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Introdução ao Estudo do Direito I

Noções introdutórias
Fontes, regras e sistema:
1º - Estudo do Direito triologia

Perspetivas de análise – o Direito pode ser considerado:

• numa perspetiva dinâmica: conjunto de consequências ou efeitos jurídicos;


conceitos de facto jurídico – todo o facto que é relevante para o Direito, isto é,
todo o facto cuja verificação desencadeia a produção de consequências ou
efeitos jurídicos -, regra jurídica e de efeito jurídico; o facto pode ser:
o um ato jurídico – facto humano e voluntário juridicamente relevante
o um facto jurídico stricto sensu – facto não humano e não voluntário que
seja juridicamente relevante
• numa perspetiva estática: conjunto de regras; considera-se o direito em si
mesmo, independentemente das consequências ou dos efeitos jurídicos; regras
jurídicas são analisadas e estudadas como tal, sem haver preocupação de
determinar as consequências e as situações que decorrem da sua aplicação –
perspetiva adotada o direito em si mesmo sem considerar as consequências
direito subjetivo. ex:
pagamento do preço
Direito objetivo: em inglês, Law; sistema ou ordenamento jurídico; sinónimo de lei, de
fonte de direito; equivalente a regra jurídica – regras jurídicas de uma mesma realidade
sócio-jurídica: instituto – perspetiva adotada Direito português
Direito subjetivo: em inglês, right; posição de um sujeito – o titular do direito – quanto
a um determinado modo de atuar Direitos fundamentais, direito do vendedor..
Facto jurídico: ato (Ex: contrato promessa compra e venda)
Facto jurídico: stricto sensu
Disciplinas jurídicas

• História do Direito – analisa o Direito como realidade cultural


• Sociologia do Direito – ocupa-se do Direito enquanto facto social, procurando
determinar as funções e o grau de efetividade do Direito na sociedade e visando
analisar as relações entre a ordem jurídica e a realidade social: é válido o Direito
que é observado e aplicado; um Direito que não seja observado na sociedade é
um Direito ineficaz
• Filosofia do Direito – fundamento, essência e fim do Direito; questões como o
que é Direito, a que valores este está sujeito e que fatores o podem legitimar;
soft concepts; orientações:
o Jusnaturalismo – Direito definido em função de critérios suprapositivos
o Positivismo – critérios jurídicos, cariz normativista e realista

➢ Definições de Direito – o Direito é algo que tem de ser construído, as definições


não visam descrever uma realidade pré-existente mas antes fornecer os
elementos para qualificar o direito como uma realidade que é produzida – a
definição de Direito tem um caráter constitutivo do próprio Direito: é Direito aquilo
que corresponder aos elementos da definição de Direito
➢ Na procura de uma definição de Direito, tem-se recorrido, entre muitos outros, a
critérios da justiça, da garantia de liberdade, da produção normativa, da
efetividade social e da coercibilidade do Direito

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Introdução ao Estudo do Direito I

• Teoria do Direito: analisa o direito vigente e procura construí-lo como sistema;


procura delimitar a ordem jurídica perante outras ordens normativas, elaborar
alguns conceitos operativos para a análise do Direito – como os de fontes do
Direito e de regras jurídicas – e construir o sistema jurídico; hard concepts
• Importância quer da teoria quer da prática, na atividade de um jurista

• Ciência do Direito: Procura orientar a resolução de casos concretos,


nomeadamente através da determinação do significado das fontes do Direito e
do enunciado de proposições e de teorias que possibilitam a resolução desses
casos
• Analisa o Direito como uma realidade normativa
• Ensina a resolver casos concretos através de critérios jurídicos
• Tem fins práticos, é uma ciência prática, social e normativa
• É uma ciência compreensiva, significativa e interpretativa – “ciências do espírito”
• Justificar, através de argumentos racionais, um dever ser
• Decisão jurídica reflete a diferença entre o jurídico (dever ser) e o natural (ser)
• Utiliza o método jurídico: resolução de casos concretos através da aplicação de
regras jurídicas Teoria da causalidade adequada: se alguém está num
• Funções: acidente de carro, não é imputado com responsabilidade
o Heurística/ produtiva sobre os atrasos das outras pessoas mas sim com os
o Sistematização danos diretas do individuo
o Estabilizadora/ orientadora
Relação entre o facto e dano: nexo causal
o Crítica ou político-legislativa
• Formula proposições jurídicas – descrevem princípios (ex: princípio da
autonomia privada) ou regras jurídicas - e teorias jurídicas – hipóteses ou
modelos de decisão de casos concretos; são confirmadas pelas exceções e
infirmadas pelos casos não excecionais (uma teoria jurídica não é adequada
quando houver casos que, não podendo ser considerados casos excecionais,
não possam ser resolvidos por ela)
• Resultado decorrente do enunciado de proposições jurídicas e formulação de
teorias jurídicas chama-se doutrina ou dogmática jurídica, incumbida de orientar
o aplicador do Direito – exprimir uma “opinião jurídica racionalizada” ou “fornecer
a melhor fundamentação racional de uma regra”
• História Direito da jurisprudência e da doutrina: Sistema de direito
Direito da Europa Ocidental
• “Geografia”
Sistema Direito romano-germânico
Ciências auxiliares: Romano: direito romano
Germânico: A Alemanha séc. XIX teve um grande avanço
• Direito Comparado
Doutrina Alemã Sec. XX: Lawrence Kirchmann
• Política do Direito – o direito a constituir decorre principalmente de atos
legislativos, por isso a Política do Direito relaciona-se estreitamente com a
Ciência da Legislação e a Legística
• Ciência Económica – o Direito regula a produção e distribuição de bens e
serviços, não podendo ignorar as leis económicas que regem a atividade
económica

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Introdução ao Estudo do Direito I
As regras podem ser
violadas, ainda que com
consequências, no dever ser
Título I: Delimitação da ordem jurídica Ex: não ultrapassar o limite
na autoestrada
Ordem social e normatividade factos independentemente da sua veracidade Dever / Ought
Ter / must
Querer: Alguém Ser – é descrito; linguagem descritiva; pertence ao domínio da razão teórica, que é a
tem que querer razão que orienta o conhecimento; função cognitiva; questão de facto; é existente;
o dever ser para
que se construa.
verdade ou falsidade; não pode falar-se de observância ou de violação: a prescrição de
Ex: A um estado de coisas não se destina a impor um dever ser, dessa descrição só se pode
assembleia dizer que é verdadeira ou falsa Dever ser/
quando provado
pode criar uma vigência/
lei validade/
Não há Dever ser – é prescrito; linguagem prescritiva; âmbito da razão prática, razão que
imperativo sem orienta a ação; função comunicativa; questão de Direito; é vigente (porque vigora no invalidade/
imperador violação/
âmbito de uma determinada ordem normativa); valores; validade ou invalidade; pode ser dever
O querer tem
limites observado ou violado pelos seus destinatários, que podem respeitar o que é obrigatório
A invalidação do direito não despesa o facto
ou proibido ou agir contra o que é obrigatório ou proibido Ex: quando um tribunal julga um homicídio, verifica-se o facto se alguém matou
alguém
Ex: a maioridade atinge-se aos 18 anos porem outrora atingia-se aos 21. Ambas são validas independentemente contra a sua
veracidade
Mandar calar não é verdadeira ou falsa, mas sim valida ou não
Verdade – ser; enquanto se descreve o ser, pode falar-se de verdade ou falsidade
Validade – o dever ser não pode ser considerado verdadeiro ou falso; só pode falar-se
de validade ou invalidade

• É possível conjugar a verdade (da descrição) com a invalidade (do dever ser) –
a verdade da descrição de um dever ser é independente da validade do dever
: depende da autoridade
ser descrito Ex: Os cães voam: falso
Regra: os cães devem ser vacinados contra a covid 19: pode não fazer sentido, mas não podem dizer que é uma afirmação falsa

“Falácia naturalista” – impossibilidade de deduzir qualquer dever ser do ser; Kant –


“relativamente à natureza, a experiência dá-nos a regra e é a fonte de verdade; no que
toca às leis morais, a experiência é (infelizmente) a madre da aparência e é altamente
reprovável extrair as leis acerca do que devo fazer daquilo que se faz ou querer reduzi-
las ao que é feito”; Moore – acusa as posições que entendem que podem descrever
conceitos éticos (como bondade) através das suas propriedades naturais de caírem
numa “falácia naturalista”
Dever ser e querer – o dever ser relaciona-se com um querer ou com uma vontade; o
dever ser exige uma vontade de alguém; “as leis procedem da vontade” (Kant); não
significa que o dever ser possa ser resumido a um querer: resulta de um querer mas
não pode ser apenas um querer (ex. das experiências históricas totalitárias); o querer
de quem estabelece um dever ser deve, ele mesmo, ter por base valores compatíveis
com a respetiva ordem normativa – ligação entre valores, querer e dever ser

Normatividade da ordem social

• Pessoas orientam as suas condutas por hábitos ou usos sociais – decorrem do


comportamento da maioria dos membros da sociedade, sem que a esse
comportamento esteja subjacente qualquer consciência de dever ser; e por
regras de dever ser, que, em contrapartida, determinam, independentemente da
adesão dos destinatários, o que devem cumprir ou não
Ordens normativas: que existem na nossa sociedade

• Ordem moral – orienta a conduta humana para a realização do bem; ordem


Alheio ao direito
intra-individual que adquire uma dimensão intersubjetiva no âmbito da moral
carater intra subjetivo. relação connosco próprios
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Ex: automutilação. o direito condena apesar da aceitação religiosa moral e direito não se confundem
Introdução ao Estudo do Direito I
Negócios usurários: invalidade do negócio jurídico devido a moral

social (decoro, decência da pessoa); moral social pode ser relevante para a
ordem jurídica (ex: ofensa aos bons costumes, art. 280º/1 do CC)
• Ordem do trato social – resulta dos convencionalismos sociais (ex: boa
educação, cortesia); é uma ordem intersubjetiva na qual podem ter expressão
sanções baseadas na reprovação social não necessariamente regras escritas
• Ordem jurídica – ordem constituída por regras jurídicas; ordem intersubjetiva entre as
que é, nas sociedades modernas, a mais relevante ordem normativa da ordem pessoas
social, dado que é a única cuja violação determina a aplicação de sanções que
podem ser impostas pela força

