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Aula 1

AVALIAÇÃO E
ÉTICA

Avaliação é um termo que circula entre as relações sociais


em que estamos inseridos de forma contínua e frequente, portanto,
a compreensão etimológica se torna imprescindível para que
possamos reverberar na concretização dos objetivos educacionais
para uma boa educação. Nessa via de raciocínio, este texto aborda
algumas reflexões acerca do conceito de avaliação, diferenciando-o
do conceito de verificação, exigindo, assim, uma análise reflexiva
sobre o conceito de valor. Na sequência as ideias se centram
nas dimensões éticas e políticas da avaliação, apresentando os
conceitos de ética, moral e política, associando-os à avaliação
educacional. Por fim, a avaliação é compreendida no contexto da
aprendizagem, concentrando-se nas análises sobre o significado
da educação, bem como sobre sua importância enquanto processo
de ensino e aprendizagem e sobre sua finalidade educativa como
um instrumento pedagógico indissociável à prática docente.

Avaliação da Educacional 9
Aula 1 Avaliação e ética

Parte
1 Do significado etimológico da
avaliação ao conceito de “valor”
A palavra avaliação é carregada de conceitos que circulam entre as relações sociais a que pertencemos
e muitas vezes é utilizada equivocadamente, atribuindo valores e comparações desnecessárias à prática do-
cente. Apesar de a prática avaliativa estar instaurada nos meios acadêmicos/ escolares, isso não quer dizer
que ela está sendo utilizada da forma mais correta possível e atrelada ao conceito de qualidade de ensino,
pois o ato de avaliar deve ser conduzido para além da ação verificadora.
Sendo assim, é de extrema importância aprofundar os conceitos de avaliar e verificar, buscando um
sentido mais concreto e mais filosófico, o qual proporcionará uma serenidade sobre o sentido amplo e social
que circunscreve o conceito de avaliação. Portanto, conceituar a avaliação significa prioritariamente dife-
renciar do conceito de verificação, o que se torna imprescindível à prática docente. Para Luckesi,
O termo verificar provém etimologicamente do latim – verum facere – e significa “fazer verdadeiro”.
Contudo, o conceito verificação emerge das determinações da conduta de, intencionalmente, buscar “ver se
algo é isso mesmo..:”, “investigar a verdade de alguma coisa. .:”. O processo de verificar configura-se pela
observação, obtenção, análise e síntese dos dados ou informações que delimitam o objeto ou ato com o qual
se está trabalhando. A verificação encerra-se no momento em que o objeto ou ato de investigação chega a ser
configurado, sinteticamente, no pensamento abstrato, isto é, no momento em que se chega à conclusão que
tal objeto ou ato possui determinada configuração. (LUCKESI, 2006, p. 90)

Nesse sentido, a verificação perpassa no campo de investigação, o qual tem mera função de constatar
fatos, de elucidar dados sem atribuir juízos de valor. Aponta a verdade no modo pelo qual ela se apresenta
sem analisar fatores que interferem direta ou indiretamente no resultado que apresenta. Por exemplo, um
docente que utiliza como instrumento de avaliação uma prova e faz a correção do número de erros e acertos
de modo quantitativo (sem qualquer análise mais ampla e, de certo modo, complexa) não utiliza o instru-
mento como avaliativo e sim como verificador de aprendizagem. Essa verificação se torna, neste exemplo,
simplista e superficial, visto que faz sua constatação com base em um único instrumento verificador, me-
dindo somente o número de erros e acertos. Nesse processo não se avaliou, e sim se verificou o que o aluno
acertou naquele determinado instrumento. Os dados apresentados pela verificação da aprendizagem não são
utilizados para uma reflexão mais crítica sobre a prática docente e discente, nem mesmo para reorganizar
o planejamento das aulas; eles se encerram no próprio levantamento de dados. Esse é o objetivo central da
verificação, como a própria palavra diz: verificar a aprendizagem.
Nessa compreensão, a ação de verificar termina no momento em que se constatam os fatos sinalizados,
em que se comprova a verdade; na medida em que se apresentam os dados investigados, encerra-se o pro-
cesso verificador.

