racional sem ser necessário regressar ao contexto de pré-história.

Ao fim ao cabo, o que ele propõe é um novo contrato social, por via da razão.

➔ ideia segundo a qual para estabelecer o contrato social, é necessário a


reconciliação da liberdade do indivíduo com a autoridade do Estado. Esta
reconciliação é necessária porque a sociedade humana evolui a um ponto onde
as pessoas já não podem suprir as suas necessidades unicamente pelos seus
esforços, mas dependem da cooperação dos outros.
➔ A vontade geral é, pois, a fonte do direito, sendo formulada por todos os
cidadãos. Obedecendo à lei, fruto da vontade geral, cada cidadão é sujeito à sua
própria vontade, permanecendo desta maneira livre.

Comunidade ⇔ Povo

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Um todo que é simultaneamente Estado e Soberano:

● Estado enquanto passivo, submisso à lei.


● Soberano enquanto ativo, ou seja, como fonte da lei.

Cada membro é simultaneamente parte do Estado e parte do Soberano

● Enquanto membro do soberano, é cidadão;


● Enquanto membro do Estado, é súbdito.

Cada um de nós é apenas um membro do povo, recuperando a igualdade natural.

Além disso, a liberdade é também recuperada:

● cada um se é cidadão, participa na formação da lei;


● se é súbdito obedece à lei que participou na sua elaboração, não obedece a outrem.

Em suma, recupera-se a liberdade e a igualdade por via da razão.

A soberania é inalienável, indivisível, infalível, porque o povo tem sempre razão, o povo ao ser
o que é, tem sempre razão.

Da interpretação do direito natural à reapropriação da soberania pelo povo

Segundo Locke e Hobbes, o Estado Natureza é caracterizado pela incerteza relacionada


com a incapacidade de se viver em paz. Ora Rousseau estudou o que ele chama de
“noções selvagens”, as quais correspondem a um estágio da civilização que, de acordo
com Rousseau, é o mais feliz e mais duradouro na História da humanidade, apesar de
eles também conhecerem as rivalidades sociais.

Assim, para Rousseau, a ideia de Estado de Direito deve-se a uma necessidade que não
é natural nem universal, mas está ligada ao desenvolvimento da civilização e aparece
num momento da História.

Se para Locke a apropriação da terra é uma consequência necessária da apropriação dos


frutos da terra, para Rousseau, no entanto, esta justificação da propriedade da terra
favorece os proprietários, e transforma o Estado no instrumento dos interesses de
alguns em detrimento do interesse de todos, sendo esta a causa principal do conflito

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social que torna necessária a instituição do Estado de Direito. Rousseau leva, pois, muito
a sério, mas de maneira inovadora, a teoria de contrato social, no sentido em que este
pode construir o fundamento legítimo da sociedade.

“O homem nasceu livre mas em toda a parte está a ferros. Este julga-se senhor
dos outros e é mais escravo do que eles. Como se deu esta transformação?
Ignoro-o. O que pôde torná-la legítima? Penso que sei responder a esta
pergunta.”

Naturalmente os homens deveriam ser capazes de viver sem depender uns dos outros,
mas, em vez disso, encontramos em todas as partes a existência de relações de
dominação e de servidão, assim como a coexistência da riqueza e da pobreza extremas.

O Contrato Social tem como objetivo definir uma alternativa em que cada pessoa vai
desfrutar da proteção da força comum, mas permanecendo livre, graças à vontade geral,
a qual serve de fundamento à soberania do povo. Com efeito, toda a sociedade legítima
deve ser necessariamente baseada no consentimento dos seus membros e das
instituições existentes. Ora, para Rousseau, o fundamento que torna possível esse
consentimento do povo é a vontade geral.

A vontade geral, a virtude e o legislador

A ideia central de Rousseau é que um Estado só pode ser legítimo se for guiado pela
“vontade geral” de todos. Esta ideia encontra o seu tratamento mais completo no
Contrato Social, onde Rousseau examina o que ele considera ser a questão fundamental
da política, a reconciliação da liberdade do indivíduo com a autoridade do Estado. Esta
reconciliação é necessária porque a sociedade humana evolui a um ponto onde as
pessoas já não podem suprir as suas necessidades unicamente pelos seus próprios
esforços, mas dependem da cooperação dos outros.

A vontade geral é, pois, a fonte do direito, sendo formulada por todos os cidadãos,
obedecendo à lei, fruto da vontade geral. Cada cidadão é sujeito à sua própria vontade,
permanecendo desta maneira livre.