Interação social – dois modelos:

• Indivíduos, apesar de não interagirem diretamente uns com os outros,


modificam, através do seu comportamento individual, o sistema global e reagem
à modificação deste com alterações do seu comportamento
• Indivíduos interagem e cooperam diretamente uns com os outros, seja
constituindo um grupo (realidades inter-individuais; a ordem social assenta nos
interesses dos seus membros e é construída por eles) seja pertencendo a uma
instituição (realidades supra-individuais; ordem social imanente que é imposta
aos seus membros) – cada grupo ou instituição prossegue um fim próprio
• Função das instituições: socialização e estabilização – “quanto mais a conduta
for institucionalizada, tanto mais ela se torna previsível e controlada”

Ordem social e ordem jurídica


Sociabilidade humana

• O Direito encontra a sua justificação na circunstância de os membros da espécie


humana não viverem isolados – Aristóteles: “O homem é, por natureza, um ser
vivo político (destinado a viver na comunidade que é a cidade/polis)”; Hobbes:
os homens associam-se uns aos outros pelos benefícios que podem retirar
dessa associação
• O homo sapiens é sempre um homo socius

Necessidade do Direito

• O Direito só existe em sociedade, mas também é imprescindível em qualquer


sociedade
• Os membros da sociedade dão preferência à satisfação dos seus interesses
egoístas, pelo que o Direito é indispensável para possibilitar a cooperação entre
esses membros e para assegurar o respeito dos interesses alheios e coletivos
• O Direito é essencial para assegurar uma vida que vai para além da
sobrevivência; Direito e justiça existem porque são necessários para satisfazer
as necessidades humanas

Características do Direito

• Realidade humana; realidade social; realidade cultural

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Normatividade do Direito

• Ordem do dever ser: o Direito é uma ordem normativa distinta da ordem do ser
• Leis do ser (Müssen) – fornecem uma descrição do mundo real; e leis do dever
ser (Sollen) – desenham o projeto de construção de um mundo melhor
• Exceção das correntes realistas. Legal realism norte-americano e realismo
escandinavo da Escola de Uppsala – reconduzem o Direito a um facto empírico,
equiparam a Ciência do Direito a qualquer ciência natural, as regras jurídicas
podem ser explicadas sem nenhuma referência ao dever ser (ideia de causa-
efeito)
o Crítica: há uma relação de dever ser entre um facto jurídico e um efeito
jurídico
o Sem a consideração do dever ser como elemento do Direito, não é
possível realizar nenhuma valoração sobre a adequação do efeito
jurídico

Prevalência do Direito – o Direito é a única ordem normativa a que o Estado empresta


a sua coercibilidade, que é a possibilidade de impor pela força as sanções que são
infligidas àqueles que violam as regras jurídicas; o Direito, como ordem normativa,
prevalece sobre todas as demais ordens

Delimitação da normatividade
Normatividade e natureza

• Ordem é algo natural em qualquer sociedade, o que não significa que é regida
por leis naturais
• Significa que há uma ordem social assente em ordens normativas que são
respeitadas pela generalidade dos membros da sociedade
• Enquanto as leis das ordens normativas são prescritivas, as leis da natureza são
descritivas
• A “ordem natural” é uma ordem de necessidade, regida por leis naturais (ideia
de causa-efeito), que são: gerais, universais, invioláveis
• Em contrapartida, a ordem social é uma ordem de liberdade: só em sociedade
o homem é livre, porque a liberdade é sempre uma liberdade perante outrem;
deixa sempre ao agente uma opção entre o cumprimento da regra ou a sua
violação (embora haja sanções)
• “Ter a obrigação de” é próprio de uma ordem normativa, porque o sujeito
obrigado tem a liberdade de escolher cumprir ou não a obrigação
• As ordens normativas atribuem sempre ao agente a escolha entre observar ou
violar os seus comandos

Normatividade e técnica

• As ordens normativas orientam condutas humanas mas o mesmo pode ser dito
da técnica: através desta sabe-se que se se pretende resolver um determinado
problema ou alcançar determinado resultado, tem de se escolher uma certa
técnica ou estratégia; a técnica impõe um silogismos ou uma “inferência prática”
cuja conclusão é uma ação ou omissão

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Introdução ao Estudo do Direito I

• Técnica: regras descritivas – fornecem instruções sobre como resolver um


problema; regras tecnológicas – como atingir um determinado resultado; não
enunciam um dever ser mas sim um “ter de ser”
• Distinção entre silogismo prático normativo e silogismo prático técnico
• As ordens normativas e a técnica confluem sempre que uma ordem normativa
imponha a um agente o dever de obter um determinado resultado. Nesta
hipótese, a conclusão do silogismo prático tem um caráter normativo ou
prescritivo

Ordem jurídica e Direito


I - Posição do Direito
Condicionantes do Direito

• O Direito não deve ser produzido e não pode ser aplicado fora do ambiente social
em que se insere, pois deve responder às exigências que são colocadas pela
sociedade
• O Direito não pertence à ordem do ser, mas isso não significa que não deva
tomar em consideração a realidade ou a “natureza das coisas”
• O Direito tem de respeitar realidades preexistentes como aspetos físicos
(espaço, tempo), biológicos (vida, morte), psicológicos (vontade, sentimentos),
sociais (grau de desenvolvimento e tradições culturais da sociedade) e
económicos (leis da economia)

Subsidiariedade do Direito

• O Direito é necessário em toda e qualquer sociedade, mas isso não implica que
todas as relações sociais devam ser reguladas pelo Direito
• Princípio da Subsidiariedade – o Direito só deve intervir nas outras ordens
normativas caso seja estritamente necessário – justificação:
o Se a regulação de uma conduta por uma ordem normativa não jurídica
for eficaz em termos sociais, não tem justificação procurar regular essa
conduta em termos jurídicos
o Se o Direito pretender regular todas as condutas, corre-se o risco de
concorrer mais para a desintegração social do que para a coesão e
harmonia sociais
• Nas sociedades modernas, no entanto, verifica-se cada vez mais uma crescente
“juridificação”
• O Direito justifica-se apenas na medida em que as suas funções não sejam
realizáveis por nenhuma outra ordem normativa
• No entanto, relacionando com a prevalência do Direito, na área na qual o Direito
seja necessário, ele tem de prevalecer sobre qualquer outra ordem normativa
• O Direito deve limitar-se a proteger os bens jurídicos (tudo o que proteja as
pessoas, as coisas e as situações); os bens jurídicos são, desde logo, aqueles
que satisfazem necessidades básicas como a sobrevivência da pessoa e a sua
realização nos mais variados campos (pessoal, familiar, profissional, etc.)
• Há um espaço livre de Direito, uma área que não é abrangida pela norma
jurídica, pelo Direito (tudo o que é indiferente ou irrelevante para o Direito ou que
determine a aplicação de sanções não jurídicas); representa um valor em si

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mesmo pelo que também há que defendê-lo perante o Direito; o Direito não deve
regular tudo: há uma zona da vida social e da vida privada que não pode por ele
ser invadida

Favor libertatis

• Regra geral de liberdade, expressa num princípio de favor libertatis: toda a


obrigação e toda a proibição têm de ser estabelecidas pelo legislador, pois que
só pode ser obrigatório ou proibido aquilo que este consagrar como tal, o que
implica que é permitido tudo o que o legislador não subtrair a essa mesma regra
geral de liberdade – é permitido tudo o que não seja proibido ou obrigatório
• Necessidade de estabelecer regras com significado permissivo: para justificar
a liberdade do titular do Direito, elas são, em contrapartida, indispensáveis para
legitimar a restrição imposta à liberdade de outrem

II – Funções do Direito

O direito 1. Função constitutiva - construção da realidade – o Direito cria a realidade


constitui jurídica enquanto “facto institucional”, ou seja, enquanto realidade que precisa
uma do Direito para ser jurídica; esta função estende-se aos conceitos jurídicos, que
realidade constroem a sua própria referência, sendo conceitos auto-referenciais; variam dependendo
que se não da situação
• Regras que cumprem uma dupla função: uma razão prática (o que se
fosse ele
não existiria deve fazer; orientar condutas) e uma razão judicativa (como se deve
julgar; fundamentar juízos)

2. Função política – combate à anarquia (organiza o poder político e coloca limites


ao seu exercício) e ao totalitarismo (o Direito define a repartição dos poderes
soberanos e a competência dos órgãos políticos, garantindo as liberdades
cívicas e construindo o Estado de Direito)

3. Função social – no plano das relações dos indivíduos entre si (define os


comportamentos permitidos, obrigatórios e proibidos, tornando-os menos
aleatórios e mais previsíveis e expectáveis) e no plano das relações entre a
sociedade e os indivíduos (regula a contribuição da sociedade para os indivíduos
bem como dos indivíduos para a sociedade)

4. Função pacificadora – disciplina a violência, soluciona conflitos de interesses


e aplica sanções decorrentes da violação das suas regras; confiança no Direito
(Estado de Direito e rule of law) sanção preventiva

