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Direito
Licenciatura em Direito
1º Ano — 2020/21
So a de Castro Mesquita Machado Lucas
Docentes – Prof. Dra. Miriam Rocha e Prof. Dra. Maria João Lourenço
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Nota Prévia:
Estes resumos terão por base nos resumos de Bruna Patrícia Gonçalves
Araújo, de Rafaela Silva, Gonçalo Couto e Ana Ferreira e de Bárbara Inês
Gonçalves Vaz de Matos, relativamente à matéria do 1° semestre, assim
como na Sebenta Da UC.
O Conceito De Direito 5
Aceções do termo “Direito”: 5
Direito e Moral: 16
Direito e Religião: 18
Axiologia jurídica: 20
As Finalidades do Direito 21
Uma concepção nalística do Direito ou uma concepção funcionalista: 21
As Normas 29
Normas e Princípios. Tipos de Princípios: 29
Técnicas legislativas: 34
O Direito e os Factos 37
Direito como facto: 37
Os factos no Direito: 38
O Valor da Prova: 39
O Ónus da Prova: 39
Summa Divisio: Direito Público e Direito Privado. Princípios de Direito Público e Princípios de Direito Privado 44
Ramos do Direito: 46
Relação Jurídica: 53
Elementos Externos: 54
Elementos Internos: 54
Os Sujeitos de Direito 57
Quem é o Sujeito do Direito? 57
O Objeto do Direito 68
O que pode ser objeto de Direitos? 69
A Garantia do Direito 79
Direito e Coação. Princípio da Proibição da autodefesa: 79
Fontes do Direito 82
Sentidos das Fontes do Direito: 82
A Lei em Especial 91
Aceções de leis: 91
Objetivo da Interpretação: 99
O Conceito De Direito:
Aceções do termo “Direito”:
- Sentidos do “Direito”:
O termo Direito, na linguagem jurídica, aparece utilizando diferentes sentidos:
Direito nesta situação é a vivência, ou seja, a adoção de Ex. pagar os impostos, testemunhar num tribunal, registar o
comportamentos com base no ordenamento jurídico vigente.
Direito como Experiência Jurídica O Direito como experiência de si mesmo — sentido objetivo —, mas
nascimento dos nossos lhos, celebrar contratos de compra e venda,
reclamar férias à entidade patronal, entregar a declaração de IRS, …
também como resultado experienciado — sentido subjetivo.
Direito é uma ordem com intenção Justiça como “constante vontade de atribuir a cada um o que é
seu” (Constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuere). Justiça Ex: “Não há Direito!”. Direito aqui pode ser interpretado/substituído por
de valor — a justiça, ou o Direito é o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a
obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da
Justiça.
Simbologias do Direito
Direito e aplicado por estruturas sociais da autoridade, cujo - Ao recusar a existência de lacunas, o direito positivo ignora que a
Positivo conteúdo é a expressão de uma vontade humana e
vida é imprevisível e que é impossível enclausurá-la num sistema
encontra-se positivado.
de conceitos;
- Entidade metafísica.
conjunto de regras jurídicas, que integram o conceito de direito - Não é eterno e universal, válido e imutável em todas as épocas;
natural.
- Impossibilidade de ser imposto porque é subjetivo e não dotado
- Recusa do carácter exclusivamente cultural do Direito. de coercibilidade;
Direito - O Homem teria uma natureza moral, da qual decorreriam um - Um conjunto de ideias, valores, aspirações e conceções do
Natural certo número de exigências em matéria de comportamento Homem;
social.
- Serve tanto para apoiar a democracia como o absolutismo;
- São constituintes do Direito Natural um conjunto de valores e - Constituindo um sistema fechado, estático e a-histórico, não pode
ideias consideradas justas em cada sociedade.
pautar a validade do direito positivo que, destinando-se a
- O fundamento do Direito Natural é a Lei Natural/Moral.
disciplinar as situações concretamente vividas, nunca poderá
- A validade do Direito Natural é intrínseca e não depende do seu comungar dessas características;
efetivo cumprimento pelas sociedades humanas.
O jusnaturalismo e juspositivismo não se podem confundir com as realidades Direito positivo e Direito
natural, que podem ser reconhecidas em separado ou em coexistência, consoante se considere uma ou
outra correntes.
- Jusnaturalismo:
O pensamento jusnaturalista fundamenta o Direito Positivo num direito superior: o Direito Natural. Este
pensamento impôs historicamente primeiro no mundo jurídico — Direito na Grécia e Roma da Antiguidade
— apesar de ter inúmeras interpretações.
Defende que o Direito, sendo algo natural e anterior ao ser humano, deve sempre se coadunar com os
valores da humanidade e o ideal de justiça, por isso, as leis que compõem o Jusnaturalismo são imutáveis,
universais, atemporais e invioláveis, pois estão presentes na natureza do ser humano.
Admite-se que a validade do Direito Natural é intrínseca e não depende do seu efetivo cumprimento pelas
sociedades humanas.
Direito Natural é o fundamento e parâmetro de validade do Direito Positivo e opera como seu limite
negativo (proíbe que o Estado se intrometa na vida individual, pessoal) e limite positivo (impõe o respeito
dos valores intrínsecos). “Não parece lei a que não for justa”.
- Realismo Clássico: modo de compreensão onde não se admite uma verdadeira separação entre
Direito Positivo e Direito Natural.
- Na Grécia (herança da loso a grega — leis positivas e o logos) destacaram-se duas conceções
diferentes:
- Em Roma, o Direito Natural recebeu uma profunda in uência estoica (que identi cavam a lei da
natureza à lei da reta razão: sendo racional, o homem deve viver de acordo com a lei da natureza, a
sua razão natural dá-lhe a noção do justo e do injusto, fá-lo reconhecer as leis naturais). No Direito
Natural fundamenta Cícero o direito positivo, que recusa serem leis as prescrições ditadas por
tiranos.
- Na idade média (séc. V a XV), a Filoso a e a Teologia católicas recolheram a herança jusnaturalista
greco-romana e levaram à passagem da conceção cosmológica até aí dominante para uma
conceção teológica do Direito Natural: dominou a ideia da existência de um direito natural anterior
e superior às leis positivas e de origem e fundamento em preceitos religiosos. Formou-se a ideia de
um Deus pessoal e legislador supremo que permitiu fundar mais solidamente e enriquecer o Direito
Natural.
- Jusracionalismo ou Direito Natural moderno (séc. XVII e XVIII): que desenvolve um conceito de Direito
Natural assente no antropocentrismo Iluminismo, contraposto ao Direito Positivo.
- Dá-se a Divisão do direito entre direito natural e direito positivo como dois sistemas
separados, assumindo-se o direito natural como modelo ideal do direito positivo.
- No jusracionalismo dá-se um afastamento do vínculo teológico e procura o fundamento de validade
do Direito Natural na própria razão humana, isto advém do facto do Homem ser agora o centro do
universo — antropocentrismo — que caracteriza o Século da Luzes. O homem é capaz de
constituir, por si mesmo, as suas regras de conduta.
- Hobbes, partido da noção de “estado natureza”, na qual todos os homens são livres e
iguais, funda o Direito sobre uma fonte única: o contrato social que representa o m do
Direito Natural. Portanto, só a vontade humana pode produzir direito, como o repetirão
Locke, Rousseau e Kant.
- Thomasius, por sua vez, propõe aquela que parece ser a primeira distinção entre Direito
e Moral, através do critério do foro, que pode ser interno ou externo.
- Juspositivismo:
É uma corrente monista, ou seja, o direito é visto como um conjunto de regras impostas coercivamente
pelo Estado e que regem a vida em comunidade, logo o positivismo jurídico aparece caracterizado por uma
atitude de rejeição do Direito natural e da metafísica.
Apresenta uma perspetiva voluntarista, e assim é fruto de uma vontade política (não tem autonomia;
depende da vontade do poder político.
- O que faz com que os nossos atos sejam conforme ou contra o Direito é unicamente o
signi cado que lhes é dado pelas normas jurídicas (caráter exclusivamente cultural do Direito);
- Não é porque os indivíduos têm direitos que há uma ordem jurídica mas é porque há uma
ordem jurídica que os indivíduos gozam dos Direitos que essa ordem lhes confere;
A a rmação do juspositivismo:
- Neste ponto de vista a lei é como a expressão da vontade geral (do poder legislativo a quem a
Nação atribuiu o poder de criar o direito), ou seja, o Direito é a lei (Code Civil).
- Como leis perfeitas dispensavam de interpretação (esta deveria procurar a intenção do legislador,
que prevalece sobre o sentido literal dos vocábulos em que se expressa), o que faz com que não
existam leis injustas/as leis são sempre justas (o legislador tomou em consideração o necessário e
tudo fez para as leis serem boas, morais e adequadas aos ns). Logo o juiz, que era objeto de
descon ança, era a mera boca da lei — “la bouche qui prononce les paroles de la loi” (silogismo
puro).
- Prevalece
- Autor: Rosseau.
- Defesa da ideia de associação incindível entre direito e sanção. Porém, o Direito Positivo não é
identi cado apenas como lei, já que para ele todos os comandos emanados pelas diferentes
estruturas do Estado soberano compunham igualmente o direito.
- No caso alemão, o direito não é produto de deduções racionais a partir de determinados princípios
básicos e imutáveis, é visto como o fenómeno intrinsecamente cultural – o Volksgeist (“espírito do
povo”) e a fonte do Direito é o direito consuetudinário — costume. Assim, une-se o nascimento do
direito às crenças e práticas sociais populares mais arreigadas.
• Cada povo tem a sua alma, o seu espírito, que cria a cultura e da qual o direito é uma das
várias manifestações. — Savigny
- Autor: Savigny.
Nota:
Como se deve responder a uma questão?
No século XX, procura uma via de análise do direito alternativa à oferecida pelas várias ciências que
procuravam explicar a realidade jurídica sob prismas que implicavam a sua dissolução em objetos
cientí cos mais vastos.
Assim formula a “Teoria Pura” do Direito, que pretende puri car o direito de todos os contaminantes
externos, isto é, todos os elementos sociológicos, psicológicos, morais, etc., que se colocavam fora
dos muros da juridicidade.
O direito é, para ele, conjunto de normas consideradas na sua autonomia formal (o dever-ser),
desligadas do fundamento normativo que as transcende e da realidade social em que atuam. Kelsen não
recusa que atrás de uma norma jurídica esteja um conjunto de valores. Todavia, a partir do momento
em que são recebidas no ordenamento jurídico pertencem ao direito positivo e, tornam-se
insuscetíveis de um juízo crítico quando à sua justeza, uma vez que a ideia de valor, na ótica de Kelsen,
não passa de uma máscara que encobre interesses sociais ou políticos (elementos contaminantes).
A Ciência do Direito (que corresponde à ciência do dever ser na exata medida, em que descreve normas
que prevêem consequências — natureza normativa) deve procurar manter-se el às notas de abstração e
a-historicidade, logo Kelsen procura separar a realidade social e histórica — o mundo do ser —, das
normas — o mundo do deve-ser e considera o direito uma ordem normativa pertencente à categoria
ontológica do dever-ser.
A Teoria “pura” defende que a norma é sempre uma entidade lógico-hipotética (logicamente indicativa)
capaz de quali car ou constituir juridicamente a experiência social, não constituindo comandos ou
imperativos (como as leis físicas), mas antes é logicamente indicativa (liga a ocorrência de um facto
condicionante a uma consequência ou sanção), constitui enunciados lógicos que se situam no plano do
dever ser — Direito como um sistema escalonado de normas que se apoiam umas nas outras, formando
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um todo coerente, em que cada uma recebe a sua vigência/validade de uma norma fundamental, a qual
suporta em última instância a sua integridade do sistema.
A lei natural expressa uma relação de causa e efeito (domínio da causalidade), que se impõe
inelutavelmente, enquanto a norma jurídica traduz um “dever-ser” (domínio da imputabilidade —
norma jurídica atua determinando uma sanção para condutas que violem o juridicamente devido),
que é uma indicação de consequência.
A teoria de Kelsen estabelece uma hierarquia normativa. As normas estão organizadas numa pirâmide de
tal modo que cada norma tem fundamento de validade/e cácia na norma hierarquicamente superior, e na
qual a Constituição ocupa o lugar do topo, porquê? O que fundamenta a validade da Constituição? A sua
validade é dada por uma norma fundamental (Grundnorm), que manda obedecer à constituição e esta
norma é real, mas hipotética, ou seja, baseia-se no mundo do ser para fundamentar a validade quer da
ordem jurídica global, quer da norma jurídica singular, vendo debilitada a sua construção lógica.
“Dado que o fundamento de validade de uma norma somente pode ser uma outra norma, este pressuposto
tem de ser uma norma: não uma norma posta por uma autoridade jurídica, mas uma norma pressuposta
[...] (p. 223)
Uma ciência jurídica positivista apenas pode constatar que esta norma é pressuposta como norma
fundamental – no sentido que acabámos de patentear – na fundamentação da validade objetiva das
normas jurídicas e bem assim na interpretação de uma ordem coercitiva globalmente e caz como um
sistema de normas jurídicas objetivamente válidas. (pp. 226-227)” — Hans Kelsen
Kelsen distingue vigência de e cácia:
- A vigência, que identi ca com validade, diz respeito ao facto de a norma jurídica ser obrigatória.
- A validade da norma jurídica resulta da sua situação no interior do sistema, num esquema
gradativo que vai até à Grundnorm, e não da sua correspondência aos factos sociais, nem ao
valor do seu conteúdo.
- Logo, só a vigência é qualidade do Direito, uma vez que a e cácia se relaciona com o seu
cumprimento social.
Partem da ideia da identi cação entre facto e norma, apenas admitindo regras de direito susceptíveis de
veri cação empírica. A norma válida é aquela que é efetivamente aplicada pelas autoridades judiciais, há
assim uma rejeição do normativismo de Kelsen, assumindo uma posição crítica face a este autor, a ciência
do direito deve limitar-se a estudar o Direito que existe, deixando de lado o problema do dever-ser, dando-
se uma censura à visão da ciência jurídica como ciência normativa (toda a ciência deve constituir-se como
meramente descritiva).
- Realismo Escandinavio:
- Alf Ross pensa que o objetivo da ciência do direito é o de determinar qual o direito vigente, mas
para isso necessita de levar em conta essencialmente quais as normas que os tribunais
- O realismo escandinavio é marcado por uma atitude de ceticismo face às normas jurídicas.
- Partindo de uma analise centrada na linguagem: as normas, utilizando linguagem natural, estão
sujeitas às mesmas ambiguidades de linguagem comum. Um fator que o legislador deve tomar em
conta, mas não pode ultrapassar.
- A ciência jurídica deve limitar-se a estudar o Direito, deixando de lado o problema do dever ser.
- Críticas:
Pergunta-se então, se será a ciência jurídica uma ciência de profecias.
Assim como, se salienta as di culdades teóricas e lógicas pelo facto de ser necessário, pelo
menos, pressupor a existência de normas de competência que nos digam quem são os juízes.
Se se diz que os juízes aplicam direito, não teremos, então, de reconhecer e estabelecer a
existência prévia de normas gerais?
- Realismo Americano:
- Ele chamou a atenção dos juristas para a necessidade de se afastarem dos tradicionais exercícios
concetuais e olharem para as exigências que a vida impõe.
- Neste âmbito, tornou-se célebre a sua a rmação “As previsões sobre o que farão os tribunais sem
qualquer outra pretensão, eis o que eu entendo por direito”.
- Cabe à ciência jurídica estudar a possibilidade de o juiz decidir neste ou naquele sentido: importa
estudar os fatores determinantes nas decisões dos juízes. Estamos, portanto, perante uma ciência
jurídica de caráter empírico-sociológico, na medida em que se aspira a uma compreensão
sociológica do direito através das suas causas e dos seus ns.
Esta evolução foi abordada por Radbruch: a justiça era uma preocupação secundária do direito; a
segurança jurídica é a sua preocupação primária, e foi esta conceção positivista que “deixou sem defesa o
povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, cruéis e criminosas”. Sendo assim, podemos concluir que
alguns autores defenderam que as atrocidades da Guerra só foram cometidas porque se abandonou a
ideia de Direito Natural.
Contudo, foi Stammler que desenvolveu a restauração de jusnaturalismo construindo um Direito Natural de
conteúdo variável, uma pura forma vazia (reduzido à mínima expressão formal), que recebe diferentes
conteúdos ao longo da história. Esta ideia de Direito Natural constituiu o ponto de partida duma nova
corrente de pensamento jurídico, que se impôs na Alemanha, que continuou a ser o palco privilegiado do
ressurgimento do Direito Natural, devido à doutrina, jurisprudência e constituição alemã, e no mundo.
O ressurgimento da Filoso a dos Valores abriu caminho a uma nova axiologia, que permitiu atribuir ao
direito um valor em si, e não aquele que o legislador entende dar, regressando a ideia de que devem existir
limites impostos ao legislador, que não devem ser ultrapassados sob pena das leis não serem legítimas.
- Mesmo com o renascimento da ideia de Direito Natural, o positivismo não desapareceu: O Debate Hart-
Dworkin:
- Dworkin centrou-se na rejeição da ideia da existência de uma regra de reconhecimento que permite
delimitar a realidade jurídica.
- Na visão do autor esta realidade é bem mais abrangente: engloba não só as normas jurídicas como
também os princípios, que escapam totalmente ao modo de legitimação do jurídico assente na
regra de reconhecimento.
Muitas das propostas enquadram-se na atitude dita “funcionalista” perante o Direito — funcionalismo
jurídico —, que reduz o Direito a um mero instrumento no quadro de uma mudança geral de compreensão
do ser, que passa a ser apenas considerado numa perspetiva utilitarista, instrumental e consequencialista.
Todos os funcionalismos propõem, sob diferentes abordagens, a substituição do sentido do Direito pela
Em Portugal, uma proposta que recebeu algum acolhimento foi a “Teoria Tridimensional do Direito”,
cujos defensores foram Miguel Reale e Recaséns-Siches, entre outros.
Desenvolvem uma conceção tridimensional do direito como facto, norma e valor. O direito, embora se
apresente numa perspetiva aparentemente mais normativista, não pode ser reduzido a tal. Este comporta
as três dimensões anteriormente referidas, que devem ser valorizadas para uma compreensão global do
que o direito é.
Com efeito, o direito tem de ser percebido como fenómeno social, como conjunto de hipóteses com
consequências determinadas (facto). Por outro lado, também o homem não deixa de identi car o direito a
um conjunto sistemático de regras obrigatórias (norma). Porém, o homem possui ainda, em relação a estas
normas, a expectativa da realização, através delas, de certos padrões axiológicos (valor).
O Direito é tridimensional na medida em que se apresenta como elemento normativo que disciplina
comportamentos humanos, pressupondo uma situação de facto e referido a valores determinados. Então, a
norma é estabelecida com vista à realização de um valor. Sendo cumprida do ponto de vista factual
(comportamento das pessoas) irá efetivamente resultar da realização desses valores: o cumprimento do
direito é relevante como momento concretizador daquilo que se pretendia com a criação da norma jurídica.
- Como norma, objeto das ciências jurídicas materiais e da loso a do direito — epistemologia.
Valor
Facto Norma
No entanto, não é apenas o Direito que nos oferece uma experiência normativa, também com o Direito
convivem na sociedade outras formas de normatividade: normas de trato social e cortesia, normas
religiosas, normas de moral. Logo, há necessidade de explicitar as características especí cas da norma
jurídica, em confronto com as outras formas de normatividade social.
Práticas Sociais não Normativas - Podem inicialmente acarretar alguma estranheza, mas não implicam uma sanção
para quem não as cumprir.
Direito e Moral:
Tal como o Direito, também a Moral é normativa. Esta estabelece um conjunto de normas de conduta de
conteúdo ético que as pessoas devem observar para realizar o bem, e segundo as quais os atos são bons
ou maus. Portanto, a ordem moral é a ordem das consciências, que pretende aperfeiçoar os
indivíduos, orientando-os para o bem. Distingue-se do Direito por ser uma normatividade social jurídica.
Assim, o Direito, enquanto ordem jurídica, apenas procura ordenar os aspetos fundamentais da
convivência.
Há diferentes tipos de regras éticas. Neste âmbito, costuma distinguir-se entre moral individual e moral
social/positiva, consoante a fonte dessas regras:
- Moral individual: aquela que cada um forma para si próprio; conjunto dos imperativos éticos
impostos aos indivíduos pela sua própria consciência moral. Obriga na consciência ética individual.
- Moral social: corresponde às exigências éticas de certa sociedade, em dado momento, traduzíveis
pelos usos ou práticas sociais aí aceites, com caráter vinculativo. Obriga em razão de consciência
ético-social.
Em caso de violação das normas morais, a sanção a que o indivíduo estará sujeito é do foro interior: o
remorso, o desgosto de si mesmo, a degradação da pessoa por não cumprir o dever moral. Poderá ainda,
caso as pessoas se apercebam da violação da norma moral, ser algo de reprovação social.
Apesar da distinção entre Moral e Direito não ser estanque, é relevante perceber como nos é possível
delimitar uma fronteira, que pontos são relevantes para tal, assim foram criados alguns critérios:
- Critério de exterioridade/interioridade:
Foi formulada por Thomasius, que procurou distinguir a moral e o direito separando as ações humanas
em dois planos: o interno, da consciência, e o externo, ou social, da interação com os outros.
Para o Direito apenas importam as ações humanas externas, já a Moral preocupa-se com os atos internos,
que processa no plano da consciência. Consequentemente, só o que se projeta no mundo exterior ca
sujeito à possível intervenção do poder público e, portanto, nenhum cidadão pode ser processado pelo
simples facto de pensar, e tão-pouco pode ser obrigado a ter esta ou aquela crença.
- Critério da coercibilidade/incoercibilidade:
As normas do Direito são coercíveis e as da moral incoercíveis por serem espontâneas.
- Critério da heteronomia/autonomia:
O direito é heterónomo, ou seja, implica a sujeição a um querer alheio. A conformidade à norma jurídica
basta-se com a adequação formal da conduta do agente a essa vontade alheia. Ou seja, basta que o
comportamento seja conforme à norma, independentemente das intenções do agente – seja ela o
temor da sanção, o receio de reprovação social, etc. A pessoa age de acordo com o que a norma, que é
imposta heterónomamente, diz.
A moral é autónoma, na medida em que o autor da norma moral é a pessoa que lhe deve obedecer. A
motivação para o cumprimento deriva da adesão ao imperativo da norma. O agir moral implica uma
adesão voluntária ao conteúdo da norma (implica que faça da norma ditada pela moral “a minha norma”).
Em suma: A Moral é criada pela própria pessoa que lhe vai obedecer (autonomia) e o Direito é uma norma
imposta por uma vontade alheia à da pessoa a quem a norma é dirigida (heteronomia).
- O direito tem também uma dimensão de autonomia, na medida em que corresponde a normas às
quais se adere; tem conteúdo deontológico, não é absolutamente heterónomo. Para o direito ser
e caz, além de uma “obrigação” heterónoma, imposta por vontade alheia, pressupõe o
reconhecimento de um dever-ser.
- A moral tem uma certa dimensão de heteronomia. Se as normas morais fossem totalmente
autónomas, sempre haveria que reconhecer ao obrigado não só a faculdade de as criar, mas
também de as derrogar ou modi car segundo os seus caprichos, faculdade que nenhum moralista
lhe atribui – o imperativo moral é a expressão de algo intrinsecamente valioso e não de uma
vontade.
- O imperativo moral é expressão de algo intrinsecamente valioso, que o agente não pode derrogar
ou modi car.
« Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma
relação cam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente, algo. » — Miguel Reale — Lições
Preliminares de Direito, 27.a ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 50
É mais fácil de compreender através de um exemplo: um homem rico encontra um amigo de infância muito
pobre, mas não o ajuda porque tem muita pressa para chegar ao local x. Essa mesma pressa fá-lo pedir
um taxi, com um custo de 10€, que este homem paga sem nenhum problema e vai embora. Nesta situação
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pode até não haver nenhum Direito, mas há Moral. O Direito e a Moral são opostos, e o Direito tem
existência garantida. Este critério defende então uma proporção intersubjetiva em função da qual os
sujeitos de uma relação cam autorizados a pretender, exigir ou fazer, garantidamente algo.
