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DIREITO CONSTITUCIONAL

Inês Espinhaço Gomes

Turmas 2 e 3 | 2022/2023
SEMANA 4| SUMÁRIO

• Análise das várias dimensões constitucionais: texto, realidade e cultura


(definição de conceitos).
• O Texto: As normas-princípios e as normas-preceitos. Distinção e tipologias.
• Resolução de exercícios de classificação de normas.

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AS DIMENSÕES DA NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL

Texto
constitucional
substrato formal

Realidade Cultura
constitucional constitucional
substrato substrato
fáctico, valorativo
sociopolítico
1. O TEXTO
CONSTITUCIONAL

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v O texto constitucional como sistema normativo aberto de preceitos e princípios

duas subespécies de normas: normas-preceito e normas-princípio

“Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro
das possibilidades jurídicas e reais existentes (...) são mandatos de otimização, que estão
caracterizados pelo facto de que podem ser cumpridos em diferentes graus (...).”

“As regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve
fazer-se exatamente o que esta exige, nem mais, nem menos. Assim, as regras contêm
determinações no âmbito do que é fáctica e juridicamente possível.”
Robert Alexy, Theorie der Grundrechte

Uma Constituição composta só por princípios ® careceria de concretização, de certeza e de segurança


Uma Constituição composta apenas por preceitos ® careceria de flexibilidade, de fluidez e de abertura
v Critérios de distinção entre princípios e preceitos

a) Quanto à determinabilidade Princípios: sem determinabilidade normativa (vagos e


indeterminados) > carecem de mediação concretizadora
Preceitos: determinabilidade normativa > suscetíveis de
aplicação direta

Princípios: sustentam a ideia de Direito > fundamento das


b) Quanto à fundamentalidade normas, base fundadora e ratio dos preceitos (função
normogenética e fundamentante) + mas também limite
Preceitos: concretizam a ideia de Direito > traduzem
imperatividade de uma exigência (impõem, proíbem)

Princípios: relação de harmonia > em caso de conflito,


c) Quanto à compatibilidade
harmonizam-se
Preceitos: “relação antinómica” > em caso de conflito, excluem-se
1.1. OS PRINCÍPIOS

v Função
• Função normogenética e fundamentante: base fundadora e ratio dos preceitos e do
ordenamento jurídico

• Função ordenadora: ordenam códigos que regem diretamente a vida jurídico-política da


sua comunidade (efeito imediato)

• Função interpretativa e integrativa: funcionam como critério de interpretação e integração


de lacunas (efeito mediato)
> imprimem flexibilidade ao sistema, fluidez, abertura (Manuel Afonso Vaz)

v Tipologia segundo Manuel Afonso Vaz


i. Princípios jurídicos fundamentais (reserva de Direito)
ii. Princípios estruturantes do sistema constitucional
iii. Princípios-incumbências do Estado
iv. Princípios-garantia ou instrumentais
i. Princípios jurídicos fundamentais (reserva de Direito)
• Princípios de acesso ao direito: dignidade da pessoa humana, igualdade, justiça, direitos
fundamentalíssimos (art. 19.º, n.º 6 CRP)
• Limites materiais verticais superiores ao poder constituinte
• Valor autónomo como fonte de direito
² Jorge Miranda: princípios axiológicos transcendentes
² Gomes Canotilho: princípios jurídicos fundamentais
² Castanheira Neves: princípios axiológico-jurídicos transcendentes ao Estado

ii. Princípios estruturantes do sistema constitucional


• Princípios que identificam uma dada Constituição, quanto à forma e estrutura de Estado,
forma de Governo, sistema de Governo, organização política no geral
• Limites materiais ao poder de revisão e limites materiais imanentes ao poder constituinte
originário
² Jorge Miranda: princípios político-constitucionais
² Gomes Canotilho: princípios políticos constitucionalmente conformadores
² Castanheira Neves: princípios diretamente constitutivos da particular forma do Estado instituído
iii. Princípios-incumbências do Estado
• Dinâmicos, prospetivos, linhas diretrizes da atividade política e legislativa
• Impõem aos órgãos do Estado (legislador) a realização de fins e execução de tarefas
• Relação com normas programáticas
Ex. Arts. 9.º e 81.º da CRP