A tensão principal da vontade geral é entre uma:

➔ conceção democrática
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◆ onde a vontade geral é simplesmente o que os cidadãos do Estado
decidiram juntos numa assembleia soberana
➔ interpretação alternativa onde a vontade geral é a emanação transcendente de
um interesse comum dos cidadãos que existe independentemente do que
qualquer um deles realmente quer.
◆ ou seja, para que se possa utilizar este mecanismo de democracia direta
é necessário que o povo vote de acordo com aquilo que pressupõe que é
a interpretação da vontade geral e não de acordo com aquilo que é o seu
interesse particular.
◆ condição de universalidade que orienta os cidadãos, embora guiados por
uma consideração do que é do seu próprio interesse privado, na direção
da formulação de leis que garantam o interesse comum de forma
imparcial. Rousseau parece, pois, acreditar que o cidadão virtuoso é uma
condição necessária para a emergência da vontade geral.
◆ Segundo Rousseau, o cidadão alcança, na sociedade civil a “liberdade
moral”, ou seja, a capacidade de obediência a uma lei que o cidadão
prescreveu a si próprio.

Para que exista um Estado Soberano é necessário a existência da lei mas mais do que
isso, a existência de um governo, governo esse completamente distinto da soberania.

● Porque o governo não tem poder soberano, é composto apenas por funcionários
ao serviço do povo.

↪ Ora sendo assim, o governo pode ter diversas formas e ambas acarretam problemas
que tornam inviável o governo.

● Monarquia (o monarca pode, eventualmente, extravasar o seu poder e tentar


tornar-se soberano);
● Aristocracia (sistema em que os representantes são “eleitos” de acordo com a
sua descendência, ou seja, é possível que nem todos tenham a capacidade para
governar)

17
● Democracia (para que houvesse um governo verdadeiramente democrático,
seria necessário que a comunidade fosse relativamente pequena e que essa
sociedade extremamente virtuosa, que votasse de acordo com a vontade geral).

“Se houvesse um povo de deuses, seria governado democraticamente, mas aos homens
não convém tão perfeito governo”.

Ora, daqui decorre a ideia de que, na prática, os governos seriam então mistos
(monárquicos, aristocráticos e democratas).

Questão religiosa em Rousseau

Defende também, no quadro do Estado, a tolerância religiosa, considerando que o


Estado é composto por várias religiões mas ao mesmo tempo defende que deve existir
uma Religião Civil ⇒ dogmas, religião comuns a todos.

Excepcionalmente,não tolera os Ateus porque não são dignos de confiança uma


vez que não acreditam no túmulo para além morte.

Em suma, a ideia de Rousseau articula-se entre um plano teórico-político (Contrato


Social) e um plano Histórico-conjuntural (Estado de Natureza).

Karl Marx

Vida e obra

Nascido na Alemanha em 1818, Karl Marx abandonou os estudos em Direito, enveredou


pela Filosofia e pela Política.

A vida de Marx é plena de encontros e desencontros, filosóficos e políticos, o que lhe


permite aproximar-se de filósofos como Hegel. Contudo, afastou-se dele, insistindo no
caráter efetivo e revolucionário do movimento operário contra concepções de homem
e de sociedade que considerava erradas, porque genéricas e abstratas.

Mas o principal encontro da vida intelectual de Marx seria com Engels, escreveram
juntos o “Manifesto do Partido Comunista”.
18
A grande questão para Marx é a chamada questão social (início do século XIX) ⇒ em
plena Revolução Industrial.

● estabelecimento de grandes aglomerados industriais;


● mudança tecnológica, populacional ⇒ traduz-se em grandes disparidades
económicas.

A concepção materialista da História de Marx

Os seres humanos são seres materiais que vivem em interação com a natureza.

A materialidade social, histórica, consiste na ideia de que os homens têm de


produzir cotidianamente as suas condições de vida: comer, beber, vestir-se,
proteger-se das intempéries...

● O trabalho é base da vida social;


● O trabalho é a relação do homem com a natureza, da qual extrai os bens
para a sua existência social.

Darwin estudou acerca da evolução filogenética, ou seja, a espécie que evolui ao longo
dos tempos. Marx pretende continuar a concessão de Darwin.

● Os homens relacionam-se com a natureza em função do grau de


desenvolvimento das forças produtivas (são estas forças que se vão alternando
ao longo da história, tendo em conta a relação entre os seres humanos e a
natureza).
● A atividade produtiva consiste na capacidade de produzir e está dependente das
técnicas e conhecimentos utilizados.

Mas estas forças produtivas estabelecem um outro tipo de relação, a Relação de


Produção, uma relação que se estabelece entre os seres humanos no quadro do
processo produtivo.