III – Direito e moral

• Critério de distinção: moral e Direito são ordens normativas distintas e


essa distinção radica na exterioridade das regras jurídicas (o Direito
ocupa-se dos comportamentos exteriorizados e do lado externo da
conduta) e na interioridade das regras morais (a moral preocupa-se com
a intenção do agente e com o lado interno da conduta)
• Este critério não está totalmente correto: para o Direito importa, por
vezes, se a conduta do agente é dolosa ou negligente; e para a moral a
prevenção geral: sociedade que vê a quem esta sendo sancionado
positiva: aplicação de uma sanção faz com que os outros acreditem no
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negativa: inibe de um determinado comportamento

prevenção especial: o próprio


positiva: espera-se pela reintegração do individuo
negativa: espera-se que iniba a vontade de repetir
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intenção de agir pode não ser suficiente, é preciso atuar-se de acordo


com essa intenção
• Em suma: para o Direito, nada há de relevante antes de ser exteriorizada
uma intenção, só intervém depois de ter sido realizada uma conduta; para
a moral, a intenção do agente é sempre relevante
• Para o Direito é apenas relevante que haja um comportamento conforme
à regra, independentemente da razão porque o agente a cumpre (ex: por
receio da sanção)
• Relações mútuas: as relações entre o Direito e a moral podem ser vistas
numa dupla perspetiva:
o Perspetiva empírica – trata-se de saber quais as relações que, na
prática, existem entre o Direito e a moral e de averiguar qual a
consagração que a moral encontra no Direito positivo: podem ser
relações de coincidência ou não coincidência;
➢ Exemplos de coincidência: incorporação de regras morais
no Direito; concessão de relevância jurídica a valorações
morais em si mesmas ou condensadas em conceitos
jurídicos (ex: boa fé) e a valorações ético-sociais (ex: bons
costumes); atribuição de relevância jurídica a deveres
morais, sem, no entanto, os transformar em deveres
jurídicos (ex: obrigações naturais)
➢ Exemplos de não coincidência: regras legais que regulam
as férias escolares, por ex.; regras morais que não
possuem correspondência a nenhuma regra jurídica;
regras morais que são contrariadas por regras jurídicas
(Robin Hood)
o Perspetiva normativa – o Direito não deve ficar sempre indiferente
perante a moral, deve receber certas coisas dela: deve orientar-
se por um princípio de necessidade – só o que é necessário à
convivência social, reservar para o domínio da moral aquilo que
pertence à esfera da privacidade e reservar para o Direito aquilo
que se revestir de relevância social; o Direito pode considerar
indiferente o que é moral, não tomando nenhuma posição perante
um comando moral, ou pode limitar-se a permitir o que é moral e
o que é imoral, deixando ao indivíduo a escolha do seu
comportamento (ex: aborto); nem tudo o que é indiferente ou
permitido em termos jurídicos é moralmente correto, deixando-se
ao agente a possibilidade de escolher entre a realização ou não
da conduta moralmente censurável mas juridicamente indiferente
ou permitida

IV – Direito e justiça

• Ideia de Sto. Agostinho


• O sentido do Direito é o de servir a justiça – valor primário do ordenamento
jurídico, é em contraposição a ela que se demarcam e justificam outros valores

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Introdução ao Estudo do Direito I

Modalidades da justiça
Aristóteles:

• Distributiva – justiça que orienta a distribuição de bens materiais e


imateriais e que “tem o seu campo de aplicação nas distribuições da
honra ou riqueza, bem como de tudo quanto pode ser distribuído em
partes pelos membros de uma comunidade”; regula as relações
(verticais) entre a comunidade e o indivíduo, reparte bens segundo um
critério de igualdade ou desigualdade; princípio de proporcionalidade
geométrica (o mesmo para aqueles que necessitam do mesmo e mais
para aqueles que precisam de mais)
• Comutativa – ou corretiva; justiça que aplica “nas transações entre os
indivíduos”; rege as relações (horizontais) entre os membros da
comunidade e é relevante para aferir quer o equilíbrio entre a prestação
e a contraprestação, quer o quantum da reparação de qualquer violação
do Direito; princípio de proporcionalidade aritmética; iustitia vindicativa
(“olho por olho, dente por dente”) e iustitia restitutiva (aquele que violou
um bem jurídico deve reconstituir a situação que existia antes da
violação)
• Princípio da igualdade – art. 13º da CRP
justiça geral: o direito coletivo esta
S. Tomás de Aquino: relacionado com o interesse individual
• Legal ou geral – justiça que orienta a realização do bem comum pelos
indivíduos; é o correlativo da justiça distributiva; determina os deveres e
encargos dos indivíduos para a realização do bem comum; princípio de
proporcionalidade (deve exigir-se uma maior contribuição de quem pode
prestar uma maior contribuição): ex: proporcionalidade dos impostos
• Entre os interesses individuais e o bem comum podem estabelecer-se
relações de concordância, quando o interesse individual coincide com o
bem comum, ou de conflito, quando o interesse individual conflitua com
o bem comum, mas, em abstrato, pode haver algum benefício para o
prejudicado ou quando o interesse individual conflitua com o bem comum
e não há, mesmo no plano abstrato, qualquer benefício para o
prejudicado
Justiça social – constituída, no seu núcleo, pelo conjunto da justiça distributiva e da
justiça legal; rege as relações entre os particulares e o Estado; dimensão política, social
e económica da repartição de direitos, deveres e encargos entre os membros da
sociedade
Justiça material – justiça que assenta em critérios de adequação ou justificação

V – Direito e democracia

• Em certa medida, o Direito é criado pelo poder político através de órgãos


competentes para tal; é essencial saber se o poder político respeita direitos,
liberdades e garantias fundamentais, se acata o princípio da maioria e se
observa a divisão de poderes

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Introdução ao Estudo do Direito I

• Regime democrático – Lincoln: “a democracia é o poder do povo, pelo povo e


para o povo”; a democracia é um critério de legitimação do Direito (quer na sua
produção como na sua aplicação)
• Respeito da liberdade de ser pessoa, igualdade de todos perante os poderes
públicos e autonomia de cada um perante a sociedade – imperativos da
democracia; aspetos normativos – valores que constituem os seus fundamentos
• Aspetos funcionais – processo democrático de decisão; assegura a liberdade,
igualdade e a prevalência da vontade da maioria sobre a da minoria; distinção
entre democracia direta ou representativa

VI – Direito e Estado

• Problemáticas: deve prevalecer o Estado ou o Direito? Existirá Direito fora do


Estado? Todo o Direito vigente numa ordem jurídica tem uma origem estadual?
Todo o Direito vigente é aplicado no Estado?
• Não há Estado sem Direito
• Estado acima do Direito: regimes absolutistas e totalitários
• Direito acima do Estado: Estado de Direito – aceita em todas as suas atividades
de caráter legislativo, executivo e jurisdicional, os limites impostos pelos
princípios democráticos e pela lei de caráter abstrato e geral; primado do Direito
sobre a política
• Princípios subjacentes ao Estado de Direito: princípio da separação e
interdependência de poderes, princípio da atribuição e proteção de direitos,
liberdades e garantias fundamentais, princípio da vinculação da atividade
legislativa à ordem constitucional, etc. (CRP)
• “Paradoxo da soberania” – “Who watch the watchmen”?
• Direito sem Estado – nem todo o Direito é produzido pelo Estado – ex. direito
consuetudinário (prática social reiterada que se torna juridicamente vinculativa);
produção normativa reservada aos particulares; entidades supra-estaduais (EU,
por ex.); entidades infra-estaduais de base territorial e sem base territorial
• Nem todo o Direito vigora no território de um Estado – pode haver Direito com
vigência supra-estadual (Direito da União Europeia) e de Direito com vigência
limitada a certas partes do território de um Estado (Direito regional, local); Direito
com vigência limitada a certos grupos de pessoas, delimitação pessoal (ex:
regras de casamento dos crentes de uma religião)

4º - Ordem jurídica e Imperatividade


Imperatividade do Direito

• Observância das regras jurídicas pode ser mecânica (ex: regras de trânsito) ou
intencional (ex: contrato)
• O que sucede quando o dever ser imposto pela ordem jurídica não é observado?
o Desvalor do ato anti-jurídico
o Aplicação de uma sanção àquele que violou o Direito
Coação e coercibilidade

• Cominação de uma sanção a quem violar uma regra jurídica – a ordem jurídica
é uma ordem coativa

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Introdução ao Estudo do Direito I

• Depois de cominada a sanção que corresponde à violação do dever ser, é


necessário que a sanção seja efetivamente aplicada – à suscetibilidade de impor
pela força o cumprimento de uma sanção chama-se coercibilidade (nas
sociedades modernas, só é possível no âmbito do Direito)
• As sanções próprias de outras ordens normativas, como a ordem moral ou a
ordem do trato social, não são dotadas de nenhuma coercibilidade (não podem
ser impostas pela força)
Características da ordem jurídica (imperativa, coativa e coerciva):

• Imperatividade – prescrição de um dever ser


• Coação – cominação de uma sanção ao agente que violou uma regra jurídica
• Coercibilidade – aplicação da sanção que é imposta ao agente que infringiu a
regra jurídica

Desvalores jurídicos

• Principais valores jurídicos negativos: ilicitude – desvalor que é atribuído às


condutas dos autores dos atos que infringem obrigações ou proibições;
ilegalidade – desvalor que recai sobre atos jurídicos

1. Desvalor de condutas
• Ilicitude – desconformidade de uma conduta com uma regra jurídica
quando o agente atua de forma voluntária; subjaz à responsabilidade
civil, disciplinar, contraordenacional e penal (é um dos elementos da
responsabilidade jurídica)

2. Desvalores de atos
• Ilegalidade – contrariedade de um ato jurídico à lei; todo o ato que viola
a lei é um ato ilegal; modalidades principais:
o Inexistência – forma mais grave de ilegalidade; ato ilegal torna-
se inexistente; o vício que afeta o ato é considerado pelo Direito
tão grave que, juridicamente, se considera que nada existe (ex:
falta da assinatura do PR num documento que a requer,
casamento celebrado perante quem não tem competência para o
ato)
o Invalidade – desconformidade do ato com o Direito menos grave
do que a inexistência; modalidades:
✓ Nulidade – decorre da violação dos interesses mais
relevantes; é invocável a todo o tempo e pode ser
conhecida oficiosamente pelo tribunal
✓ Anulabilidade – decorre da violação de interesses menos
relevantes; tem de ser arguida pelos interessados num
determinado prazo e é sanável (remediável) pelos
mesmos mediante confirmação ou ratificação
o Ineficácia – ato jurídico é meramente ineficaz, não tem qualquer
eficácia; surge, na maior parte dos casos, através de uma
situação de inoponibilidade de um ato (existente e válido) a certas
pessoas (ex: ato normativo não publicado); tudo se passa como
se esses atos não tivessem sido praticados

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Introdução ao Estudo do Direito I

Sanções jurídicas

• São, em conjunto com os desvalores dos atos jurídicos, um dos meios a que o
Direito recorre para impor o cumprimento ou evitar o incumprimento de uma
regra jurídica (pode ser a imposição de uma desvantagem ao infrator da regra
ou a atribuição de uma vantagem a quem tiver observado a regra); para a ordem
jurídica não é indiferente que as regras sejam observadas ou violadas, pretende
que o agente atue em conformidade com o Direito
Fins das sanções:

• Finalidade preventiva – quando procuram obstar à violação do direito


• Finalidade repressiva – quando visam impor uma pena ao infrator
• Finalidade reparadora – quando visam reconstituir a situação que existia antes
da violação da regra
• Todas as sanções têm uma finalidade preventiva de caráter geral – o receio da
aplicação conduz o potencial violador a procurar evitar a violação da regra
Regras sancionatórias – sanção é estabelecida por uma regra jurídica que pode
entender-se como:

• uma regra autónoma, complementar ou subsidiária de uma regra de conduta:


uma regra impõe uma conduta e uma outra regra determina a reação contra a
sua violação; a regra de conduta define a ação ou omissão que é obrigatória ou
proibida, a regra sancionatória determina a sanção aplicável no caso de violação
de uma regra de conduta – ambas orientam comportamentos; o comportamento
juridicamente devido é sempre o contrário daquele que consta da previsão da
regra sancionatória (conhecendo-se a regra sancionatória, é possível inferir o
comportamento devido), têm destinatários distintos (daí só poderem ser violadas
por diferentes destinatários)
• Enquanto o desvalor jurídico incide sobre condutas (ilicitude) ou atos jurídicos
(ilegalidade), a sanção atinge o agente que violou o direito
• Os desvalores jurídicos podem conjugar-se com sanções
Meios pelos quais o direito pode orientar a conduta humana:

• Meios punitivos (lato sensu) - preferencial


• Meios premiais – há poucas consagrações de meios premiais (ex: tesouro)

Modalidades das sanções

• Preventivas – prevenir a violação da regra jurídica (ex: crime de lenocínio,


inibição do exercício das responsabilidades parentais)
• Compulsórias – destinam-se a levar o infrator a adotar, depois de a infração já
ter sido cometida, o comportamento devido (ex: sanção pecuniária compulsória;
direito de retenção)
• Reconstitutivas – destinam-se a reconstituir a situação que existiria se o
agente não tivesse violado a regra – modalidades:
o Reconstituição natural ou indemnização específica
o Execução específica (obter, através do recurso ao tribunal, a
prestação a que devedor está obrigado)
• Compensatórias – destinam-se a colocar o lesado numa situação equivalente
àquela que existiria se não tivesse ocorrido a violação da regra jurídica; têm por

12
Introdução ao Estudo do Direito I

finalidade atribuir ao lesado um sucedâneo dessa mesma situação; operam


através de uma obrigação de indemnização do lesado que é fixada em dinheiro
(são subsidiárias das sanções reconstitutivas, dado que a indemnização só é
fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor;
podem estar sujeitos a indemnização em dinheiro danos patrimoniais e danos
não patrimoniais (ou morais)
• Punitivas – consistem na imposição de uma pena ao infrator da regra jurídica;
as penas podem ser:
o Penas civis - direito privado
o Penas disciplinares – corresponde a uma infração disciplinar que é
aplicada por entidades providas de poder disciplinar
o Penas contraordenacionais – coima (montante pecuniário que deve
ser pago pelo infrator)
o Penas criminais – aplicada ao agente de um crime
Atuação da imperatividade

• A imperatividade exprime-se na imposição de um dever ser; a coação manifesta-


se na cominação de uma sanção no caso de violação do dever ser; é ainda
necessária a coerção para assegurar a aplicação da sanção ao agente que
desrespeitou o dever ser
• Imperatividade coativa: a coação decorre da cominação de uma sanção, que
pode ter expressão física (ex. pena de prisão) ou que não implica uma expressão
física (sanções de caráter institucional)
• Lex imperfecta – quando a imperatividade não é acompanhada de nenhuma
sanção (situações excecionais) (ex: obrigações naturais)
• Áreas do Direito com imperatividade diminuída (códigos de conduta ou de boas
práticas); direito não sancionatório e com imperatividade diminuída: soft law
• Coação e coerção: “a justiça, que segura numa mão a balança com a qual pesa
o Direito, segura na outra uma espada com a qual ela é imposta. A espada sem
a balança é a força bruta e a balança sem a espada é a impotência do Direito” –
Jhering; a coação é completada pela coerção;
• Vis coactiva e vis diretiva; a coação pretende levar o agente a orientar a sua
conduta pela regra jurídica; a coerção só atua quando o agente tiver violado ou
ameaçado violar a regra
• Em certos casos, a coação conduz necessariamente ao uso da coerção contra
o infrator – ex: pena de prisão
• Noutros casos, a coação não é necessariamente acompanhada da coerção
contra o infrator – ex: dever de indemnizar, cumprimento voluntário
• Finalidade da coerção: conduz à observância de uma regra jurídica quando a
sanção a aplicar for uma sanção preventiva ou compulsória, pois estas visam
que o agente atue segundo o Direito; em conjugação com as demais sanções, a
coerção não visa impor o respeito de uma regra jurídica, mas apenas aplicar
uma sanção ao agente que tiver violado uma regra
• Regras de coerção – a coerção é regulada por regras diferentes das regras de
conduta e das regras de sanção; uma regra define o comportamento devido,
uma outra comina a correspondente sanção e uma outra determina quem e
como se aplica a sanção através da força

13
Introdução ao Estudo do Direito I

• A coerção pressupõe o poder do uso da força, que compete ao Estado e que


reivindica o monopólio do uso da força (reservada a alguns órgãos do Estado
como os tribunais e a polícia)
• Problemas da coerção – agente a quem compete realizar a coerção pode violar
as regras da coerção – o que implica, eventualmente o uso da coerção contra
ela;
• Coerção sobre coerção: se uma autoridade estadual estiver sujeita à coerção,
cabe perguntar a quem cabe exercer esse poder coercivo – o Estado de Direito
e a separação de poderes que lhe é inerente constituem a melhor resposta, e
talvez a única possível, para o eterno problema de fazer cumprir a lei por aquele
que tem por função fazê-la acatar

Ordem jurídica e tutela jurídica


I - Meios de tutela jurídica
Situações subjetivas têm de ser acauteladas antes de qualquer violação e reparadas
após a violação – a ordem jurídica tem de comportar meios de tutela, que podem ser
de:

• Autotutela – consistem na realização do Direito pelo próprio ofendido, ou seja,


sem recurso a uma entidade ou a um órgão imparcial e independente para dirimir
o litígio (típico das sociedades primitivas)
• Heterotutela – forma de resolução de conflitos de interesses através de órgãos
imparciais e independentes; pressupõe, quase sempre, o recurso aos tribunais
estaduais, que são órgãos de soberania com competência para administrar a
justiça em nome do povo
• Tribunais arbitrais: arbitragem voluntária ou necessária
• Evolução histórica: acentuação da heterotutela em detrimento da autotutela;
heterotutela é um princípio da ordem jurídica portuguesa (o que justifica que o
acesso aos tribunais constitua um direito fundamental dos cidadãos)
II – Meios de autotutela

• Autotutela tem um âmbito subsidiário e residual – encontra algumas


manifestações na ordem jurídica portuguesa:
Legítima defesa (art. 337º CC)

• Visa reagir sobre uma agressão alheia, tanto sobre uma pessoa como sobre um
património; pode ser usada para defender qualquer direito pessoal ou
patrimonial
• No plano civil: considera-se justificado (lícito) o ato destinado a afastar qualquer
agressão atual e contrária à lei contra a pessoa ou o património do agente ou de
terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo
causado pelo ato não seja manifestamente superior ao que pode resultar da
agressão
• Está subordinada a um princípio de proporcionalidade – não pode ser
desproporcionada em relação ao bem que é atingido pela ofensa – nesse caso
há excesso de legítima defesa e a reação torna-se ilícita (o ato é, no entanto,
justificado, quando for devido a perturbação ou medo não culposo do agente)
• Âmbito pena: causa de exclusão de culpa – exclusão da culpa do agente; se o
agente atuar na convicção errónea de que estão preenchidos os elementos do
14
Introdução ao Estudo do Direito I

tipo justificador da legítima defesa, verifica-se a chamada – legítima defesa


putativa (aplica-se o regime do erro)

Direito de resistência (art. 21º CRP)

• Modalidade da legítima defesa que atribui a uma pessoa quer o direito a resistir
a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias (resistência
passiva), quer o direito de repelir pela força qualquer agressão contra esses
direitos, liberdades e garantias, quando não seja possível recorrer à autoridade
pública (resistência ativa)

Estado de necessidade (art. 339º CC)

• Não pressupõe uma agressão praticada contra o agente, assim se distingue da


legítima defesa
• Visa evitar a consumação ou o aumento de um dano
• Plano civil: considera-se lícita a ação daquele que destruir ou danificar uma coisa
alheia com o fim de remover o perigo atual de um dano manifestamente superior,
quer do agente, quer de terceiro
• Quem atua em estado de necessidade não atua de forma ilícita desde que o
dano que pretende evitar a ele próprio ou a terceiros seja manifestamente
superior àquele que causa a outro terceiro
• Modalidades:
o Estado de necessidade agressivo – o agente destrói ou danifica uma
coisa para remover um perigo
o Estado de necessidade defensivo – o agente destrói ou danifica a própria
coisa que cria o perigo
• Ato praticado em estado de necessidade só é justificado quando possa remover
um dano manifestamente superior àquele que vai ser causado pelo agente que
atua com base nele; quando o ato praticado ponha em causa a vida de uma
pessoa, o mesmo nunca pode ser justificado por estado de necessidade (não há
valor superior ao da vida humana); a violação do princípio de proporcionalidade
conduz ao excesso de estado de necessidade
• Estado de necessidade desculpante – não exclui a ilicitude, mas apenas a culpa
do agente
• Âmbito penal: estado de necessidade putativo – se o agente atuar com a
convicção errónea de que se verificam os elementos do tipo justificador do
estado de necessidade (aplicam-se as disposições relativas ao erro)
• Mesmo que o ato praticado em estado de necessidade seja justificado, isso não
impede que possa haver uma obrigação de indemnização do lesado – dever de
indemnização constitui-se sempre que o perigo contra o qual se reage tenha sido
provocado por culpa exclusiva daquele que atua em estado de necessidade;
mesmo fora desta hipótese, pode ser sempre fixada uma indemnização
equitativa ao lesado – só em função das circunstâncias do caso concreto pode
ser determinado se a equidade impõe essa indemnização do lesado ou se a
mesma justifica que este deva suportar o dano decorrente da atuação em estado
de necessidade