- Este critério tem algumas características, como a alteridade, a objetividade do valor, a atributividade e a
exigibilidade.
- Este critério foi criticado: Existem, no Direito, obrigações naturais, que não são judicialmente exigíveis
(ex: dividas já prescritas – não deixa de ser uma obrigação que tem alguma proteção do direito, mas
carecem da mesma força de outras obrigações civis).
- Critério do Teleológico:
Acredita-se que a moral tem um m pessoal e que o Direito tem em vista m social.
Assim, de acordo com esta teoria, tudo o que é jurídico é moral, mas nem
tudo o que é moral é jurídico, ou seja, a rma a identi cação do Direito como
Moral, mas não deixa de admitir que se trate de normas distintas. No entanto,
não fornece um critério que permita estabelecer a fronteira entre estes
conceitos.
O Direito coincide com um núcleo duro da moral e um nível mínimo de exigência ética necessário para a
sobrevivência e funcionamento normal da sociedade. O Direito corresponde àquela parte da moral sem
a qual não seria possível existir paz, liberdade e justiça.
A relação entre o Direito e a moral pode ser representada por dois círculos concêntricos: o mais pequeno
representa o direito; o maior, as normas morais que o direito não protege, como na gura.
Após observar os vários critérios existentes, podemos concluir que nem tudo o que é Direito é Moral e nem
tudo o que é Moral. Há normas previstas no Direito que são amorais e imorais, assim como há normas
morais não previstas pelo Direito.
- Normas morais são, por exemplo, não matar, normas imorais são, por exemplo, aborto e
normas amorais são, por exemplo, conduzir pelo lado direito.
Sendo que, se tivéssemos que escolher uma imagem que representasse a
relação entre Direito e Moral seria aquela que consagra em si os círculos
secantes:
Direito e Religião:
Todas as religiões têm um sistema de regras de conduta e essas, umas vezes, respeitam exclusivamente o
comportamento das pessoas na sua relação com a divindade, mas, muitas outras, referem-se aos
comportamentos em sociedade, e é nessa vertente que podem concorrer com as normas jurídicas, ora
As relações entre o direito e a religião variam quer em função da religião, quer do país considerados.
- Sanções: A sanção prevista na ordem jurídica é institucionalizada, ou seja, o poder judicial pode
impor comportamentos e pode punir no caso de violação da norma que impõe o comportamento.
No caso da religião não se fala de sanções aplicadas por um poder competente para tal, fala-
se de sanções divinas, de foro espiritual, incluindo o remorso, o arrependimento, o mau convívio
consigo próprio por ter violado uma ordem/poder superior/a divindade. Em certos casos pode
haver uma sanção social que é a excomunhão, o afastamento do grupo religioso por ter violado de
forma grave/grosseira os deveres religiosos impostos.
- Fonte da norma (origem/vontade última da norma): Na religião as normas têm origem divina.
Ainda que depois estas se mostrem positivadas, a razão de ser será sempre algo que é
transcendente/anterior ao Homem. No caso das normas jurídicas, estas são estipuladas/
determinadas/prescritas por vontade humana (no seu sentido lato). No caso português é o poder
legislativo que cria as normas.
- Conteúdo das normas: As normas religiosas regulam o respeito pela palavra da tal divindade e
determinam as exigências de culto. Podem consagrar também um conjunto de valores ou
preceitos religiosos, por vezes coincidentes com as normas jurídicas, mas, em última instância, a
particularidade destas normas é estabelecer a relação entre o Homem e a divindade. Por sua
vez, as normas jurídicas estabelecem um dever-ser. Determinam os comportamentos pelos quais
nos devemos pautar para assegurar a paz, a tranquilidade, a estabilidade, a certeza, a certeza, a
segurança, a justiça, a dignidade, isto é, um conjunto de valores que são também eles positivados
em princípios que depois são densi cados pelas regras.
- No caso português, quando o Direito e a Religião entram em con ito deve se cumprir o Direito, uma
vez que o Estado é laico.
Nota:
Como se deve responder a uma questão?
A grande motivação do Direito são os valores. Estes, apesar de abstratos, fornecem os conteúdos de
motivação do Direito. É do valor que se retira toda a legitimidade do Direito.
- São ideias/imperativos que decorrem da ordem moral e do valor fundamental que é a pessoa
humana e a sua dignidade.
- Princípios são normas muito mais vagas e abstratas, que carecem de densi cação infra-
constitucional.
- São normas concretas (mais precisas do ponto de vista do seu conteúdo) e diretamente aplicáveis.
- Regras em caso de choque não podem coexistir ambas no ordenamento jurídico, são
incompatíveis e por isso necessitam ou de ser reti cadas ou de serem descartadas ou de serem
declaradas ilegais/inconstitucionais — “Alles oder Nichts Kriterium”.
Em tais situações recorre-se a critérios para fazer prevalecer uma norma sobre a outra —
mandados de determinação.
Contudo, estas a rmações acerca do caráter instrumental do Direito devem ser consideradas com peso e
medida, uma vez que sempre foram associadas ao direito algumas conotações relativas aos seus ns (há
referentes que caracterizam aquilo que é de Direito) que obrigam a considerar com atenção as a rmações
demasiado incisivas acerca do seu carácter individual.
Nesta medida, o Direito é uma ordem com um sentido, sentido esse que lhe é dado pelas intenções
axiológicas a cumprir. Assim, podendo perseguir também outros ns, o Direito tem uma especi cidade
própria, a do jurídico.
« Para não poucos juristas, o Direito é um puro instrumento, neutro em relação aos respetivos ns, de tal
forma que por meio dele podem prosseguir-se os objetivos mais diversos [...] Todavia, é difícil negar que ao
termo “Direito” foram sempre associadas algumas conotações relativas aos seus ns, que obrigam a
considerar com atenção as a rmações demasiado incisivas acerca do seu carácter instrumental. » — Ángel
Latorre — Introdução ao Direito, p. 39
Jusnaturalismo: mostrou-se mais recetivo a esta vinculação, pelo espaço Positivismo: parece, nas atuais reformulações, mais apto a criar as
que concedeu ao conceito de valor no contexto jurídico, tendo, por isso, condições para um entendimento do Direito alheio à ideia de nalidade e
adotado uma abordagem nalista ao Direito. mais próximo da ideia de função.
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O Direito tem como nalidade, aliada à ordem, a paz social, ou seja, tem uma função paci cadora.
Esta função é caracterizada pelo “Bellum omnium contra omnes”, ou seja, a situação de uma sociedade
em que as relações entre os seus membros decorrem habitualmente sem violência e em cada indivíduo
está protegido contra a agressão dos demais, pela a regulação do uso da força e a institucionalização de
meios de resolução de con itos e pela paz fundada em valores partilhados.
Até certo ponto, até mesmo o Direito injusto pode criar ordem e da paz social, ainda que esta tenha de
ser a longo prazo, como nos ensina a História, uma paz musculada… A paz enquanto mera ausência de
con ito pode ser uma paz podre, deverá haver a procura de uma paz justa, fundada em valores
partilhados. A existência de paz social encontra-se associada à própria segurança jurídica que
constitui uma sua condição. Só haverá verdadeira paz social se o Direito enquanto ordem assentar num
conjunto de outras nalidades, em particular a promoção da justiça.
- Segurança Jurídica:
A segurança jurídica é uma ordem emanante do Direito que corresponde ao valor que nos permite viver
uma vida programada. Encontra-se associada à nalidade ordem e paz social, uma vez que, vivendo nós
no seio da ordem jurídica, devemos conhecer antecipadamente os efeitos dos nossos comportamentos
Pode ser entendido com dois sentidos: o de Segurança face ao Estado e o de Certeza Jurídica. Portanto:
- Segurança Face ao Estado: O Direito visa também garantir a segurança face ao Estado, não é só
um mero instrumento nas mãos dos juristas, limita e regula qual é o poder do estadual. Assim, o
Direito subjuga o Estado.
Esta ideia é comum a qualquer Estado de Direito, parte da abuso de poder, que desenvolve uma
necessidade de controlar/limitar o poder do Estado, criando assim mecanismos com essa
nalidade, , como o princípio da separação de poderes, que pressupõe o exercício diferenciado do
poder através de várias instituições que se scalizam mutuamente; o princípio da legalidade, que
limita a ação do Estado; a possibilidade de recurso aos tribunais e a sua independência; o
reconhecimento de que os indivíduos têm um conjunto de direitos fundamentais que devem ser
respeitados, entre outros aspetos.
- Certeza Jurídica: obtida pela segurança que o Direito nos oferece, que nos permite prever os efeitos
jurídicos dos nossos atos e relações jurídicas e re ete-se na permissão de planeamento da nossa
vida com bases razoavelmente rmes. Constituindo uma condição de previsibilidade e objetividade
sem a qual a vida seria instável. Daqui derivam exigências normativas: publicidade (para ser e caz,
a lei tem de ser passível de ser conhecida, tem de ser pública, de modo a ninguém poder
argumentar que não conhecia a lei como forma de justi car os seus atos), clareza na linguagem
(linguagem deve ser clara, compreensível por todos e não intencionalmente ambígua, o legislador
deve expressar de forma percetível a sua intenção) e a irretroatividade das leis (a sucessiva
alteração legislativa pode gerar di culdade no conhecimento de determinada matéria, pelo que é
importante que a lei valha para o futuro, não abranja situações passadas, embora possamos
sempre mencionar algumas exceções).
- Bem Comum:
O Direito não visa a ordenar as relações jurídicas para a satisfação apenas dos indivíduos, mas ao
contrário, procura realizar uma convivência ordenada, que se traduz na expressão Bem Comum.
Não nos é possível de nir bem comum como a soma dos bens individuais, nem a média do bem de todos.
O Bem Comum, a rigor, é a ordenação daquilo que cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio,
uma composição harmónica do bem de cada um com o bem de todos, que deve transcender se do bem
individual e respeitar a personalidade de cada um, implicando uma ponderação entre individual e coletivo.
O seu reconhecimento como nalidade do Direito é antigo, remonta pelo menos a S. Tomás de Aquino.
Tem vindo a ser substituído pelas expressões “interesse público”, “interesse geral” ou “consenso”. Mesmo
aceitando que o justo consiste na realização do bem comum, várias posições podem ser sustentadas com
resultados substancialmente distintos. Em Miguel Reale encontramos referência a três perspetivas sobre
esta conciliação:
- Liberdade:
Enquanto nalidade do Direito salientam-se 2 sentidos de liberdade:
- Em sentido positivo: possibilidade de ação de acordo com o projeto de vida do agente, realizando
assim a sua autonomia – há um conjunto de direitos positivos que podem implicar uma atuação por
parte do Estado, como garantia da liberdade (ex: direitos de participação política; direito à
educação: garantem o exercício da autonomia e da liberdade). Os direitos que implicam prestações
e atuações por parte do Estado e que permitem à pessoa agir de modo livre.
Ideia de liberdade não é ilimitada, tem relação com o direito, ou seja, está acompanhada de
responsabilidade. A liberdade requer a existência de regras e o seu cumprimento e cada um é livre de
cumprir ou não as regras jurídicas.
A limitação da liberdade garante a maior liberdade para todos, ou seja, a liberdade é a sua própria garantia.
Se um indivíduo não se deparar com nenhuma limitação à liberdade, será que eu poderei fazer o mesmo?
Há uma ligação entre a nalidade liberdade e a nalidade igualdade (que será abordada posteriormente),
que por sua vez encontram-se intrinsecamente ligados à própria ideia de Justiça. A liberdade justi ca a
existência de um conjunto de direitos individuais básicos e a igualdade trata do seu reconhecimento
nos mais amplos termos. « A liberdade juridicamente relevante é sempre uma proporcionalmente
igual liberdade para todos » — Fernando José Bronze, Lições de Introdução ao Direito, 3a ed., p. 135.
- Igualdade:
É um conceito utilizado no Direito, com um ponto de vista social. É um ideal que se encontra sempre no
horizonte dos ideais da sociedade.
- A igualdade formal, enquanto simples generalização, ou seja, “a lei deve ser igual para todos” ou
“todos são iguais perante a lei e os procedimentos”, que já se comprovou ser não ser a melhor
opção.
- A igualdade material, que nasceu dos obstáculos reais à concretização dos objetivos da igualdade
formal.
A igualdade material trata-se de uma exigência de tratamento desigual para corrigir as
desigualdades substanciais, segundo o princípio da proporcionalidade.
- Este princípio defende que o tratamento e as normas jurídicas devem ser proporcionais —
proibição do excesso; será a medida certa? é necessária? é a menos gravosa? (AC 187/2001).
Acentua esta atuação do estado como mensurável, ou seja, podermos medir e avaliar se o
modo como o Estado agiu corresponde ao equilíbrio/ponderação, o estado está obrigado a
respeitar as liberdades e direitos dos indivíduos (DLGS -> direitos/liberdades/garantias), em
justa medida. É de facto um principio transversal a toda a atuação do Estado, todos os atos
devem apenas afetar direitos na estrita medida do necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses. Há três critérios que se distinguem no seio do princípio da
proporcionalidade: Idoneidade ou adequação (se a medida é adequada, não avaliar se é a
medida mais apta, mas se há uma aptidão objetiva), necessidade (o que se avalia agora é se
- Justiça:
A Justiça é alfa e ómega do Direito. Não só é uma grande nalidade do Direito como também é um dos
Sentidos do Direito (Atribuir a cada um o que lhe é devido), como já mencionado. Os indivíduos atuam em
função de valores, que são conteúdos de motivação.
A Justiça pode ser vista sob várias perspetivas, uma vez que tende a ser uma síntese das outras
nalidades do direito:
- Justiça como legalidade: quando nos referimos à justiça enquanto cumprimento da lei. Diz-se
que uma sentença é justa no sentido em que se aplicou a lei. Neste sentido, justo equivale a legal.
- Justiça como igualdade: ideia de que a justiça é o respeito pelo princípio da igualdade, ou
seja, pelo princípio de que os iguais devem ser tratados como iguais e os desiguais como
desiguais.
- Justiça como proporcionalidade: a quali cação das leis ou das situações que delas derivam
como justas ou injustas consoante a existência ou não de uma proporção entre a
consequência jurídica e o facto que a motiva. Na verdade, encontramo-nos perante uma
aplicação mais ampla do princípio anterior: não só os iguais devem ser tratados como iguais e
os desiguais como desiguais, como também a relação no tratamento dos diversos casos deve
conservar entre si uma determinada proporção, que é precisamente a que quali camos de justa. Ou
seja, a solução deve ser vista em si mesma, mas também deve ser vista na sua relação com outras
soluções (ex: seria chocante que uma lei estabelecesse pena de morte para crime de furto e uma
mera pena de multa para um homicídio).
Porém, é necessário mencionar que nem sempre podemos encontrar compatibilidade entre a justiça e as
outras nalidades, especialmente com a segurança jurídica:
- A exigência de segurança pode con ituar com a exigência de justiça. Uma e outra acham-se numa
relação de tensão dialética, uma vez que a segurança jurídica parece obrigar ao cumprimento da lei
injusta. A justiça representa um ideal de hierarquia superior. A segurança, por sua vez, representa um
valor de escalão inferior, mais diretamente ligado à utilidade, às necessidades práticas e às urgências da
vida. Pelo que, em muitos casos, a própria praticabilidade do Direito pode exigir que o valor da
segurança prevaleça sobre o valor justiça, a sacri que.
- Um exemplo disso é o caso julgado. Trata-se de uma exigência de segurança, pois seria absurdo
que um litígio se arrastasse eternamente, sem ninguém estar seguro do seu desfecho. Esta
exigência não afasta a possibilidade de vir a cristalizar-se uma decisão injusta.
- Ao mesmo tempo podemos ainda referir o facto de haver exceções à irretroatividade, na medida em
que a regra será a tendencial proibição da retroatividade, mas não há uma proibição absoluta, apenas
existe uma retroatividade se a lei for bené ca. A nossa CRP proíbe a retroatividade em 3 casos
especí cos: art 29º nº1 e 4; 29º nº1 — a lei penal não pode quali car como crimes factos passados,
valendo somente para o futuro e a lei não pode aplicar a crimes anteriores penas mais graves (ou seja
qualquer lei penal desfavoráveis ou incriminadoras/castigadoras); “Nullum crimen sine lege”; 29º nº4 — é
obrigatória a aplicação retroativa da lei penal mais favorável; art 103º nº3 — scais (impostos); só
introduzida em 1997; não são licítos constitucionalmente os impostos criados para incidir sobre
rendimentos já auferidos ou sobre factos tributários já transcorridos; art 18º nº3 — restrições de DLGs.
« O direito não é mero pensamento, mas sim força viva. Por isso, a Justiça segura, numa das mãos, a
balança, com a qual pesa o direito, e na outra a espada, com a qual o defende. A espada sem a balança é
a força bruta, a balança sem a espada é a fraqueza do direito. Ambas se completam e o verdadeiro estado
de direito só existe onde a força, com a qual a Justiça empunha a espada, usa a mesma destreza com que
maneja a balança. » — Rudolf von Ihering
A teoria pura do Direito, desenvolvida por Hans Kelsen, assenta em grande medida justamente na ideia de
sistema e consolidou a pro ssão de fé numa concepção do conhecimento jurídico que elegia como
objetivo exclusivo o sistema abstrato de normas.
Ao contrário do entendimento estritamente positivista, que via no sistema jurídico um sistema fechado, que
encontrava previsão para todas as situações, sendo, portanto, o juiz reduzido a mera boca da lei, hoje o
sistema jurídico é aberto. O legislador humano não consegue prever todas as situações com que o
direito se possa deparar, uma vez que a vida é sempre mais rica do que aquilo que o direito pode prever.
Assim sendo, olhamos hoje para o direito como um sistema cujas soluções vão sendo construídas face ao
que a realidade reclama.
Como o autor demonstra é nos possível olhar para o Direito enquanto sistema ou norma, demonstrando
aquilo que os pensadores estritamente positivistas abordam, uma vez que a própria ideia de Direito como
sistema interiorizou-se na mente dos juristas de tal forma que “sistema jurídico” é sinónimo de “direito
positivo”.
- O sistema jurídico:
- É o produto da atividade da dogmática jurídica que, mais do que limitar-se a descrever, de modo
mais ou menos assético, o ordenamento jurídico apenas o reelabora.
- Sistema externo: ordenação das normas jurídicas segundo pontos de vista formais, com
intuitos meramente expositivos, descritivos, pedagógicos (ex: distinção direito público/direito
privado; diversos ramos do direito de acordo com a sua matéria).
- Ordenamento jurídico:
Será entendido como o conjunto de normas em bruto criado pelo legislador, como já mencionado.
- A coerência e plenitude características que têm uma grande a nidade entre si.
- A analogia iuris consiste na aplicação do disposto no art 10º nº3, que se dirige
ao aplicador da lei, o juiz, quando este se defronta com o caso omisso. Segundo o
preceito, este deve criar uma norma ad hoc, isto é, uma norma para aquele caso
concreto à luz dos princípios gerais do sistema e das suas intenções axiológicas,
demonstrando que a norma não se cria num total vazio, mas antes balizada,
pedindo ao aplicador da lei que pense, de modo abstrato, qual seria a solução mais
adequada, de um ponto de vista que pudesse valer para todos os casos.
- A independência representa uma adição ao tratamento mais tradicional deste tema em sede
do positivismo jurídico. Traduz a ideia de que o ordenamento jurídico não poderá estar
submetido a outro ordenamento de nível superior, estando, por isso, intrinsecamente
associado à noção de soberania. Esta nota deve ser entendida nos nossos dias cum grano
salis. Obviamente não está em causa negar qualquer conexão com outros ordenamentos
jurídicos (não exclui relações com outros ordenamentos jurídicos). Na verdade, assistimos
atualmente a um pluralismo jurídico, cada ordenamento jurídico vê-se confrontado com a
As Normas:
Normas e Princípios. Tipos de Princípios:
A utilização do termo norma é de in uência germânica e generalizou-se sobretudo no séc XX.
Tradicionalmente, a palavra mais usada era “regra”, sendo que norma era especi camente utilizado no séc
IV d.C. como maneira de designar as disposições que se aplicavam aos impostos.
Como já visto difundiu-se a ideia de que existem outras entidades no Direito para além de normas: os
princípios. (Em Direito Constitucional lecionou-se que Norma engloba Princípios e Regras, sendo que
nenhum deste conceito é confundível ou sinónimo)?
A distinção entre princípios e normas é abordada por Dworkin e por Aarnio, sendo que, este último autor,
distinguiu estes termos como os princípios sendo exíveis e estando inerente a uma ideia de peso relativo,
que podem permanecer válidos mesmo quando não prevaleçam e as normas sendo rígidas, cuja aplicação
não pode ser feita segundo um critério de concordância prática. ?
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- Castanheira Neves a rma que existem três tipos de princípios: os princípios positivos (expressam
historicamente determinada de intenções políticas, sociais, ética, dominantes na sociedade num
certo tempo), os princípios transpositivos (também conhecidos como princípios normativo-jurídico
fundamentais; correspondem aos princípios que sobreviveram à mutabilidade do tempo e do
espaço, são assim adquiridos irrenunciáveis da própria ideia de Direito) e os princípios
suprapositivos (princípios reconduzíveis da unidade e sentido do Direito).
O Direito em sentido objetivo é composto por normas. A Norma tem uma dimensão jurídica, o que signi ca
que, toda a norma jurídica é uma proposição normativa. Uma norma transmite uma ordem para nos
adotarmos ou abstermos de certa conduta, ou seja, constituem realidades concetuais com um certo
sentido e conteúdo, expressas através de enunciados linguísticos.
É possível, como se compreende, exprimir a mesma norma através de diferentes enunciados, ou seja,
a mesma norma pode ser formulada de diversas formas. Assim, quando se interpreta esse suporte, que
é o texto, tenta-se descobrir qual o seu sentido e alcance, qual a norma ali contida, que pode ser mais
restrita ou mais ampla do que o enunciado pode fazer parecer.
Por essa razão é que a interpretação não tem resultados unívocos (uma coisa é o texto, outra é a norma,
embora aquele tenha de existir para que possamos aceder a ela).
Concluindo podemos a rmar que a norma realiza as seguintes funções: enunciar condutas devidas;
interesses que devem prevalecer.
A estrutura lógica da norma pode ser traduzível pelo seguinte esquema, que foi enunciado por Kelsen:
Contudo, esta relação entre pressuposto fático e consequência jurídica não é de causa efeito. A
consequência prevista pelo Direito pode não chegar a veri car-se em virtude de um conjunto de
vicissitudes, naturais ou resultantes da própria ação humana. Então, para a hipótese de a norma não ser
efetivamente cumprida, o Direito prevê a existência de sanções (W).
Portanto a fórmula será: Se “X”, deve ser “Y”. Se não for “Y”, deve ser “W”.
Acerca da noção de sanção vale a pena referir que, contraditoriamente à ideia de sanção como
consequência desagradável que o sistema jurídico atribui à violação de uma qualquer norma, Bobbio
contrapõe a ideia de sanção mais ampla, que englobaria as consequências agradáveis ou
desagradáveis que o sistema jurídico atribui à observância ou inobservância das suas normas (ex:
sanção positiva: concessão de isenções ou benefícios scais a quem adote certo tipo de comportamento).
Outra distinção doutrinal relevante é a que divide as sanções negativas em retributivas, que consistem
numa penalidade para quem viola uma norma jurídica, e reparadoras, que abarcam todas as que visam
compensar, atenuar ou anular os efeitos da violação, como é o caso de uma execução especí ca, da
indeminização ou da demolição do edi cado.
A sanção não deixa ela própria de poder ser vista como uma estatuição, uma vez que constitui uma
consequência para uma determinada hipótese factual – a do não cumprimento de uma estatuição prevista
numa norma anterior – razão pela qual acaba por ser mais simples falar apenas em previsão e estatuição,
daí não ser pací ca a inclusão da sanção como elemento estrutural das normas jurídicas.
Nota: Raramente encontramos, do ponto de vista textual, normas que correspondam exatamente a
esta estrutura, na medida em que nem sempre os elementos que compõe a norma estão no mesmo
artigo, ou sequer diploma normativo. É necessário realizar uma leitura de reelaboração e
reconstituição a partir do texto de diferentes dispositivos.