➔ Apesar de se verificar diversas mudanças ao longo do tempo, existem, nestas


Relações de Produção, sempre classes dominantes e classes dominadas.
◆ Classes dominantes: classe social que controla o processo económico e
político. Especificamente, dentro do sistema capitalista, a classe

19
dominante corresponde à burguesia, ou seja, refere-se especificamente
à classe social detentora dos meios e da capacidade de organizar a
produção capitalista, ainda que não necessariamente tenha o controle
total do processo de expansão econômica.
◆ Classes dominadas: classe social que não detém os meios de produção,
ou seja, os trabalhadores assalariados /proletários fazem parte desta
classe.

É compreensão do autor a existência de uma relação de determinação entre os aspectos


econômicos e os demais campos da sociedade, ou no modo de produção global. O autor
propõe um modelo teórico social dividindo o esqueleto social em duas partes:

➔ a estrutura e a superestrutura, utilizando-se de metáfora advinda da construção


civil e que revela estar a infra-estrutura afastada das percepções sensoriais do
homem e, de outro lado, ilustra que os componentes da superestrutura, isto é,
a política, a ideologia e o Direito, são captáveis pelos sentidos humanos.
➔ estrutura: corresponde às condições materiais da produção;
➔ superestrutura:
◆ jurídico política
◆ ideológica

⇲ Na estrutura, ou base material, desenvolver-se-iam todas as relações sociais de


produção através das forças produtivas, isto é, as ferramentas por intermédio das quais
poder-se-ia obter produtividade: força de trabalho + tecnologia + terras +
conhecimento. As relações sociais de produção, por sua vez, significam as interações
entre os indivíduos, ou destes com a natureza, ocorridas na estrutura.

⇲ Sobre essa estrutura material levantar-se-ia a superestrutura. Esta reproduziria a


dominação estabelecida naquela e seria composta por duas instâncias: uma delas é a
jurídico-política, que tem por função mediar às relações materiais e tem como
expressões máximas: o Direito (demonstração da luta de classes, sendo a lei vista como
a consagração da ideologia burguesa) e a Burocracia, definida como um corpo de
funcionários orientados a perpetuar as condições vividas na infra-estrutura. A outra

20
instância é a ideológica, na qual seriam construídos valores, ideias e representações que
afirmariam as discrepâncias entre as classes sociais.

A existência de classes dominantes e classes dominadas pressupõe o surgimento de um


conflito a que Marx denomina de Luta de Classes.

“A história de toda a sociedade até agora existente é a sociedade munida pela luta de classes.”

● As classes dominadas insurgem-se sob as classes dominantes e é neste momento


que surge a Revolução.
➔ A luta de classes é também política e económica.

O surgimento do Estado1 é então necessário para ordenar essa luta de classes,


amenizando-as. Fazendo isso, o Estado atende aos interesses dos proprietários já que a
intensificação dos conflitos pode gerar uma superação da realidade e à classe
dominante interessa a permanência da situação vigente.

Assim, o Estado é a expressão legal- jurídica e policial- dos interesses de uma classe
social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção ou classe
dominante. O Estado “não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de
um pacto ou contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma
época e de uma sociedade determinada garante os seus interesses e a sua dominação
sobre o todo social”.

1
Estado como poder político dominante.

21
Marx

A conceção materialista da história, filosofia da história que tem um ponto de partida


materialista, olha para o ser humano como elemento material como ponto de partida.
A interação com a natureza depende do grau de desenvolvimento das forças produtivas,
fazendo que estas sejam diferentes de época para época. Épocas de modo de produção
antigo, grécia, modo de produção medieval ou feudal e modo de produção capitalista
ou burguês, baseado nas trocas (O manifesto do partido comunista, esclarece este modo
de produção- parte I e II), seguidamente, o modo de produção socialista. Estes modos
de produção ou sociedades, organizam-se de modo diferente pela existência de classes
sociais diferentes. Toda a história é uma história da luta de classes e o que acontece com
as grandes revoluções ou de mudança social, as classes que antes eram dominadas
passam a ser as dominantes. Essa classe dominada vai enriquecendo até se tornar uma
classe dominante, conquistando o poder político.

No modo de produção, a classe dominante é a burguesia e a classe dominada é o


proletariado (trabalhadores assalariados), classe empobrecida. Esse proletariado acaba
por se revoltar contra a burguesia porque Marx considera que por um lado existe uma
tendência para a concentração do capital mas por outro lado, o proletariado vai
crescendo em número mas enfraquecendo ao mesmo tempo, o preço dos salários
tende a descer. Por sua vez, o capital ficará acumulado na classe burguesa, isto
pressupõe que posteriormente, a classe trabalhadora se irá revoltar, instauraram um
governo espótico do proletariado, ou seja, uma espécie de ditadura do proletariado,
confiscar a propriedade privada e com o objetivo de criar uma sociedade sem classes.,
acabando com a história de sucessão de modos de produção. O socialismo é o futuro
das sociedades humanas, de acordo com Marx.