² Gomes Canotilho: princípios constitucionais impositivos/princípios-


diretivas fundamentais/princípios definidores dos fins do Estado

iv. Princípios-garantia ou instrumentais


• ao serviço de um valor fundamental
• “objetivados em preceitos”
Ex:
- in dúbio pro reu, art. 32.º, n.º 2 CRP
- nula pena sine lege, art. 29.º, n.º 1 CRP
- ne bis in idem, art. 29.º, n.º 5 CRP
² Jorge Miranda: princípios instrumentais
1.2. OS PRECEITOS

v Tipologia

Segundo Gomes Canotilho


i. Regras jurídico-organizatórias
ii. Regras jurídico-materiais

Segundo Jorge Miranda


i. Normas precetivas
ii. Normas programáticas

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v Segundo Gomes Canotilho

i. Regras jurídico-organizatórias
• Parte III: arts. 108.º a 276.º CRP
• Visam a organização do Estado (“Constituição orgânica”)
• Certeza, segurança, previsibilidade Normas orgânicas (criação de órgãos constitucionais)
Normas de competência
Normas de procedimento (eleitoral, legislativo, de revisão)
ii. Regras jurídico-materiais
• Parte I e II
• Conteúdo valorativo: direitos fundamentais, garantias institucionais (proteção família, comissão
trabalhadores)
• Visam
- Status do cidadão
- Atuação do Estado:
a) ordens de legislar - únicas (ex. art. 26.º, n.º 2 CRP)
b) imposições legiferantes – permanentes e concretas (ex. arts. 63.º, n.º 2, 64.º, n.º 3 CRP)

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v Segundo Jorge Miranda
i. Normas precetivas
• Regras/preceito
• Completas = estrutura clara, precisa e incondicionada è conteúdo é determinado
• Dirigem-se direta e imediatamente aos cidadãos = aplicabilidade direta e imediata è
invocáveis pelos cidadãos em tribunal
a) Exequíveis por si mesmas: não necessitam de b) Não exequíveis por si mesmas: necessitam de
interpositio legislatoris para poderem realizar-se interpositio legislatoris para poderem realizar-se
Ex. Arts. 24.º, 25.º da CRP Ex. Art. 36.º CRP è art. 1577ºss do CC

ii. Normas programáticas


• Valores/princípios
• Conteúdo indeterminado
• Dirigem-se direta e imediatamente ao legislador
Imposições legiferantes, planos de ação = aplicabilidade diferida è não invocáveis pelos
cidadãos em tribunal
• Se conferem direito è dependente de concretização do conteúdo
• Sempre não exequíveis por si mesmas Ex. Arts. 64.º, n.º 3, 74.º, n.º 2 CRP
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• Normas precetivas ≠ Normas programáticas

critério da determinabilidade ou determinidade do conteúdo

• Normas precetivas exequíveis por si mesmas ≠ Normas precetivas não exequíveis por si mesmas

critério da aptidão da norma para permitir o exercício do direito ou da


competência que atribui

Nota: mesma natureza e mesmo valor (normas jurídico-constitucionais)

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Precetivas Programáticas
• Regras/preceitos • Valores/princípios

• Conteúdo determinado • Conteúdo indeterminado

• Destinatários: cidadãos, órgãos e titulares públicos • Destinatário: legislador

• Dever/poder vinculado de entidades públicas • Dependentes de um juízo discricionário de


possibilidade

• Podem ser invocadas pelos cidadãos nos tribunais • Não podem ser invocadas pelos cidadãos nos
tribunais