Exemplo de uma norma onde podemos identi car a estrutura: Artigo 1324º CC – Tesouros
Não encontramos unanimidade entre a doutrina na identi cação das características da norma jurídica.
Paulo Ferreira da Cunha aponta para as seguintes:
- Violabilidade: A norma jurídica não enuncia uma regra com o mesmo caráter necessário das leis da
física: por isso mesmo, num pressuposto de liberdade, podemos sempre violar a norma, cando
sujeitos à sanção estipulada, sem que daí advenha a sua perda de validade.
- Generalidade e abstração: A norma é abstrata porque não visa uma situação concreta, mas um
número indeterminado de situações. Ou seja, a norma jurídica não se refere a uma determinada e
especí ca ação ou comportamento, mas a uma categoria ou tipo de reação ou comportamento.
Por outro lado, a norma é geral porque não tem um destinatário especí co, mas uma pluralidade de
destinatários. Quer isto dizer que as normas jurídicas dirigem-se, indiscriminadamente, a todos os
sujeitos que possam encontrar-se na situação hipotética descrita.
É verdade, no entanto, que existem normas mais abstratas e mais gerais do que outras (ex: normas
que de nem as competências do Presidente de República).
Despachos de Mero Expediente: “destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no con ito de interesse entre as partes” — (art 147º, nº1 do
CPC);
Sentenças: “o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” (art 152º, nº2 do CPC);
A estrutura da sentença: (art 607º do CPC) — relatório (identi cação das partes; identi cação do objeto do litígio; questões que cumpre solucionar) + fundamentação
(identi cação dos factos provados e não provados e respetiva motivação; indicação, interpretação e aplicação das normas aplicáveis) + decisão nal;
Articulados: “peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes” (art 147º, nº1 do CPC);
Noti cação: “A noti cação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto” (art 219º, nº1 do CPC);
Citação: “A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se
ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa” (art 219º, nº2 do CPC);
Transito em julgado: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação” (art 628º do CPC);
Deferimento, procedente e provimento; Indeferimento, improcedente e sem provimento; Alçada; Decaimento; Autor; Réu; Sujeito Ativo; Sujeito Passivo; Ilícito; Crime e
Contra-ordenação, Multa e Coima; Responsabilidade Civil; Princípio ignorantia iuris non excusat; non quod est in actis non est in mundo; Tribunal a quo; Tribunal ad quem;
Norma ad hoc;
Colocar exemplos das normas no CC com post its para identi car facilmente caso pedido
- Codi cação:
Embora se date a primeira codi cação apenas para o séc. XIX, na Europa, com o Código de Napoleão,
podemos a rmar que já antes se utilizavam códigos, como o Código de Ur-Nammu (2040 a.C.), o Código
de Hammurabi (1694 a.C.; código da civilização babilónica) e mais tarde o Código de Justiniano. Todavia,
estes “códigos” eram apenas registos bastante primitivos, com os julgamentos e ensinamentos dirigidos
aos juízes (« Chama-se-lhes geralmente “códigos”, erradamente, aliás, pois não contêm senão um
pequeno número de disposições (30 a 60 art), relativas a questões de detalhe, e não uma exposição
distemática e completa do direito ou de parte do direito. São antes recolhas de textos jurídicos agrupados
de uma maneira ilógica, mas seguindo aquilo que parece ser o mecanismo instintivo da associação de
ideias. ... não parecem terem sido leias, mas antes, ... julgamentos de direito.... » « constituem no entanto
os primeiros esforços da humanidade para formular regas de direito. » — Gilissen — Introdução
Histórica ao Estudo do Direito), ou seja, não têm a mesma natureza dos códigos desde a modernidade.
Aliás, muitas vezes esses códigos estavam ordenados não por matéria, mas por ordem cronológica.
Nos códigos modernos, que foram fortemente impulsionados pelo Código de Napoleão, assiste-se a uma
intenção reguladora ex novo, de regular de novo e de modo inovador, o ordenamento jurídico e,
consequentemente, o Direito, não se tratando agora de seriações de textos, mas sim de códigos
sistemáticos, ordenados, cientí cos, elaborados segundo critérios de unidade interna do próprio
ramo do direito.
- Subsistia a ideia de que se podia in uenciar os países vizinhos através do Direito — plano externo.
- O contexto propício à elaboração de códigos, uma vez que se avança nesta época com estudos
doutrinários orientados para esta intenção sistemática — plano jurídico.
- Como causas práticas podemos de nir estado caótico em que se encontrava a legislação anterior,
assim como a dispersão de fontes jurídicas que di cultavam a aplicação do Direito e a necessidade
de criar instrumentos que permitissem uma aplicação mais segura do direito, que favorecessem a
segurança e certeza jurídicas.
Em que consiste um código? É uma lei em sentido material, mas não como as outras, visto que contém
a disciplina fundamental de certa matéria ou ramo de Direito e é elaborada de forma cientí ca,
sistemática e unitária.
É um instrumento tendencialmente estável, com aspiração de perenidade, o que signi ca que, a sua
alteração, tende a colocar em causa a estabilidade oferecida, ainda que seja necessária perante a evolução
da sociedade. Portanto, o legislador tem de atender a este equilíbrio evolução/estabilidade.
- Estatuto: também regula de modo coerente e sistemático uma determinada matéria, ou pode
regular atividades ou pro ssões, mas são matérias às quais falta a amplitude ou estabilidade
necessária para um código.
A codi cação apresenta vantagens e desvantagens, que devem ser ponderadas nas alterações
produzidas a um instrumento jurídico deste tipo:
Vantagens Desvantagens
Facilita o conhecimento do direito, em particular dos seus vários ramos. O facto de o código aspirar a perenidade, estabilidade e segurança jurídica constitui uma vantagem.
Contudo, pode transformar-se numa desvantagem se for levado ao extremo, no sentido em que pode
Favorece a coerência, a ausência de contradição entre normas, precisamente pelo seu caráter
oferecer uma resistência à mudança, mudança essa que se pode a gurar necessária para uma melhor
integrado e sistemático.
adequação às circunstâncias atuais, novas, que se colocam ao legislador a cada dia. Nesse sentido,
Facilita a construção cientí ca do direito e a procura da solução jurídica, constituindo um fator de o código pode signi car uma rigidez e cristalização do direito, que se torna pouco adequado às novas
unidade e integração. realidades. Pode levar à promoção de uma atitude extremamente legalista, que pode ser prejudicial à
sua boa aplicação e sobretudo a encontrar a solução mais adequada a cada caso, sobretudo nas
sociedades sujeitas a grande mudança nas quais vivemos.
- Partes gerais:
É uma técnica legislativa suscetível de ser encontrada nos códigos, mas não só, podemos veri car a sua
presença noutros diplomas como leis avulsas ou extravagantes.
São por vezes designadas “Disposições Gerais”, sobretudo nos diplomas avulsos. Exemplo: Livro I Código
Civil corresponde precisamente à “Parte Geral” (Livro II – Direito das Obrigações, Livro III – Das Coisas,
Livro IV – Da Família, Livro V – Das Sucessões).
- De nições:
Os juristas romanos defendiam que as de nições no Direito são perigosas (omnis de nitio in iure periculosa
est), devido ao facto de acarretarem a imposição de limites à aplicação do Direito, que poderão
impedir uma certa adaptação à realidade no caso de a de nição ser demasiado estrita ou
prescritiva. Nesta medida, corre-se o risco de colocar determinadas situações fora da de nição e,
consequentemente, da solução jurídica. Os enunciados legais que se limitam a estabelecer de nições e
classi cações não são normas autónomas ou completas: contém apenas partes de normas que hão-
de integrar outras disposições legais, resultando dessa combinação uma norma completa.
Existe uma discussão em torno da natureza descritiva ou prescritiva das normas de nitórias, ou seja,
questiona-se se estas constituem ou não um dever ser.
- Por um lado, há quem veja criticamente a utilização de de nições como uma intromissão do
legislador nos campos da dogmática e da jurisprudência, ou seja, defendem que a tarefa
daquele é apenas e tão só estipular regimes jurídicos, regular, e não de nir. (Não constitui um
dever ser).
- Por outro lado, Batista Machado e outros autores defendem que as de nições constituem parte
da hipótese legal, na medida em que constituem uma vontade ou intenção normativa do
legislador. Ou seja, este de ne para que o intérprete da lei saiba o signi cado que se pretende que
- Formais: se a remissão é feita tendo em atenção o facto de a norma para a qual se remete
ser aplicável em certo tempo e lugar. O objetivo é determinar qual a lei aplicável (ex: art 12º
e 46º CC);
- Intra-sistemáticas: remissões dentro do mesmo sistema jurídico (ex: art 1485º CC);
- Extra-sistemáticas: remissões para sistemas jurídicos diferentes (ex: art 1625º CC remete
para normas de direito canónico; 8º nº1 CRP abarca a receção do direito internacional no
direito português);
Ficções legais:
- Contudo, nem sempre assim é. A cção legal pode também servir como restrição, para evitar a
quali cação de certa situação de facto, ou pode ainda utilizar-se com o sentido de aclaração,
quando o legislador a empregue em lugar de uma norma interpretativa ou de uma de nição (ex:
212º nº3 CC).
- Presunções legais:
Encontram de nição na lei: art 349º CC, podendo ser legais ou judiciais.
As presunções legais têm relevo no domínio da prova e distinguem-se entre iuris tantum (regra) e iuris
et de iure (exceção), conforme resulta do art 350º nº2.
Este tipo de presunção confunde-se, por vezes, com a cção legal. Contudo, são guras
concetualmente distintas: na cção, a lei atribui a um facto as consequências jurídicas de outro, ao passo
que na presunção absoluta o legislador supõe, de modo irrefutável, que o facto presumido acompanha
sempre o facto que serve de base à presunção.
O Direito, para além de garantir segurança e certeza jurídicas através de um ordenamento jurídico que
compreende em si conceitos determinados, procura conter as propriedades necessárias para permitir a
sua exibilização e ajustamento às contingências sociais de tempo, lugar e modo.
Por isso, o legislador utiliza também conceitos indeterminados e cláusulas gerais.
As cláusulas gerais são normas com campo de aplicação aberto, redigidas em termos amplos e
inde nidos. Ou seja, ao invés de regular tipos casuísticos de situações determinadas, deixa a hipótese
de nida em termos tão amplos que permite aplicador uma maior exibilização na operação logística.
O legislador opta por estabelecer cláusulas gerais para obviar à inadequação da regulamentação
casuística: quer porque esta necessita de se moldar a uma realidade variável e mutável, quer porque
implica sempre o risco de gerar lacunas de regulamentação, sempre que a norma prevê de menos, atenta a
literalidade da sua previsão, e de exceção, sempre que a norma prevê de mais.
O Direito e os Factos:
Direito como facto:
O Direito só é útil enquanto se assumir como um instrumento capaz de ordenar a realidade de acordo com
determinados valores, então pode e deve também ser estudado na exata medida em que nos surge como
fenómeno, isto é, como facto (Direito é uma realidade que se expressa numa experiência jurídica, não é um
mero ideal). Assim surgem nos contributos de diferentes ciências sociais sobre o Direito: a antropologia
jurídica, a história do direito, a sociologia jurídica, etc.. Onde a sociologia jurídica visa o estudo das
condições empíricas da e cácia do Direito, da efetividade daquilo que ele pretende realizar, tendo especial
importância tanto para o Direito como para a política legislativa, na medida em que permite perceber qual a
legislação mais adequada para alcançar os objetivos traçados.
« Direito é um facto, lida com factos, cria factos, pressupõe factos. Sem eles, não é. » — Paulo Ferreira da
Cunha, Filoso a do Direito, p. 308.
O Direito atua sobre a realidade social apreendendo-a e tipi cando-a num conjunto de factos que a
norma descreve na sua previsão e, cuja veri cação, como sabemos, determina a aplicação da sua
indicação prescritiva. Logo, é imprescindível a consideração prioritária, em cada processo judicial, da
factualidade à qual deverá aplicar-se a norma. Assim, podemos identi car dois momentos
processualmente distintos, que se implicam/relacionam mutuamente (a seleção dos factos relevantes, para
posterior quali cação jurídica de uma determinada situação de facto, pressupõe já o conhecimento prévio
e uma intuição sobre as normas jurídicas aplicáveis): o momento da apreciação da questão de facto e o
momento da apreciação da questão de direito, cuja distinção nem sempre é clara.
- Num processo judicial, por norma, o juiz começa por apreciar a existência ou não de certos factos
(alegados na ação como determinantes da aplicação do direito, relevando uma enorme importância
para o desfecho da ação) e a sua exata con guração, para logo depois determinar qual a norma
aplicável.
- O juiz não acede diretamente aos factos, mas antes a relatos de facto, a narrações que
carecem de um julgamento valorativo e são frequentemente contestadas pela outra parte.
Assim, com base na prova que apresentada e da valoração que dela faz, o juiz determina quais os
factos provados e não provados.
A avaliação dos factos exige também muitas vezes do julgador uma análise não só dos factos passados,
mas de factos presentes e futuros, ou até de um futuro que se frustrou.
O art 341º CC a rma que “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”, porém,
a verdade a que se chega no contexto do processo judicial não tem o mesmo caráter de verdade
cientí ca, mais é uma verdade prática, ou seja, uma verdade que emerge dos factos que cam
provados e que é condicionada pelas regras processuais (as quais podem não ter como valor
prevalecente a verdade, isto é, há situações nas quais o Direito entende que existem outros valores que
se sobrepõe à descoberta da verdade, como, por exemplo, o valor da proteção de determinadas
relações familiares, ao permitir as escusas de depoimento de certas pessoas, por estas razões, a verdade a
que se chega pode não coincidir com a realidade dos acontecimentos).
2. O facto é dado como não verdadeiro, por existir prova em sentido contrário à do
facto;
3. O facto é dado como não provado, uma vez que a prova realizada não é su ciente
para chegar a uma conclusão.
O Ónus da Prova:
A regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo. É o que
conceptualmente se designa de ónus de prova. Para analisar este instrumento devemos tomar em
consideração os art 342º e 8º CC:
Este artigo explicita que o juiz não pode abster-se de julgar com base na alegação de dúvida acerca
dos factos em litígio, levantando a questão de saber como pode o juiz decidir em boa consciência nesses
casos — é através do ónus de prova, um instrumento importantíssimo para o Direito, que é permitido ao
juiz decidir, mesmo nas situações em que existem dúvidas quanto à realidade dos factos.
É o art 342º onde o legislador procedeu à distribuição do ónus da prova, determinando sobre a quem recai
a obrigação de provar determinados factos:
A regra geral, que o Direito aceita, é a de que recai sobre os litigentes a prova dos factos de cuja
alegação e veri cação depende da viabilidade da pretensão que querem fazer vingar na ação, ou
seja, em regra, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito
alegado. Caso não o façam, os factos são dados como não provados e não entram em linha de conta no
julgamento (em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito).
Por vezes, no entanto, o próprio Direito pode ser objeto de prova. É o que acontece no nosso ordenamento
com o costume e com o Direito estrangeiro. Aqueles que pretendem acolher-se a uma norma
consuetudinária ou a uma norma jurídica de um ordenamento jurídico que não seja o português veem recair
sobre si o ónus (a obrigação) da sua prova – fornecer garantias su cientes que sustentem a posição.
Há, em respeito ao ónus de prova, diferenças substanciais entre o processo civil e o processo penal:
- Processo Penal regula princípio do inquisitório, cabe ao juiz dirigir a produção de prova e incrente
determinação de factos. Aplica-se ainda o princípio in dubio pro reu, resultado do princípio da
presunção de inocência (32º nº2 CRP): o réu presume-se inocente e esta presunção só pode ser
ilidida mediante prova de factos em contrário, assim, o ónus da prova cabe à acusação e em caso
de dúvida sobre a verdade dos factos, o arguido é absolvido.
- Diferença assenta na natureza distinta num caso e no outro — processo civil é de natureza
eminentemente particular; processo penal é de natureza predominantemente público.
Cada regra jurídica assenta na realização de certos valores e o ordenamento é obrigatório porque plasma
os valores de uma comunidade.
Mesmo as leis que pareçam puramente coercitivas realizam a ordem como valor integrante do conceito de
justiça. Portanto, as normas não são meras formas vazias de conteúdo. Deve reconhecer-se-lhes validade
atendendo ao seu especí co conteúdo normativo.
- Da tensão dialética entre a validade e a e cácia surge a vigência: o direito não existe enquanto puro
ideal nem enquanto puro facto. Ou seja, as pessoas atentam contra os valores fundamentais da
sociedade, não cumprem sempre as normas, e não é por isso que o Direito deixa de ser vigente
(« A vigência é o dever-ser que é »— Castanheira Neves).
Assim, aceita-se uma conceção que alia a vigência à validade e e cácia, sendo estas mutuamente
dependentes: a vigência implica a referência aos valores que estiveram na ordem da norma e depende
também das condições fáticas capazes de assegurar a vigência social.
- Positivismo normativista: Kelsen entendia a e cácia com o signi cado de cumprimento pelos
homens das indicações contidas nas normas jurídicas, pelo que a e cácia predica a conduta
humana, mas não o Direito. Questão de validade é, portando, eminentemente jurídica e pertence ao
objeto da ciência jurídica, já a e cácia é algo que pertenceria ao universo da sociologia, no entanto
funcionará como condição da validade (uma norma só é válida quando pertence a um sistema
normativo considerado, no seu conjunto, e caz.
Ou seja, dá-se uma redução da validade à vigência formal, uma vez que a validade de uma norma
depende da sua relação com as outras normas do sistema jurídico em que se integra, em particular
as de grau superior.
- Hart: separa as questões da validade e e cácia, a rmando que a validade é uma categoria
normativa que só se faz sentido se referida ao plano interno de um dado sistema de jurídico —
norma é valida se ela respeita as condições de validade que a regra de reconhecimento estabelece;
independentemente da sua validade ela pode ser e caz.
É difícil, se não impossível, formular uma “teoria de incumprimento”, mas nada impede de identi car os
fatores que provocam a ine cácia:
- Ponto de vista de Otero Parga e Francisco Puy Muñoz — culpa exclusiva dos seus defeitos de
concepção, pelos seus erros regulativos, pelas suas múltiplas contradições e pela sua obscuridade.
Obviamente, todos devem obediência à lei. Contudo, torna-se pertinente a questão de saber o que fazer
quando uma norma se nos revela (ou ao juiz) absolutamente injusta. Neste âmbito, o nosso Código Civil é
particularmente explícito ao considerar que o juiz não pode afastar a sua aplicação sob pretexto de a lei ser
injusta ou imoral (8º nº2 CC).
A lei consagra aquilo que emerge da consciência jurídica geral. O que se pretende é que o juiz não faça
substituir o seu critério de justiça ao critério que emerge da lei legitimada democraticamente.
O que se pretende com o artigo 8º é garantir, acima de tudo, uma obediência ao Direito. A lei deve ser
analisada no conjunto do ordenamento jurídico. Muitas vezes, com recurso à interpretação, aquele que
parece um preceito desajustado face aos valores a concretizar acaba por perder grande parte da sua
aparência de injustiça para se integrar nos objetivos gerais do ordenamento jurídico.
Ainda assim, é possível entender uma lei como injusta face às intenções axiológicas. Existem inclusive
duas guras que manifestam o reconhecimento, por parte do legislador constituinte, da possibilidade de
existência de um con ito entre a lei e o Direito:
- Desobediência civil — ato público, coletivo e não violento que tem por objetivo combater/alterar
uma lei injusta. É necessário cumprir determinados requisitos para que a desobediência para seja
considerada ainda dentro do Direito, embora fora da lei; gura que pode aludir ao con ito entre o
direito e a justiça.
- Direito de resistência (21º CRP) — reconhecimento de um direito de resistir a uma ordem que
ofenda Direitos, Liberdades e Garantias. Integra uma ideia de autotutela, de garantia dos próprios
direitos. É subsidiário, funciona como válvula de escape, como garantia de última ratio.
Então, para aqueles autores que vêem o conhecimento e estudo do Direito como uma ciência, esta teria
objeto direto o Direito Positivo, cuja missão deveria descrever e analisar objetivamente como é, e qual é o
Direito vigente. A partir das normas jurídicas, ela desenvolve uma tarefa de construção de instituições e
conceitos jurídicos fundamentais e de sistematização do ordenamento jurídico, cuja atividade é teórico-
prática.
Podemos distinguir dois modelos de ciência, assente na recolha e análise de dados empíricos, na
elaboração de modelos matemáticos e na validação de hipóteses que levariam à elaboração de teorias de
validade geral, sem limites geográ cos:
- Como ciência empírica — é fundada na experiência, naquilo que se pode veri car do ponto de
vista empírico, através da observação e experimentação.
- Como ciência de cariz lógico-dedutivo — uma ciência exata, cujos resultados eram totalmente
convincentes e universalmente válidos.
- Pode o Direito ser uma ciência? — As críticas de Kirchmann e a revisão do conceito de ciência
com a loso a de Popper:
Kirchmann foi o escritor da crítica mais célebre à cienti cidade do Direito (obra: “A jurisprudência não é
ciência”). No seu núcleo estava a questão de que o objeto de estudo da jurisprudência do Direito é
positivo, logo, um objeto preciso, variável e inconstante.
“Quando a ciência faz do contingente o seu objetivo, ela própria se torna contingente; três palavras
reti cadores do legislador do legislador convertem bibliotecas inteiras em lixo”.
As ciências naturais reúnem as notas da universalidade, estabilidade e até imutabilidade, a que o Direito
não pode aspirar.
Já Blaisse Pascal havia feito referência a esta questão. De facto, considerando o modelo positivista,
surgem di culdades em enquadrar o Direito como ciência, uma vez que este tem limites geográ cos e
temporais que tornam difícil concebê-lo como universal.
Apesar disso, também o Direito tenta a rmar a sua cienti cidade. Para tal, foi fundamental a pandectística
alemã, que fora desenvolvida também no século XIX. A ideia central era a de que existem
determinados conceitos jurídicos aos quais o esforço intelectual dos juristas seria capaz de dar um
valor geral, universal. Assim, apesar de provirem do Direito positivo, poderiam ser desenvolvidos de
modo independente de qualquer sistema jurídico, pelo que teriam validade universal (ex: conceito de
herança, contrato, propriedade). A ciência jurídica consistiria nesses conceitos, que se transformavam em
entidades supralegais.
A pandetística conseguiu um ar sério e respeitável durante o séc. XIX e o primeiro terço do séc. XX, tendo
in uenciado vários países da Europa Continental, em particular a Itália, no entanto, e apesar de todo o seu
mérito, hoje em dia são reconhecidos limites à pandectística alemã. Desde logo, acabou por se construir
No século XX, foi ainda possível assistir a uma revisão profunda do conceito de ciência, tendo sido
abandonados muitos destes dogmas. Karl Popper defende que a ciência evoluiu por uma série de
tentativas e erros sucessivos, desligando-se assim da imagem sacralizada. Cada etapa vencida, cada teste
ultrapassado vitoriosamente, é o apenas de modo provisório, até futura prova contrária, ou seja, uma teoria
não pode ser provada verdadeira, mas apenas pode ser provada falsa.
Podendo acentuar:
- Ciências jurídicas humanísticas: Saberes que, não constituindo propriamente ramos do direito, são
mais primariamente vitais para a compreensão do jurídico. Vivem paredes meias com outras áreas
cientí cas. É o caso da Filoso a do Direito, Teoria do Direito, História do Direito, Metodologia Jurídica,
Direito Comparado, Antropologia jurídica, Sociologia do Direito e da Psicologia do Direito.
- Ciências jurídicas materiais: Correspondem aos diferentes ramos do Direito. Ex: Direito Constitucional,
Direito Penal, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário. Correspondem à maior parte dos
casos, faz-se por correspondência com o ramo de direito especí co, que é o seu objetivo de estudo.
Nos ordenamentos jurídicos arcaicos não encontramos esta distinção, embora ela seja já referida há vários
séculos, por exemplo, encontramos no Código de Justiniano a ideia, que ainda hoje se encontra em
prática, de que o Direito Público seria aquele que se refere ao estado da coisa romana; e o Direito
Privado aquele que se refere à utilidade dos indivíduos.