15
Introdução ao Estudo do Direito I

Ação direta (art. 336º CC)

• Torna lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar um direito


próprio – nunca um direito de terceiro – quando ela for indispensável, pela
impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para
evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o
que for necessário para evitar o prejuízo
• É um sucedâneo da heterotutela, pelo que só direitos que possam ser invocados
e protegidos em juízo podem ser objeto daquela ação
• Esbulho da posse, propriedade, direitos reais como o usufruto ou uma servidão
legal de passagem
• Pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na
eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito
• É o género do qual a legítima defesa, o direito de resistência e o estado de
necessidade constituem espécies; a ação direita cobre as situações que não são
abrangidas por estas modalidades de autotutela
• Enquanto que a legítima defesa pressupõe uma agressão em realização ou
ainda não consumada, a ação direta pressupõe uma agressão ou violação já
consumada, mas que ainda permite uma reação passível de evitar a inutilização
prática do direito
• Para ser lícita, é necessário que não sejam sacrificados interesses superiores
aos que o agente visa realizar ou assegurar; também se orienta por um princípio
de proporcionalidade; verifica-se um excesso de ação direta se o interesse
sacrificado for superior ao interesse protegido
• Âmbito penal: a atuação do agente baseada em erro sobre os elementos do tipo
justificador, constitui uma ação direta putativa (aplicam-se as disposições
relativas ao erro)

Título II: Regime das fontes de Direito


Sistemas de Direito
I – Comparação jurídica
Direito Comparado

• Ocupa-se da comparação entre várias ordens jurídicas ou entre institutos de


diferentes ordens jurídicas; método comparativo – análise de semelhanças e
diferenças entre os direitos ou os institutos escolhidos para comparação
• Macrocomparação – ordens jurídicas consideradas na sua globalidade e permite
distinguir os vários sistemas de direito
• Microcomparação – incide sobre institutos jurídicos e procura analisar que
semelhanças e diferenças existem na regulação de um mesmo instituto jurídico
(ex: responsabilidade civil, casamento, etc.) em diferentes ordens jurídicas
• É relevante para a aplicação do direito nacional

• Critérios de classificação – pertencem ao mesmo sistema as ordens jurídicas


que comportam o mesmo catálogo de fontes de Direito:
o Direitos tradicionais (muçulmano, hebraico, hindu, etc.)
o Direitos modernos

16
Introdução ao Estudo do Direito I

✓ Sistema ocidental (herança grega, pensamento cristão, tradição


humanista, revolução industrial e sistema capitalista) – dois
subsistemas:
▪ Sistema romano-germânico
▪ Sistema de Common Law
✓ Sistema comunista
II – Sistema romano-germânico

• Base romanística, formação através da receção do Direito Romano (Corpus Iuris


Civile); Alta Idade Média, Renascimento, Época Humanista, Pandectística
alemã; Universidades – glosadores, comentadores, pandectística)
• Com a colonização, expandiu-se para África, América Latina e Extremo Oriente
• A lei é a principal fonte do Direito, o que motivou a elaboração de constituições
políticas escritas e a codificação das principais áreas jurídicas
• Costume e jurisprudência assumem um papel secundário
• Técnica científica: conceção do Direito como um sistema
• Leis são abstratas (aplicáveis a uma multiplicidade indeterminada de casos
concretos) e gerais (aplicáveis a uma pluralidade indeterminada de destinatários
• Analogia entre o caso omisso e o caso regulado é o primeiro critério de
integração de lacunas
• Movimento de codificação: sistema ordenado de regras jurídicas respeitantes a
uma determinada matéria jurídica
• Causas ideológicas da codificação moderna (depois do séc. XVIII):
jusracionalismo e ideias de sistematização, ordenação e abstração
• Causas políticas da codificação moderna: demonstração de um poder político
forte, favorecimento da unificação política, definição de regimes jurídicos
universais e não discriminatórios
• Um código exige uma ordenação sistematizada de regras e regimes jurídicos
• Vantagens: facilidade no acesso ao direito vigente, sistematização e ordenação
das matérias, orientação do aplicador na solução dos casos concretos
• Desvantagens: rigidez da regulamentação jurídica e a fixidez da doutrina, porque
esta tende a seguir as soluções que constam dos códigos
• Distinção entre Direito público e Direito privado: feita desde os romanos; critério
de interesse, da qualidade dos sujeitos e da posição dos sujeitos

III – Sistema de common law

• Formação: falta de direito vigente, decisões dos tribunais assumiram um papel


primordial – essas decisões seriam direito comum a todos os povos das ilhas
britânicas (common law)
• Séc. XV, chanceler, equity
• Estendeu-se aos E.U.A., África e Oceânia
• Jurisprudência tem um papel determinante como fonte do Direito
• Precedent rule – o precedente fixado pelos tribunais superiores na decisão de
casos concretos é vinculativo para os tribunais inferiores quando estes apreciem
casos análogos
• Exceção: practice of distinguishing
• Também existem leis mas a principal fonte de Direito é a jurisprudência e a regra
do precedente

17
Introdução ao Estudo do Direito I

• Menor preocupação com a sistematização do Direito e com o caráter abstrato e


geral das regras jurídicas

IV – Sistema muçulmano

• Ligação estreita o Direito e a religião


• A religião muçulmana comporta certos dogmas e também algumas regras de
comportamento, definidos na lei divina: chari’a
• Fontes do Direito encontram-se na religião: Corão, Suna e Idjma’
• Importância do costume

Delimitação das Fontes do Direito

• Fontes de Direito são modos de revelação de critérios normativos de decisão de


casos concretos – são modos de revelação de regras jurídicas
• Critério gnosiológico – as fontes do Direito são um “fundamento do conhecimento
de algo como Direito”
• As fontes são factos normativos ou factos sociais – todas elas resultam de um
processo de formação
• Savigny – fontes do Direito como os “fundamentos de formação do Direito”; a
fonte forma-se e, quando estiver formada, revela um critério de decisão
• É atendendo ao modo de formação que se pode distinguir, por exemplo, entre a
regra de origem legal, consuetudinária ou jurisprudencial
• Se uma regra for retirada de uma fonte viciada, a própria regra trará consigo um
vício
• As fontes são essenciais para a construção de qualquer sistema jurídico: não há
sistema jurídico sem fontes
• Fontes que são produzidas com fundamento em outras fontes: fontes derivadas
• Fonte originária é aquela que não tem nenhuma outra fonte do Direito como
fonte, coincidindo, quase sempre, com uma Constituição
• Quando se pretende saber qual é o Direito vigente numa certa ordem jurídica,
há que considerar necessariamente as suas fontes
• Distinção entre fontes do Direito e fontes do conhecimento do Direito (ex:
doutrina e jurisprudência)
• A linguagem das fontes do Direito não é nem informativa nem expressiva mas
sim performativa ou ilocutória – constrói-se através dela uma realidade (através
das palavras, de tal modo que o mundo não é o mesmo antes deles e depois
deles
• Os enunciados performativos são insuscetíveis de ser qualificados como
verdadeiros ou falsos

Funções do Estado: o Estado exerce, através de órgãos próprios, uma função


legislativa, executiva e jurisdicional

• Num plano abstrato, em todas essas funções é possível a formação de fontes


do Direito – pode haver regras jurídicas com origem legal, regulamentar ou
jurisprudencial
• Órgãos legislativos podem produzir leis; órgãos administrativos podem fazer
regulamentos; controlo dos tribunais da constitucionalidade ou legalidade das

18
Introdução ao Estudo do Direito I

fontes do Direito não é criação de fontes, mas sim de controlo da conformidade


legal dessas fontes
• As fontes necessitam de uma aceitação social (para ser efetivo): integra-se na
ordem social, é aceite pela comunidade

Espécies de fontes do Direito

• Intencionais e não intencionais (quanto ao modo de formação)


o Intencionais – têm na sua origem um ato normativo; pressupõem
um órgão com competência legislativa ou regulamentar para
elaborar a lei; ex: lei
o Não intencionais – têm na sua origem um facto não voluntário de
produção normativa; ex: costume

• Mediatas e imediatas (quanto à eficácia)


o Mediatas – retiram a sua juridicidade de uma fonte imediata; ex:
jurisprudência e doutrina
o Imediatas – fontes por si próprias, não necessitando de nenhuma
outra fonte que as qualifique como tal; possuem uma juridicidade
própria; ex: lei e costume; normas corporativas

• Internas e externas (quanto à origem)


o Internas – de um ordenamento são as fontes que têm origem
nessa mesma ordem jurídica
o Externas – de um ordenamento são as fontes que têm origem
numa outra ordem jurídica e que vigoram nesse ordenamento
por meio de regras de receção

• Simples e complexas
o Simples – provêm de um único facto normativo
o Complexas – são constituídas por um facto originário e por um
facto posterior à produção da fonte (ex: facto originário + novação
da fonte ou modificação da fonte por interpretação autêntica, por
exemplo)

II – Delimitação negativa
Doutrina

• Decorre do trabalho dos juristas sobre a lei e manifesta-se na opinião sobre a


solução de um certo problema jurídico
• Sentido individual ou coletivo
• Também pode ser concedida a qualidade de fonte
• Doutrina não é fonte de Direito no Direito português atual, não é vinculativa,
embora molde o direito vigente, isto é, produz em efeito persuasivo sobre o
órgão de aplicação do Direito
Jurisprudência