A confrontação entre as classes dominantes e dominadoras a nível econômico, político


e cultural. Servindo-nos para analisar também a política do direito, as ideias filosóficas,
religiosas…

Passar-se a uma sociedade verdadeiramente igualitária, sem classes dominantes e


dominadas, onde todos se desenvolvem livremente.

22
➔ Marx e Engels apresentam os seus socialismos com um caráter
predominantemente científico, análise baseada numa concepção histórica.

A sociologia do Direito usa muito esta análise histórica e sociológica do direito.

Por fim, uma coisa é o pensamento de Marx e outra coisa é o pensamento daqueles que
se identificam com o marxismo, interpretando-o.

A primeira revolução social que parecia ser de caráter marxista, ocorreu na Rússia
apesar de ser uma sociedade feudal e não capitalista como perspectiva Marx. Deveria
ter ocorrido em países capitalistas, mais desenvolvidos, ou seja, países como Reino
Unido ou Estados Unidos. Isto justifica-se pelo facto de o partido comunista deixar de
ser algo que acompanha os trabalhadores, mas antes, lidera os trabalhadores.

O maoísmo, leninismo, vão versões do marxismo que se adaptam às diferentes


sociedades de evolução histórica.

Capítulo II – Manual de Filosofia Política

Liberalismo igualitário

John Rawls

O paradigma liberal igualitário é de caráter deontológico, afirma a primazia da virtude


social da justiça e do respeito por direitos individuais. Para o liberalismo igualitário estes
valores não são negociáveis em função de quaisquer consequências antecipáveis que
permitam a maximização do bem-estar agregado. Isso mesmo é vinculado do Rawls de
um modo enfático:

“Cada pessoa beneficia de uma individualidade que decorre da justiça, a qual


nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser
eliminada. Por esta razão, a justiça impede que a perda da liberdade para alguns
seja justificada pelo facto de outros passarem a partilhar um bem maior. Não
permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelas
vantagens usufruídas por um maior número. Assim sendo, numa sociedade justa
a igualdade de liberdades e de direitos entre os cidadãos é considerada como

23
definitiva; os direitos garantidos pela justiça não estão dependentes da
negociação política ou do cálculo dos interesses sociais.”

O liberalismo igualitário conhece a sua defesa mais abrangente e sofisticada com a obra,
Um Teoria da Justiça, de John Rawls. Aí são articulados os aspetos fundamentais desta
corrente e, também aí, inicia-se uma imensa produção filosófica que procura solucionar
puzzles teóricos deixados em aberto pelo próprio contributo de Rawls.

A TEORIA DA JUSTIÇA DE RAWLS

John Rawls nasceu em 1921 e morreu em 2002. Pensador americano, fez todo o seu
percurso nos Estados Unidos. Dedicou-se à filosofia e escreveu a obra "Uma teoria da
Justiça”, primeira edição de 1971.

A preocupação central para Rawls é formular uma conceção de justiça tendo em conta
as sociedades contemporâneas. Uma ideia de justiça que pudesse resolver os problemas
sociais e justificar como é que uma sociedade pode ser justa no séc. XIX e XX.

Rawls intitula de “justiça como equidade” a sua conceção liberal igualitária da justiça.
Esta conceção parte de uma intuição básica, a da sociedade como um sistema de
cooperação, para depois formular os princípios da justiça.

A sociedade como sistema de cooperação

Partamos então da ideia de sociedade como um sistema de cooperação que visa o bem
daqueles que nele participam.

A ideia de igualdade em Rawls pode ser clarificada como igualdade na consolidação dos
interesses individuais. Todos os indivíduos afetados pelas regras da vida em sociedade,
são vistos como iguais na medida em que os seus interesses são atendidos por igual,
sem discriminação.

Dito isto, não podemos esquecer que a sociedade como sistema de cooperação entre
cidadãos iguais é também palco de conflitos em torno da distribuição dos benefícios e
encargos que decorrem ou estão associados a essa mesma cooperação. Geralmente, os

24
cidadãos têm tendência a reivindicar mais benefícios e a evitar encargos excessivos. Em
qualquer caso, nenhuma sociedade humana pode, em condições normais, evitar
recorrer a princípios que, explicita ou implicitamente, estabeleçam quem tem direito a
quê. Ora, é esse o papel que desempenham os princípios da justiça. Eles visam encontrar
a forma mais adequada de distribuir os benefícios e encargos, ou direitos e deveres,
entre os cidadãos iguais, racionais e razoáveis, participantes na cooperação social.