Já a autonomização entre Direito Público e Direito Privado surge com o Estado moderno, surge no
séc. XVII, sobretudo com a revolução francesa e as teorias contratualistas, com a ideia de que existe um
- Apesar de marcadamente cultural, esta distinção tem relevância cientí ca, pedagógica, mas sobretudo
prática:
- Jurisdição (organização judiciária, à parte de outros Tribunais) que, em Portugal assenta em duas
grandes jurisdições autónomas: a jurisdição judicial e a jurisdição dos tribunais administrativos e
scais. Neste caso, a distinção entre Direito Público e Privado ajuda nos a para perceber que
jurisdição seguir, ou seja, em qual delas intentar as ações.
Posto isto, é necessário perceber o que distingue o Direito Público do Direito Privado. Existem três critérios
de distinção que são mais consensualmente referidos:
- Todavia, considera-se este critério inadequado, uma vez que há normas jurídicas que
prosseguem simultaneamente interesses públicos e privados. (Ex: As normas que estabelecem
uma maior solenidade para determinados atos dos particulares – como por exemplo a aquisição de
bens imóveis, que estão sujeitos a escritura pública e registo – tutelam tanto interesses públicos,
porque o estado tem interesse na segurança dos negócios jurídicos que contendem com bens
imóveis; como particulares, porque estabelecer uma forma mais solene para um determinado ato
confere à parte que o celebra oportunidade de pensar melhor sobre ele).
- Por isso, procurou-se atenuar este critério acrescentando a nota de predomínio aos
interesses a prosseguir. Assim, se a norma prosseguisse interesses predominantemente
públicos pertenceria ao Direito Público; se predominantemente privados, pertenceria ao
Direito Privado. Porém, nem mesmo esta versão se considera satisfatória, desde logo porque
pode haver discordância sobre qual seria esse interesse predominante. Não resultariam daqui
resultados unívocos.
- Critério da qualidade dos sujeitos: o Direito Público disciplina as relações que se estabelecem entre
entes de Direito público (o Estado ou qualquer ente público); o Direito Privado regula as relações
entre entes de Direito privado, entre particulares.
- Critica-se este critério com base no argumento de que não oferece solução para as relações
mistas, entre um particular e um ente público, e ainda a redundância, visto que a classi cação
do ente como público ou privado resulta já ou da própria lei, o que implicaria já a quali cação da
norma, ou do interesse prosseguido pelo ente, remetendo novamente para o critério do interesse.
- Critério da posição dos sujeitos: relaciona-se com o tipo de poder exercido. O Direito Público
regula relações de supra-infra-ordenação, ou seja, em que uma das partes detém poder sobre a
outra, ao passo que o Direito Privado estabelece a disciplina jurídica de relações caracterizadas
pela paridade, na medida em que as partes se encontram no mesmo patamar.
- Novamente aqui veri camos ser este critério insu ciente, na medida em que encontramos relações
jurídicas que não correspondem a estes modelos típicos. Apesar de a supra-infra ordenação
permitir caracterizar muitas das relações que se estabelecem entre o Estado e os particulares, na
medida em que aquele está dotado de um poder de autoridade, podemos também encontrar
relações entre particulares igualmente caracterizadas por uma supra-infra ordenação, por um poder
Levantadas estas questões, a melhor solução é classi car as normas como sendo de Direito Público
ou de Direito Privado com base na cumulação de critérios, sobretudo os critérios da posição e da
qualidade dos sujeitos, assim:
- São normas de Direito Público aquelas que regulam as relações entre os entes públicos ou as
relações que se estabeleçam entre um particular e uma entidade pública, em que a entidade
pública está dotada de um poder de autoridade, de ius imperii, na medida em que se encontra
numa posição de superioridade face ao particular.
- São normas de Direito Privado aquelas que regulam relações entre os particulares ou entre um
particular e uma entidade pública, nos casos em que estes se encontram numa situação de
paridade (há situações o Estado atua como um particular – ex: Estado instala uma repartição de
nanças no prédio de um particular, arrendando parte dele).
Ainda assim, há determinados ramos do direito e determinadas normas que são classi cadas como
híbridas, na medida em que não é possível classi cá-las apenas como Direito Público ou Direito Privado. É
o caso do Direito da Saúde. O tema comum – a saúde – pode abranger diferentes matérias e acaba por se
cruzar tanto com um e outro, dependendo da situação concreta (ex: uma questão de erro médico pode ser
tratada de forma muito diferente consoante estejamos perante um erro cometido por um pro ssional do
SNS, que é funcionário do Estado, ou um pro ssional de um hospital privado. Defere, inclusive, do ponto de
vista da jurisdição).
Miguel Nogueira de Brito: “Assim, podemos talvez dizer que o Direito Público é o « Direito especial do
Estado », enquanto o Direito Privado é o « Direito de qualquer pessoa », sendo certo que também o
Estado pode atuar como « qualquer pessoa », quando prossegue determinadas tarefas sem recurso
a poderes de autoridade. Enquanto o Estado apenas atua com fundamento e nos limites da lei,
« qualquer pessoa » atua livremente, com fundamento na sua autonomia privada”. Apura-se aqui uma
diferença fundamental entre Direito Público e Direito Privado: No Direito Público, aquilo que não é
permitido é proibido; no Direito Privado tudo é permitido, exceto aquilo que é proibido. Enquanto o
Estado só pode atuar com base na lei, os particulares podem atuar livremente, exceto naquilo que a lei
proibir. A lógica entre um e outro é essencialmente distinta.
Portanto:
Ramos do Direito:
- Direito Constitucional – Tem por base a lei fundamental da comunidade política, a constituição.
Estabelece os direitos e os deveres dos cidadãos e organiza a comunidade política, identi cando os
poderes políticos.
- Direito tributário – Regula a obtenção de receitas coativas. Tem que ver com os tributos (ex: impostos,
taxas).
- Direito penal – Protege os bens jurídicos fundamentais, interesses e valores primordiais da comunidade
que o Direito entende merecedores de uma tutela mais forte, na medida em que é necessária, para a
proteção desses bens, a existência de sanções mais agravadas, as penas, que podem resultar na
restrição de um direito fundamental, a liberdade. Regula aquilo que é crime.
- Direito processual – Conjunto de normas que regulam o processo. Tem natureza adjetiva, instrumental, é
um meio para atingir ns. Note-se que mesmo tratando-se do direito processual de um ramo de Direito
privado (Direito processual civil), ele é quali cado enquanto ramo de Direito público, precisamente
porque regula a relação do particular com os tribunais enquanto órgãos de soberania.
- Direito internacional público – Regula as relações entre os Estados e outros sujeitos de Direito público
(ex: organizações internacionais). Não tem ele próprio nenhuma autoridade superior. As normas surgem e
são acauteladas pelos seus próprios sujeitos.
- Direito civil – “Direito-regra”, dos particulares. É o Direito privado comum, o mais antigo, muito
desenvolvido desde o tempo dos romanos. Normas que regulam a condição normal das pessoas, dos
seus bens, das relações que se estabelecem entre elas, etc. É o direito que mais diretamente regula a
nossa vida do dia-a-dia. É ele próprio repositório de alguns princípios a aspetos comuns a todo o direito.
- Dentro deste, distinguem-se quatro ramos do direito, que correspondem a quatro dos livros que
compõe o Código Civil (total de 5 livros, sendo que o primeiro corresponde à “parte geral”):
- Direito das obrigações – Regula o trato de bens e serviços, as trocas entre particulares, mas
também a responsabilidade, a reparação de danos. Encontramos aqui uma instituição
fundamental: os contratos, que constituem o instrumento mais utilizado no direito entre os
particulares. É por meio de contratos que se estabelece grande parte das relações jurídicos
entre particulares, sendo que alguns deles estão especialmente regulados no Código Civil.
- Direitos reais – Designado “Direito das coisas”. Visa regular os poderes que se podem ter
sobre ou em relação às coisas. Tem como instituição central a propriedade.
- Direito das sucessões – Regula o que acontece ao património de alguém após a morte – as
heranças. Ou seja, regula a sucessão por morte dos bens do falecido.
- Direito comercial – Foi elaborado devido às necessidades especí cas do comércio (necessidades de
celeridade, de maior rapidez nas transações e simultaneamente de maior segurança) que levaram à
criação de normas especiais, que, no seu conjunto, vieram a constituir um ramo do Direito especial face
ao Direito Civil. Começou por ser o Direito de uma classe, a dos comerciantes, contudo, atualmente a
visão é diferente: é objetivamente o Direito dos atos de comércio.
- Direito do trabalho – Constitui também um ramo especial face ao direito civil. Regula as relações entre os
trabalhadores e os empregadores, que são relações de subordinação. É essa a sua especi cidade face
ao direito civil: o Direito do trabalho assume que existe essa relação de subordinação, por isso, tem mais
vincado o princípio de proteção da parte mais fraca, assumindo que o trabalhador se encontra numa
posição mais frágil relativamente ao empregador.
- Direito Internacional Privado – Direito interno que regula situações que tem conexão com distintos
ordenamentos jurídicos, daí a ideia de internacional. Existem vários diplomas, contudo, encontramos o
Direito da União Europeia: O Direito português, emanado por fontes estaduais, encontra-se
intimamente ligado ao Direito da UE, que se encontra presente em todo o ordenamento, regulando
os mais diversos aspetos da nossa vida. Portanto, é um Direito que irradia para todo o ordenamento
jurídico e que determina muitas das normas pelas quais nos regemos.
- Ou seja, a lei não só delimita negativamente as fronteiras fora das quais não é possível
haver atuação, como também dá as bases para essa atuação.
- Princípio da oportunidade:
- Da esfera administrativa (administração pública: diversos órgãos/entidades que
podemos agrupar na administração publica: braço executivo do governo), que vem dar
uma nota distinta do princípio da legalidade, contudo, deve ser articulado com ele.
- Por essa razão, os Tribunais são independentes entre si e estão sujeitos à lei e apenas à
lei. Cada tribunal é independente dos demais. A hierarquia de Tribunais não signi ca
subordinação ou poderes de direção dos juízes de tribunais superiores sobre juízes de
tribunais inferiores.
- Também relacionado com este princípio está a independência dos juízes, que se traduz
noutros princípios, desde logo o princípio da inamovibilidade, no sentido em que os
juízes podem mudar de tribunal, mas isso tem determinadas condicionantes e limites; e
o princípio da irresponsabilidade (216º CRP).
- Princípio da imparcialidade:
- Consagrado no artigo 216º CRP.
- O juiz deve ser imparcial, o que signi ca que este não pode ter nenhum outro interesse
na decisão da causa que não seja o da boa aplicação da lei.
- Cada um deve conformar as suas relações jurídicas de acordo com os seus próprios
critérios.
- Esta ideia de boa fé abrange o período pré-contratual (ex: 227º nº1 CC), contratual (ex:
236º, 239º, 334º CC) e pós-contratual (ex: 762º nº2 CC).
- Princípio que permite reconhecer a todos igual capacidade para exercer a sua autonomia
privada, igual capacidade para conformar as suas relações como e conforme entender,
independentemente das suas circunstâncias próprias.
- Existem fortes tensões entre igualdade formal e autonomia, na medida em que uma
autonomia privada baseada numa igualdade formal sem limitações pode conduzir à
eliminação dos mais fracos pelos mais fortes, e, consequentemente, à eliminação da
própria autonomia privada.
- Princípio da responsabilidade:
- Princípio que se articula com o princípio da autonomia privada: duas faces da mesma
moeda. Cada pessoa é autónoma, livre para conformar as suas relações jurídicas, e,
consequentemente, responsável, podendo sempre ser responsabilizada pelos atos
praticados.
- Existe o princípio geral casum sentit dominus, que informa que se alguém sofre um dano
é responsável por ele e tem de o suportar. Contudo, o princípio é diferente no caso de o
dano ser causado por outra pessoa. Neste caso, aplica-se princípio da responsabilidade
pelos danos causados. Neste âmbito, podemos distinguir dois tipos de
responsabilidade:
A Teoria Geral do Direito baseia-se no estudo destes conceitos, procurando os critérios de utilização por
parte dos juristas e cidadãos, ajudando a eliminar o carácter vago e a ambiguidade das expressões e
reforçando as relações lógicas que devem existir entre os vários conceitos no sentido de melhorar garantir
a coerência e economia dos sistemas jurídicas:
Relação Jurídica:
Uma relação jurídica de ne-se como uma relação da vida social onde o direito não lhe é indiferente,
ou seja, vai produzir certos elementos importantes para o Direito, sendo relevante para este. Um exemplo
de uma relação jurídica é a relação de compra e venda.
- Os elementos externos de uma relação jurídica são os sujeitos, objeto jurídico, facto jurídico e garantia:
Elementos Externos:
São as pessoas entre quem se estabelece o vinculo, o titular do direito e do objeto, onde o
Sujeitos sujeito ativo da relação jurídica é o titular do direito subjetivo e o sujeito passivo da relação é
aquele que é titular de um dever jurídico, que se encontra num estado de sujeição.
Objeto jurídico Aquilo sobre que incidem os poderes do titular ativo da relação jurídica.
É um facto, um evento , um acontecimento, quer natural, quer por ação humana, que
desencadeia ações jurídicas. É jurídico porque tem relevância para o Direito, produz efeitos
Facto Jurídico jurídicos, ou seja, evento sobre o qual o Direito algo diz.
É um elemento que não conseguimos ver e destina-se a atuar apenas quando necessário.
Consiste no conjunto de meios que estão à disposição do sujeito ativo para os casos em que
as coisas não correm bem, isto é, por exemplo, quando o produto não se encontra nas melhores
condições. Na maioria das relações jurídicas não será preciso acionar estas garantias, uma vez que
as pessoas cumprem os seus deveres, tudo ocorre como é suposto, não existe nenhuma patologia
Garantia na relação jurídica. Cabe ao Direito garantir aquilo que são os direitos das pessoas.
Por vezes basta uma ameaça de violação do direito para já se poderem acionar determinadas
garantias para que o direito não seja violado. É o caso das chamadas providências cautelares.
Temos na garantia um elemento virtual na relação jurídica, nem sempre atua, mas não é por isso que
deixa de fazer parte da relação jurídica.
- A Teoria da Vontade, cujo o seu mais notável defensor foi Savigny, que de nia o direito subjetivo
como expressão de vontade de um sujeito para poder atuar ou projetar-se sobre as coisas ou sobre
os comportamentos das pessoas.
- A Teoria do Interesse é proposta apresentada por Ihering, que apresenta o direito subjetivo como
interesse juridicamente protegido.
- A Teoria Eclética, onde Jellinek combina elementos da duas teorias anteriores numa teoria que
de ne o Direito Subjetivo como “um interesse tutelado pela lei, mediante o reconhecimento da
vontade individual”.
- A Teoria da Proteção perspetivada por Augusto Thon, que descreve o Direito subjetivo como tutela
ou proteção que o ordenamento jurídico oferece ao titular de um direito para que, em dada
situação, sirva aos seus interesses.
- Acabamos por perceber que são teorias que não divergem muito umas das outras, uma vez que são
mais o sublinhar de uma certa dimensão do que a exclusão das outras.
Posto isto, podemos reconhecer que a de nição adotada atualmente é na verdade a de Mota Pinto:
- “O Direito Subjetivo pode de nir-se como poder jurídico (signi ca que este Direito é reconhecido
pela ordem jurídica a uma pessoa) de livremente (Direito exercido livremente: ato de vontade,
manifestação da autonomia privada; está na disponibilidade do seu titular, o que permite distingui-
lo de outras guras) exigir ou pretender (não surgem como sinónimos: exigir para nos referir às
obrigações civis, ou seja, traduz-se num poder de exigir quando estamos perante uma obrigação
civil; poder de pretender quando estamos no âmbito das obrigações naturais — 402º CC — não
são judicialmente exigíveis, ou seja, não podemos exigir o seu cumprimento, mas podemos
pretender que ela seja cumprida pelo seu devedor; portanto, o direito considera que uma
obrigação natural, assim cumprida, espontaneamente, corresponde ao cumprimento de uma
obrigação e é nisso que consiste a sua garantia, é uma garantia mais fraca, mas que não deixa de
- Nesta de nição é relevante a rmar que: nos é possível distinguir duas dimensões ao direito subjetivo:
direito subjetivo stricto sensu (1ª parte; vermelho com a explicação a preto) e direito potestativo (2ª
parte; amarelo com a explicação a preto).
Ao direito subjetivo em sentido estrito contrapõe-se um dever jurídico, ou seja, o titular do direito
subjetivo, o sujeito ativo, tem o direito em relação ao sujeito passivo e este tem um dever jurídico,
que corresponde a um comportamento.
- Titular do Direito Subjetivo é o sujeito ativo, que tem direito em relação ao sujeito passivo. O
sujeito passivo tem um dever jurídico — que pode constituir numa obrigação civil, se é
correlato de um direito de exigir o seu cumprimento (por recurso às garantias do Direito, em
particular as judiciais) ou numa obrigação natural, se o direito a que corresponde já não goza
das garantias do foro — de facere, non facere, ou seja, de um comportamento.
- Direito Potestativo:
Enquanto o dever jurídico pode ser cumprido ou não (acionando-se a garantia neste caso), a
sujeição é inelutável.
- Poder Jurídico stricto sensu: não existe uma contraparte vinculada e um dever jurídico,
consistindo em simples e imediatas manifestações de capacidade jurídica do sujeito de direito. Não
existe vinculação do sujeito a um comportamento.
- Expectativa Jurídica: existe uma situação jurídica, mas ainda não há um direito subjetivo (a
doutrina tutelada que corresponde a um estádio do processo incompleto de formação de um
direito). Corresponde a uma fase do processo de formação do direito subjetivo que ainda não se
completou. Existe a possibilidade de vir a adquirir futuramente um direito, veri cando-se já
parcialmente a situação que se pretende um direito. A pessoa ainda não tem um direito, mas sim,
uma expectativa jurídica. Uma fase do processo incompleto da formação do direito. Ex: Caso dos
herdeiros.
- A relação jurídica esta dentro da situação jurídica, é mais concreta, é uma subcategoria em que
temos um vínculo entre duas ou mais pessoas, enquanto a situação jurídica é mais ampla, remete-
nos para a possibilidade de fazer, pretender, algo, de maneira garantida, nos limites do direito,
poderíamos incluir a posição o sujeito se encontra face ao Direito, os seus direitos e deveres, sem
os reconduzir necessariamente a uma relação com outros.
Os Sujeitos de Direito:
O conceito sujeitos do Direito remete-nos automaticamente para o termo personalidade, de nida por
suscetibilidade de direitos e obrigações que só ao homem pertence e o termo pessoas,
independentemente da raça, género, ascendência e características físicas, que, no nosso quotidiano é
facilmente de nido como seres humanos. Embora possamos abordar a questão losó ca por trás da
de nição de pessoas, esta não é relevante para o Direto.
Bom, embora o Direito seja construído com base na nossa linguagem, ou seja, em grande medida é
coincidente com os termos usados no dia a dia, há especi cidades técnicas no Direito que obrigam uma
linguagem mais técnica, atribuindo este sentido às palavras, é o caso da noção de pessoa para os efeitos
do Direito. Um exemplo que poderemos mencionar quando falamos da diferença entre a linguagem
corrente e a linguagem do Direito é o facto de ter havido tempos em que nem todos os seres humanos
foram pessoas e que, ainda hoje, muitos Direitos estabelecem estatutos especiais para certas
categorias de seres humanos que representam a nal uma verdadeira e injusti cável instituição de
capitis deminutio.
Abstraíndo-nos das diferenciações que sugerem que nem todos os seres humanos são pessoas ou que
nem todas as pessoas devem ter direitos iguais, veremos agora quem é o sujeito do Direito, ou melhor
quem é a pessoa para efeitos jurídicos:
É, aliás, nesta sede que se regula o momento de aquisição e termo da personalidade (arts 66 e 68º) e este
é o signi cado especí co de pessoa para o Direito, é o que faz de alguém pessoa para o Direito, ou melhor
ainda, aquele que possui esta dita personalidade, bem como a capacidade jurídica (art 67º).
- Mas, então, o que são pessoas para o Direito? Pessoas podem ser singulares ou coletivas.
- Art 66º nº1 CC: início da personalidade jurídica nas pessoas singulares – nascimento completo e com
vida.
- A personalidade das pessoas físicas adquire-se, então, com o nascimento e cessa com a
morte.
O regime jurídico das pessoas singulares pode-se dizer que mesmo dizer “existente” antes do nascimento,
uma vez que já existe vida humana e que a dignidade da pessoa e o respeito por valores centrais do nosso
Direito, como a igualdade, justi cam que a proteção jurídica oferecida a cada ser humano vá para lá
daquelas balizas naturais: tutela jurídica dos nascituros, aqueles que ainda não nasceram, vida humana
intra-uterina, — art 66º nº2, 952º, 1855º, 2033º nº1 e 2 alínea a), 2240º CC — e dos concepturos, aqueles
que ainda não foram concebidos. Porém, os direitos que lhes são reconhecidos dependem do nascimento,
e, portanto, irão efetivar-se depois do nascimento.
Por exemplo: no caso de uma mulher grávida ser atropelada, o nascituro sofre lesões dentro do ventre
materno e, embora no momento em que sofre a lesão não tenha tutela jurídica, será suscetível de
indemnização, visto que é inegável o facto de uma pessoa que sofre a lesão é a mesma que nasce, logo no
momento em que nasce dá-se a aquisição deste direito.
Como já mencionado, dá se a cessação da personalidade jurídica com a morte, como demonstrado no art
68º.
- Mas o que é a Morte? O Direito menciona diferentes situações em que se reconhece, do ponto de
vista jurídico, a morte:
- Quando se tem a certeza da existência da morte, falamos da morte natural, aquela que é
demonstrada no art 68º nº1 CC e na Lei 141/99 de 28 de agosto, que criteriza de forma
cientí ca a veri cação da morte (art 2º).
- Estas situações são diferentes daquelas que decorrem do art 114º (e seguintes — remissão
para art 68º CC) CC, que menciona o caso da morte presumida: “Decorridos dez anos sobre
a data das últimas notícias, ou passados cinco anos, se entretanto o ausente houver
completado oitenta anos de idade, podem os interessados a que se refere o artigo 100º”
(Quem pode requerer? São interessados na justi cação da ausência o cônjuge não separado
judicialmente de pessoas e bens, os herdeiros do ausente e todos os que tiverem sobre os
bens do ausente direito dependente da condição da sua morte.) “requerer a declaração de
morte presumida.”.
Para proceder ao pedido da declaração de morte presumida: “A declaração de morte
presumida não será proferida antes de haverem decorrido cinco anos sobre a data em que o
ausente, se fosse vivo, atingiria a maioridade.” “A declaração de morte presumida do ausente
não depende de prévia instalação da curadoria provisória ou de nitiva e referir-se-á ao m do
dia das últimas notícias que dele houve.”
Para efeitos jurídicos a morte presumida: ”produz os mesmos efeitos que a morte, mas não
dissolve o casamento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte” (art 115º; Redacção do
Dec.-Lei 496/77, de 25-11) e, por sua vez, “O cônjuge do ausente casado civilmente pode
contrair novo casamento; neste caso, se o ausente regressar, ou houver notícia de que era
vivo quando foram celebradas as novas núpcias, considera- se o primeiro matrimónio
dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida.” (art 116º). O que acontece
caso o ausente retorna? Não é relevante para o estudo desta UC.
Correspondem aos casos em que a personalidade se projeta para além da morte, são muito
paradigmáticos. Um exemplo será art 71º nº1 CC, que se insere nos direitos de personalidade: dimensão
de respeito pela personalidade, embora já cessada, da pessoa falecida, que justi ca uma projeção
da sua imagem e bom nome para além da morte, da existência concreta da sua personalidade
jurídica. É possível requerer providencias para proteção da personalidade (art 70º nº2). Existe também uma
proteção da pessoa daquilo que é o seu corpo (cadáver) após a morte — será abordado no ponto “Objeto
do Direito”.
- Outro conceito a m das relações jurídicas e relevante neste tema é a capacidade jurídica:
O conceito de capacidade jurídica, que se encontra descrito no art 67º, remete-nos para o conceito de
personalidade jurídica. Qualquer pessoa tem personalidade. E inerente a esse conceito encontramos
o termo capacidade, em que qualquer pessoa que tiver personalidade tem capacidade.