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Avaliação e ética
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Já o ato de avaliar conota um novo sentido. Etimologicamente, vem do latim, e segundo Luckesi:
O termo avaliar também tem sua origem no latim, provindo da composição a-valere, que quer dizer
“dar valor a..:”. Porém, o conceito “avaliação” é formulado a partir das determinações da conduta de
“atribuir um valor ou qualidade a alguma coisa, ato ou curso de ação...”, que, por si, implica um posi-
cionamento positivo ou negativo em relação ao objeto, ato ou curso de ação avaliado. Isto quer dizer
que o ato de avaliar não se encerra na configuração do valor ou qualidade atribuídos ao objeto em
questão, exigindo uma tomada de posição favorável ou desfavorável ao objeto de avaliação, com uma
consequente decisão de ação. (LUCKESI, 2006, p. 91)

Diferentemente da verificação, o ato de avaliar é mais amplo e complexo, além de incorporar o con-
ceito de valor e ultrapassar a mera constatação de fatos. Compreendendo o sentido de avaliar com base
no conceito epistemológico, torna-se imprescindível pensar no conceito de valor, pois, bem como afirma
Luckesi, avaliar é atribuir um conceito positivo ou negativo sobre algo em questão, seja a pessoa ou a ação
dela. Portanto, além de verificar, de constatar a verdade a qual se busca inicialmente, atribui um conceito e
organiza novas decisões.
Desse modo, o conceito de valor é indissociável ao conceito de avaliar, e conceituar o valor se torna
também indispensável à prática docente. O fenômeno humano é carregado de valores que são construídos
e constituídos pelas diferentes esferas que permeiam a realidade política, econômica, social e comunitária
a que pertencemos, por isso se torna um conceito que se apresenta como uma categoria ontológica social.
Ontológica no sentido de se constituir ao mesmo tempo em que se constitui histórica e socialmente, por
pertencer a um grupo social que emerge de suas próprias relações.
Concomitantemente a esse sentido, o valor possui uma dimensão individual e, ao mesmo tempo, social.
Individual no sentido de que cada ser humano constrói seus próprios valores com base no meio em que vive,
e social porque é por meio das relações sociais que vivencia que constitui valores culturais e sociais que o
tornam um ser histórico e com valores que referendam suas decisões. Melhor dizendo, o cotidiano do ser
humano é o que subsidia seu repertório conceitual e constrói seus valores.
Assim como afirma Agnes Heller (1989), dentro de uma realidade social existem outras realidades
complementares a uma totalidade de elementos que se constituem em valores e representações, oferecendo
sentido à vida de cada sujeito. Para a autora, o cotidiano se subdivide em esferas de cotidianidade para
produzir o simbólico. Segundo Heller (1989, p. 4), “o decurso da história é o processo de construção dos
valores, ou da degenerescência e o caso deste ou daquele valor”.
Nessa via de raciocínio, o valor e a avaliação são processos em construção e desconstrução – ou, como
afirma Heller, de degenerescência do fim de um ou de outro valor –, pois na medida em que a sociedade
se constitui historicamente por meio de seus sujeitos, modifica-se ao mesmo tempo em que é modificada.
Na medida em que evoluímos, certos valores são alterados cultural e socialmente. Determinados conceitos
que em tempos passados eram considerados importantes hoje talvez não tenham grande relevância, como,
por exemplo, os relativos ao comportamento feminino, que vêm se transformando no decorrer da história.

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Esses valores são construídos pelos seres humanos e permeiam em função das esferas sociais que circulam
a realidade política, social e econômica, circunscrevendo todas as relações humanas. Por isso, a avaliação é atra-
vessada sempre por conceitos de sentido múltiplo, plural, ou seja: que são construídos pela troca de vivências e
de experiências. Além disso, apresentam uma objetividade natural e uma objetividade social. É individual porque
é independente de avaliações dos indivíduos isolados, mas não da atividade dos homens. Quem impõe os valores
somos nós, por meio de nossas relações das atividades sociais e culturais. Inconsciente e conscientemente, impo-
mos certos valores culturais que subsidiam a prática social e suas relações.
Portanto, fica clara a necessidade de compreender o sentido epistemológico de avaliar e a importância
de entender o conceito de valor, pois avaliar está associado ao conjunto de valores que constituímos na me-
dida em que amadurecemos física e intelectualmente.
Para Luckesi, atribuir valor nas questões relativas à educação acaba sendo muito amplo, por todas as
questões relatadas nesse texto. Por isso, prefere atribuir à qualidade de ensino, o que aparenta ser mais as-
sertivo para as situações escolares, objetivando alcançar algo.
Desse modo, a avaliação permite exercer uma ação sobre si mesma, ou seja, na medida em que se atri-
bui um conceito de qualidade bom ou ruim, oferece-se material que sinaliza novas ações, proporcionando
novas tomadas de decisões que interferem na busca da qualidade de ensino, bem como afirma Luckesi:
O ato de avaliar importa coleta, análise e síntese dos dados que configuram o objeto da avaliação, acres-
cido de uma atribuição de valor ou qualidade, que se processa a partir da comparação da configuração
do objeto avaliado com um determinado padrão de qualidade previamente estabelecido para aquele tipo
de objeto. O valor ou qualidade atribuídos ao objeto conduzem a uma tomada de posição a seu favor
ou contra ele. E, o posicionamento a favor ou contra o objeto, ato ou curso de ação, a partir do valor ou
qualidade atribuídos, conduz a uma decisão nova, a uma ação nova: manter o objeto como está ou atuar
sobre ele. (LUCKESI, 2006 p. 96)