• Função jurisdicional é exercida pelos tribunais, aos quais compete administrar a


justiça em nome do povo

19
Introdução ao Estudo do Direito I

• É resultado da atividade decisória dos tribunais na resolução dos casos


concretos
• A decisão proferida por um tribunal na apreciação de um caso concreto pode ser
vinculativa – princípio do precedente; isso não se verifica nos sistemas de direito
romano-germânico
• Vinculação do juiz à lei “descobre o direito, mas não tem de o inventar”
• Embora não seja fonte de Direito, tem um papel importante: qualquer decisão
dos tribunais (principalmente superiores), constitui um modelo para outras
decisões sobre a mesma questão de Direito; é uma fonte do conhecimento do
Direito
• A jurisprudência adapta constantemente os textos legais à evolução dos tempos
• Função na concretização de conceitos indeterminados
• Jurisprudência constante – incrementa a confiança no sistema jurídico; o sentido
das decisões dos tribunais se torna previsível e expectável
• Jurisprudência uniformizada – é necessário encontrar mecanismos que
permitam uniformizar a jurisprudência, para que não se ponham em causa os
princípios da confiança e da igualdade
• A jurisprudência uniformizada destina-se a evitar ou a resolver decisões
contraditórias sobre a mesma questão jurídica é admissível no âmbito do
processo civil, processo penal e do contencioso administrativo
• Jurisprudência uniformizada não é obrigatória, não pode ser considerada fonte
de direito, mas tem, no entanto, valor persuasivo e valor legal específico – no
processo civil e no contencioso administrativo é sempre admissível interpor
recurso da decisão que não siga a jurisprudência uniformizada, tem eficácia
retroativa
• Conversão dos assentos: considerado inconstitucional; “nos casos declarados
na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força
obrigatória geral”; assentos deixaram de poder ser fontes do ordenamento
jurídico português (artigo acabou por ser revogado)

Modalidades das Fontes do Direito


I – Fontes externas
Direito Internacional – tem diversas fontes, podendo distinguir-se entre:

• Direito internacional comum – costume internacional (“prática geral


aceite pelo Direito”) e princípios gerais de Direito reconhecidos pelas
nações civilizadas; parte integrante do Direito Português
• Direito internacional convencional – convenções internacionais
(quando ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica portuguesa
depois de publicadas) e outros instrumentos de harmonização e
unificação legislativa como normas emanadas dos órgãos competentes
das organizações internacionais de que Portugal seja parte (vigoram
diretamente na ordem interna)
Direito Europeu

• Direito europeu originário – tratados que estão na origem da EU


• Direito europeu derivado – direito proveniente dos órgãos das instituições
europeias (Conselho Europeu, Comissão Europeu e Parlamento Europeu)

20
Introdução ao Estudo do Direito I

• Princípios fundamentais: quanto à sua criação – princípio da subsidiariedade;


quanto à sua aplicação – princípio do primado e princípio do efeito direto
• Fontes de Direito Europeu derivado:
o Regulamentos – caráter geral, obrigatórios para todos os Estados-
membros
o Diretivas – vinculam o Estado-membro destinatário quanto ao resultado
a alcançar (forma e meios são competência nacional)
o Decisões – obrigatórias em todos os seus elementos para os respetivos
destinatários

II – Fontes internas imediatas (lei, normas corporativas, costume)


Lei – qualquer enunciado linguístico cujo significado seja uma regra jurídica

• Leis materiais e formais


o Lei em sentido material – qualquer enunciado linguístico cujo
significado seja uma regra jurídica; ex: lei interpretativa – lei que
realiza a interpretação autêntica de outra lei (não tem um caráter
inovatório, o que justifica a atribuição de eficácia retroativa a essa lei)
o Lei em sentido formal – enunciado linguístico cujo significado é uma
regra jurídica e que emana de um órgão com competência legislativa
e, portanto, de um ato legislativo; órgãos com competência legislativa:
Assembleia da República, Governo e Assembleias Legislativas
Regionais; são leis em sentido formal:
▪ Leis constitucionais (provêm da Assembleia da República
no exercício de poderes constituintes)
▪ Leis da Assembleia da República (incluindo as leis
orgânicas e as leis reforçadas)
▪ Decretos-leis do Governo
▪ Decretos legislativos regionais
o Há leis que são simultaneamente leis materiais e formais (ex: lei da
Assembleia da República ou decreto-lei do Governo)
o Há leis em sentido material que não são leis em sentido formal (não
provêm de órgãos com competência legislativa ou não provêm de
órgãos no exercício de competência legislativa) – ex: regulamentos
das autarquias locais, regulamentos do Governo
• Atos normativos
o A toda a lei está subjacente um ato normativo
o O ato normativo pode ser um ato legislativo – decorre do exercício
de uma competência legislativa do órgão que o pratica e dá origem a
uma lei em sentido formal - ou um ato regulamentar – decorre do
exercício de uma competência administrativa do órgão que o realiza
e produz um regulamento; do ato regulamentar deve constar a lei que
ele visa regulamentar ou que define a competência subjetiva e
objetiva para a sua emissão – este regime justifica-se pela
circunstância de o ato regulamentar se destinar a possibilitar a “boa
execução das leis”

Atos legislativos - Em sentido formal, decorrem de atos legislativos;


tipologia taxativa: nenhuma lei pode criar outras categorias de atos
legislativos, nem conferir a atos de natureza não legislativa o poder de, com

21
Introdução ao Estudo do Direito I

eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar


qualquer dos seus preceitos – atos legislativos:
• Leis da Assembleia da República (leis constitucionais, leis
orgânicas, leis de valor reforçado e as leis (ordinárias); estas leis
devem ser promulgadas pelo Presidente da República, devendo
esta promulgação ser referendada pelo Governo)
• Decretos-leis do Governo (devem ser promulgados pelo
Presidente da República, sendo depois esta promulgação
referendada pelo Governo)
• Decretos legislativos regionais (são assinados pelo
Representante da República na respetiva Região Autónoma)

Atos regulamentares – podem ser criados quaisquer atos regulamentares e


pode ser conferida a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa,
interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus
preceitos – há que distinguir os que
➢ Que provêm do Governo:
• Decretos e decretos regulamentares (devem ser promulgados pelo
PR, devendo esta promulgação ser posteriormente referendada pelo
Governo; os demais decretos só são assinados pelo PR)
• Portarias, despachos normativos e resoluções do Conselho de
Ministros (não estão previstos, como tal, na CRP, mas têm uma base
consuetudinária; estes regulamentos não necessitam de promulgação do
PR)

➢ São produzidos por outras entidades:


• Regulamentos da administração autónoma (exemplo das posturas e
os regulamentos municipais e as posturas e regulamentos das juntas de
freguesia)
• Regulamentos da administração indireta (produzidos pelas entidades
administrativas independentes com função de regulação e supervisão –
ex: Banco de Portugal)
• Decretos regulamentares regionais (regulamentos da competência
dos Governos regionais)
• Estatutos (regulamentos produzidos por pessoas coletivas de direito
público destinados a definir a sua organização interna – ex: FDUL)
• Regimentos (definem o modo de funcionamento de órgãos coletivos –
ex: Regimento da AR)
• Instruções (atos de caráter administrativo que regulam a organização,
os procedimentos adotados e as condutas exigidas num serviço
administrativo)
o Atos normativos de caráter atípico: decretos do PR, resoluções da AR e decretos
dos Representantes da República nas RA
As leis só materiais ou simultaneamente materiais e formais, num âmbito territorial,
podem ser: leis centrais, leis regionais ou leis locais

Normas corporativas – alguns órgãos infra-estaduais também podem produzir Direito

22
Introdução ao Estudo do Direito I

• Exemplo das organizações corporativas, como as ordens profissionais (ex:


Ordem dos Advogados) e as federações desportivas; no ordenamento jurídico
português, as normas corporativas são fontes imediatas do Direito
• Não podem, no entanto, contrariar as disposições legais de caráter imperativo –
subordinam-se à lei

Características da lei: é normalmente geral e abstrata, podendo, em certos casos ser


concreta (quanto ao âmbito de aplicação material) e individual ou coletiva (quanto ao
âmbito de aplicação subjetivo)

• Caráter abstrato – pluralidade indeterminada de situações ou factos;


quando a sua previsão se refere a uma categoria de situações e não a
uma situação concreta; implica que a lei vale para uma pluralidade
indeterminada de casos; não é uma característica essencial da lei;
devíamos falar em diferentes graus de abstração e de concretização das
leis; questão da retroatividade: há que distinguir duas situações:
✓ Lei que se refere a uma categoria de factos passados – lei
abstrata
✓ Lei que se refere a factos passados concretos – neste caso, a lei
não é abstrata
• Caráter geral – decorre da circunstância de a lei se referir a uma
pluralidade indeterminada de destinatários e não a sujeitos
determinados; vale para uma pluralidade indeterminada de destinatários;
não é uma característica essencial da lei (também são admissíveis leis
individuais ou coletivas)
• Importância destas características: garante que casos idênticos são
decididos de forma idêntica e assegura a igualdade entre os seus
destinatários; garantem a igualdade perante a lei (por isso é que as leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter
abstrato e geral); também contribuem para a justiça porque preenchem a
condição de universalização e raramente possuirão um conteúdo
arbitrário
• Lei que é abstrata também é geral
• Lei pode ser concreta e geral
• Lei pode ser concreta e individual
Costume

• Modos de formação de uma vontade social:


✓ Modo inconsciente e involuntário: tradição – costume
✓ Modo consciente e voluntário: vontade – legislação
• Costume consiste no uso que é assumido pelo agente com a convicção da sua
juridicidade:
• Elemento fáctico (externo ou quantitativo): uso – prática social reiterada
• Elemento normativo (interno ou qualitativo): convicção de juridicidade – a
sociedade quer que vigore determinada regra pois forma-se nela a convicção de
que só uma certa ação ou omissão é conforme ao Direito
• É considerada uma fonte imediata, não é necessária uma consagração legal do
costume, isso significaria a subordinação do costume à lei
• Só deixa de vigorar quando desaparecer um dos seus elementos ou quando se
formar um costume contrário

23
Introdução ao Estudo do Direito I

• A lei pode ser eficaz ou ineficaz, o costume só pode ser eficaz – quando não é
observado é uma impossibilidade: deixa necessariamente de ser vigente
• Modalidades do costume (de acordo com a sua relação com a lei):
✓ Costume secundum legem – regra consuetudinária coincide com a
regra legal
✓ Costume praeter legem – complementa a lei (integrando eventuais
lacunas), vai além do que a lei dispõe, sem a contrariar
✓ Costume contra legem – contraria a lei; relação de oposição; implica a
cessação de vigência da lei
• Quanto maior for a relevância concedida à lei, menor é a importância reservada
ao costume, e vice-versa
• Atualmente é indiscutível o predomínio da lei sobre o costume
• O combate da lei contra o costume é tão antigo como a própria lei – da tensão
entre o costume e a lei podem resultar diferentes situações:
✓ Lei extingue ou faz cessar o costume ou proíbe o costume
✓ Lei reconhece o costume e fornece-lhe um título legal
✓ Costume sobrepõe-se à lei e, apesar de contrariado pela lei, continua a
vigorar como costume contra legem