A diferenciação entre capacidade jurídica e personalidade jurídica será o facto da capacidade (expediente
A propósito da capacidade jurídica observamos ainda o art 69º CC, que aborda a irrenunciabilidade da
capacidade jurídica e tem o intuito de proteção das pessoas.
- Outro conceito a m das relações jurídicas e relevante neste tema é a capacidade negocial:
A capacidade jurídica é habitualmente confrontada pela doutrina civilística com a noção de
capacidade negocial é de nida por Hörster como « idoneidade de adquirir ou exercer direitos ou de
assumir e cumprir obrigações por ato próprio e com e cácia jurídica, incluindo a possibilidade de
agir por meio de um representante voluntário », onde um representante voluntário corresponde a alguém
que eu escolho para agir no meu lugar, praticando atos que se vão repercutir na minha esfera jurídica,
como por exemplo: um procurador.
- Capacidade negocial de gozo: que está relacionado com o “gozo” de determinados direitos, ou
melhor, a existência na minha esfera jurídica de determinados direitos.
- Incapacidade negocial de gozo: neste caso, está em causa a capacidade para a prática de
determinados atos conhecidos como pessoais, uma vez que se referem a situações em que estão
envolvidos aspetos insubstituíveis da pessoa, ou seja, negócios estritamente pessoais que não têm
uma correspondência patrimonial. Por isso estas incapacidades impossibilitam a pessoa de ser
sequer titular de determinado direito/de gozar daquele direito, com o objetivo nal de proteger o
incapaz. Podemos ter como exemplos: art 1601º CC impossibilidade de casar, por exemplo, dos
menores de 16 anos – neste caso existe um obstáculo total da lei à prática deste negócio jurídico;
art 1850º nº1 CC estabelece que só os indivíduos com mais de 16 anos têm a capacidade de
per lhar (1. Têm capacidade para per lhar os indivíduos com mais de dezasseis anos, se não
estiverem interditos por anomalia psíquica ou não forem notoriamente dementes no momento da
per lhação. 2. Os menores, os interditos não compreendidos no número anterior e os inabilitados
não necessitam, para per lhar, de autorização dos pais, tutores ou curadores); art 2189º CC diz-nos
que são incapazes de testar, ou seja, de fazer o testamento, os menores não emancipados (apenas
possível através do casamento — 132º CC a lei permite o casamento a partir dos 16, onde a
emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos, habilitando-o a reger a
sua pessoa e a dispor dos seus bens como se fosse maior, com exceção — direito civil — o art
1649º CC, que corresponde ao caso de não haver autorização dos pais, onde a administração dos
bens é subtraída ao menor) e os maiores acompanhados cuja sentença assim o determina.
- Tratando-se de Direitos Pessoais existe uma impossibilidade a todo o nível de prática destes
atos, que são insupríveis, isto é, não podem ser praticadas por outra pessoa na vez do
incapaz, contrariamente à incapacidade negocial por exercício.
- Incapacidade negocial de exercício: são os casos da menoridade, regime jurídico aplicado aos
menores, consagrado no CC arts 122º a 137º e dos maiores acompanhados, arts 138º a 156º CC
(substituição relativamente nova de um regime da interdição e da inabilitação; alteração introduzida
pela lei nº 49/2018 de 14 de agosto; antigo regime era muito patrimonialista; mais do que proteger a
pessoa, visava proteger o seu património e aqueles que nele tinham interesse; mudança de
paradigma). É uma incapacidade negocial suprível, podem ser colmatadas, exercidas por uma
- Menoridade: Todos nascemos com uma capacidade natural muito reduzida, no entanto esta
capacidade de querer e de entender não se adquire de um dia para o outro, logo no dia do 18º
aniversário, na verdade vai-se construindo ao longo do crescimento. Sendo assim, esta
aquisição em termos tipi cados pode ser considerada injusta (ex: dia anterior a fazer 18 não
pode, mas no dia dos seus 18 anos já pode; uma pessoa não se altera do dia para a noite).
Então qual é a sua relevância? É muito importante do ponto de vista da segurança jurídica,
que exige a existência de uma data certa, segura, tipi cada, que permita dar segurança ao
trá co jurídico e portanto, esta idade, considera ser se aos18 anos (momento a partir do qual
é certo e seguro que as pessoas têm essa capacidade jurídica de exercício), não ignorando a
ideia de capacidade natural. Os efeitos da maioridade encontram-se no art 130º CC, é
automática e faz-se por mero efeito da lei.
- O art 127º CC apresenta uma exibilidade. O que é que isto signi ca? Que o legislador
reconhece que o menor, à medida que vai crescendo, vai adquirindo a capacidade de
querer e entender, o que exige à existência de uma cláusula aberta de conceitos
indeterminados que apontam para a necessidade de o menor não car impedido de
realizar qualquer tipo de ato, até porque isso poderia ser um obstáculo ao
desenvolvimento da sua capacidade natural (reconhecido pelo legislador).
- Maior acompanhado: Apesar de a grande maioria das pessoas atinja a maioridade e tenha, a
essa data, capacidade de querer e entender que lhe permita atuar livremente no trá co
jurídico, há algumas pessoas que nunca chegam a adquirir esse nível de capacidade e outras
que, embora o tenham atingido, se veem em determinadas circunstâncias que não permitem
a rmar uma total e plena capacidade. E, para esses casos, o legislador atribui e prevê a
possibilidade de um regime protetor de pessoas maiores que se vejam aqui em circunstâncias
que careçam de proteção (a razão de ser da lei deste regime é a proteção das pessoas que se
- Incapacidade Acidental: refere-se à gura que surge do art 257º CC que tem características
distintivas da menoridade e do maior acompanhado, uma vez que estes se referem ao estado
da pessoa e a incapacidade acidental não, não é geral, apenas se relaciona com os atos de
alguém numa determinada circunstância. Enquadrado, de um ponto de vista sistemático, nos
vícios da vontade, portanto, tem a ver com a formação da vontade da pessoa naquele
determinado momento. A capacidade de querer (da vontade), que pressupõe a
capacidade de entender, em determinadas circunstâncias não está assente. Figura que
permite ponderar os interesses por um lado da pessoa que se encontrava incapaz
naquele momento, e, por outro lado, da outra pessoa que deve con ar na segurança do
trá co jurídico e, portanto, não conhecendo essa situação de incapacidade, tem
também um interesse na manutenção do negócio.
- Outro conceito a m das relações jurídicas e relevante neste tema é a capacidade debitual:
Aqui não falamos de uma capacidade que requeira a vontade da pessoa para produzir efeitos jurídicos
(difere no próprio alcance da capacidade negocial, que requer essa vontade), portanto é a capacidade que
se prende com a idoneidade para responder a factos ilícitos, e portanto, nestas situações a
responsabilidade de responder por factos ilícitos praticados há de se traduzir no estabelecimento,
por parte da lei, de uma determinada sanção.
Também dentro da capacidade debitual encontramos incapacidades, que não dizem respeito às
declarações negociais, esta denominam-se de Incapacidade Delitual.
- Incapacidade Delitual: diz-nos o art 488º que não responde às consequências do facto
danoso, se no momento em que ocorreu estava, por qualquer causa, incapacitado de
entender querer, falando-nos da irresponsabilidade pela prática de factos ilícitos. Este artigo
apresenta-nos ainda uma exceção: “salvo se o agente se colocou culposamente nesse
estado, sendo este transitório”, que é o clássico caso de alguém que está de facto
incapacitado de entender o que querer, mas isto porque livremente decidiu consumir
estupefacientes ou álcool (não propriamente a culpa da ação, mas a culpa inicial de se ter
colocado nessa posição).
Já o art 488º nº2 apresenta-nos uma presunção (de acordo com a regra geral: ilídivel, e não
inilídivel, uma vez que só em prova contrária se vêem classi cadas como inilídivel; apenas útil
na prática para efeitos de prova, invertendo o ónus de prova) de imputabilidade nos menores
de sete anos (é possível ilidir esta presunção e do mesmo modo é possível fazer prova de que
alguém com mais de sete anos carecia desta capacidade delitual).
Existe um conjunto de teorias que apontam para uma dimensão das pessoas coletivas, que embora não
estejam erradas apresentam visões relativamente redutoras, uma vez que não abarcam aquilo que são as
pessoas coletivas em tudo o que são as suas manifestações e ainda, tendo em consideração que existem
diferentes tipos de pessoas coletivas, algumas características são mais ou menos acentuadas em certos
tipos (não muito importantes para o nosso estudo portanto):
- A Teoria da Ficção ou Teoria Romanística, apresentada por Savigny, defende que a pessoa
coletiva é vista como uma cção (“é como se”), ou seja, são pessoas de uma forma ccional, uma
vez que não existem enquanto pessoas singulares. Mas reconhece que é a partir da pessoa
singular que se cria essa cção.
Isto porque, na verdade, as pessoas coletivas nada mais são do que um conjunto de pessoas
singulares que se une para atingir um objetivo, que seria difícil de atingir de um ponto de vista
jurídico se cada uma das pessoas singulares tivesse de atuar cada vez que a organização
precisasse de se comprometer do ponto de vista jurídico e, portanto, é mais fácil ccionar que essa
organização é um ente diferente daquelas pessoas ou bens e que atua autonomamente.
- Temos também a Teoria Institucionalista, apresentada por Hauriou, que se centra no m que a
pessoa coletiva prossegue.
O m é um dos elementos que tem de estar presente na pessoa coletiva, é ele que justi ca a sua
existência. Só é reconhecida personalidade jurídica a uma organização porque reconhecemos a
bondade do m que ela prossegue. É o m que dá sentido à pessoa coletiva. Portanto, todos os
direitos que ela tem, e até a sua capacidade, estão relacionados com o m da pessoa coletiva.
- A Teoria Normativista, formulada por Kelsen, que defende que tudo é direito, o próprio Estado é
Direito, tudo é norma, apresenta, portanto, uma visão normativista do direito. Assim, também a
pessoa coletiva, como, aliás, a pessoa singular, não passam de um conjunto de normas, centros de
- Teoria da Personi cação do Fim, onde Hörster tenta conciliar as várias dimensões mencionadas e
a rma que as pessoas coletivas são organizações criadas com vista à realização de um m e, por
isso, são tratadas pelo direito como sujeitos de direito, com uma vontade autónoma.
Demonstra esta noção de que a personalidade das pessoas coletivas é essencialmente diferente da
das pessoas singulares.
Ao contrário das pessoas singulares, que são a base de todo o direito, cuja dignidade remete para
a ideia de que a pessoa é um m em si mesmo, as pessoas coletivas existem como instrumentos
jurídicos para a realização de determinados ns ( ns das pessoas singulares – criam e motivam a
existência de pessoas coletivas para a prossecução de ns que não seria viável praticarem por si
sós).
Relativamente ainda às pessoas coletivas, quanto à aquisição de personalidade jurídica, não nos é
possível falar de um nascimento, a não ser de modo analógico/metafórico. Portanto, como podem obter
esta personalidade jurídica? Apenas com vários elementos:
- Finalidade: o m a perseguir.
Só reunindo estes elementos é que o ordenamento jurídico pode atribuir personalidade jurídica a
essa pessoa coletiva, quer através de um reconhecimento normativo, que resulta da própria lei, quer
através de um reconhecimento individual, por meio de avaliação da pertinência e da oportunidade
da criação da pessoa coletiva, algo que ocorre, por exemplo, com as fundações.
Havendo estas condições temos a pessoa, autónoma, que tem uma esfera jurídica própria, que tem
uma personalidade jurídica, ou seja, é suscetível de ser titular de direitos e obrigações.
Claro está que também é relevante mencionar o momento de cessação da pessoa coletiva (causas
legais para a extinção): “a morte”, que na verdade se extingue, uma vez que não é por um dos seus
membros morrer que a pessoa coletiva “morre”.
Para terminar devemos falar da capacidade das pessoas coletivas: enquadrado no art 160º CC
(Princípio da Especialidade do Fim, ou seja, da capacidade jurídica está subordinada ao m da pessoa
coletiva; a lei não nos diz que abrange todos os direitos e obrigações necessários para a prossecução dos
Devemos ainda observar o art 160º nº2, que menciona exceções: há direitos que são inseparáveis da
personalidade singular, uma vez que, pela sua natureza, não podem ser reconhecidos às pessoas coletivas,
um exemplo disto é o direito a casar; há direitos e obrigações vedados por lei, como por exemplo a
capacidade testamentária ativa, visto que as pessoas coletivas não morrem, há leis diferentes no caso da
extinção — distribuição do património — assim como se pode ser bene ciária da capacidade
testamentária passiva.
Sintetizando…
O Objeto do Direito:
Tal acontece e é mencionado no ponto “Sujeito do Direito”, a de nição do conceito de objeto para o
Direito, difere da de nição deste conceito na linguagem corrente, visto que, no Direito, este nem sempre
signi ca algo com existência material/física e, em alguns contextos, a palavra pode ser utilizada como
aquilo que se contrapõe ao sujeito, como de nimos no inicio, é aquilo sobre que incidem os poderes do
titular ativo da relação jurídica, embora esta não seja a única explicação existente:
- Há quem contraponha, desde logo, as noções de objeto do direito e conteúdo da relação jurídica:
So a de Castro Mesquita Machado Lucas Página 68 de 113
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O objeto é aquilo sobre que recaem os poderes do titular do direito (como mencionado) — “coisa sobre
que recaem os poderes”. O conteúdo é o conjunto dos poderes ou faculdades conferidos pelo
ordenamento jurídico ao titular do direito, que o direito subjetivo comporta — “os poderes em si”.
Percebemos isto melhor quando falamos de ”Direitos Reais”, como por exemplo: o direito de propriedade,
que tem sempre um objeto, alguma coisa sobre que recaem os poderes, ou seja, aquilo que sou
proprietária. Portanto, os poderes que tenho enquanto proprietária — usar, fruir, dispor — diferem dessa
coisa. O direito de propriedade, de que sou titular, traduz-se num conjunto de poderes (conteúdo) e esses
poderes é que incidem sobre algo (objeto).
- Outra forma de ver o Objeto do Direito é falarmos de objeto mediato e imediato dos Direitos
Subjetivos:
- Devemos para tal observar as de nições do Professor Mota Pinto e do Professor Hörster:
- « Pode distinguir-se entre objeto imediato e objeto mediato dos direitos subjetivos. A distinção
exprime a diversidade entre aquilo que diretamente está submetido aos poderes ideais que
integram um direito subjetivo e aquilo que só de uma forma mediata ou indireta, isto é,
através de um elemento mediador, está submetido àqueles poderes. »
- « O objeto imediato da relação jurídica foi referido (…) como sendo o conjunto “direito
subjetivo-obrigação”, aliás parecido com o próprio conteúdo da relação, conjunto que se
decompõe na sua posição ativa, o direito subjetivo, e na sua posição passiva, a
obrigação. »
- Um indivíduo na sua relação jurídica poderá distinguir aquilo que imediatamente tem — objeto
imediato; um direito; — que vai incidir sobre algo — objeto mediato — que precisa de
mediação. Ex: computador — objeto mediato; direito — objeto imediato; direito incide sobre
computador;
E onde está regulado o objeto no CC? Art 202º, que nos fala de “coisas” (expressão técnico-jurídico; muito
criticado; confunde aquilo que é coisa daquilo que objeto — não é o mesmo;):
- O primeiro número apresenta-nos algo que não é coerente com o código e é até excessivamente ampla,
visto que mem tudo aquilo que é objeto de relação jurídica são coisas.
- No entanto, o nº2, diz nos que há coisas que estão excluídas de serem poderes de objetos privados, isto
é objeto de relações jurídicas.
- Portanto, há muita incongruência e crítica ao art 202º. É preciso saber interpretar o nº1 tendo em conta o
restante ordenamento jurídico.
- Coisas, que tende a ser pensado como algo material, que tem uma existência material, corpórea,
mas que no direito, em especí co, não será condicente com algo que tem existência corpórea,
porque se distingue entre coisas materiais ou corpóreas de imateriais ou incorpóreas:
- Imateriais ou incorpóreas, que não tem existência física, são realidades espirituais, são
o resultado da atividade espiritual do ser humano, que pode ser exercida em diversos
domínios - obras artísticas, literárias, cientí cas — ex: composição de uma música, que se
pode materializar numa partitura que pode ser reproduzida e vendida; a partitura é de quem a
compra, mas a criação é de quem a compôs (valor patrimonial autónomo; estão também
associados à dimensão da personalidade da pessoa, por serem criações do espírito humano),
portanto, a criação tem uma existência material que, evidentemente, pode depois ser
suportada sicamente, mas que não se confunde com esse suporte, ou seja, composição não
se confunde com a partitura (que não vale o mesmo que a composição), são coisas distintas.
O objeto destes direitos de autores são a conceção ideal, não tem uma materialização, são
bens incorpóreos.
- Animais: que surge como uma categoria híbrida, uma vez que antes tínhamos uma absoluta
dicotomia entre a pessoa e a coisa (dicotomia persona/res), ou seja, distinguia-se no direito,
de modo absoluto, a pessoa e a coisa (insere os animais no subtítulo 1a, que corresponde ao
art 201º, ou seja, não estão, do ponto de vista sistemático, associados ao subtítulo das
coisas, ou seja o subtítulo 2).
Surge em 2017 como uma alteração ao CC (lei 8/2017) que atribuiu estatuto jurídico dos
animais, quando o legislador reconheceu que os animais deixavam de ser coisas materiais, ou
seja, que há uma diferença de natureza entre as coisas e os animas, o que justi ca a sua
proteção, apesar de continuarem a ser tidos como objetos de relação jurídica.
Os animais têm uma natureza que deve ser atendida e protegida, pelo que se deve distinguir
do ponto de vista jurídico, reconhecendo uma categoria nova, que veio colocar m à
dicotomia pessoa/coisa.
Reconhece-se os animais como seres vivos dotados de sensibilidade.
Esta ideia foi defendida por muitos autores, que contestam a legitimidade da possibilidade de existência de
direitos sobre a própria pessoa, por ser ilógica. Já outros autores defendem que sim, as pessoas são
objeto de direitos (ex: direitos de personalidade: concretizam algumas dimensões da personalidade e a
pessoa pode dispor de si própria dentro dos limites da lei — alguém que doa um órgão a outra pessoa
dentro dos limites legais). Porém, a verdade é que, dentro dos limites legais, a pessoa pode realmente
dispor de si. Concluindo, aquilo que é consensual é que as pessoas não podem ser objetos de direitos
patrimoniais, como já aconteceu noutros tempos, não podem ser instrumentalizadas para obtenção de
outros ns, violando a sua dignidade.
Nota: um pedido de namoro, por exemplo, não é um facto jurídico, uma vez que deste não decorrem
efeitos constitutivos, modi cativos ou extintivos da ordem jurídica (não é produtor de efeitos jurídicos), daí
dizer-se que os efeitos são requisitos, ou “elementos fundamentais”, para que se possa fazer a distinta
entre factos jurídicos e ajurídicos.
Como sabemos, um facto é um evento que produz efeitos jurídicos, no entanto, estes efeitos poderão ser
de três tipos: factos constitutivos, ou seja, que constituem/criam uma relação jurídica (casamento);
factos modi cativos, que, embora redundante, modi cam uma relação jurídica (alteração ao regime
de casamento); factos extintivos, aqueles eventos que fazem cessar uma relação jurídica (divórcio).
- Se bem no recordamos estas categorias foram mencionadas no Direito Potestativo. Como é que
isto é possível? Bom o próprio exercício de um Direito Potestativo é, em si mesmo, um facto
jurídico, então, os efeitos que o exercício do direito protestativo produz classi cam-se também em
função de constituírem, modi carem ou extinguirem uma relação jurídica.
O que nos vimos agora foi um alargamento esta classi cação, de modo a aplicá-la a qualquer facto
jurídico. Logo, há determinados factos que, mesmo não sendo exercício de um direito protestativo,
se enquadram nestas categorias.
Critério da vontade:
Este faz nos ver o diferente modo como a vontade interfere ou não na produção do facto jurídico.
Distinguindo-se os factos involuntários ou naturais dos voluntários, os chamados atos jurídicos:
- Apesar de podermos a rmar que, dentro dos factos voluntários, estamos sempre perante factos
que operam no domínio da vontade, esta ideia deve ser densi cada, visto que nem sempre os
efeitos jurídicos que ocorrem destes factos são produzidos ou foram pensados/queridos pelas
próprias partes: distinção dos simples atos jurídicos e dos negócios jurídicos, considerando o papel
que a vontade tem.
Ainda nos negócios jurídicos, podemos distinguir os negócios jurídicos bilaterais/contratos dos
negócios jurídicos unilaterais: os contratos são duas ou mais declarações de vontade de conteúdo
oposto, mas convergente, para a produção de um resultado jurídico unitário (é o caso da compra e
venda — duas declarações de vontade (eu vendo, e, por outro lado, eu compro) e estas duas vontades de
- Nos negócios bilaterais/contratos podemos falar de três distinções: unilaterais, que geram apenas
obrigação para uma das partes, apesar de supor a intervenção de duas pessoas; sinalagmáticos/
perfeitos, geram obrigações de parte a parte, ou seja, para as várias partes do contrato, mas estas
encontram-se ligadas por correspetividade ou nexo de causalidade, a possibilidade de invocar a
exceção do não cumprimento do contrato só é possível neste caso; imperfeitos, geram obrigações de
parte a parte, ou seja, para as várias partes do contrato, no entanto não há sinalagma/relação de
reciprocidade (ex: comodato, que esta previsto no art 1129º CC, e corresponde a um “contrato gratuito
pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a
obrigação de a restituir”; alguém permite que outra pessoa goze de uma coisa, mas sem pagar qualquer
coisa; pessoa que esta a gozar deve respeitar a propriedade daquele que permite; nos art 1134º e 1135º
encontramos os direitos e deveres do comodante e comodatário, respetivamente).
Oneroso: pressupõem atribuições patrimoniais de parte a Gratuito: existe apenas obrigação ou uma atribuição
parte, que pode não ser o mesmo valor para ambos. Ex: patrimonial perante uma das partes. Ex: doação; comodato;
m m
compra e venda, locação, contrato de mútuo oneroso. empréstimo s/ juro (1145ª CC).
Não Solenes — informais: podem ser celebrados por Solenes — formais: proteção das partes e terceiros;
qualquer meio ou qualquer forma que seja adequada à contratos serem realizados com determinada forma —
manifestação das partes — art 219º CC. -> ver requisitos de escritura pública; doc; -> ver requisitos de validade dos m m
validade dos negócios jurídicos — validade formal. negócios jurídicos — validade formal; art 220º CC nulidade;
- De validade formal: refere-se à forma do negócio, ou seja, ao meio pelo qual a vontade se
manifesta. Por exemplo, quando se celebra um negócio ele tem de ter uma exteriorização de
vontade, a vontade tem de ser objetivamente reconhecível pelos outros.
- A regra é a da liberdade de forma (219º CC), ou seja, a manifestação pode ser manifestada
oralmente, por linguagem gestual, documento, etc., desde que seja um meio idóneo para
exteriorizar.
- Contudo, há exceções a este princípio, casos em que não vigora a liberdade de forma, mas há
uma forma imposta para a celebração do negócio.
Por exemplo por serem negócios que implicam efeitos mais gravosos, que devem ser bem
ponderados, que justi cam uma maior segurança na posterior prova da existência do negócio
(ex: compra e venda de bens imóveis — 875º CC — obriga à adoção de uma forma
especí ca: escritura pública ou documento particular autenticado. Há, portanto, uma
exigência de forma e validade).
- De validade substancial: já não tem a ver com o meio da manifestação da vontade, mas com
outros aspetos relevantes:
- A idoneidade do objeto que se encontra no art 280º CC, cuja sanção é a nulidade, o objeto
da relação jurídica tem de ser idóneo. Há, portanto, uma série de requisitos da idoneidade do
objeto:
- Determinabilidade (tem de ser determinável – não posso fazer uma escritura de uma
casa, sem a identi car);
Exemplo da falta de requisitos dos negócios jurídicos: os raios de sol não podem constituir um objeto
jurídico (202º) porque não existem sicamente; assim, declara-se a invalidade do negócio jurídico (280º)
com sanção de nulidade (286º).