A avaliação, nesse sentido, não apresenta um fim em si mesma, mas sim um meio de subsidiar a prática
docente, um movimento de ação-reflexão-ação, diferentemente da verificação. Segundo Luckesi, a verifi-
cação é uma ação que “congela” o objeto. Para o mesmo autor, a avaliação direciona o objeto numa trilha
dinâmica de ação.
Por essas questões, é necessário ter uma compreensão mais filosófica dos conceitos abordados neste
texto, pois entender o sentido epistemológico das palavras nos faz refletir sobre algumas questões que, com
o decorrer do tempo e o exercício da prática docente, fazem com que certos conceitos sejam atropelados
pelas questões cotidianas e burocráticas, fazendo com que o ato de avaliar muitas vezes seja reduzido ao ato
de verificar.
O fato de agir mecanicamente muitas vezes não é o mais preocupante, mas o fato de naturalizar o
processo avaliativo como uma simples verificação, sem atribuir nenhum conceito de qualidade, é que torna
muito frágil o nosso sistema de ensino.

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Avaliação e ética
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O ato de avaliar, no sentido de atribuir um valor, faz com que se reflita também sobre a prática docen-
te, minimizando certas situações de desresponsabilização sobre a falta de ou a baixa qualidade de ensino,
evitando situações em que se considera o aluno como único responsável pela qualidade de ensino mediante
seu desempenho nas “avaliações”.
Portanto, a ação de avaliar se torna uma questão ética, também, o que a deixa com uma carga – se as-
sim podemos nomear – de responsabilidade que vai além da verificação, ultrapassando o levantamento de
dados para um estudo sistematizado de ações sobre a prática docente em busca de uma qualidade de ensino
condizente com as potencialidades humanas.

Parte
2 Dimensão ética e política da avaliação

Compreendendo a avaliação como uma ação que vai além da verificação, são necessárias algumas aná-
lises sobre suas dimensões. Por ser uma ação educativa, ela é atravessada por dimensões éticas e políticas
que precisam ser explicitadas.
Sendo assim, abordar os conceitos de ética e política se torna importantes para uma boa prática avalia-
tiva que contemple um bom planejamento e que almeje uma boa qualidade de ensino.
Primeiramente cabe ressaltar que as dimensões éticas e políticas se interpenetram e são indissociáveis à
prática educativa, sendo importante compreender a impossibilidade de separá-las. Porém, para alcançar um
nível de compreensão de conceitos, neste texto serão inicialmente apresentados os conceitos separadamente,
para posteriormente se buscar entender o sentido destes no contexto da avaliação.
Segundo Moretto (2007), a moral e a ética podem ser relacionadas com as virtudes da justiça e da ge-
nerosidade, respectivamente. Ainda para o mesmo autor
[...] os conceitos de moral e ética têm, na origem, um elemento comum. Moral, do latim, mos/moris,
significa costumes; e ética, do grego, ethos, também pode significar costumes. Em princípio, fica claro
que ao nos referirmos aos conceitos de moral e de ética estamos falando de algo relacionado aos cos-
tumes e que, por isso, esses dois elementos podem variar segundo as diferentes culturas e as diferentes
histórias dos grupos sociais.” (MORETTO, 2007, p. 1)

Assim, fica claro que se relaciona moral com regras, normas, direitos/deveres, isto é: são os valores
que os seres humanos criam em função da vida harmoniosa em sociedade. Mas o que seria a ética, então?
A ética, segundo o mesmo autor, também procura estabelecer princípios e valores que levam os sujeitos a
experimentar uma vida boa e harmônica em sociedade. O que a diferencia da moral é que ela é influenciada
pelo meio, pela cultura do grupo a que pertence, ou seja: ela tem a ver com o ethos (espaço). Por essa razão,

