Objeto da ciência do direito e definição do direito • Uma vez que a ciência do direito deve descrever seu objeto, que é o direito, é importante útil começar pela definição; • Trata-se tão-somente de determinar o que é possível estudar à luz de uma ciência específica; • Não existe no mundo empírico nenhuma realidade diretamente observável à qual poderíamos justapor a palavra “direito”. Existem apenas comportamentos humanos, os quais podemos compreender tanto do ponto de vista jurídico quanto de outros pontos de vista; • É o direito que define um comportamento humano como criador de direito, e seu produto, a lei, como sendo do direito; • A ciência do direito tem necessidade de definir seu objeto, bastando reproduzir as definições do próprio direito? • A ciência do direito não pode descrever as normas antes de poder identifica-las como normas e não pode se fiar ou se basear, para isso, numa definição interna, que se encontra no próprio direito; • Não podemos abrir mão de uma definição externa do objeto do direito, do direito considerado globalmente, de forma independente da definição desta ou daquela categoria de normas, e essa definição não pode ser fornecida pela ciência do direito, mas apenas pela metaciência – em outras palavras, pela filosofia ou pela teoria geral do direito; • Kelsen, a norma fundamental e a eficácia; • É impossível definir de forma isolada uma norma jurídica; é impossível defini-la pela ameaça de uma sanção e distingui-la pela via da ordem do ladrão; • Da mesma maneira, é impossível defini-la por seu conteúdo e distingui-la de outros tipos de normas, porque normas que não são jurídicas podem ter conteúdo idêntico; • Uma norma, seja ela jurídica, moral, religiosa, é aquela que pertence a um sistema de normas ou sistema normativo, igualmente denominado “ordem normativa”; • A definição do direito como sistema jurídico suscita dois tipos de dificuldade: a primeira diz respeito à maneira de definir qual é a norma mais alta – a solução de Hans Kelsen é supor uma norma fundamental. A norma fundamental não é uma norma verdadeira, mas uma decisão epistemológica: a decisão de tratar determinado conjunto de normas, do qual a constituição é a mais elevada, como sistema jurídico; • Nova pergunta: qual é o conjunto de normas que é conveniente tratar como sistema jurídico? • Uma vez que o direito é uma espécie do gênero “sistemas normativos”, é importante distinguir outras espécies do mesmo gênero, como a moral ou a religião. Kelsen utiliza para isso um critério simples: o direito prescreve a título de sanção atos de coerção, em especial física; o direito dispõe do monopólio da coerção; • Deparamos, então, com duas dificuldades: a hipótese dos textos redigidos pelos internos de um hospital psiquiátrico. Será preciso, pressupondo para esse conjunto uma norma fundamental, dizer que a “constituição” é uma norma válida e que estamos na presença de uma ordem jurídica? • A teoria da norma fundamental como decisão e sua utilidade; • A tese de Kelsen é que não se deve chamar direito - pressupondo-lhe uma norma fundamental – senão aquilo que aparece como ordem de constrangimento eficaz, “grosso modo e de maneira geral”; • A segunda dificuldade é: hipóteses dos cobradores de impostos e dos salteadores: não lhes falta eficácia; • Para ultrapassar a dificuldade, é preciso considerar que a ordem jurídica dispõe do monopólio da coerção: qual dos sistemas é o mais eficaz? Ordem jurídica criminosa e dois sistemas jurídicos eficazes, com uma norma fundamental para cada um deles; • Herbert Hart e a regra do reconhecimento; • Direito como um sistema formado por regras de base e regras secundárias, mas como identificar as regras que fazem parte do sistema? • De forma diversa da norma fundamental, a regra de reconhecimento não é pressuposta; é uma prática social verificada pela ciência do direito; • Como no caso da norma fundamental, o fato de que a regra de reconhecimento seja constatada e não pressuposta permite manter a distinção entre o direito e a ciência do direito. Essa constatação é, efetivamente, operada de um ponto de vista externo ao sistema, tendo em vista que não implica nenhum compromisso quanto à validade dessa prática; • Definição formal: a estrutura do sistema; • Nem a norma fundamental nem a regra de reconhecimento permitem responder por completo à questão inicial: quais são os limites do objeto da ciência do direito? • A teoria da norma fundamental é insuficiente, porque, se pressupomos uma norma tal para sistemas jurídicos eficazes, “grosso modo e de maneira geral”, o sistema jurídico não foi definido senão pela garantia da coerção física; • Além disso, o objeto deveria ser definido de forma que fosse suscetível de ser estudado pela ciência do direito, de acordo com um método homogêneo (direito primitivo); • A regra de reconhecimento vai de encontro a uma dificuldade de outra ordem: se essa regra corresponde à prática dos tribunais e de outras autoridades públicas, como identificar os tribunais e as autoridades públicas? • Podemos encontrar uma solução para essas dificuldades ao empregar uma definição estipuladora do direito: a questão não diz respeito realmente à natureza do direito, mas apenas ao objeto que convém atribuir à ciência do direito. Na dupla objeto-método, a prioridade pertence ao método; • Uma norma pertence ao sistema se foi produzida em conformidade com uma norma superior (ponto de vista dinâmico) e se seu conteúdo não é contrário a uma norma superior (ponto de vista estático). Uma prescrição é uma norma jurídica se ela se insere em um sistema jurídico assim hierarquizado. O direito pode ser caracterizado como um sistema ao mesmo tempo estático e dinâmico; • Uma definição semelhante permite compreender o modo de operação dos produtores do direito, como os juízes, bem como o da dogmática jurídica; • Também pela mesma via constituímos uma definição do objeto da ciência do direito, uma vez que, se as normas assim produzidas são normas jurídicas, podem ser descritas pela ciência; • Outra vantagem dessa definição é que ela não se baseia em nenhum pressuposto ontológico, tendo em vista que as normas jurídicas podem ser enunciados ou a significação destes, e que essa significação pode ser tanto uma vontade humana quanto um dever-ser objetivo. Qualquer que seja o caso, podem se descritas; • A terceira vantagem é que o direito assim definido é o direito do Estado moderno, de forma que pode ser compreendido como técnica de exercício de poder;