- Critério da conformidade á ordem jurídica: que distingue atos lícitos de atos ilícitos:
- Lícitos: atos que vão ao encontro da lei, são conformes à ordem jurídica, por ela consentidos;
- Ilícitos: atos contrários à ordem jurídica, sofrem uma reprovação do direito, que se traduz na
aplicação de sanções.
- Dentro dos atos ilícitos podemos falar em ilícitos civis e ilícitos penais.
No ilícito civil temos uma ofensa a um interesse particular do lesado.
No ilícito penal temos também uma ofensa da própria sociedade. O que está em
causa nas normas penais é a defesa de bens-jurídicos fundamentais, que interessam
a todos enquanto sociedade.
Um mesmo ato pode gerar a lesão de vários interesses, e suscitar depois, desse
ponto de vista, responsabilidade e lesão tanto ao nível civil como penal, portanto,
não se excluem.
Os crimes e penas têm objetivos de prevenção: tanto para a pessoa, para que ela não
cometa mais essas ações (especial) mas também em relação à sociedade, servindo
como alerta do que pode acontecer se aquele ato for praticado (geral).
- Em relação aos ilícitos civis devemos dar nota das sanções e da responsabilidade:
Relativamente às sanções aplicadas, podemos falar da restauração natural ou
restituição em forma especí ca, que consiste em repor a situação no estado
em que estava antes da produção do facto ilícito (ex: alguém rouba x; esse
alguém terá que devolver o x ao dono); indemnização ou restituição por
equivalente ocorre quando a restauração natural não é possível e, nesses
casos, recorre-se à atribuição de uma indemnização que seja proporcional
So a de Castro Mesquita Machado Lucas Página 75 de 113
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aos danos causados — um certo valor quantitativo monetário/pecuniário que
recai sobre o lesante (ex: alguém rouba x, mas destrói esse x; como não há bem
para devolver, esse alguém terá que devolver a quantia monetária equivalente ao
bem que será colocada no património do lesado); temos ainda os casos de uma
indemnização compensatória, que não é uma verdadeira indemnização, mas
uma compensação, uma vez que, a própria palavra em termos de origem
etimológica, signi ca demne (dano) in (não) = eliminar o dano) e ocorre em
danos não patrimoniais, quando não é possível eliminar o dano, não é possível
colocar a pessoa na situação anterior (ex: pessoa é atropelada e ca em mau
estado no hospital — ofensa à integridade física/morte, neste caso será atribuída à
família da pessoa uma indemnização compensatória, uma vez que nunca será
possível reverter o ato; mas e se a pessoa trouxer um colar de família de ouro,
então já poderá ser também dada uma indemnização ou restituição equivalente,
uma vez que tratamos aqui de um dano patrimonial).
- Falamos ainda da distinção entre delito e quase delito: sendo o primeiro aquele que é
praticado intencionalmente, com a intenção de provocar o resultado e o segundo
será o exemplo mencionado à pouco para entender o que é um simples ato
jurídico, ou seja, o caso de atropelamento por negligência: existe culpa e não deixa
de ser um ato ilícito, não existe dolo nem intenção, mas é praticado com
negligência, apesar de não ter sido um ato querido/previsto, ainda assim podemos
dizer que há vontade na ação do indivíduo, mesmo não sendo intencional, uma vez
que, de acordo com o critério da vontade, o ato é voluntário.
Há situações em que as pessoas tentam aparentemente agir dentro do direito, mas na verdade estão
a atuar defraudando a lei, ou seja, aparentemente não existe contradição da lei, mas existe uma atuação
ardilosa para tentar defraudar os objetivos legais. Portanto, ainda que se respeite, de um ponto de vista
formal, o que a lei determina, é possível, ainda assim, a pessoa agir contra aquilo que a lei pretende. No
fundo, trata-se de tentar encontrar formas de contornar o que a lei determina. Traduz-se numa forma
oculta/velada de violação da lei (Manuel de Andrade).
- Quando isso sucede, vale o princípio fraus omnia corrumpit, ou seja, a fraude tudo corrompe,
também conhecido como o Princípio Geral de Condenação da Fraude à Lei: o Direito não pode
admitir esse tipo de desobediência, ainda que indireta, à lei.
- Figura do abuso de direito, prevista no art 334º: quando se pretende exceder os limites impostos e
enunciados no art, ou seja, quando este m é deturpado pelo exercício de um Direito
(“aparentemente um Direito”).
- O abuso de direito pode assumir várias formas, sendo uma das mais conhecidas é o chamado
venire contra factum proprium, que consiste numa pessoa atuar em dois momentos de modo
contraditório, defraudando uma expectativa criada com a primeira ação.
Duas condutas em si próprias lícitas, mas em que a primeira é contraditada pela segunda,
defraudando a con ança gerada.
Exemplo: Ac Supremo Tribunal de Justiça 2018 —> mulher que procedeu a uma inseminação
arti cial bem sucedida quando estava separada de facto do marido (≠ divórcio); acabaram por se
reconciliar e o marido (infértil, já tinham tentado proceder à inseminação arti cial mais do que uma
vez antes de sequer surgirem problemas) acompanhou a gravidez e registou a lha como sua,
cuidou dela, tinha uma relação enquanto pai; acabaram por se separar novamente; a mulher
decidiu impugnar a paternidade (faltou x consentimento do ponto de vista legal para legitimar a
paternidade em primeiro lugar); de qualquer das formas o tribunal veio considerar que face aquilo
que tinha sido da parte do marido — atitude adotada — e da própria mulher — agiu consoante
isso: “No acórdão recorrido entendeu-se que, apesar de se ter considerado provada a falta de
consentimento prévio do réu para o recurso da autora à PMA, a acção não deveria proceder, por
existir abuso do direito por parte da autora.
Assim, depois de se caracterizar este instituto, em especial na vertente do venire contra factum
proprium, a rmou-se a concluir: "Descendo ao caso, cabe atentar que a A., pese embora se
encontrasse separada de facto do R, ao tempo da inseminação da qual veio a resultar a gravidez
aqui em referência, sempre com ele manteve contactos; que o dinheiro para o efeito, sendo embora
da pertença da A, lhe foi entregue pelo R. marido a seu pedido (pois que o haviam investido num
negócio dele, segundo a mãe da A.); com poucos meses de gravidez, o casal voltou a juntar-se, o
A Garantia do Direito:
Direito e Coação. Princípio da Proibição da autodefesa:
« As normas jurídicas, diferentemente das normas morais, das normas de cortesia e das outras regras de
conduta social, caracterizam-se pela sua coercibilidade. Esta é assegurada pelo aparelho de coerção
estadual. A ordem jurídica estadual tem por detrás de si o aparelho estadual que, se, por um lado, impõe e
tutela o direito objectivo, por outro representa a garantia jurídica dos direitos subjetivos (…) » — João
Batista Machado – Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 125; esta de nição remete-nos
para temas anteriormente dados, como o Direito e as Outras Normatividades Sociais;
- Elemento virtual da relação jurídica:
Como mencionado, a garantia não deixa de ser um elemento virtual da relação jurídica, porque na maioria
das situações as pessoas cumprem espontaneamente o Direito, sem necessidade da visibilidade da
garantia, o que não signi ca que ela não esteja sempre lá, pronta para atuar em caso de necessidade.
Esta consideração tem de ser vista cum grano salis, uma vez que ao mesmo tempo que se diz que a maior
parte das pessoas cumprem o direito espontaneamente, a verdade é que as pessoas o fazem por diversas
razões: reconhecem a bondade da norma, cumpre a norma por obrigação, ou, cumprem em virtude do
temor da sanção, e não por adesão à norma em si (temor da sanção).
A verdade é que por vezes o respeito pelo direito objetivo e pelos direitos subjetivos não acontece. O
direito pode ser violado, e é-o muitas vezes. O nexo que se impõe não é de causalidade, de
necessidade, mas de imputação, de responsabilidade. Os direitos são violados e o direito, nesse caso,
não prevalece. Nesses casos entra em ação a coercibilidade, a possibilidade de, através da força,
tutelar o direito e os direitos das pessoas. Isso é essencial para que o direito prevaleça, porque apesar
de uma violação de um direito, é possível restaurar a con ança na ordem jurídica se existir uma
reação, ainda que não seja possível restaurar a situação anterior. O direito também tem os seus
limites. É possível haver uma reação do ordenamento jurídico que reponha o valor pretendido, que
rea rme à sociedade o valor que foi violado. É nessa medida que se fala em restauração, nunca na
restauração da situação anterior, uma vez que nos deparamos com limites humanos e também do Direito.
- Este princípio encontra-se, aliás, consagrado no art 1º CPC, sendo esta a regra geral:
- “Salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei”. O que pode isto signi car? Questão
da Auto-Defesa, o próprio Direito reconhece que é lícito o recurso ao uso privado da força para
repelir agressões eminentes que não permitem um recurso atempado aos meios estaduais.
- Autotutela assenta nos recursos do próprio titular do Direito. é ele que exerce a tutela
(exemplos: ação direta; legítima defesa,; estado de necessidade; direito de retenção, de reter
coisa alheia para garantia de um direito em que existe um vínculo entre a coisa e o direito;
direito de resistência, que esta previsto na CRP, etc.)
- Tutela privada é titulada pelos particulares, normalmente coincide com a autotutela, mas
não é sempre assim, como sucede com a legitima defesa alheia.
- Na Tutela Compulsiva nós já temos uma violação do direito, mas ainda existe um interesse
no cumprimento.
É aquela que visa coagir o infrator a adotar o comportamento devido, visa que a pessoa,
devido a uma sanção que lhe irá ser imposta, adote o comportamento que devia ter
adotado.
É o caso das sanção pecuniária compulsória, consagrados no art 829º-A CC. Pode-se pedir
que a pessoa seja condenada a realizar ou corrigir uma obra, por exemplo, mas também que
seja condenada ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso, para que a
pessoa, querendo pagar o menos possível, cumpra o mais rápido possível. Aqui o objetivo é
obrigar/coagir a pessoa a adotar o cumprimento devido.
- A Tutela Punitiva visa impor uma penalização ao infrator, um exemplo será a pena de
prisão.
- A Tutela Sancionatória são as sanções jurídicas, que operam no plano dos efeitos jurídicos,
da sua produção.
Fala-se da invalidade ou ine cácia dos atos.
Visa acautelar a não produção de efeitos jurídicos na sua plenitude, porque se está
perante uma violação da ordem jurídica.
ntegram-se na tutela sancionatória a invalidade e a ine cácia desses efeitos jurídicos.
São sanções que operam ao nível do direito, não permitem a produção desses efeitos,
ou pelo menos a sua produção plena.
Para além das garantias nacionais, que nos são dadas pelo nosso ordenamento jurídico interno e pelo
Estado, temos também Garantias Internacionais:
- Garantias Internacionais:
Correspondem às obrigações que o Estado Português assumiu de um ponto de vista internacional e
assentam precisamente nas jurisdições internacionais, ou seja, naquilo que são os vários tratados,
que geram vários sistemas de proteção de Direitos (verdadeiros sistemas de proteção dos
indivíduos num plano internacional) também das pessoas.
Essa convenção foi celebrada no seio do Concelho da Europa, que não se confunde com a União
Europeia, uma vez que é bem mais ampla, e que tem como m promover os Direitos Humanos na Europa.
E, portanto, o Tribunal foi criado para assegurar o compromisso dos estados a cumprir a convenção.
Analisa, de um ponto de vista jurídico, queixas das pessoas que são apresentadas contra os Estados. Está
em causa não a contenda entre particulares, mas sim a violação por parte de um estado-membro da
convenção das obrigações que dali decorrem. O indivíduo queixa-se precisamente das violações dos
direitos que estão previstos na convenção europeia dos Direitos Humanos, face àquele que se obrigou
perante essa convenção, que é sempre um Estado.
Fontes do Direito:
As Fontes do Direito, referem-se a uma questão que nos pode colocar em vários planos sobre a origem do
direito. Remete-nos a uma expressão metafórica cuja origem data Cícero, uma vez que, como sabemos, o
Direito não tem uma fonte no seu sentido literal, mas no seu sentido metafórico, como o “lugar de onde o
Direito vem”.
Podemos entender esta expressão de diversos modos, é importante perceber a perspetiva que aqui mais
nos interessa.
- Sentido orgânico: remete para a ideia de órgão. Refere-se ao órgão criador da norma, é isso que
queremos signi car quando, por exemplo, dizemos que o Governo é fonte dos decretos-leis (“órgão de
onde brota a norma”; criador da norma)
- Sentido sociológico: olha-se sobretudo para as causas sociais de uma norma, o seu conteúdo.
Vivemos neste momento um exemplo paradigmático das fontes sociológicas: a pandemia. A pandemia é,
e foi, a causa e fonte de várias das normas jurídicas que têm sido criadas, ou seja, a fonte de um
decreto-lei, que tenha sido publicado no Diário da República nos últimos meses tem sido, quase sempre,
a situação pandémica, assim como, a fonte de um determinado orçamento de estado é a situação
económico- nanceira de crise, ou outra causa qualquer que determine a criação da norma. Isto porquê?
Porque as normas surgem para dar resposta às determinadas condições sociais, o que signi ca que, é
na sociedade e nas suas circunstâncias que encontramos as causas de uma norma e é nessa medida
que falamos no sentido sociológico das fontes do direito. Portanto, remete para a origem de conteúdo da
norma, quase como se fosse a fonte genética.
- Sentido histórico: que também é, em certa medida, uma fonte genética. Quando falamos deste sentido
histórico estamos a referir, fundamentalmente, aquilo que são os antecedentes históricos das normas
jurídicas. As normas também têm a sua fonte do ponto de vista histórico porque elas são criadas no
decurso da história, pelo que também as constitui em alguma medida. Também aqui podemos ter uma
perspetiva mais sociológica, quando olhamos para determinados fenómenos sociais que se veri caram
- Sentido instrumental: pode ser autonomizado, enquanto fontes de conhecimento, para nos referirmos
às fontes do direito como instrumentos que contém a norma. Aquilo que fazemos quando referimos, por
exemplo, que o Código Civilp é a principal fonte de direito civil, portanto refere-se ao instrumento, local
onde podemos encontrar estas normas. Estes instrumentos não necessitam de ser eles próprios, do
ponto de vista histórico, postos por um poder que diz o direito; nos sabemos que houve muitas vezes
compilações doutrinárias de normas onde se ia procurar essas fontes.
Hoje em dia temos uma panóplia de instrumentos, muitos deles digitais (DRE – disponível digitalmente).
- Sentido técnico-jurídico: apesar de podermos falar de todos os outros sentidos, é este que nos vai
interessar, uma vez que, os outros podem até ser mencionados noutras Ucs, mas é este o considerado
relevante para o Direito.
Este sentido remete-nos para as fontes de juridicidade, ou seja, aos meios/processos que o
Direito reconhece, ele próprio, como legítimos para criar direito, ou seja, os modos de ascensão/
formação e revelação de um determinado conteúdo jurídico à juridicidade, à vigência, ou melhor
ainda, do Direito.
Essa forma de saber como é que determinados conteúdos jurídicos, que impõe normas, se tornam
vigentes como normas jurídicas, e, esta questão, tem vindo a ser pensada ao longo dos tempos de
várias formas — Teoria Tradicional e Crítica:
Mas então qual é o problema desta teoria? O problema (ponto de vista teórico e jurídico) desta teoria é que
a lei já é em si uma fonte de direito. Então, sendo esta uma questão que se coloca antes do sistema
positivo (contradição lógica — resolver uma questão partindo de um ponto onde essa questão não
se pode colocar, pois a questão como dito é anterior ao sistema positivo), que sentido faz termos uma
das fontes de direito que se arroga de uma posição de superioridade ao ponto de determinar quais
as demais fontes do direito e a limitá-las (Crítica à Teoria Tradicional vem colocar a questão num plano
em que não deve ser colocada de um ponto de vista estritamente jurídico.). Esta questão é complexa. É
preciso olhar não só de um ponto de vista jurídico, mas também político-constitucional, o que signi ca
que, pode até fazer sentido, atentos os valores atuais e a defesa da democracia (lei legitimada de um
ponto de vista democrático) que a lei limite o relevo atribuído às outras fontes de direito, mas não
dizer que ela pode determinar em si se as outras fontes são ou não fontes de direito.
Embora esta critica seja aceite de um ponto de vista geral, ainda existe uma in uência considerável da
teoria tradicional nos vários ordenamentos jurídicos/códigos europeus. O Código Português não é
exceção: temos o CC, uma lei em sentido amplo, que contempla um conjunto de normas que se
debruçam sobre a questão das fontes do direito e que visam consignar quais seriam as fontes de
direito no nosso ordenamento jurídico e qual o valor a ser-lhes atribuído. Não deixaremos de olhar
para esses artigos de um ponto de vista crítico, tentando compreender o seu sentido, mas sem deixar de
falar de outras fontes não expressamente mencionadas mas apontadas pela doutrina como verdadeiras
fontes de direito.
Encontramos no art 1º CC uma de nição de lei em sentido jurídico, e, mais uma vez sabemos que, na
língua portuguesa, esta palavra pode ter inúmeros signi cados, é políssemica, não sendo esta a de nição
atribuída correntemente. Esta de nição, que mesmo em termos jurídicos não é única (muitas que advêm da
doutrina e serão vistas posteriormente), refere-se apenas à lei enquanto fonte de direito.
- O art 1º nº1 CC começa por remetermos à classi cação de fontes do Direito como imediatas, ou seja,
não carecem de outra fonte que lhes atribua valor jurídico, sendo desde logo as leis.
- Já o nº2 dá nos uma de nição genérica das leis: “são disposições genéricas provindas dos órgãos
estaduais competentes”. Como a nossa sociedade é, atualmente, altamente legalista neste ponto de
vista, esta é a fonte que mais predomina. É uma fonte com uma grande certeza e segurança jurídica,
assim como é uma fonte heterónima (normalmente imposta) que atua como uma manifestação de uma
certa vontade política para regular a sociedade.
- Além da lei, o art 1º fala também das normas corporativas, como Fontes de Direito imediatas, cuja
primeira menção está logo no nº1 e cuja de nição se encontra na segunda parte do nº2. No entanto,
estas normas corporativas não são admitidas por todos os autores. Porquê? É preciso compreender
o contexto histórico em que este artigo foi redigido, este art em especí co nunca foi alterado desde
a sua entrada em vigor (1966, que coincide com a entrada em vigor do CC), portanto, ocorreu no
regime ditatorial do Estado Novo, onde Portugal era um estado corporativista (característica de um
regime fascista), ou seja, um regime que exaltava um conjunto de associações e corporações
existentes que requerem estes organismos representativos e de que, do ponto de vista político, tinha a
sua representação na câmara corporativa (duas câmaras: assembleia nacional e câmara corporativa),
que, após o 25 de abril de 1974 e da formação de uma nova constituição, deixou de existir (revogação
tácita). Assim, o sentido original que o legislador atribuía ao art 1º deixou de existir, mas isso não
signi ca que não se possa dar um novo sentido a este art — quem seguir uma interpretação mais
atualizadora da lei (acredite que a lei vive independentemente do legislador), ou seja, que tende a atribuir
à lei o sentido não que o legislador lhe deu no momento da criação, mas que destaque esse sentido da
própria vontade histórica do legislador para lhe atribuir um sentido autónomo, tende a conseguir fazer
uma interpretação mais atualizadora. Há quem entenda, como normas corporativas, os estatutos, a
organização e a disciplina interna das entidades de base associativa, públicas ou privas, supra ou infra-
estaduais (FIFA, UEFA, ordens pro ssionais, etc).
Concluindo poderemos ter duas perspetivas: as normas corporativas já não existem e devem considerar-
se tacitamente revogadas (revogação tácita); é possível fazer uma interpretação atualizadora e retirar
algum sentido.
- A lei, quanto mais recente for, mais vale, no sentido em que, se uma lei mais recente for oposta a
uma lei mais antiga, a lei que prevalece é a mais recente.
- O costume vale mais quanto mais enraizado na prática social, quanto mais antigo.
- Uma lei é uma vontade imposta à sociedade, a sua e cácia pode car comprometida.
Atualmente, nas nossas sociedades complexas, globalizadas, e, portanto, heterogéneas, com grande uxo
de pessoas e um conjunto de valores aos quais se adere que acolhem essa diversidade, acabam por
di cultar a homogeneidade necessária para a formação do costume. Por isso, hoje o costume pode
não ter a mesma frequência que teria noutros tempos, mas isso não afeta a sua natureza do ponto de vista
de fonte de direito, ou seja, não perde a sua relevância.
O costume, no nosso Direito, tem relevância até por meio da receção de outros direitos no nosso direito
interno — Direito Internacional Público — neste direito, o costume é uma fonte de direito muito relevante,
muitas normas deste Direito são direito consuetudinário. Esse Direito Internacional Público é acolhido no
nosso direito interno: art 8º CRP expressa-o perfeitamente.
Além disso, o CC fala do direito consuetudinário no art 348º CC: diz-nos que aquele que invocar direito
consuetudinário compete fazer prova da sua existência e conteúdo, embora também diga que o tribunal
deve procurar o ciosamente, ou seja, o próprio obter o respetivo conhecimento (exceção ao princípio iura
novit curia — coloca ónus relativamente ao direito à parte; não é estranho se recordarmos que um dos
elementos do costume não deixa de ser um facto, que é a prática social reiterada).
- Secundum legem: de acordo com a lei, a norma tem dois títulos (existe por duas vias: legal —
lei — e consuetudinária — costume): costume (secundum legem) em conformidade com a lei, ou
seja, ditam o mesmo.
- Praeter legem: além da lei, integra lacunas existentes na regulação legal: o costume praeter legem
não contraria a lei, mas não está plenamente conforme, na medida em que a lei não existe
relativamente ao que o costume diz. O costume tem aqui uma natureza integrativa, de
integração de uma falta de regulamentação e, portanto, vai para além da lei.
- Contra legem: contraria a lei — art 7º nº1 CC: é aquele que levanta mais questões, uma vez que
apresenta um costume contrário à lei (contra legem), aquele que dita algo que é desconforme
àquilo que a lei diz. Poderíamos dizer que, de um ponto de vista legal, olhando para o art 7º CC:
- Este tipo de costume estaria excluído — art 7º nº1. O art 7º consigna dois modos pelos
quais a lei deixa de vigorar, cessa a sua vigência: caducidade (nº1) e revogação por outra
lei (nº1), e não por qualquer outra fonte de direito.
As considerações acerca deste artigo levam à questão do problema das fontes de direito: até que ponto a
lei pode determinar que outra fonte de direito a poderá revogar, estaria a admitir-se a superioridade
da lei.
Diferente é dizer que o Estado pode limitar a aplicação do costume pelos seus órgãos, aí de facto
encontramos várias decisões dos tribunais a dizer que o costume não pode ir contra a lei. Nesta relação de
tensão há de haver uma que vingue: ou a lei (as pessoas adotam um comportamento conforme à lei
e não ao costume) ou o costume (temos alguns casos históricos em que o que vemos é a aprovação
de leis — geral e abstrata — na sequência de determinados costumes, até para evitar este con ito:
touradas de barrancos — touradas de morte em todo o lado proibidas exceto em barrancos devido ao
costume).
- Uma coisa é falar de um costume contra legem, e para haver costume tem de haver convicção de
obrigatoriedade.
- Diferente é a circunstância de as pessoas não cumprirem de todo a lei, embora não existe uma
convicção de obrigatoriedade de um direito oposto correspondente.
Nesse caso não estamos no domínio do costume, mas do desuso da lei. A lei não é cumprida, mas
o incumprimento não assenta numa prática consuetudinária.
- O art 3º CC enquadra os usos nas fontes do Direito, embora muitos autores consideram que os usos não
têm carácter jurídico e portanto que não são verdadeiramente fontes de Direito, de qualquer das formas
estes usos, a serem consideradas fontes de Direito, são fontes, quando muito, mediatas, carecem de
outra fonte que lhes atribua valor jurídico (devido aquilo que se diz no nº1: “os usos que não forem
contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine”, ou seja, só
são atendíveis quando existir uma lei que assim determine, com ainda mais o requisito de não serem
contrários aos princípios da boa-fé).