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ela transcende o conceito da moral; ela questiona as normas estabelecidas pela moral e faz as pessoas refle-
tirem sobre o que estão fazendo.
Nessa via de raciocínio, observa-se que os dois conceitos – moral e ética – estão correlacionados, mas
é importante deixar claro que a ética não pode ser confundida com um conjunto de normas. Ela é, sim, uma
reflexão crítica sobre as normas, sobre a análise dos nossos atos.
A dimensão política tem a ver com relações de poder, de compromisso com um sentido da vida com os
interesses de um determinado grupo social – ou, como afirma Saviani (2008, p. 68),
A dimensão política da educação consiste em que, dirigindo-se aos não antagônicos a educação forta-
lece (ou enfraquece) por referência aos antagônicos e desse modo potencializa (ou despotencializa) a
sua prática política. E a dimensão educativa da política consiste em que, tendo como alvo os antagôni-
cos, a prática política se fortalece ( ou enfraquece) na medida em que, pela sua capacidade de luta, ela
convence os não antagônicos de sua validade ( ou não validade) levando-os a se engajarem (ou não)
na mesma luta.

Para o mesmo autor, as relações entre política e educação têm existência histórica e, por isso, devem ser
entendidas como manifestações da prática social própria da sociedade de classes. O autor afirma, ainda, que
a importância da política na educação reside na sua função de socialização do conhecimento.
Sendo assim, Saviani (2008) também sinaliza para o fato de que só se pode afirmar que a educação
é um ato político, ou seja, que contém uma dimensão política, na medida em que se captam determinadas
práticas como sendo primordialmente educativas e secundariamente políticas.
Compreendendo a responsabilidade da educação enquanto dimensão política, que é de socializar os
conhecimentos, e enquanto dimensão ética, que é de analisar criticamente os valores impostos na sociedade
por determinados grupos e determinadas culturas, torna-se imprescindível entender a avaliação como um
ato político e ético, indissociável à prática educativa. Bem como afirma Dias Sobrinho (2004, p. 706-707):
Além de política, há uma forte dimensão ética na avaliação. Ernest House talvez tenha sido
um dos primeiros autores da área a explicitar com muita clareza esses sentidos: “Há muitas
pessoas interessadas, porque as decisões sobre um programa baseadas na avaliação afetarão a
todos. A avaliação faz parte, de maneira fundamental e inextricável, de uma situação pública:
uma decisão coletiva”.

Quanto à questão ética, referindo-se ao avaliador, House diz: “Sua avaliação não só deve ser veraz e
crível, também deve ser justa” (HOUSE, 1994, p. 19 e 22).
Nessa direção, avaliar é uma ação cautelosa e tem responsabilidade na vida das pessoas que fazem
parte dela – avaliados e avaliadores –, pois toda e qualquer avaliação tem consequências para os seres
humanos; por essa razão se faz necessário analisar a repercussão da avaliação adotada, ou seja, se é justa,
comprometida, crítica e responsável.

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Avaliação e ética
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Desse modo, pensar na finalidade da educação e consequentemente das práticas pedagógicas e da con-
cepção de avaliação adotada se torna inerente à prática docente. Portanto, alguns questionamentos devem
estar presentes, como: a quem se destina a avaliação? Quem está sendo beneficiado ou prejudicado com a
avaliação? A avaliação adotada está colaborando para uma boa educação? A avaliação está contribuindo
para a vida das pessoas envolvidas?
Essas e outras questões devem ser continuamente abordadas no interior das instituições de ensino como
um processo de formação continuada. Deve-se buscar o entendimento, para todos, de que a avaliação não
tem um fim em si mesma, mas é mais um recurso pedagógico para reorganizar o planejamento e a sequência
das aulas.
A avaliação deve ser compreendida como uma ferramenta de trabalho inerente ao planejamento do pro-
fessor, que fornecerá subsídios de análise, proporcionando uma análise crítica de sua prática e de compreen-
são dos conhecimentos trabalhados, bem como oferecendo dados que possam apresentar novos caminhos
a serem trilhados na busca de uma melhor aprendizagem. Pois, como afirma Dias Sobrinho (2004, p. 708):
Na realidade, a avaliação nem sempre é aplicada com função pedagógica, formativa e, portanto, de
emancipação pessoal e social. Muito comumente, ela tem exercido funções de controle, seleção social,
restrições à autonomia. O fenômeno da avaliação tem sentidos muito mais amplos e complexos que
aqueles que as noções escolares mais singelas e o senso comum transmitem de geração a geração.