Segundo Rawls, o modo como de distribui as vantagens e os encargos é determinado


pela estrutura básica da sociedade, ou seja, as particulares instituições legais (uma
instituição é um sistema de regras. Mesmo as instituições informais são sistemas de
regras, por exemplo as instituições de cortesia (agradecer…). Ora, a constituição é uma
das estruturas básicas, determina os encargos, as leis fiscais e principais leis em matéria
social e econômica. Normalmente, os cidadãos nascem e morrem na mesma estrutura
básica, apenas se modifica quando se emigra para outro país.

A justiça, para Rawls, serve para determinar de que forma a estrutura básica da
sociedade se pode estruturar, portanto a estrutura básica da sociedade é o objeto da
Justiça. Ou seja, a conceção de justiça serve para nos dizermos / definir em que consiste
uma estrutura básica justa, se as instituições são as melhores ou se devem ser
substituídas por outras.

Bens sociais primários

Rawls diz-nos que a justiça se deve concentrar na distribuição de bens sociais primários,
são os valores fundamentais em causa na cooperação social. São sobretudo, as
liberdades, as oportunidades (acesso a funções e posições sociais, rendimento e riqueza
e as bases sociais do respeito próprio. Focam-se nestes bens, porque são bens sociais
que dependem da estrutura básica da sociedade (por exemplo, a oportunidade de
estudar: a nossa educação depende de um sistema educativo). Por outro lado, estes
bens são instrumentais, isto é, são aqueles de que todos necessitamos para obter tudo
aquilo que queremos e podemos alcançar.

25
Os bens sociais primários são as liberdade e imunidades, as oportunidades e poderes, a
riqueza e o rendimento e, por último, as bases sociais do respeito próprio. De uma forma
mais sucinta podemos dizer que os bens sociais primários que são diretamente
distribuídos pelas instituições sociais são três: liberdades, oportunidades e riqueza.

➔ Rendimento (é aquilo que se vai ganhando) e riqueza (é aquilo que está


acumulado).
• Todos e cada um de nós necessitamos de liberdades básicas que protegem as
muitas escolhas que fazemos as muitas escolhas que fazemos ao longo da vida.
• As oportunidades dão-nos o poder efetivo de realizar essas escolhas.
• A riqueza (juntamente com os rendimentos) permite dar mais valor às nossas
escolhas.

• Liberdades;
• Oportunidades;
• Rendimentos;
• Respeito próprio;
• Riqueza.
As bases sociais do respeito próprio são um bem primário de tipo diferente. O respeito
que cada um tem por si mesmo e pela vida que escolheu depende da possibilidade real
de desenvolver as suas escolhas e do facto de elas serem reconhecidas pelos outros (o
respeito próprio também depende do respeito que os outros nos prestam). Assim, o
respeito próprio é uma espécie de subproduto de uma sociedade na qual os bens sociais
primários estão corretamente distribuídos. Embora o respeito próprio não seja
diretamente distribuído pelas instituições sociais, ele decorre de uma sociedade
organizada de modo a distribuir com justiça os restantes bens sociais primários.
Em suma, as bases sociais do respeito próprio são, no fundo, uma ideia de que em
sociedade nos devemos respeitar uns aos outros, o respeito que cada um tem por si
mesmo e que depende da interiorização do respeito que os outros têm pelas pessoas.

26
Princípios da justiça

À partida, pensando numa sociedade de cooperantes iguais tal como acima definida, os
bens sociais primários deveriam ser distribuídos por igual. Daí podermos formular uma
“conceção geral de justiça”:
Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, rendimento e riqueza, e as
bases sociais de respeito próprio – devem ser distribuídos igualmente, salvo se
uma distribuição desigual de algum desses valores, ou de todos eles, redunde
em benefício de todos.

Verifica-se uma espécie de pressuposto igualitário, a ideia segunda a qual, à partida os


indivíduos são basicamente todos iguais. Conceção provinda do Iluminismo, Revolução
Americana e Francesa, ou seja, posterior ao séc.XVIII. Convicção da sociedade em que
vivemos, sociedades contemporâneas, não existe a convicção de que uns nasceram para
governar e outros nasceram para servir. Note-se que, nesta conceção geral, não existe
prioridade na distribuição de qualquer bem social primário. A liberdade não está antes
da riqueza, por exemplo.