Também aqui parece que temos uma di culdade em entendê-la como fonte de Direito, apesar de surgir
no CC (art 4º) enquadrada nas fontes de direito. Mais uma vez, a ser enquadrada como tal, seria uma fonte
de direito mediata.
- Equidade pode ser reconduzida a uma igualdade material, onde todos são iguais perante a lei, mas com
uma necessidade de tratar aquilo que é diferente de forma diferente. E isto pode ser visto com duas
perspetivas: uma perspetiva mais geral que é a da norma, podemos ter o legislador a regular
precisamente no sentido de distinguir determinadas situações, mas não deixa de o fazer de modo
abstrato e geral (direitos das crianças/idosos); perspetiva de equidade de Aristóteles: plano da passagem
da norma geral (referindo se à população em geral; própria norma já ser uma expressão do legislador no
sentido desta igualdade material, que não deixa de ser uma norma geral) para o concreto. Quando? No
momento em que a norma é aplicada ao caso, porque as normas destinam-se a regular a sociedade e a
aplicar-se a situações concretas (juiz —alguém independente que pretende fazer um juízo concreto sobre
determinada situação), apesar de às vezes ser necessário um juízo de adequação dessa norma ao caso
concreto. É um conceito que encontramos em Aristóteles: a equidade como justiça no caso concreto, ou
seja, existiria uma justiça geral, que depois necessitaria de uma adequação caso a caso, de acordo com
as necessidades especí cas de cada caso, passando a uma justiça do caso concreto, esta também
cou conhecida como a equidade e a régua de lesbus: régua exível, que se adaptava à forma das
pedras.
- Será que esta conceção de equidade, no sentido aristotélico pode ser dispensada?
No fundo falamos da equidade como uma realização prudente da justiça e não nos parece que possa ser
dispensada. Portanto a ideia que surge no art 4º parece chocar com esta conceção.
No entanto, os termos do art 4º não radica nesta conceção de equidade, mas sim remete para uma
conceção muito positivista do direito: ideia de que, normalmente, o juiz está vinculado a decidir de acordo
com a lei, que a norma dá os critérios para decisão, evidentemente que este terá de interpretar a norma e
dentro desses critérios, tomar uma decisão pautada pela equidade no sentido aristotélico.
Outra coisa é quando o legislador reconhece que nalguns casos o juiz pode não estar adstrito a esses
critérios de estrita legalidade que surgem das normas, e é essa a ideia que surge no art 4º do CC. Há
situações em que o juiz tem uma maior margem de manobra, na medida em que não está vinculado a
critérios de estrita legalidade.
A Profª tem alguma di culdade, assim como os outros autores, a quali car a equidade como fonte do
Direito, uma vez que quando se fala em fontes de direito refere-se à origem das normas jurídicas gerais e
abstratas, aquilo que são critérios de decisão, por muito que possam relevantes nesse ponto de vista, não
são fontes de direito na conceção que temos vindo a adotar. Para incluirmos a equidade como fonte de
direito, seria necessário ter outro conceito de fonte de direito, então, aqui trata-se de atender às
circunstâncias do caso concreto e, nessa medida, há di culdade em considerar a equidade como fonte de
Direito.
Como podemos de nir a jurisprudência? É uma palavra que tem vários signi cados, principalmente do
ponto de vista histórico, mas que de hoje em dia corresponde, de modo quase consensual, à atividade dos
tribunais: ao « Conjunto das decisões em que se exprime a orientação seguida pelos tribunais ao julgar os
casos concretos que lhes são submetidos. » — João Batista Machado — Introdução ao Direito e ao
Discurso Legitimador, pp. 162
- Jurisprudência como meio de explicitação do sentido e alcance do direito, que se vai relevando
nas decisões dos casos concretos, ou seja, à medida que os tribunais julgam os casos, a
fundamentação das decisões vai explicando e desenvolvendo, através da sua interpretação, aquilo
que são os critérios jurídicos aplicáveis ao caso e, nessa medida, desenvolvem o Direito e dão uma
perspetiva muito mais desenvolvida do seu alcance e sentido.
- Há situações de regras mais precisas, com conceitos mais determinados, que não carecerão de
grande determinação por parte dos tribunais (ex: veri cação se alguém é maior ou menor de idade),
mas há também um conjunto de conceitos, indeterminados, que requerem do tribunal uma
mediação e é aí que vemos um modo de revelação do direito.
- Contudo, este caráter das decisões judiciais e aquilo que elas revelam do ponto de vista jurídico
não faz norma, não é uma norma jurídica, mas a interpretação de um tribunal, então, não tem um
caráter vinculativo geral, visto que não existe, no nosso ordenamento, a ideia de precedente
vinculativo, como existe nos sistemas de common law, portanto o seu alcance enquanto fonte de
direito ca limitado desse ponto de vista. Contudo, fala-se na doutrina de um precedente
subsidiário: apesar de não haver vinculatividade (art 8º nº3), reconhece-se que existe um
interesse e razões, que se prendem com a segurança jurídica e a igualdade perante a lei
(muito relevantes que devem ser protegidas, por muito que o juiz se encontre apenas subjugado à
lei, a interpretação pode conduzir a resultados diferentes; o regime português defende que a lei por
si só permite salvaguardar estas igualdades e direitos, é quase que pensado que prevê todos os
casos; esta doutrina — relevância da segurança jurídica e igualdade perante a lei — encontra-se
expressa num acórdão do TEDH que resultou de um caso contra o estado português: caso Ferreira
Santos Pardal contra Portugal, através do Supremo Tribunal Justiça, decidiu de modo contrário à
sua jurisprudência anterior, e logo a seguir voltou a adotar a mesma posição, ou seja, naquele caso
So a de Castro Mesquita Machado Lucas Página 89 de 113
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temos uma decisão diferente daquilo que foi a jurisprudência anterior e a jurisprudência posterior e
considerou-se que cou atingido de modo inadmissível o princípio da segurança jurídica, estando
em causa o artigo 6º da CEDH — garantia de um processo equitativo; embora o tribunal tenha
considerado que as divergências jurisprudenciais são relevantes e até necessárias ao direito — não
têm nada de mal em si, embora possam causar algum tipo de perturbações naturais —, neste caso
o que está em causa é o facto de afetar e de modo inadmissível o caso em questão com a adoção
de uma posição que logo a seguir foi alterada; por muito que este caso tenha vindo a a rmar esta
doutrina, esta não signi ca que haja uma vinculatividade das decisões judiciais)), que justi cam
que exista a expectativa por parte das pessoas que os casos venham a ser julgados pelos
tribunais de um modo igual, com as devidas adaptações a cada caso, mas com o mesmo
critério jurídico que fora aplicado a casos análogos.
- A questão dos assentos — acórdãos TC n.º 810/93 e 743/96 e artigo 4.º/2 do DL 329-A/95, de 12 de
dezembro — e a uniformização de jurisprudência:
- Já tivemos o instituto dos assentos, que era um instituto português com tradição secular, que
constava no elenco das fontes do direito do CC (art 2º - revogado). Mas o que eram os
assentos? Era o nome que se dava a determinados acórdãos que xavam a interpretação dos
tribunais superiores a um caso concreto, no fundo, xavam normas com força obrigatória
geral.
- Isto veio a ser declarado inconstitucional pelo Ac do TC 810/93, devido a um art da CRP que refere
que nenhuma lei pode criar atos de igual valor, em transferir para outros atos o seu valor — art
112º. Nessa sequência, acabou por haver uma declaração de inconstitucionalidade com força geral
e, posteriormente, uma revogação pelo DL 329-A/95. Mas durante muito tempo admitia-se que os
critérios utilizados pelo tribunal fossem considerados como norma obrigatória.
É uma fonte indireta (não é vinculativa, não cria normas) que se traduz numa re exão que, ao contrário da
jurisprudência, decisões re etidas em torno de um caso concreto, de uma perspetiva mais distanciada,
passível de generalização, que olhe para o conjunto do Direito, equacionando várias possibilidades de
resolução que se adequem a uma melhor realização do Direito. Podemos ter duas conceções de doutrina,
podemos referir-nos a um autor/perspetiva em particular ou à opinião da maioria, de um conjunto alargado
de juristas (communis opinio doctorum).
É uma autoridade intrínseca que se deve impor pela força dos argumentos e não por quem escreve e que
precisamente pelo convencimento que o argumento tem, permite chegar a uma solução a que de outro
modo provavelmente não se alcançaria. Portanto, estes juristas que compõe a doutrina têm também uma
in uência na interpretação do direito. Para além disso, participam muitas vezes nas comissões
legislativas, comissões cujo objetivo é o de preparação de legislação.
Mesmo no âmbito do processo judicial, é possível juntar pareceres de juristas, com o objetivo de
in uenciar, de um ponto de vista legítimo, pela força dos argumentos, se o juiz assim o entender, de o
persuadir no sentido da bondade da posição de uma parte e que é apoiada de modo fundamentado
argumentativamente pelo parecer de um jurista.
A verdade é que não existe consenso sobre a inclusão dos princípios no catálogo das fontes de direito.
Quando falamos em princípio jurídicos já estamos a falar de algo que, embora possa transcender o direito
posto (perspetiva jusnaturalista), não deixa de fazer parte do direito positivo, da juridicidade, portanto já
tem vigência. Já se encontram num outro momento do direito que não exclusivamente a sua origem.
A sua utilização coloca certos desa os ao direito. Mas são um precioso elemento para a coerência e
plenitude do direito.
A Lei em Especial:
Aceções de leis:
- Lei em sentido material: toda a disposição geral e abstrata emanada de um órgão competente, com
poderes normativos (poder legislativo — AR e Governo — ou poder regulamentar do executivo —
Governo também tem poderes regulamentares). Noção que encontramos no art 1º nº2 do CC.
- Lei em sentido formal: diploma provindo da Assembleia da República, órgão legislativo por excelência.
A CRP é a norma primária sobre a produção jurídica, é aí que encontramos a de nição dos atos normativos
e a hierarquia normativa.
- Já o nº1 apresenta-nos as categorias dos atos legislativos: Leis, emanadas pela Assembleia da
República, Decretos-Lei, emanados pelo Governo e Decretos Legislativos Regionais, no caso das
regiões autónomas.
- O nº2 defende que as “leis e decretos-leis têm igual valor”. Apesar de, como vemos no nº3, podermos
falar de leis de valor reforçado, ou seja, leis que têm um valor acrescido, sendo este o caso das leis
orgânicas, que versam sobre matérias que complementam a CRP, das leis que carecem de aprovação
por maioria de 2/3, e das leis que são pressuposto de outras leis, como as leis de bases, leis de
autorização legislativa, lei de enquadramento do orçamento, etc.
- Quanto à e cácia dos regulamentos, é possível classi cá-los em regulamentos externos, aqueles
que têm força obrigatória geral (ex: portarias e decretos regulamentares) e em internos, que não
têm força obrigatória geral, vinculam a generalidade das pessoas, mas apenas o órgão
administrativo que os admite (ex: circular, instruções, etc. — visam xar uma determinada
interpretação da lei relativamente a uma questão, por exemplo, mas não vinculam externamente;
por exemplo, os funcionários das nanças devem seguir a instrução, mas esta pode ser colocada
em causa num tribunal por um cidadão e o tribunal lhe dar razão).
- Direito da União Europeia e a sua posição na hierarquia de atos normativos (art 8º e 112º CRP):
No art 8º demonstramos a relação existente no nosso ordenamento jurídico entre o Direito interno e o
Direito da UE e no art 112º nº8 referimos a forma de acolhimento no direito interno de determinados atos
da UE quando têm de ser transpostos.
- “A Europa não se fará de uma só vez nem de acordo com um plano único, mas através de realizações
concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.”
- Atualmente, podemos dizer que a União Europeia é uma União de Estados, fundada em tratados
internacionais, que os vinculam e em que os estados paulatinamente foram criando um conjunto de
instituições permanentes às quais foram atribuídas competências legislativas, administrativas e até
jurisdicionais, pelo que a criação de um tribunal da justiça próprio da União Europeia foi essencial, e é
também uma União de Cidadãos. Temos determinados organismos/instituições na UE que permitem
a rmar a existência de uma cidadania europeia — art 1º Tratado União Europeia.
É uma união/organização sui generis. Não encontramos uma igual no mundo.
- É no art 8º nº4 que nos deparamos pela primeira vez com uma distinção entre o direito originário da
UE e direito derivado:
- Princípio do primado:
Voltando ao art 8º nº4, que nos diz, então, que este Direito é aplicado na ordem interna, nos termos
que forem de nidos pelo próprio direito europeu, o que nos coloca perante a questão de saber qual a
hierarquia entre o direito da UE e o direito interno: os termos de nidos pela UE são ordenados em torno de
So a de Castro Mesquita Machado Lucas Página 94 de 113
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um princípio desenvolvido e a rmado pelo tribunal de justiça da UE: o princípio do primado, que diz que
em caso de con ito o Direito da UE prevalece sobre o direito interno. E este princípio, em geral, é aceite
pelos Estados-Membros.
E se a CRP contradisser o Direito da UE?
Ainda no nº4 do art 8º: “com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático”–
consagra uma reserva constitucional de respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito
Democrático (designação por Gomes Canotilho e Vital Moreira) e portanto, este princípio do primado está
limitado pelo núcleo essencial da constituição, que podem funcionar como preceitos que atuam em caso
de uma eventual disposição do direito da união que seja aniquilador do próprio Estado.
A adesão à União Europeia e inclusão desta norma na CRP signi cou o acolhimento constitucional
do Direito da UE. A própria UE é também uma união de direito, não podemos fazer uma distinção
como se fosse um direito à parte. Parece sensata uma expressão de Miguel Nogueira de Brito: a
ideia de um equilíbrio entre a jurisdição europeia e portuguesa.
- O “nascimento” das leis: processo legislativo (exemplo: votação em AR, promulgação pelo PR,
etc.)
- Publicidade: meio pelo qual as leis são dadas a conhecer aos seus destinatários. Relação com o
princípio ignoratia iuris non excusat (artigo 6.º CC)
Publicidade das leis é o meio pelo qual estas são dadas a conhecer aos seus destinatários, é a forma de
estes conhecerem aquilo que a lei diz.
- Consequência da falta de publicidade – ine cácia jurídica (119.º/2 CRP; 1.º/1 Lei 74/98, de 11
de novembro)
Sem a publicidade, não faz sentido nem poderia ser exigível o princípio ignorantia iuris non excusat (art. 6º
CC) – não podemos invocar o desconhecimento da lei como fundamento para o seu não cumprimento. Isto
só é possível porque temos meios para conhecer aquilo que a lei diz. Este princípio tem como pressuposto
a possibilidade de conhecimento da lei. A falta de publicidade de uma lei acarreta a sua ine cácia jurídica.
Ela não será e caz.
- Local da publicação – Diário da República (119.º/1 CRP; 1.º/5 da Lei 74/98 de 11 de novembro)
- Vacatio legis: tempo que decorre entre o momento da publicação da lei e o momento da sua
entrada em vigor.
Mas não basta a publicação de uma lei para que ela seja imediatamente aplicável. Só será aplicável a partir
do momento em que entra em vigor. A entrada em vigor e a publicação são momentos diferentes. Entre o
momento da publicação e da entrada em vigor temos o período vacatio legis (tempo que decorre entre o
momento de publicação da lei e o da entrada em vigor). Este período é, normalmente, xado na própria lei.
Se estivermos a falar de uma grande complexidade, fará sentido o legislador estabelecer um prazo longo;
se for urgente, um prazo mais curto (pandemia covid-19). Por vezes é necessário que este tempo seja
maior para que as pessoas possam com segurança perceber o que a lei exige e terem tempo para cumprir
- Prazo xado na própria lei ou prazo supletivo (5.º dia após a publicação – 5.º/2 CC e 2.º da Lei
74/98, de 11 de novembro).
- Regra geral: 2.º/1 da Lei 74/98, de 11 de novembro – o início de vigência não pode «em caso
algum» veri car-se no próprio dia da publicação. A possibilidade de derrogação desta
disposição.
Temos, no art. 2º/1 da lei 75/98, uma disposição que diz que em caso algum se pode veri car a vigência da
lei no próprio dia da publicação. Porquê? Porque existe a regra de que é necessário um tempo para que os
destinatários da lei a possam conhecer. No entanto, há autores que entendem, nomeadamente Oliveira
Ascensão, é possível haver uma derrogação por um diploma desde que ele tenha valor igual ou superior.
Ou seja, uma lei de igual valor ou superior à lei 74/98 poderá estabelecer uma entrada imediata. Mas não
basta que seja de valor igual ou superior, é necessário existirem boas razões para que isso aconteça,
razões que possam sobrepor-se à razão de ser que estabelece que a entrada em vigor só se veri que, pelo
menos, no dia seguinte. Isto acontece quando esta supressão seja uma medida necessária, proporcional e
adequada ao que o legislador pretende alcançar com a supressão da vacatio legis. Ex.: Casos de urgência
inadiável (calamidade pública) em que seja necessário fazer entrar em vigor imediatamente uma
determinada legislação, ou em situações em que o que se pretende com a supressão da vacatio legis seja
evitar que se frustrem os objetivos da lei que está a entrar em vigor (ex.: a lei determina a suspensão de
compra de moeda estrangeira – a vacatio legis ia proporcionar um tempo de procura mais intensa dessa
moeda, até com ns especulativos. Portanto, ia prejudicar os objetivos da lei, que quer proibir um
determinado ato).
- Revogação expressa, ocorre quand a lei declara expressamente quais os diplomas ou normas
que revoga.
- Revogação de sistema, que resulta da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei
anterior. O legislador, embora não manifeste expressamente uma revogação de todas as
normas ou diplomas atinentes a determinada matéria, mostra a intenção de regular ex novum
toda uma determinada matéria. Ao fazê-lo, entende que as disposições anteriores, sejam
incompatíveis ou não, se encontram revogadas. O legislador institui um novo sistema para
determinada matéria.
- Quanto à extensão da revogação, distingue-se entre a abrogação (sempre que uma lei antiga é
revogada integralmente) e a derrogação (quando existe uma revogação parcial, que é a mais
frequente, ocorre na revogação de apenas um artigo ou uma secção, por exemplo).
- O nº3 constitui na regra de que prevalece a lei especial (sendo aplicável ao caso), mas a lei geral
não se encontra revogada pela existência de uma lei especial. Uma lei especial nunca introduz um
verdadeiro con ito entre leis, mas um mero con ito aparente. A lei especial apenas reduz o âmbito
de aplicação da lei geral.
- E o nº4 exclui, em regra, a repristinação, que constitui o renascimento da lei anterior por revogação
da lei posterior. Caso pretenda repristinar, o legislador tem de indicar, caso contrário aplica-se este
artigo, ou seja, se o legislador revogar uma lei que revogou outra, isso não implica o renascimento
da lei que aquela lei revogara. Exclui-se a repristinação. O legislador pode expressamente dizer que
além de revogar a lei revogatória, quer fazer renascer a lei anterior.
- Patologias da Lei:
Situações que não são sinónimos, em que encontramos vícios que afetam a plena produção de efeitos da
lei:
- Quando a lei estabelece uma inexistência, ou seja, quando estabelece uma consequência
para uma determinada situação, falamos de vício muito grave e raro. Só quando é
expressamente estipulado é que se pode falar em inexistência.
É o caso, por exemplo, da falta de promulgação da lei (acarreta a inexistência da lei — ela, para
todos os efeitos, não existe).
- Quando falamos de invalidade, estamos a falar de vícios internos, que têm a ver com o
próprio ato ou processo de produção do ato, ou seja, é desrespeita uma regra sobre a
produção jurídica da norma (casos de inconstitucionalidade ou ilegalidade).
- Quando falamos da ine cácia, falamos de um vício externo, que ocorre na falta de
determinados requisitos externos que não permitem que o ato/lei produza efeitos, estando
em causa um requisito externo. A lei é válida, mas é ine caz (ex: falta de publicação) — 119º
nº2 CRP; 5º nº1 CC;
Uma norma manifesta-se através do texto, da comunicação. Portanto, como qualquer outro processo
comunicativo, também o Direito, tem algumas questões que se prendem e são comuns, até porque utiliza
como base a linguagem comum, que não poderia ser de outra forma – o direito Dirige-se à generalidade
das pessoas e, portanto, também elas devem compreender e partilhar desse modo a base comunicacional
que é a linguagem comum.
Isso não exclui que existam alguns sentidos técnicos/especí cos do direito, ou seja, termos que se utilizam
no Direito com um sentido especí co que não é o que decorre da linguagem comum (ex: pessoa, coisa,
etc.), e tal como a linguagem comum, o direito também partilha a sua ambiguidade: muitas vezes somos
confrontados com expressões/palavras cujo sentido é polissémico, sentidos que podem ser
múltiplos, não é unívoco, daí a necessidade de encontrar o sentido mais adequado do texto para
perceber qual a norma — Interpretação.
- Importância do Sistema:
É importante ter em atenção que o Direito é um sistema: uma norma nunca está sozinha, desligada das
demais, não basta o conhecimento de uma norma particular, pois insere-se dentro de um conjunto —
sistema jurídico — que auxilia na interpretação.
É necessário conhecer o sistema jurídico na sua generalidade e intenção, unidade que deve ser encontrada
nos valores que esse sistema acolhe e visa realizar, e que ajuda a corretamente interpretar as normas.
- O intérprete comporta para a interpretação o seu saber, a sua experiência, o que o motiva a
interpretar, relacionado com a posição em que se coloca o intérprete (ex: dois advogados das
partes do lítigio são intérpretes, reconhece-lhes que o raciocínio jurídico destes é largamente
in uenciado por um concreto resultado que pretendem alcançar).
- Interpretação doutrinal: aquela que é realizada pelos juristas, mais especi camente por
jurisconsultos.
Uma interpretação realizada pela doutrina com intenção dogmática, de sistematização,
distanciamento, uma análise puramente jurídica das questões, ainda que por vezes em
torno de um caso. Cabe aqui, por exemplo, a interpretação no âmbito de pareceres.
- Interpretação judicial: interpretação realizada pelo juiz quando procura a solução mais
adequada ao caso concreto.
Tem caráter vinculativo apenas no processo em que tem lugar.
É uma interpretação muito relevante porque é aquela que xa, no caso concreto, as
consequências. Vai ter uma in uência prática na vida das pessoas, na medida em que quando
somos partes num processo sabemos que aquela interpretação terá um impacto direto.
Objetivo da Interpretação:
A questão da interpretação constituiu o centro de uma polémica doutrinal a que se entregaram alguns dos
mais ilustres juristas do séc XIX.
Sendo que, uma questão que se colocou historicamente, embora hoje se encontre de certo modo
ultrapassada pela aceitação da necessidade de uma síntese entre estas várias teorias: a questão do
objetivo da interpretação, coloca-se as questões: “O que é que o intérprete procura quando interpreta?
Qual é o seu objetivo?”
- A teoria objetivista coaduna-se mais facilmente com a teoria atualista, visto que procurar o sentido da lei
independentemente da vontade do legislador, por se desligar desse momento inicial, permite adequá-la
do ponto de vista da evolução histórica.
- Isto não exclui a possibilidade de haver cruzamentos distintos, mas de todo o modo, é certo que aquelas
que se cruzam melhor são objetivista-historicista, subjetivista-atualista.
Se pensássemos numa teoria subjetivista cruzada com a teoria atualista. Num caso assim, já não se fala
do legislador concreto, do momento de elaboração da norma.
Pensa-se que sentido é que esse legislador daria hoje à norma ( cciona-se de certo modo, esse
legislador).
Colocando agora uma teoria objetivista com uma perspetiva historicista, procurar-se-á o sentido
imanente da lei, no momento em que ela surge, e não tendo em conta a evolução da vida social.
- De todo o modo, é certo que aquelas que se cruzam melhor são objetivista-historicista, subjetivista-
atualista.
Antunes Varela, um dos autores do projeto do CC referia que o CC tentou colocar-se acima dessas
polémicas, ou seja, à parte das discussões, percebemos que assim foi tentando acolher vários tópicos
que encontramos separadamente em cada uma destas teorias, acolhendo-os no art 9º CC. Há um
acolhimento dessas várias perspetivas e uma tentativa de superar, de algum modo, as limitações que
advém de cada uma delas, precisamente em algumas expressões: “a interpretação deve reconstituir a
partir dos textos”.