Infelizmente, ainda em nossas ações avaliativas acabam prevalecendo atitudes de poder, que confun-
dem a prática avaliativa com um ato de autoridade, de submissão, invertendo seu objetivo primordial de
analisar a aprendizagem dos alunos e rever novos encaminhamentos pedagógicos. Ou seja, ainda há institui-
ções docentes que fazem uma verificação de aprendizagem e a utilizam como forma de garantir sua posição
de autoridade em sala de aula, distorcendo o real sentido da avaliação.
Segundo Hoffmann (2012, p. 159)
A avaliação é uma atividade ética e, como tal, nos envolve como seres humanos. Tomamos decisões
em sala de aula a partir do que somos e do que sabemos, porque avaliar revela nossas posturas diante
da vida. Para além de julgar, avaliar é “ver, refletir e agir” em benefício aos educandos-crianças, jovens
e adultos, sempre muito diferentes e que dependem de nossa orientação. (HOFFMANN, 2012, p. 159)

Para a autora, avaliar é um momento muito importante, pois influencia na vida das pessoas. Porém,
mais do que isso, a autora revela um importante aspecto, que deve fundamentar todas as práticas avaliativas,
que são os critérios estabelecidos para cada etapa ou para cada área do currículo.
Estabelecer critérios é uma forma de garantir uma avaliação mais justa, priorizando o aprendizado dos alunos
e evitando certas atitudes inibidoras, que priorizam atitudes comportamentais acima das relativas ao aprendizado.

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As atitudes dos docentes devem estar pautadas na tríade ação-reflexão-ação, ou seja, a avaliação é um
movimento dialético, que circunscreve as práticas educativas, evidenciando a aprendizagem dos alunos e
fornecendo subsídios para um repensar, para um novo planejamento que caminha para uma melhor quali-
dade de ensino.
A avaliação deve se desprender das análises quantitativas (com foco nas notas, nos índices de aprova-
ção e reprovação) e caminhar para uma transformação em favor de uma aprendizagem mais consciente e
fundamentada, que busca uma formação emancipatória. Portanto, precisa compreender que a avaliação se
forma dentro de um contexto, objetivando orientar, preparar e formar o aluno para ele exercer a cidadania.
O ser humano utiliza a avaliação para poder se expor, para se manifestar diante das situações que surgem
ao interagir. Por isso, vale lembrar o que Luckesi (2006) diz a respeito da avaliação: “a avaliação é um
julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão”.
Essa tomada de decisão deve estar pautada na construção coletiva dos critérios, bem como na análise
dos índices de avaliações internas e externas à instituição, que influenciam direta e indiretamente na prática
docente, para que o ato de avaliar reverbere para uma melhor qualidade de ensino.

Parte
3 Compromisso com a educação
e com a aprendizagem
A avaliação deve ser compreendida como parte indissociável do processo educativo, que perpassa por
todos os momentos de apropriação do saber, ou seja, trata-se de uma avaliação mediada pelo processo en-
sino-aprendizagem e, ao mesmo tempo, mediadora deste, o que a impossibilita de ocorrer somente ao final.
Nesse sentido, a avaliação está diretamente ligada à aprendizagem. É responsável pelo processo de
aquisição dos saberes e é comprometida com a educação. Assim, entender de que Educação está se falando
se faz necessário para o bom entendimento de conceitos imprescindíveis à prática educativa. A Educação
será entendida neste texto com base em Paro (1987), que afirma:
A Educação entendida como apropriação do saber historicamente produzido é prática social que con-
siste na própria atualização cultural e histórica do homem. Este, na produção material de sua existência,
na construção de sua história, produz conhecimentos, técnicas, valores, comportamentos, atitudes, tudo
enfim que configura o saber histórico criador de sua humanidade pelo trabalho.

A educação é o princípio básico para o homem viver em harmonia na sociedade, e é também o que
transforma constantemente a sociedade. Porém, vale ressaltar que a educação é entendida como um produto
não material que possibilita ao homem o saber historicamente produzido pelos homens. Assim como afirma
Paulo Freire (2004, p. 31), “Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez
velho e se ‘dispõe’ ao ser ultrapassado por outro amanhã”.

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Avaliação e ética
Aula 1
Os seres humanos se modificam com o tempo e, por meio da educação, com efeito, a escola é um dos
meios fundamentais para essa formação. Nesse sentido, compreende-se que a escola é o espaço onde acontece
a troca de conhecimentos e valores culturais de um povo, de uma comunidade, de uma sociedade; e também é
o lugar de formação de seres humanos que buscam sua essência e partem para a construção de novos saberes.
Entendendo a educação como produção histórica da humanidade e compreendendo a escola como o
espaço destinado para a aquisição desse conhecimento, Saviani (1991, p. 22) aponta a escola como aquela
que “diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e
não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular”. E ainda: “para que a escola possa fun-
cionar não é suficiente a existência do saber sistematizado. É necessário convertê-lo em saber escolar, isto
é, dosá-lo e sequenciá-lo para efeitos do processo de transmissão-assimilação no espaço e tempo escolares.”
(SAVIANI, 1985, p. 28)
Complementando a ideia de Saviani, a educação pode ser entendida também de acordo com Paro
(2007, p. 110):
A Educação consiste, pois, na mediação pela qual se processa a formação integral do homem em sua di-
mensão histórica. Dessa perspectiva, considerar a qualidade do ensino em nossas escolas fundamentais
é, como vimos, levar em conta em que medida se alcança essa formação, tendo presentes as dimensões
individual e social. A dimensão individual refere-se à própria formação da personalidade do educando
pela apropriação da cultura [...] A dimensão social, por sua vez, deriva da condição de pluralidade do
homem como ser histórico [...]