• Exequíveis e não exequíveis por si mesmas • Só não exequíveis por si mesmas

• Regras jurídico-organizatórias e DLG (Estado • Regras determinadoras de fins e tarefas do


liberal) Estado, imposições legiferantes, DESC (Estado
Social)
Ex: arts. 24.º, n.º 1, 36.º, n.º 1 e n.º 2 CRP Ex: arts. 64º, n.º 3; 74.º, n.º 2 CRP

Distinção: critério da determinidade do conteúdo 14


Princípios Preceitos

Segundo Manuel Afonso Vaz Segundo Gomes Canotilho


1. Princípios jurídicos fundamentais 1. Regras jurídico-organizatórias
2. Princípios estruturantes do sistema 2. Regras jurídico-materiais
constitucional
3. Princípios-incumbências do Estado
4. Princípios-garantia ou instrumentais Segundo Jorge Miranda
1. Normas precetivas
a. Exequíveis por si mesmas
b. Não exequíveis por si mesmas

2. Normas programáticas

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Tê Pê Cê

Classifique as seguintes normas consagradas


na CRP, segundo as tipologias dos princípios e
dos preceitos que aprendeu:

Art. 41.º, n.º 1


Art. 187.º, n.º 1
Art. 111.º, n.º1
Art. 59.º, n.º 2, al. c)
Art. 81.º, al. b)
Art. 121.º, n.º 1
Art. 266.º, n.º 2
Art. 33.º, n.º 9
Art. 72.º, n.º 2
Art. 136.º, n.º 3
Art. 233.º, n.º 1
Art. 9.º, al. h) 16
1.3. O PREÂMBULO CONSTITUCIONAL
Tipicamente, associado a momentos revolucionários

Preâmbulo da CRP 76

- Justificação da quebra da legalidade constitucional anterior - §1 e 2


- Legitimidade do poder constituinte – §3
- Forma escolhida para revelação do poder constituinte - §3 e 5
- Princípios basilares da Constituição material - §4

Qual o valor do Preâmbulo?


Irrelevância jurídica (M. Afonso Vaz, C. Santos Botelho, C. Blanco de Morais):
- Valor de ordem histórica, política e literária
- Texto semântico, que se tornou nominal
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2. A REALIDADE
CONSTITUCIONAL

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v A realidade constitucional situa o texto no contexto sociológico da sua aplicação
• Relevante no momento de conceção e na vigência da Constituição

Impulso Operatividade
Limite horizontal ao poder constituinte originário Revisões e mutações constitucionais
Constituição semântica Constituição normativa

• Revela-se em manifestações legislativas ordinárias, atos políticos, acórdãos sobre matéria


constitucional

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• Qual a relevância do costume constitucional?

= prática social reiterada (corpus), acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade


(animus)

- Constitucionalismo português:
> Relevante na interpretação e integração do texto constitucional
² costume secundum constitutionem
≠ experiências: constitucionalismo
² costume praeter constitutionem
britânico (common law); Direito
² costume contra constitutionem
Internacional Público

• Qual a relevância da jurisprudência constitucional?


≠ precedentes judiciários/
- Relevância:
stare decisis (common law)
> Controlo misto, art. 281.º, n.º 3 CRP
> Declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral, art. 282.º, n.º 1
CRP
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3. A CULTURA
CONSTITUCIONAL

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v A cultura constitucional contribui com os dados valorativos e espirituais
• Manuel Afonso Vaz: princípios jurídicos fundamentais como fonte de Direito

• Limites materiais verticais superiores ao poder constituinte

O que acontece se o legislador constituinte consagra, no texto constitucional, normas que violam
os princípios jurídicos fundamentais/limites materiais verticais superiores ao poder constituinte?
“normas constitucionais inconstitucionais”
normas formalmente constitucionais e materialmente inconstitucionais

Não confundir com as normas só formalmente constitucionais


(materialmente não constitucionais)
Violam princípio da essencialidade/limites verticais inferiores

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v Normas constitucionais inconstitucionais

Posições adotadas
² Gomes Canotilho: recusa a sua existência
> quem controlaria a conformidade da Constituição com o direito supraconstitucional?