➔ Será que queremos uma sociedade estritamente igualitária ou haverá uma


distinção, pelo menos no campo do rendimento e riqueza que não seja
estritamente igual, exista, por isso, alguma desigualdade? Poderá haver alguma
vantagem perante esta desigualdade?
➔ Seria racionalmente preferível a sociedade 2 porque aqueles que estão piores na
sociedade 1A, estão piores do que na sociedade 2A.

Na sociedade 2 existe maior desigualdade, mas existe maior prosperidade.

Pelo menos, para Rawls, a existência de alguma desigualdade, se for benéfica para
todos, então é racional aceitá-la - argumento do nivelamento por baixo, ou seja, não faz
sentido querer ficar mais abaixo para todos terem exatamente o mesmo, se isso leva a
um abaixamento de todos, incluindo os mais favorecidos, não deverá justificar-se
aceitar- desde que seja benéfica para todos.

➔ Isto permite a ideia de sociedades mais prósperas.

27
● O que falta agora questionar é saber quais os limites a esta desigualdade.

Concessão especial da justiça onde veremos de que forma a desigualdade pode ser
admitida e os seus limites.

Rawls formula também uma “conceção especial da justiça”, na qual distingue dois
princípios separados:

Primeiro

Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades
básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para os
outros.

Segundo

As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que,


simultaneamente: a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em
benefícios de todos; b) decorram de posições e funções às quais todos têm
acesso.

Há duas grandes diferenças entre esta conceção e a anterior. Por um lado, agora
distingue-se entre dois princípios e o primeiro ocupa um lugar prioritário. Rawls sugere
que, quando uma sociedade suplanta o estádio de pobreza absoluta, a distribuição da
liberdade tem prioridade em relação aos outros bens sociais primários. Esta ideia faz
todo o sentido na medida em que, em circunstâncias normais de escassez moderada e
não absoluta, a liberdade fica salvaguardada face a qualquer política que vise a
promoção de outros valores. Por outro lado, esta conceção especial determina que as
desigualdades económicas e sociais devem ser balizadas por dois princípios: um que diz
respeito às oportunidades (alínea b) e outro que diz respeito ao rendimento e riqueza
(alínea a). Portanto, as desigualdades existentes na sociedade terão de ser de alguma
forma, para benefício de todos, mas também associadas à mobilidade social, isto é, ao
acesso generalizado às diferentes funções e posições.

28
1. A sociedade deve assegurar a máxima liberdade para cada pessoa compatível
com a liberdade igual para todos os outros (princípio da liberdade igual)

Há duas formas de chegar à liberdade, através da tradição do constitucionalismo


(liberdade de expressão, igualdade diante a lei, liberdades que dizem respeito a
um julgamento justo - liberdades fundamentais; liberdades políticas: liberdade
de votar e de ser eleito, ou seja, ocupar cargos públicos.)

➔ Um conjunto de liberdades tanto políticas e civis que devem ser iguais


para todos.
➔ Distribuição estritamente das liberdades, distribuídas através da
estrutura básica, necessitando que as liberdades estejam
constitucionalizadas e que a práticas seja bem-sucedida por parte dos
tribunais.

2. As desigualdades económicas e sociais devem:

(Pode ser vantajoso haver alguma desigualdade económica e social na medida em que possua
um sistema de incentivos, desigualdade em benefício de todos)

(Quais os limites a essas desigualdades: a desigualdade apenas é permitida se:)

A. estar ligadas a postos e posições acessíveis a todos em condições de


igualdade equitativa de oportunidades (princípio de igualdade equitativa
de oportunidades)

Igualdade de oportunidade: duas concessões

1. Carreiras abertas às competências (ou ao mérito): Concessão formal ideia segundo


a qual ninguém deve ser impedido de aceder a uma função ou posição social (cargo
público) apenas por causa de um fator discriminatório. Esta ideia surge no século

29
XVIII, com as revoluções francesas e revoluções liberais = carreiras abertas. Anterior
a esta data, as carreiras estavam sujeitas a herança, dependiam do nascimento.
- Fatores de discriminação no acesso a cargos sociais: gênero, raça,
classe social, religião.

2. Igualdade equitativa de oportunidades: Concessão substantiva


- A igualdade equitativa de oportunidades engloba as carreiras abertas às
competências;
- Pressupõe-se a existir uma meta que é aberta a todos os indivíduos, só que estes
partem de diferentes partidas e por isso a “corrida” não é equitativa. Para que
seja equitativa, ou seja, corrigir as desigualdades de base, a equidade implica o
acesso à educação para que depois os indivíduos possam atingir de igual modo
as distintas profissões/carreiras. Acessos a cuidados básicos de vida é também
um dos requisitos para que se possa enveredar por uma carreira profissional.
Isto permite a igualdade equitativa de oportunidades.
- Será possível a igualdade, absoluta, equitativa de oportunidades, ou seja,
retificar totalmente as diferenças entre as condições sociais de cada um dos
indivíduos? Não será possível tendo em conta o contexto social de partida, logo
desde o nascimento. Para termos uma igualdade perfeita seria necessário abolir
a família, porque as famílias são diferentes umas das outras. Obviamente isto é
indesejável e, portanto, o ponto de partida nunca é exatamente igual, não
permitindo atingir a igualdade total.