A especificidade da educação está definida por seu objeto (identificação dos elementos culturais necessários
à constituição da humanidade em cada ser humano) e à descoberta das formas adequadas ao atingimento desse
objetivo. Dessa forma, configura-se em trabalho – dado aqui intencional – com um fim a atingir. Um trabalho
voltado à formação, cujo produto não se separa do ato de produção, considerado dessa forma como de segunda
natureza, a cultural, histórica. Bem como afirma Vigotski, a educação é constitutiva da pessoa. É o processo pelo
qual, por meio da mediação social, o indivíduo internaliza a cultura e se constitui em ser humano. Ainda para
Vigotski, o saber está ligado ao fazer e à consciência. O saber é palavra e ação. A aprendizagem acontece na inte-
ração entre o sujeito e o objeto, assim como afirma Leontiev (1978, p. 272):
O indivíduo forma-se, apropriando-se dos resultados da história social e objetivando-se no interior
dessa história, ou seja, sua formação realiza-se por meio da relação entre objetivação e apropriação.
Essa relação se efetiva sempre no interior de relações concretas com outros indivíduos, que atuam
como mediadores entre ele e o mundo humano, o mundo da atividade humana objetivada. A formação
do indivíduo é sempre um processo educativo, podendo este ser direto ou indireto, intencional ou não
intencional, realizado por meio de atividades práticas ou de explanações orais etc. No caso específico
da educação escolar, trata-se de um processo educativo direto e intencional por meio do qual o indiví-
duo é levado a se apropriar das formas mais desenvolvidas do saber objetivo produzido historicamente
pelo gênero humano.

Avaliação da Educacional 17
Aula 1 Avaliação e ética

Para Vigotski, o desenvolvimento e a aprendizagem são processos que caminham de maneira recíproca,
de modo que, quanto maior a aprendizagem, maior o desenvolvimento. Dessa forma, o papel da linguagem
no desenvolvimento e a relação entre linguagem e pensamento são processos interdependentes, desde o
início da vida.
Entende-se que a aprendizagem se dá em um processo de inter-relações com o objeto, com o meio e
com as relações com outros indivíduos de forma dinâmica em que o próprio homem é o agente transforma-
dor e sujeito da ação, ativo e responsável pela ação que exerce.
Numa concepção mediadora de avaliação, segundo Hoffmann, a subjetividade é um elemento que
trabalha positivamente. É pela correção que as questões se caracterizam em objetivas ou subjetivas, sendo
subjetivas quando sugerem uma resposta pessoal do aluno e objetivas quando ao aluno se torna possível uma
única resposta diante de alternativas de múltipla escolha.
Investigar as tarefas avaliativas exige a interpretação das respostas dos alunos em termos de natureza
dos erros cometidos para o planejamento de intervenções coerentes.
A intervenção do professor deve ser desafiadora, realizando novas tarefas no sentido de confrontar o
aluno com outras respostas diferentes e contraditórias, para levá-lo a defender o seu ponto de vista.
Conforme Hoffmann coloca, o tipo de avaliação mediadora é a que exige a observação individual de
cada aluno, exigindo do professor uma relação direta com o aluno a partir de tarefas que devem ser interpre-
tadas, refletidas e investigadas as razões para soluções apresentadas.
Dessa forma, a avaliação educacional, em geral, e a avaliação da aprendizagem escolar, em particular, são
meios e não fins em si mesmos, estando assim delimitados pela teoria e pela prática que os circunstanciam. Sendo
assim, a avaliação não se dá nem se dará num vazio educacional, mas sim dimensionada por um modelo teórico
de mundo e de educação traduzido em prática pedagógica construída e pensada coletivamente.

Extra
O que é mesmo o ato de avaliar a aprendizagem?
Cipriano Carlos Luckesi

A avaliação da aprendizagem escolar se faz presente na vida de todos nós que, de alguma forma, esta-
mos comprometidos com atos e práticas educativas. Pais, educadores, educandos, gestores das atividades
educativas públicas e particulares, administradores da educação, todos, estamos comprometidos com esse
fenômeno que cada vez mais ocupa espaço em nossas preocupações educativas.