III – Fontes internas mediatas – usos, jurisprudência vinculativa e fontes privadas


Usos – um dos elementos do costume; considerados em si mesmo, resultando do
disposto no art.3º/1 do CC, os usos são uma fonte mediata do Direito; quando não forem
contrários à boa fé, são juridicamente atendíveis quando a lei o determina; qualquer uso
é afastado por normas corporativas; só pode ser fonte do Direito quando uma fonte
imediata lhe atribuir essa qualidade
Jurisprudência normativa – acórdãos com força obrigatória geral são fonte do Direito;
acórdãos do TC, acórdãos dos tribunais administrativos; como fonte do Direito refere-
se a um valor negativo: impede, através de um juízo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade sobre uma outra fonte de Direito, que desta possa ser retirada uma regra
jurídica (“ab-rogação da lei inconstitucional”)
Fontes do direito privadas – resultam da autonomia privada, embora só se possa falar
de fontes privadas quando as respetivas regras tiverem uma eficácia externa e puderem
ser invocadas por terceiros ou opostas a terceiros; são sempre fontes mediatas, dado
que elas resultam do reconhecimento, pela lei, da autonomia privada (ex: estatutos das
associações, das sociedades comerciais, as convenções coletivas de trabalho, os
regulamentos dos condomínios e os regulamentos de atribuição de prémios)

Vicissitudes das Fontes de Direito


I – Desvalores do ato normativo

• Toda a lei emana de um ato normativo, de um ato produzido no termo de um


processo legislativo; o ato normativo pode ter um valor negativo – inexistência,
invalidade ou ineficácia
• Inexistência – quando o vício que o afeta é tão grave que nem sequer é
possível afirmar que haja a aparência de um ato; pode ser declarada pelo
próprio órgão legislativo e verificada oficiosamente por qualquer órgão de
aplicação do Direito (como os tribunais); ex: falta de assinatura do PR

24
Introdução ao Estudo do Direito I

• Invalidade:
✓ Nulidade – vício mais grave; impede a produção de quaisquer
efeitos pela lei; pode ser apreciada e declarada por qualquer
órgão de aplicação do Direito (ex: inconstitucionalidade ou
ilegalidade da lei ou que viole direitos, liberdades e garantias)
✓ Anulabilidade – vício menos grave; só impede a produção de
efeitos depois da anulação do ato e pode ser sanada através de
confirmação ou de ratificação do ato (ex: regulamento elaborado
com base numa delegação de poderes que afinal não existe)
• Ineficácia – decorre de uma irregularidade verificada no seu processo de
formação; o ato ineficaz é existente e válido, mas não produz quaisquer efeitos
(ex: falta de publicação do ato normativo)

II – Publicação das fontes


Regime da publicação – a publicação dos atos normativos é a forma de os tornar
conhecidos através da publicitação do respetivo texto; esta publicação é uma condição
do seu conhecimento pelos respetivos destinatários
Publicação oficial – jornal oficial: Diário da República; com uma edição eletrónica
Lei Formulária – regula a publicação, identificação e o formulário dos diplomas legais
Formas de publicação – fontes do Direito internas que devem ser publicadas no Diário
da República (art. 119º CRP); art. 8º/2 CRP – publicação das convenções internacionais
ratificadas ou aprovadas em Portugal
Efeitos da publicação – a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal
oficial; a publicação da lei é condição da sua eficácia

• Todas as leis, em sentido formal ou material, que constam do enunciado do art.


119º/1 da CRP são ineficazes enquanto não forem publicadas no Diário da
República
Retificação da publicação – a lei que tiver sido publicada com incorreções pode ser
retificada (art5º/1, L 74/98)

• As retificações são feitas mediante declaração do órgão que aprovou o texto


original, sendo publicadas na mesma série do Diário da República
• As retificações têm um limite temporal: devem ser publicadas até 60 dias após
a publicação do texto a retificar (passado esse prazo, o ato de retificação é nulo)

Retroatividade da retificação – a declaração de retificação integra-se na lei retificada,


porque a lei retificada passa a ter a redação que resulta daquela declaração

• A declaração de retificação tem uma eficácia retroativa, dado que tudo se passa
como se a lei retificada tivesse sido sempre o conteúdo que lhe foi fornecido por
aquela declaração
Consequências da retificação – duas situações:

• Se a retificação tiver ocorrido antes da entrada em vigor da lei (durante a vacatio


legis), a lei retificada ainda não produziu quaisquer efeitos, e, por isso, não há
que ressalvar nenhuns efeitos; há que começar a contar um novo prazo de
vacatio

25
Introdução ao Estudo do Direito I

• Se a retificação tiver sido realizada depois da entrada em vigor da lei, há que


contar com a possibilidade de a lei retificada já ter produzido alguns efeitos –
impõe-se recorrer, por analogia, ao regime estabelecido para a aplicação no
tempo das leis interpretativas: porque tal como a lei interpretativa se integra na
lei interpretada, também a declaração de retificação integra-se na lei retificada;
interesses a proteger: determinar que interesses devem ser acautelados quando
o significado da lei se altera por um ato posterior de eficácia retroativa (lei
interpretativa ou declaração de retificação)
• Âmbito da responsabilidade penal, contraordenacional e disciplinar: dois
princípios fundamentais:
✓ Princípio de que ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança
mais grave do que as previstas no momento da correspondente
conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos – se da
declaração de retificação resultar um regime menos favorável ao arguido
que praticou o facto antes dessa declaração, é a lei na sua versão
originária que lhe é aplicável
✓ Princípio da aplicação retroativa da lei de conteúdo mais favorável
ao arguido – se da declaração de retificação proferida após o início de
vigência da lei resultar um conteúdo mais favorável ao arguido que
praticou o facto antes dessa declaração, é este regime mais favorável
que se lhe aplica

Ignorantia iuris – a publicação da lei permite que se estabeleça que a ignorância ou


má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas
das sanções nela estabelecidas (art. 6º CC); exceção no Direito penal

III – Entrada em vigor da lei

• A entrada em vigor dos atos normativos nunca pode ser anterior à data da sua
publicação
• O momento de entrada em vigor da lei pode ser aquele que a própria lei fixar ou
aquele que for determinado por legislação especial (L 74/98)
Vacatio legis – é o tempo que decorre entre a data de publicação e a data da entrada
em vigor da lei; prazo supletivo de vacatio legis – utilizado quando nada se dispuser
sobre o momento da entrada em vigor da lei – também são admitidos prazos ad hoc
(fixados pelo legislador para cada lei)

• Prazo supletivo de vacatio legis: a lei entra em vigor, em todo o território nacional
e no estrangeiro, no quinto dia após a sua publicação no Diário da República
• O legislador pode fixar um prazo maior ou menor que este
Contagem do prazo:

• Prazos fixados em dias – contam-se a partir do dia seguinte ao da publicação


• Prazos fixados em semanas, meses ou anos – a contar de certa data,
terminam às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou
ano
• Prazo fixado em meses a contar de certa data e no último mês não existe
dia correspondente – o prazo finda no último dia desse mês

26
Introdução ao Estudo do Direito I

Vigência imediata – o início da vigência da lei não pode ocorrer no próprio dia da sua
publicação (exceção: estado de sítio, estado de emergência, declaração de guerra ou
paz)
Proteção de interesses – garantia do conhecimento: princípio de que a lei nunca pode
ser obrigatória antes da disponibilização ao público

• Um facto anterior à disponibilização do Diário da República nunca pode ser


regulado por uma lei que ainda não podia estar em vigor no momento em que o
facto foi praticado ou ocorreu; no âmbito da responsabilidade penal,
contraordenacional e disciplinar: princípio da aplicação retroativa da lei de
conteúdo mais favorável ao arguido – se a lei que consta do Diário da República
ainda não tiver sido disponibilizado no momento da prática do ato tiver um
conteúdo mais favorável ao arguido, é esse regime mais favorável que se aplica

IV – Vicissitudes da vigência da lei


Importa considerar: impedimento à vigência, suspensão da vigência e cessação da
vigência
Impedimento à vigência

• Requisitos: antes de a lei entrar em vigor (período de vacatio) é publicada uma


outra lei sobre a mesma matéria; a lei que é publicada em momento posterior
entra em vigor antes ou ao mesmo tempo que a lei publicada em momento
anterior; como a segunda lei contém a última posição do legislador sobre a
matéria regulada, a primeira lei não chega a entrar em vigor
Suspensão da vigência – recorre-se à suspensão da vigência quando se considera
inconveniente que a lei permaneça em vigor, mas se entende que a lei continua a ser
justificada e pode vir a retomar a sua vigência num momento posterior – hipóteses:

• Temporária
• Indefinida
Cessação da vigência – causas:

• Caducidade – decorre do termo do prazo de vigência da lei ou do


desaparecimento dos pressupostos, de facto ou de direito, da sua aplicação
• Revogação – termo da vigência da lei por um ato, expresso ou tácito, do
legislador
• Declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória
geral
• Formação de um costume contra legem
Caducidade da lei

• Vigência temporária – a caducidade da lei verifica-se quando a lei se destina


a ter uma vigência temporária; a própria lei prevê um facto (cronológico ou não
– neste caso pode dizer-se que a vigência da lei está sujeita a uma condição
resolutiva) que implica a cessação da sua vigência
• Falta de pressupostos – a caducidade também se verifica quando
desaparecem os pressupostos de facto ou de Direito, da sua aplicação, e, por
conseguinte, quando a previsão da lei deixa de poder ser preenchida

27
Introdução ao Estudo do Direito I

Revogação da lei – cessação da vigência determina por outra lei; verifica-se a entrada
em vigor de uma lei (lei revogatória) e a cessação de vigência de outra (lei revogada)