Ora Rawls, prefere a concessão substantiva à formal na medida em que, aquela que
requer mais recursos por parte do Estado é a substantiva

Rawls prefere a conceção das carreiras abertas na medida em que, o facto dos indivíduos
nascerem numa determinada sociedade e não noutra. É arbitrário do ponto de vista da
moral, isto é, ninguém pode ser responsabilizado por nascer numa posição e não noutra
pelo que devemos retificar uma situação pela qual os indivíduos não são responsáveis
(argumento moral de Rawls).

30
- Igualdade de oportunidades não significa igualdade de resultados porque todos
somos diferentes. Isto pressupõe:

B. e gerar o maior benefício para os menos beneficiados (princípio de


diferença).

Rawls defende, por isso, uma ideia de que a diferença deve ser em benefício de todos,
da maioria (conhecido também como princípio da eficiência, de pareto).

- Não basta uma igualdade equitativa de oportunidades.

Há um conjunto de fatores que diferem os indivíduos, daí as coisas diferentes que cada
um adquire.

- Retificar não apenas os pontos de partida social, mas também os pontos


de partida, como os talentos sociais e de nascimento (características
naturais).
- Os mais pobres são geralmente cujo rendimento é inferior a 50% em
relação ao rendimento nacional, ou seja, são os menos beneficiados.
- Só beneficiando os menos desfavorecidos é que se pode neutralizar a
“lotaria” natural e social.

O princípio de diferença infere, por conseguinte, a não abolição por absoluto das
desigualdades. Os indivíduos fazem escolhas arbitrárias, que justificam estas
desigualdades.

Rawls não é absolutamente igualitário, mas é muito igualitário.

De acordo com o livro:

O primeiro princípio da justiça pode ser designado por: “principio da liberdade”.


Liberdade entendida como um conjunto de liberdades, no plural.

Há duas formas de especificar o sistema de liberdades básicas para todos: uma de


natureza dedutiva, outra de natureza histórica.

31
• De um ponto de vista dedutivo, temos de pensar quais as liberdades que devem
ser atribuídas aos cidadãos enquanto sujeitos morais basicamente iguais.
• De um ponto de vista histórico, podemos recorrer à experiência do
constitucionalismo moderno e aos chamados direitos-liberdades, ou direitos de
primeira geração.

Por uma via ou pela outra, o resultado é idêntico. As liberdades básicas incluem a
liberdade de pensamento e consciência, as liberdades da pessoa, a liberdade de
expressão e reunião, a proteção face à prisão arbitrária, a propriedade privada, ou do
princípio geral do império da lei (Rule of Law). Entre as liberdades básicas contam-se
também as liberdades políticas, como as de votar e ser eleito para cargos públicos. Todas
estas liberdades são familiares da tradição constitucional moderna. Mas elas são
também um quesito essencial para a proteção de qualquer cidadão dotado dos seus
poderes morais básicos.

O segundo princípio da justiça aceita a existência de desigualdades económicas e sociais,


mas, só são moralmente permitidas na medida em que (alínea a) as desigualdades
devem beneficiar todos e, essas mesmas desigualdades têm de decorrer de alguma
modalidade de igualdade de oportunidades, de acordo com a alínea b.

A alínea b) deve ser tomada em consideração antes da alínea a).

Referir que as desigualdades devem decorrer de “posições e funções às quais todos têm
acesso” pode significar duas coisas totalmente diferentes. A primeira é a ideia de
“carreiras abertas às competências”, surgida com a Revolução Francesa e as revoluções
liberais, no final do século XVIII. Esta ideia rompe com a fixação do acesso às diversas
funções e posições sociais em virtude do nascimento, ou seja, a ideia predominante no
quadro do Antigo Regime. A abertura das carreiras às competências institui um princípio
de não-discriminação legal que teve largas consequências na definição da modernidade
política. Apesar de ser incompletamente alcançado, ele molda muito da política
moderna, já que o combate à discriminação social ao da discriminação baseada no sexo
ou na raça.