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Avaliação e ética
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O que desejamos é uma melhor qualidade de vida. No caso deste texto, compreendo e exponho a
avaliação da aprendizagem como um recurso pedagógico útil e necessário para auxiliar cada educador e
cada educando na busca e na construção de si mesmo e do seu melhor modo de ser na vida. A avaliação
da aprendizagem não é e não pode continuar sendo a tirana da prática educativa, que ameaça e submete a
todos. Chega de confundir avaliação da aprendizagem com exames. A avaliação da aprendizagem, por ser
avaliação, é amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva, diversa dos exames, que não são amorosos, são
excludentes, não são construtivos, mas classificatórios. A avaliação inclui, traz para dentro; os exames sele-
cionam, excluem, marginalizam.
No que se segue, apresento aos leitores alguns entendimentos básicos para compreender e praticar a
avaliação da aprendizagem como avaliação e não, equivocadamente, como exames.

Antes de mais nada, uma disposição psicológica necessária ao


avaliador
O ato de avaliar, devido a estar a serviço da obtenção do melhor resultado possível, antes de mais nada,
implica a disposição de acolher. Isso significa a possibilidade de tomar uma situação da forma como se
apresenta, seja ela satisfatória ou insatisfatória agradável ou desagradável, bonita ou feia. Ela é assim, nada
mais. Acolhê-la como está é o ponto de partida para se fazer qualquer coisa que possa ser feita com ela.
Avaliar um educando implica, antes de mais nada, acolhê-lo no seu ser e no seu modo de ser, como está,
para, a partir daí, decidir o que fazer.
A disposição de acolher está no sujeito do avaliador, e não no objeto da avaliação. O avaliador é o
adulto da relação de avaliação, por isso ele deve possuir a disposição de acolher. Ele é o detentor dessa dis-
posição. E, sem ela, não há avaliação. Não é possível avaliar um objeto, uma pessoa ou uma ação, caso ela
seja recusada ou excluída, desde o início, ou mesmo julgada previamente. Que mais se pode fazer com um
objeto, ação ou pessoa que foram recusados, desde o primeiro momento? Nada, com certeza!
Imaginemos um médico que não tenha a disposição para acolher o seu cliente, no estado em que está;
um empresário que não tenha a disposição para acolher a sua empresa na situação em que está; um pai ou
uma mãe que não tenha a disposição para acolher um filho ou uma filha em alguma situação embaraçosa
em que se encontra. Ou imaginemos cada um de nós, sem disposição para nos acolhermos a nós mesmos
no estado em que estamos. As doenças, muitas vezes, não podem mais sofrer qualquer intervenção curativa
adequada devido ao fato de que a pessoa, por vergonha, por medo social ou por qualquer outra razão, não
pode acolher o seu próprio estado pessoal, protelando o momento de procurar ajuda, chegando ao extremo
de ‘já não ter muito mais o que fazer!’.

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A disposição para acolher é, pois, o ponto de partida para qualquer prática de avaliação. É um estado
psicológico oposto ao estado de exclusão, que tem na sua base o julgamento prévio. O julgamento prévio
está sempre na defesa ou no ataque, nunca no acolhimento. A disposição para julgar previamente não serve
a uma prática de avaliação, porque exclui.
Para ter essa disposição para acolher, importa estar atento a ela. Não nascemos naturalmente com ela,
mas sim a construímos, a desenvolvemos, estando atentos ao modo como recebemos as coisas. Se antes de
ouvirmos ou vermos alguma coisa já estamos julgando, positiva ou negativamente, com certeza, não somos
capazes de acolher. A avaliação só nos propiciará condições para a obtenção de uma melhor qualidade de
vida se estiver assentada sobre a disposição para acolher, pois é a partir daí que podemos construir qualquer
coisa que seja.