² Jorge Miranda: invalidade das normas (inconstitucionalidade)


> Só as normas de direito ordinário é que podem ser objeto de fiscalização da
constitucionalidade

² Afonso Queiró, Castanheira Neves, Manuel Afonso Vaz: reconhecem a sua existência
> Artigo 292.º CRP: viola os princípios jurídicos nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege

² Acórdão do TC n.º 480/89: reconhece a possibilidade da sua existência, embora não


naquele caso em concreto

Leitura facultativa: Manuel Afonso Vaz, Teoria da Constituição., pp. 133-162 23


4. A INTERPRETAÇÃO E A INTEGRAÇÃO DE LACUNAS

v Modos de revelação e de encontro entre as três dimensões da normatividade constitucional

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4.1. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

• Ecletismo metodológico da hermenêutica constitucional: método jurídico/hermenêutico clássico,


método tópico-problemático, método hermenêutico-concretizador, método científico-espiritual

• Princípios de interpretação constitucional


a. Princípio da unidade constitucional: interpretar a norma como parte de um “sistema
unitário de regras e princípios”
• Elemento sistemático: unidade de sentido, conteúdo valorativo global

b. Princípio do efeito integrador: dar primazia à solução/aos argumentos que favoreça(m) a


integração política e social

c. Princípio da “justeza” ou adequação formal: solução que esteja de acordo com a


principal função do órgão em causa (questões de competência)
• Relação com princípio da separação dos poderes
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d. Princípio da concordância prática ou da harmonização: solução que ofereça potenciação
máxima de um valor/direito e sacrifício mínimo do outro valor/direito
• Proporcionalidade: ponderação dos valores/direitos em confronto

e. Princípio da máxima efetividade da Constituição: a uma norma constitucional deve ser


atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê

f. Princípio da força normativa da Constituição: dar prevalência a pontos de vista que


possibilitam a atualização normativa, para garantir a sua eficácia e permanência (realidade e
cultura)

g. Princípio da interpretação do direito interno em conformidade com o DUE

h. Princípio da interpretação da leis em conformidade com a Constituição: se norma com vários


sentidos, conferir aquele mais conforme à Constituição (leis ordinárias)
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• Conceitos-problema: os limites da interpretação

1. Mutações constitucionais:
• Constituição só poderia evoluir por via da revisão e não por via interpretativa do sentido do
texto (posição inicial de Gomes Canotilho)

2. Interpretação autêntica
• A acontecer, por lei de revisão e nunca por lei ordinária

3. Interpretação da Constituição em conformidade com as leis


• Contradição com art. 3.º, n.º 3 da CRP, embora possa auxiliar na captação da realidade

4. Normas constitucionais inconstitucionais

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4.2. INTEGRAÇÃO DE LACUNAS
“incompletude contrária ao plano normativo”
(Wilhelm Canaris)
a. Lacunas constitucionais autónomas
- Situações constitucionalmente relevantes que não têm previsão constitucional
- Merecem tratamento jurídico-constitucional
- Não podem ser supridas por interpretação extensiva de outra norma
- Solução: deduzir norma por analogia dentro do sistema jurídico-constitucional ou norma ad hoc
Ex. Qual o prazo para promulgação de lei de revisão?
¹
b. Lacunas constitucionais heterónomas
- Situações constitucionalmente previstas (espaços jurídicos livres ou incompletos), às quais faltam
adequadas estatuições legais (legislação ordinária)
- Relação com normas precetivas não exequíveis por si mesmas e normas programáticas
Omissões legais contrárias à Constituição è inconstitucionalidade por omissão, art. 283.º CRP
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