32
Apesar da importância da abertura das carreiras às competências, Rawls nota que ela
nem sempre permite um acesso efetivo às diferentes posições e funções. Isso deve-se
ao facto de os pontos de partida individuais serem muito diferentes em termos
familiares. Uma vez que o meio socioeconómico das famílias é muito diversificado, os
indivíduos podem ficar impedidos de aceder a funções não apenas por falta de talentos
naturais, mas também por falta de acesso efetivo a uma educação e formação adequada
aos seus talentos. Portanto, para que a igualdade de oportunidades não se restrinja à
abertura das carreiras, é necessário que o Estado garanta o acesso à educação a todos
e que esta permita a promoção daqueles que forem devidamente dotados e motivados.

Se quisermos ir para além dessa igualdade formal em direção a uma igualdade mais real,
temos, portanto, de ir muito para além da simples não-discriminação. Rawls chama a
esta segunda interpretação da alínea b) “igualdade equitativa de oportunidades”. Para
além da simples não-discriminação garantida pelo princípio de carreiras abertas, a
igualdade de oportunidades no sentido equitativo toma em conta os diferentes pontos
de partida dos indivíduos e procura retificá-los através da própria configuração das
instituições.

Esta interpretação acaba por ser a preferida porque, intuitivamente, parecenos que a
mera igualdade formal não é suficiente para aproximar os pontos de partida individuais
determinados pela lotaria social. Parece igualmente fácil aceitar que a desigualdade que
resulta da lotaria social deve ser corrigida. Daí a igualdade de oportunidades no sentido
equitativo. Mas Rawls vai um pouco mais longe e chama a atenção para a intuição moral
fundamental que subjaz a esta preferência: os indivíduos não são moralmente
responsáveis pelas circunstâncias do seu nascimento e, mais especificamente, por
nascerem numa família de perfil socioeconómico baixo ou de perfil alto. Ao
compararmos os princípios possíveis – neste caso as duas interpretações da alínea b) –
com as nossas intuições, somos levados a fortalecer a intuição aqui referida mediante a
adoção do princípio da igualdade equitativa de oportunidades. Assim, a alínea b) deverá
ser modificada de modo a ser lida da seguinte forma: “b) sejam a consequência do
exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade equitativa
de oportunidades”.

33
Se retomarmos agora a alínea a) podemos verificar que, também ela, é suscetível de
pelo menos duas interpretações muito diferentes. A ideia segundo a qual as
desigualdades justificadas são aquelas que se pode esperar serem “em benefício de
todos” pode, numa primeira possibilidade, ser entendida como uma aplicação do
princípio de eficiência, também chamado “princípio de Pareto”. Neste caso, o benefício
de todos na distribuição do rendimento e da riqueza consistiria em alcançar a eficiência,
ou seja, uma situação na qual é impossível melhorar a situação de alguém sem piorar a
situação de ninguém.

- Existe, portanto, um espaço para beneficiar todos enquanto for possível melhor
a situação de alguém sem piorar a situação de ninguém.

Mas o problema do princípio paretiano, segundo Rawls, é o facto de ele ser incapaz de
especificar qualquer padrão distributivo. Não lhe parece muito adequado que o
princípio geral não tenha em conta um critério distributivo.

Para tornar mais claro o defeito, por assim dizer, do princípio de eficiência, podemos
compará-lo com a interpretação alternativa: aquilo que Rawls designa por “principio da
diferença”. Segundo este, o benefício que todos alcança-se mediante a “maximização
das expectativas daqueles que estão em pior situação” à partida. O tipo de padrão
distributivo fixado por este princípio da diferença consiste pois numa atenção especial
à classe mais desfavorecida da sociedade. Esta classe é composta por aqueles a quem
costumamos chamar os “pobres relativos”, cujo rendimento médio anual é igual ou
inferior a 50%, ou a 60%, do rendimento médio nacional. Segundo o princípio da
diferença as desigualdades sociais e económicas devem servir não apenas para melhorar
a situação dos mais desfavorecidos, mas também para a melhorar o mais possível. É
claro que esta interpretação da alínea a) requer um mínimo social muito elevado e,
nesse sentido, uma aproximação real entre os rendimentos e riqueza dos menos
favorecidos e dos mais favorecidos. Sem geral uma situação de igualdade absoluta o
princípio da diferença projeta uma certa tendência igualitária.

- Rawls não é absolutamente igualitário, mas é muito igualitário.

Na sua versão definitiva, o Segundo Princípio da justiça lê-se então assim:

34
As desigualdades económicas devem satisfazer duas condições: em primeiro
lugar, ser a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em
circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, ser para
o maior benefício dos membros menos favorecidos da sociedade (o princípio da
diferença).

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