Por uma compreensão do ato de avaliar


Assentado no ponto de partida acima estabelecido, o ato de avaliar implica dois processos articulados
e indissociáveis: diagnosticar e decidir. Não é possível uma decisão sem um diagnóstico, e um diagnóstico,
sem uma decisão é um processo abortado.
Em primeiro lugar, vem o processo de diagnosticar, que constitui-se de uma constatação e de uma
qualificação do objeto da avaliação. Antes de mais nada, portanto, é preciso constatar o estado de alguma
coisa (um objeto, um espaço, um projeto, uma ação, a aprendizagem, uma pessoa...), tendo por base suas
propriedades específicas. Por exemplo, constato a existência de uma cadeira e seu estado, a partir de suas
propriedades ‘físicas’ (suas características): ela é de madeira, com quatro pernas, tem o assento estofado, de
cor verde... A constatação sustenta a configuração do ‘objeto’,tendo por base suas propriedades, como estão
no momento. O ato de avaliar, como todo e qualquer ato de conhecer, inicia-se pela constatação, que nos dá
a garantia de que o objeto é como é. Não há possibilidade de avaliação sem a constatação.
A constatação oferece a ‘base material’ para a segunda parte do ato de diagnosticar, que é qualificar,
ou seja, atribuir uma qualidade, positiva ou negativa, ao objeto que está sendo avaliado. No exemplo acima,
qualifico a cadeira como satisfatória ou insatisfatória, tendo por base as suas propriedades atuais. Só a partir
da constatação, é que qualificamos o objeto de avaliação. A partir dos dados constatados é que atribuímos-
-lhe uma qualidade.
Entretanto, essa qualificação não se dá no vazio. Ela é estabelecida a partir de um determinado padrão,
de um determinado critério de qualidade que temos, ou que estabelecemos, para este objeto. No caso da
cadeira, ela está sendo qualificada de satisfatória ou insatisfatória em função do quê? Ela, no caso, será
satisfatória ou insatisfatória em função da finalidade à qual vai servir. Ou seja, o objeto da avaliação está
envolvido em uma tessitura cultural (teórica), compreensiva, que o envolve. Mantendo o exemplo acima, a

20 Avaliação da Educacional
Avaliação e ética
Aula 1
depender das circunstâncias onde esteja a cadeira, com suas propriedades específicas, ela será qualificada
de positiva ou de negativa. Assim sendo, uma mesma cadeira poderá ser qualificada como satisfatória para
um determinado ambiente, mas insatisfatória para um outro ambiente, possuindo as mesmas propriedades
específicas. Desde que diagnosticado um objeto de avaliação, ou seja, configurado e qualificado, há algo,
obrigatoriamente, a ser feito, uma tomada de decisão sobre ele. O ato de qualificar, por si, implica uma
tomada de posição – positiva ou negativa –, que, por sua vez, conduz a uma tomada de decisão. Caso um
objeto seja qualificado como satisfatório, o que fazer com ele? Caso seja qualificado como insatisfatório, o
que fazer com ele? O ato de avaliar não é um ato neutro que se encerra na constatação. Ele é um ato dinâ-
mico, que implica na decisão de ‘o que fazer’. Sem este ato de decidir, o ato de avaliar não se completa. Ele
não se realiza. Chegar ao diagnóstico é uma parte do ato de avaliar. A situação de ‘diagnosticar sem tomar
uma decisão’ assemelha-se à situação do náufrago que, após o naufrágio, nada com todas as suas forças
para salvar-se e, chegando às margens, morre, antes de usufruir do seu esforço. Diagnóstico sem tomada de
decisão é um curso de ação avaliativa que não se completou.
Como a qualificação, a tomada de decisão também não se faz num vazio teórico. Toma-se decisão em
função de um objetivo que se tem a alcançar. Um médico toma decisões a respeito da saúde de seu cliente
em função de melhorar sua qualidade de vida; um empresário toma decisões a respeito de sua empresa em
função de melhorar seu desempenho; um cozinheiro toma decisões a respeito do alimento que prepara em
função de dar-lhe o melhor sabor possível, e assim por diante.
Em síntese, avaliar é um ato pelo qual, através de uma disposição acolhedora, qualificamos alguma
coisa (um objeto, ação ou pessoa), tendo em vista, de alguma forma, tomar uma decisão sobre ela.
Quando atuamos junto a pessoas, a qualificação e a decisão necessitam ser dialogadas. O ato de avaliar
não é um ato impositivo, mas sim um ato dialógico, amoroso e construtivo. Desse modo, a avaliação é uma
auxiliar de uma vida melhor, mais rica e mais plena, em qualquer de seus setores, desde que constata, quali-
fica e orienta possibilidades novas e, certamente, mais adequadas, porque assentadas nos dados do presente.
(Disponível em: <www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2511.pdf>. Acesso em: 29 fev. 2016.)

Atividades
1. Aponte alguns aspectos relativos às dimensões éticas e políticas que você considerou rele-
vantes para o processo educativo.

2. Descreva situações em que você presenciou, durante sua vida profissional ou acadêmica, a
ausência de critérios específicos no processo avaliativo.

3. Conceitue, com base no texto de Luckesi, o que é avaliação da aprendizagem.

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