Elementos da interpretação
Falta-nos ainda referir os contributos da re exão sobre a metodologia jurídica na demanda de um conjunto
de pontos de referência que ajudem o intérprete a chegar a bom porto.
Savigny foi o autor que conseguiu distinguir a existência de quatro elementos de interpretação: gramatical,
teleológico, histórico e sistemático
- Estes não são métodos distintos de interpretação: todos eles devem ser considerados e
ponderados no seu conjunto, por isso é que é possível que se chegue a distintos resultados de
interpretação, porque cada um atribui um diferente peso aos vários elementos.
É o ponto de partida, mas que depois há de ser conjugado com os demais elementos da interpretação.
Apesar de ser ponto de partida deve também ser ponto de chegada, na medida em que no 2º do art. 9º se
veda que o interprete chegue a uma conclusão interpretativa que seja completamente desfasada, que não
tenha o mínimo de correspondência verbal do texto. Portanto, este elemento literal baliza sempre a
interpretação do texto.
As normas e o sentido a dar-lhes não seria possível sem o conhecimento da História do Direito, quer sendo
esta a história mais remota que existe em muitos institutos ou a história que remontam em grande medida
ao período romano, é relevante para percebermos quais os processos e razoes que deram origem a uma
Elemento Lógico ou Espírito da Lei
norma. Mas, nesse caso, já não falamos propriamente da importância da história do direito, fala-se antes
daquela que se designa por: occacio legis, que corresponde circunstâncias no momento da produção da
norma, ou seja, todas as normas emergem/resultam de um circunstancialismo determinado, de uma
necessidade de regular um determinado aspeto da sociedade, portanto, existem sempre causas que
concorrem para que uma determinada norma surja, quer sejam estas políticas, sociais, etc., é então
relevante ter “circunstâncias em que a lei foi elaborada” – art 9º nº1.
Diz que devemos considerar a nalidade, ou seja, remete para a ratio legis, a razão de ser da lei, a procura
do que está por trás do pensamento legislativo, o valor que se propõe a realizar.
Procura-se o m a realizar pela norma e este acaba por ser o elemento mais determinante de todos,
porque permite compreender o valor a realizar, a ponderação de interesses que se procurou atingir.
O que o legislador faz em grande medida é precisamente ponderar quais os vários interesses em causa
num determinado con ito e fazer prevalecer, numa certa medida, algum deles, portanto, é preciso ter
presente essa ponderação de interesses para podermos compreender para que é que a norma serve,
compreendendo isso, é mais fácil saber qual o seu sentido, alcance, qual a interpretação mais adequada.
As normas são meios para atingir determinados ns, essa é a sua razão de ser. O m é essencial para
a determinação do sentido da norma, permite perceber o que é que o legislador pretendia, que
pensamento legislativo pretendia, qual a razão de ser da norma e vai nos permite harmonizar a letra da lei
com o seu espírito, tendo um papel fundamental.
- Todos estes elementos devem ser ponderados conjuntamente. Dependendo do peso que se der a
cada um destes elementos na interpretação de uma norma em concreto, o intérprete pode chegar a
resultados distintos, por isso existem diferentes interpretações de um mesmo texto, porque a linguagem
é ambígua e há vários sentidos para um mesmo texto.
- Perante esses diferentes resultados, pode acontecer de estes originarem diferentes correntes
doutrinais e até mesmo jurisprudências, daí a necessidade de haver mecanismos que permitam
uniformizar essas interpretações.
Resultados da Interpretação:
Não existe interpretação que não seja criadora de Direito — interpretação-criação de Direito:
- Contudo, o carácter interventivo e criador da interpretação varia de grau consoante a situação concreta
de aplicação do Direito.
Então, depois do interprete interpretar e determinar o sentido e o alcance de cada norma, ou seja, depois
de ponderar todos os elementos, chega a um resultado da sua interpretação. Estes resultados podem ser
classi cados:
- Interpretação declarativa: existe uma coincidência entre a letra da lei e o seu espírito (única
interpretação em que isso acontece), sintonia entre os elementos racional e gramatical, o
legislador disse aquilo que queria dizer.
O intérprete limita-se a veri car a existência dessa correspondência, mas há sempres interpretação
(mesmo que não pareça), “aquilo que é claro não carece de interpretação”, pode até parecer estar
correto à primeira vista, mas o facto de um determinado sentido da lei parecer imediatamente claro
é já em si um resultado da interpretação, não é um à priori. A norma aparece clara porque a
interpretamos rapidamente, mas não se trata de uma ausência de interpretação.
Por vezes, o legislador pode utilizar palavras que tem vários sentidos e, nesses casos, cabe ao
intérprete xar esse sentido, dentro dos vários possíveis.
- Interpretação Restritiva: o legislador disse mais do que queria dizer, a letra da lei vai além do
seu espírito, o que signi ca que é necessário restringir o alcance daquele texto. A norma
parece ter um alcance superior ao que o legislador lhe queria dar.
É o caso do art 125º CC sobre os negócios jurídicos celebrados pelo menor são anuláveis, o
legislador diz “menor”, mas sabemos que há menores que celebram negócios jurídicos válidos,
nomeadamente os menores emancipados. Neste caso, o que se queria dizer é menores não
emancipados, e não apenas menores. Temos de restringir nessa medida a letra, de modo que se
possa adequar ao espírito da norma.
- Interpretação enunciativa: retira-se da norma um sentido que nela está apenas virtualmente
contido. Trata-se de argumentos/formas lógicos que permitem chegar a uma determinada
conclusão na interpretação de uma norma.
A norma tem um sentido, mas esse sentido permite perceber outros sentidos que estão
contidos, embora não expressos, mas que podemos dela retirar.
Isso faz-se através de vários argumentos lógicos:
- São argumentos lógicos que permitem retirar da norma um sentido que nela não está
expresso, mas que está virtualmente contido.
- Argumento a contrario sensu: se temos uma norma que atribui uma quali cação jurídica
a uma certa situação, então podemos deduzir, desde que não haja declaração noutro
sentido, que não existe uma outra norma que atribui essa mesma quali cação a
previsões diferentes, deduz-se que outros casos se excluem dessa quali cação.
Ex: 33º CRP: a quali cação/consequência: proibição de expulsão de cidadãos portugueses do
território nacional, daqui se podia deduzir que esta proibição não se aplica a estrangeiros ou
apátridas.
Trata-se de uma interpretação em que seria possível ao intérprete corrigir a letra da lei, atribuir-lhe
um sentido que talvez já não respeitasse a advertência do art 9º nº2 de um mínimo de
correspondência verbal com a letra da lei, uma posição que já seria verdadeiramente corretiva.
Previa-se nesse projeto que seria consentida uma interpretação corretiva, que haveria essa possibilidade
quando a quando a lei fosse de tal modo contrária ao sentimento de justiça/contrária a valores
fundamentais do ordenamento jurídico previa-se que pudesse haver essa interpretação corretiva e
também percebemos que existe um conjunto de outros elementos que podem não estar lá
expressos. A verdade é que isso não cou na versão nal do CC, mas a verdade é que não temos em mais
lugar nenhuma uma previsão legal que autorize esta interpretação corretiva.
Não obstante, também podemos ainda discutir se cabe ao legislador fazer este tipo de orientações
hermenêuticas ao intérprete (Problema do Princípio da Separação dos Poderes).
De qualquer das formas não nos podemos esquecer do seguinte: ao admitir-se uma interpretação
corretiva, não se pode estar a abrir uma porta para que o intérprete substitua a sua ponderação de valores
pela do legislador, que tem a legitimidade democrática que falta ao intérprete, cabe ao legislador, no nosso
sistema democrático, traduzir a vontade da sociedade. Temos até argumentos de Direito positivo — art 9º
nº2 e art 8º CC.
É neste cruzamento que devemos ter presente que se revolve o problema da aplicação da lei no tempo: ora
fazendo prevalecer, em determinadas circunstâncias, a salvaguarda da expectativa das pessoas (sobretudo
em determinados domínios jurídicos – penal por exemplo) e outras circunstâncias em que se dará maior
prevalência à possibilidade de introduzir mudanças.
Será a função estabilizadora (garante os direitos e as expectativas das pessoas) contra a função
dinamizadora (procura ajustar a ordem social à evolução da sociedade e a promoção dessa evolução).
Muitas vezes as alterações não se limitam meramente a ajustar a ordem jurídica à evolução social, mas a
promover essa evolução. Isso também deve ser garantido até determinado ponto. Possibilidade de o
legislador, através da legislação, introduzir mudanças sociais e promover essa mudança.
Questão da inversão do silogismo judiciário — partimos da norma para chegar ao caso; mas há quem
procure o contrário: parte se da decisão para chegar à norma. Pode ser problemático.
Mas como podemos de nir o termo lacuna? Bom, o dicionário da língua portuguesa diz-nos que uma
lacuna é o “espaço em vão ou em branco”, a “interrupção”, o “intervalo”, a “omissão”, a “falta”, mas, num
sentido jurídico, a lacuna é a incomplitude do sistema jurídico, uma questão jurídica para a qual a Lei e o
Direito consuetudinário não contêm resposta, observa-se que, após todo o processo de interpretação, não
existe uma norma a ser aplicada ao caso (falta uma disposição para o caso), uma vez seja determinado
que este se contém nos limites da jurisdicidade, e como sabemos que o sobre o juiz pende uma proibição
de non liquet pelo que uma solução há-de ser encontrada dentro do Direito ao qual o juiz está vinculado e
tem obrigação de reconhecer — art 6º nº3, 8º CC que impõe ao julgador obrigação de julgar e decidir os
casos independentemente de estarem regulados ou não. É impossível prevenir lacunas, o legislador não é
capaz de considerar todos os casos, não consegue prever todas as situações/questões que possam
aparecer no futuro, existe uma inevitabilidade das lacunas.
Claro está que já houve uma época em que se excluía a possibilidade de existência de lacunas,
precisamente com a ideia de que só aquilo que foi regulado pelo legislador é que tem relevância jurídica,
portanto, sempre que houvesse uma “falha”, estaríamos necessariamente perante o espaço ajurídico.
Há que ter em atenção que o caso tem que dever-ser regulado pelo Direito, ou seja, só é possível a rmar
que nos deparamos com o problema da existência da lacuna, se a relação for regulável pelo Direito.
Existem muitas situações da vida que não são abrangidas pelo direito (estados ajurídicos — Batista
Machado). A incomplitude tem de se situar no espaço jurídico e não ajurídico (fora do direito).
- Lacunas a nível das normas, quando nos deparamos com uma regulação de modo incompleto de
certa questão, por exemplo, uma lei estabelece que é necessário proceder a x até ao m do prazo,
mas não estabelece o prazo.
- Há lacunas que resultam da entrada em vigor na mesma data, de duas leis de valor hierárquico
igual (contradição inultrapassável: não é possível através de nenhum critério existente, fazer uma
norma prevalecer sobre outra): Lacunas de Colisão. Neste caso aquilo que acontece é que as
normas colidem e vão-se eliminar reciprocamente. 2 normas contraditórias sem que seja possível,
através de qualquer critério existente, fazer uma prevalecer sobre a outra.
- Lacunas Teleológicas, a sua descoberta resulta da interpretação de ratio de certa norma (razão de
ser da lei que esta subjacente à norma), que nos leva a concluir que deveria analogamente aplicar-
- Lacunas patentes são aquelas em que a lei não oferece qualquer disciplina para o caso, ou
seja, há uma categoria de regulações jurídicas que devia ser regulamentada pela lei, de forma
análogo até, mas não é.
- 1º mecanismo: analogia legis, que corresponde à aplicação de uma norma análoga, ou seja, semelhante,
que seja aplicável. Requer um raciocínio próprio — raciocínio analógico —, apesar de os casos não
serem iguais, uma lei pode servir de analogia com as devidas adaptações. Por exemplo: o caso do
transporte comercial aéreo foi uma inovação, algo inesperado para o Direito, que carecia de uma
regulamentação, mas necessário de se regular. Foi preciso, inicialmente, recorrer a uma analogia ao
transporte comercial marítimo, que, embora não partilhasse todas as características, permite uma
relação com um conjunto de características comuns, mas procurando justi car onde é que existe uma
diferenciação e adaptando aquilo que for necessário (art 10º nº2 — sempre que as razões possam ser
aplicáveis ao caso análogo, poderemos, com as devidas adaptações, aplicar aquela
regulamentação). Concluindo: corresponde a duas situações que não são inteiramente idênticas e que
não partilham todas as características, mas que têm um conjunto de características comuns, que são
relevantes para efeitos de uma aplicação analógica.
Requer sempre um juízo: 1º determinação de pontos comuns e não semelhantes; 2º juízo sobre se as
semelhanças entre uma situação e outra justi cam ou não a aplicação da mesma regulação, que implica
um juízo comparativo a ser feito pelo intérprete, que deve justi car porque é que as semelhanças são
relevantes para aplicação analógica;
- 2º mecanismo: analogia iuris, ocorre no caso de não existir um caso análogo previsto na lei — lacuna de
Direito, algo totalmente novo. Deve proceder-se à criação de uma norma ad hoc, ou seja, o intérprete,
que neste caso deverá ser o juiz, deve “colocar-se nos sapatos de um legislador”, vai ccionar uma
norma — geral e abstrata — passível de resolver aquele caso e deverá fazê-lo dentro do espírito do
sistema (balizado por princípios, que remetem fundamentalmente para os valores a realizar pelo direito
no seu conjunto). Como ca acautelado esse princípio? Quando se fala em norma refere-se à existência
e determinação de um critério normativo que permita resolver o caso, mas esse critério não vai ascender
ao ordenamento jurídico, ou seja, esta norma não passa a pertencer ao Direito Positivo e vincular toda a
gente, é apenas utilizada nesse caso, o critério só é aplicado naquele caso e, portanto, o seu efeito é
limitado a esse caso e a essa decisão, não vai produzir efeitos vinculativos externos — art 10º nº3.
Toda a interpretação da lei comporta um grau de desenvolvimento maior ou menor, mas que talvez não
seja de qualidade diferente nuns casos e noutros: existe sempre, nessa mediação entre a norma geral e
abstrata e a decisão que se vai extrair mediante o critério normativo no caso concreto, que
acrescenta algo e desenvolve o direito, mas estas fronteiras não se encontram tão bem de nidas como os
arts 9º e 10º, numa leitura, podem fazer crer.
- Há situações que não comportam aplicação analógica, ou seja, relativamente as quais está
excluído o raciocino analógico. Que situações são estas?
- Direito penal não é comportável de aplicação analógica para a criação de novos crimes, porque
isso está sujeito aos princípios da tipicidade e da legalidade, não é possível utilizar analogia em
detrimento dos direitos e expectativas dos arguidos. Portanto, não há no Direito Penal a ideia de
um direito lacunoso, se não esta previsto não há crime.
As fronteiras delimitam e determinam, muitas vezes, se os comportamentos são valorados de uma ou outra
forma consoante o Direito aplicável. Perante uma situação com conexão com vários ordenamentos,
coloca-se a questão de saber qual a lei aplicável para resolver determinadas situações (ex: alugo um carro
em Portugal para fazer uma viagem na Europa; em França tenho um acidente que envolve um camião da
holanda e cujo motorista era polaco).
Por vezes os tribunais portugueses são chamados, por força destes con itos de lei no espaço, a
aplicar direito estrangeiro, normas que não são de direito português.
A solução encontrada pelo nosso legislador para resolver estes con itos foi instituir um conjunto de
regras que permite resolver estas situações, que acabam por formar um subconjunto de normas
Estas regras de aplicação da lei no espaço cumprem funções: por um lado, delimitar a competência
do direito material interno, e, por outro lado, remeter para o direito material estrangeiro, quando seja
o caso (normas estrangeiras aplicáveis em determinadas situações).
Pode haver situações que, por razões de certeza, de segurança jurídica e proteção das expectativas das
pessoas, imponham que seja a lei antiga a continuar a regular aquela relação jurídica e a ser aplicável.
O direito tem a sua dimensão estabilizadora, uma vez que deve conferir a possibilidade de as pessoas
regularem os seus comportamentos e os orientarem de acordo com determinados critérios, e saber com o
que podem contar.
Se isto for colocado em causa, ca colocada em causa a credibilidade do direito e esta sua função básica.
→ A função estabilizadora protege os direitos e as expectativas dos cidadãos.
No entanto, onde é que há espaço para a Função Dinamizadora do Direito? A absoluta impossibilidade de
alterar o que está no ordenamento jurídico também parece uma ideia comprometedora da justiça.
Se não se pudesse fazer ajustes à ordem jurídica, isso cortaria a possibilidade de adoção de soluções que
poderiam ser bené cas para a sociedade.
No caso de con ito entre lei antiga e lei recente, a recentre traduz a vontade atual do legislador, e se esta
introduzir uma mudança, será a mais adequada uma vez que é a resposta mais atualizada do direito para
as tensões da vida social do presente.
A Função Dinamizadora do Direito procura ajustar a ordem jurídica à evolução social e, ao mesmo tempo, o
promover essa mesma evolução.
- Subjetivas: Aquelas em que os direitos que existem na relação jurídica foram modelados/
determinados pelas partes. (ex.: matéria contratual). Reguladas pela lei antiga e prevalece a
autonomia das partes.
- Crítica – Eventual di culdade na delimitação face a uma relação concreta se será objetiva ou
subjetiva. Fronteiras podem ser difíceis de delimitar em alguns casos.
- Teoria do facto passado (tempus regit factum) – Acolhida no Código Civil Português. A lei aplicável é a
vigente ao tempo em que o facto se produziu. A lei nova aplicar-se-ia apenas a factos presentes e
futuros – isto relativamente à lei aplicável ao facto constitutivo.
- Os efeitos produzidos de factos passados estão salvaguardados ao abrigo da lei antiga.
- Os efeitos futuros de factos passados já vão poder ser abrangidos pela lei nova.
- Crítica – Pode acontecer que, por vezes, se dê uma sobrevigência um pouco exagerada da lei
antiga. No entanto, a verdade é que esta teoria comporta um equilíbrio maior do que a aplicação
estrita, por exemplo da teoria dos direitos adquiridos. Permite manter um certo nível de segurança e
certeza, mas simultaneamente também permite ao legislador uma intervenção mais célere na
sociedade, ao permitir uma aplicação também da lei nova.
Graus de retroatividade:
Com a retroatividade, admite-se a possibilidade de a lei nova atingir situações constituídas anteriormente.
Pode colocar em causa a expectativa jurídica, por isso tende a ser pensada como negativa, mas nem
sempre é assim, pode ser mais bené ca a aplicação retroativa.
- Retroatividade Ordinária – A lei nova regula as situações jurídicas passadas, mas apenas quanto
aos efeitos futuros. Respeita-se os efeitos já produzidos pela lei antiga.
Ex.: Contrato de arrendamento em que existe imposição legal de alteração de rendas – só se vai
aplicar às rendas que se vençam após a entrada em vigor da lei nova, e não as que já venceram
anteriormente.
- Retroatividade Agravada – A aplicação retroativa da lei ressalva apenas o caso julgado,
obrigações ou deveres já cumpridos, as transações ou acordos não homologados e outras
situações idênticas. A lei nova atinge efeitos que já se produziram, mas que ainda não estão
encerrados.
Ex.: Lei nova que reduz a taxa de juro aplicável a determinados contratos de mútuo (empréstimo).
Aplica-se a situações em que a lei nova se aplica a juros já vencidos, mas que ainda não foram
pagos (se já foram pagos não se vai aplicar porque é um dever já cumprido, e ressalvam-se os
deveres já cumpridos).
- Retroatividade Quase-extrema – A lei nova só tem limite no caso julgado. Vai atingir efeitos
passados, desde que não tenham sido objeto de decisão judicial ou equivalente.
Ex.: Lei nova que reduz a taxa de juro, impondo até a devolução de juros já pagos.
Face à CRP:
Não temos no nosso ordenamento jurídico um princípio geral de proibição da retroatividade da lei, o
que signi ca que não existe proibição geral das normas serem retroativas. No entanto, temos
situações que constituem limites constitucionais em determinadas matérias especi cas em que há
princípios de proibição de retroatividade. Estas são conhecidas como imposições constitucionais,
como tal, hão de prevalecer sobre o que o legislador ordinário diga a esse respeito.
- Art 18º nº3 CRP – proibição da retroatividade das leis restritivas de DLG.
- Art 29º CRP estabelece o princípio nullun crimen sine lege e nulla poena sine lege, ou seja, prevê-
se um princípio de legalidade relativamente ao estabelecimento dos crimes e das penas.
Há a necessidade de existência de uma lei para que uma conduta possa ser considerada crime e
tratada como tal. Se existe uma lei que vem hoje criminalizar uma conduta, não vai aplicar-se a
condutas anteriormente praticadas, quando não existia lei.
- Segundo o Art. 29º nº4 – “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do
que as previstas”. Trata-se de um princípio aplicado não só à existência do crime em si, mas
também à própria pena. Se uma nova lei agravar a pena, aqueles que cometeram a conduta
ao abrigo de uma pena menor cam salvaguardados. Aplica-se a lei aplicável ao momento da
prática do facto. Isto é reiterado no Código Penal – Artigos 1º e 2º.
- Ainda no Art. 29º nº4 – “Aplicando-se retroativamente as leis penas de conteúdo mais
favorável”. Estamos perante a chamada retroatividade in mitius. Existe uma aplicação de
retroatividade em caso de leis posteriores mais favoráveis ao arguido e até ao condenado. Isto
mesmo depois é reiterado e desenvolvido no Art. 2º/2 e 4 do CP.
- Porque será admissível esta retroatividade se pode afetar o princípio da con ança? O Direito
Penal tem na base uma ideia de absoluta necessidade e proporcionalidade. Não há
necessidade de se estar condenado se a conduta já não é criminalizada.
A necessidade é uma ponderação que foi renovada e que já não era adequada à
criminalização da conduta. As suas sanções acarretam limitação e restrição de DF
(nomeadamente a liberdade).
A perpetuação da pena numa situação em que o legislador entendeu que aquela conduta já
não deve ser criminalizada constituiria uma restrição de um direito fundamental, sem
necessidade, adequação ou proporcionalidade, daí a aplicação da retroatividade in mitius.
- Art 103º CRP proíbe a retroatividade das leis tributárias, assenta na imposição de que ninguém
pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa.
Reiterado no Art. 12o/1 da Lei Geral Tributária.
- Princípio da Con ança e Segurança Jurídicas: Além destes três casos que decorrem de
normas constitucionais, é preciso ter em consideração outro limite constitucional que decorre
dos princípios da con ança e da segurança jurídicas, ínsitos ao Princípio de Estado de Direito
Democrático — Art. 2º da CRP.
Mesmo em situações em que possamos não estar perante algum destes 3 casos ,podemos ainda assim
estar perante uma imposição de retroatividade do legislador que venha a ser considerada inconstitucional
por violação destes princípios. Quando se veri que que, na ponderação de valores, esse princípio tenha
Normas Transitórias:
O legislador, respeitando estes limites constitucionais, é livre de criar regimes transitórios, regimes que se
vão destinar a resolver especi camente a questão da aplicação da lei no tempo.
- Normas Transitórias Formais: O legislador pode resolver a questão da aplicação da lei no tempo
dizendo qual é a lei aplicável, a anterior ou a posterior.
- Normas Transitórias Materiais: Estabelece-se um regime especí co, diferente quer da lei antiga,
quer da lei nova, para essas situações que tomam contacto com esta sucessão de leis no tempo, a
antiga e a nova.
Para os casos em que não existe um regime transitório especí co de nido pelo legislador, há uma norma
supletiva que vai atuar na falta das normas transitórias. Este é o regime presente no Art. 12º do CC.
Para estarmos perante uma lei interpretativa é necessário que a lei interpretada fosse uma lei com
signi cado controverso (divergência do ponto de vista do seu signi cado). Além disso, a própria lei
interpretativa tem de xar uma das várias orientações hermenêuticas possíveis, ou seja, que acolha um
desses possíveis signi cados.
Não podemos estar perante uma lei hierarquicamente inferior à lei interpretada, porque essa não pode
interpretar – Art. 13º.