• A nova lei revoga a antiga, no momento em que entra em vigor


• Modalidades da revogação:
Atendendo à forma como é realizada:
o Revogação expressa – resulta de uma declaração do legislador - ou
revogação tácita – resulta da incompatibilidade da lei revogada com
uma nova lei
Quanto aos seus efeitos:
o Revogação substitutiva (quando substitui o regime jurídico da lei
revogada) ou revogação simples
Atendendo ao seu objeto:
o Revogação individualizada ou revogação global (recai sobre um
instituto ou ramo do Direito)
Quanto ao seu âmbito:
o Revogação total (ab-rogação) ou revogação parcial (derrogação)
Quanto à eficácia temporal:
o Revogação retroativa ou revogação não retroativa (geralmente não
tem eficácia retroativa)
• Revogação tácita – resolve os conflitos de leis através de regras de preferência,
com os seguintes critérios:
✓ Prevalência da fonte posterior sobre a fonte anterior
✓ Prevalência da fonte de hierarquia superior sobre a fonte de hierarquia
inferior
✓ Prevalência da fonte especial sobre a fonte geral
• Uma lei nunca pode ser revogada por outra de hierarquia inferior
• Na hipótese de a lei especial ser posterior à lei geral, a lei geral não deixa de
vigorar, simplesmente o seu âmbito de aplicação é restringido, deixa de ser
aplicável aos casos abrangidos pela lei especial
• A lei posterior só pode revogar a lei anterior quando ambas forem gerais ou
especiais ou quando a lei anterior for geral e a lei posterior for especial
• Uma lei geral posterior não revoga a lei especial anterior
• Lei especial que entra em vigor restringe a lei geral
• Lei especial revogada torna o âmbito de aplicação da lei geral mais vasto
• A revogação de uma lei determina a caducidade de todas as demais leis que
percam o seu âmbito de aplicação após a cessação de vigência daquela lei
(quando uma lei tem como previsão outra)
• A revogação de uma lei também implica a caducidade de todas as leis
dependentes
Revogação e aplicabilidade

• A possibilidade de aplicação de uma lei não vigente decorre da chamada


aplicação no tempo e, em especial, de uma das soluções possíveis no âmbito
dessa aplicação – a sobrevigência (ou ultra-atividade) da lei antiga
• A revogação não implica a cessação da vigência dessa lei, mas apenas a
restrição do seu âmbito de aplicação: a lei revogada passaria a ser aplicada
apenas aos factos que foram praticados ou às situações que já existiam durante
a sua vigência

28
Introdução ao Estudo do Direito I

• Não é a revogação que restringe o âmbito de aplicação da lei revogada, mas o


regime sobre a aplicação da lei no tempo que a define como aplicável aos factos
e às situações passadas
• A sobrevigência da lei antiga nunca pode ser vista como um efeito da
revogação, mas antes como uma consequência do regime da aplicação da lei
no tempo
Não repristinação

• A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta


revogara
• Para que a lei revogada retome a sua vigência no momento da revogação da
sua lei revogatória, é necessário que isso resulte da nova lei revogatória
• Exceção: se a lei for considerada inconstitucional ou ilegal com força obrigatória
geral da lei revogatória (evitar lacunas no ordenamento jurídico)
Revogação e remissão
• Revogação simples – interpretação ab-rogante da lei remissiva
• Revogação substitutiva – todas as remissões realizadas para a lei revogada
passam a ser feitas para a lei revogatória
Problemas de hierarquia – a lei revogatória ou a lei que suspende a vigência de
outra lei tem de ter a mesma hierarquia ou uma hierarquia superior à lei revogada
ou à lei suspensa

Hierarquia das Fontes do Direito


I – Relações de hierarquia

• Hierarquia das fontes é sempre algo de relativo: só é possível determinar a


hierarquia de uma fonte em relação a outra fonte
• A hierarquia das regras não tem autonomia perante a hierarquia das fontes
• Há fontes de diferente hierarquia, mas não há regras mais vinculativas e menos
vinculativas
Stufenbautheorie – teoria da construção escalonada de Merkl e Kelsen

• Hierarquia dinâmica entre as fontes


• Construção escalonada da ordem jurídica – princípio de que toda a fonte tem o
seu fundamento de validade numa outra fonte de hierarquia superior
• Crítica: nem sempre a hierarquia das fontes do Direito corresponde à hierarquia
das respetivas fontes de produção, dado que uma mesma fonte pode
fundamentar a produção de outras fontes da mesma hierarquia
• Algumas fontes do Direito criam organizações que contêm órgãos com
diferentes hierarquias – uma única fonte pode criar órgãos com diferentes
hierarquias: as relações de hierarquia entre os órgãos não são o reflexo de
nenhuma diferença nas hierarquias das respetivas fontes
• A hierarquia, em vez de se encontrar nas fontes, pode antes ser algo que é
criado pelas próprias fontes

29
Introdução ao Estudo do Direito I

II – Hierarquia dinâmica

• Atende à relação entre a fonte que serve de fundamento à produção de outra


fonte e a fonte que é produzida
• A fonte que é produzida deve ser conforme à fonte que permite a sua produção
• Uma fonte pode autorizar a produção de uma fonte por outra fonte
• Situação mais comum: uma fonte fundamenta, ela mesma, a produção de outra
fonte
• Princípio que orienta a hierarquia dinâmica: a fonte produzida nunca pode ter
uma hierarquia superior à fonte de produção
• A hierarquia da fonte produzida pode não depender da hierarquia da fonte de
produção
Fontes externas

• Direito Internacional
• Direito Europeu
Fontes internas

• Lei e regulamento – Atos legislativos prevalecem sobre os atos


regulamentares
o Atos legislativos: leis constitucionais, leis de valor reforçado, leis da AR
e decretos-leis do Governo, decretos legislativos regionais
o Atos regulamentares: regulamentos emanados dos órgãos centrais do
Estado (decretos, decretos regulamentares, portarias, despachos
normativos, resoluções de Conselho de Ministros), prevalecem sobre
atos regulamentares de outras estruturas administrativas
• Lei e costume – costume constitucional prevalece sobre a lei ordinária
• Normas corporativas
• Fontes mediatas – acórdãos normativos (TC) ou dos tribunais administrativos
prevalecem sobre a própria regra que é declarada inconstitucional ou ilegal;
usos, fontes privadas
III – Debilitação da hierarquia
1. Concretização substitutiva
2. Regime da debilitação
• Fontes constitucionais
• Fontes ordinárias
IV – Modificação da hierarquia
1. Generalidades
2. Limites da modificação
3. Resultados da modificação
V – Espécies de invalidades (produção e conteúdo)
1. Invalidade originária (dinâmica ou estática)
2. Invalidade superveniente

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Introdução ao Estudo do Direito I

Título III: Regras e proposições jurídicas


11º - Caracterização da regra jurídica
I – Noções gerais
1. Fontes e regras jurídicas
• As fontes do Direito têm um significado normativo
• As regras jurídicas são o significado normativo das fontes do Direito
• A interpretação da fonte é a atividade pela qual se determina o seu
significado e, portanto, a regra jurídica que ela contém
• A regra é o significado prático da fonte
• As regras atribuem razões para agir ou não agir e fornecem aos
julgadores fundamentos para um juízo – as regras são razões prático-
judicativas
• De uma mesma regra pode ser inferida tanto uma razão prática, como
uma razão judicativa
2. Regras e proposições
• Expressam se uma conduta, um poder ou um efeito é obrigatório,
permitido ou proibido
• As regras jurídicas são significados de fontes, e o seu valor específico é,
tal como destas fontes, de validade ou invalidade
• A diferença entre as regras e as proposições radica em que as regras
são significados normativos e as proposições são descrições desses
significados
• Caráter prescritivo das regras e caráter descritivo das proposições (dever
ser e ser)
• Mesmo enunciado a que correspondem diferentes atos de fala:
performativo e descritivo
• As regras possuem um caráter deôntico e as proposições um caráter
epistémico
• As proposições podem ser verdadeiras ou falsas
• Regras jurídicas são regidas pela lógica deôntica – operadores:
comando, proibição ou permissão
• A lógica das proposições é distinta da lógica deôntica que é aplicável às
regras jurídicas
• Dilema ou paradoxo de Jorgensen
• Lógica das regras assenta nas seguintes relações: relações de
inconsistência e relações de implicação
II – Estrutura da regra
Generalidades: elementos da regra:

• Previsão – elemento da regra jurídica que define as condições em que ela é


aplicada; é constitutiva – SE…, caráter referencial; define as condições objetivas
e subjetivas da aplicação da regra; função representativa; pode ser fechada ou
aberta
• Estatuição – elemento da regra jurídica na qual se define a consequência
jurídica que decorre da sua aplicação; é regulativa - …ENTÃO…; caráter
autorreferencial – comporta dois elementos:
o Operador deôntico – são definíveis entre si:

31
Introdução ao Estudo do Direito I

✓ Comando (O)
✓ Proibição (F)
✓ Permissão (P) – pode ser não alternativa ou forte (alternativa)
o Objeto – aquilo que é definido pelo operador deôntico; pode ser uma
conduta, um poder ou um efeito jurídico
• Regras de conduta e regras de poder são duas categorias de regras que podem
decompor uma mesma realidade segundo perspetivas diferentes; regras de
poder são constituídas pela modalidade de regras de produção jurídica (implicam
regras de competência e regras de procedimento)
III – Caráter hipotético
1. Regras hipotéticas
2. Categorias de factos
3. Legal defeasibility
4. Regras categóricas
IV – Análise do imperativismo
1. Orientações imperativistas
2. Apreciação do imperativismo

12º - Modalidades das regras jurídicas


I – Critério do objeto
1. Generalidades
2. Concretização
• Regras primárias
✓ Regras regulatórias
✓ Regras constitutivas
• Regras secundárias
✓ Regras de produção
✓ Regras revogatórias
✓ Regras interpretativas
✓ Regras de conflitos
II – Critério do âmbito
1. Generalidades
2. Regras específicas
3. Regras especiais
• Especialidade material
• Especialidade pessoal
• Especialidade territorial
4. Regras excecionais
5. Regimes próprios

III – Critério da disponibilidade


1. Regras injuntivas
2. Regras supletivas

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Introdução ao Estudo do Direito I

3. Critérios da qualificação
IV – Critério da vinculação
1. Regras de resultado
2. Regras técnicas
V – Espécies de regras
1. Regras definitórias
2. Regras de remissão
3. Regras de presunção
4. Ficções legais
5. Regras de conflitos
6. Regras autorreferenciais
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