A avaliação do desempenho docente. Contributos para uma análise
crítica. Gonçalo Augusto Gomes Simões
Lisboa: Texto Editora, 2000, p. 9-11.
1. Clarificações Conceptuais
O Conceito de Avaliação
A natureza polissêmica do conceito de avaliação apresenta-se como um facto
sobejamente constatado e reconhecido. Importa, contudo, clarificar o sentido em que o entendemos, no contexto dessa temática. Guba e Lincoln (1989), ao procederem à sistematização das definições subjacentes aos diferentes entendimentos relacionados com a evolução do conceito de avaliação, concluíram pela existência de quatro gerações de avaliação. A primeira geração, verificada desde o início do século, aparece associada à medida dos resultados escolares dos alunos, sendo uma avaliação orientada para a medição. A segunda geração, situada entre os anos trinta e o final dos anos cinquenta, visa determinar em que medida é que os objetivos da educação são passíveis de ser alcançados pelo programa de estudos e, deste modo, verificar a congruência entre o desempenho dos aprendentes e os objectivos de um programa. É uma avaliação orientada para a descrição. A inclusão da noção de julgamento no acto da avaliação marca o aparecimento da terceira geração, que decorre desde o início dos anos sessenta. É uma avaliação orientada para a formulação de juízos de valor: avaliar é apreciar o mérito ou o valor de alguma coisa (Scriven, 1967). Finalmente, os referidos autores afirmam a emergência de uma nova perspectiva, marcadamente vincada pelo paradigma construtivista, que denominam de quarta geração. Esta avaliação é considerada uma construção da realidade, uma atribuição de sentido às situações, sendo influenciada por elementos contextuais diversos e pelos valores dos vários intervenientes no processo. O avaliador – que é um sujeito da avaliação, e não o sujeito – não mede, descreve ou ajuíza, mas organiza o processo de negociação e estimula os actores. Por sua vez os avaliados são co-autores da sua própria avaliação, participando activamente no desenho, implementação, interpretação e nas decisões. A palavra chave desta geração é a negociação.
As gerações descritas contêm posicionamentos distintos do ponto de vista
ontológico, epistemológico e metodológico. Assim, enquanto que as três primeiras gerações se enquadram dentro de um paradigma positivista (a existência de uma realidade em si, independente do avaliador, sobre a qual este se pode pronunciar medindo, descrevendo ou julgando) a quarta geração identifica-se com uma postura construtivista/ naturalista (o objecto avaliado deixa de ser visto como a realidade, a relação avaliador/avaliado deixa de ser a de sujeito/objecto, a objectividade e imparcialidade não são imanentes aos resultados da avaliação).
Por sua vez Nevo (1990), partindo da revisão da literatura, constata a
diversidade de definições de avaliação, sistematizando-as em três grupos. O primeiro relaciona-se com definições de avaliação baseadas em objectivos e, 2
deste modo, a avaliação é o processo de determinação da consecução de
determinados objectivos. O segundo grupo é caracterizado por definições descritivas e não judicativas: avaliar é recolher e examinar informação. A avaliação do mérito ou do valor e a natureza judicativa da avaliação é a característica do terceiro grupo de definições. Este autor considera ainda, que é possível encontrar definições de avaliação que combinam a natureza descritiva com a judicativa.
Assim, enquanto que alguns autores confinam a avaliação exclusivamente à
descrição ou ao julgamento, outros defendem a sua natureza descritiva e judicativa. Para uns a dimensão de julgamento desempenha um papel essencial em qualquer acto de avaliação (Scriven, 1967; Guba & Lincoln, 1985; Joint Committee, 1981); para outros, o importante é descrever e não julgar (Cronbach, 1963, 1980); para outros é essencial descrever e julgar (Stake, 1967). Os defensores da perspectiva de avaliação como descrição associam-na à avaliação formativa, recusando-se a conceber a avaliação como julgamento, pelo facto de entenderem qualquer tipo de julgamento como o ponto de chegada da avaliação.
A noção de avaliação que caracteriza a terceira geração, seria retomada pelo
Joint Committee on Standards for Educational Evaluation (1981:152), definindo-a como a “investigação sistemática do valor ou do mérito de um objecto, um progama, um projecto ou um material didático”. Mais recentemente, a Joint Committee (1988) viria a conceber a avaliação dos professores como “a avaliação sistemática do desempenho do professor e/ou das qualificações relacionadas com a precisa função profissional do professor e a missão da área escolar” (1988:23).
Baseado nestes contributos, Nevo (1995) incorpora na sua definição a descrição
e o julgamento, feitos a partir não só de competências e desempenhos, mas também da eficácia. Assim, a avaliação de professores é “o processo de descrever e julgar o mérito e o valor dos professores, tendo por base o seu conhecimento, competências, comportamento e os resultados do seu ensino” (1995:135).
As perspectivas diferenciadas relativamente à noção de avaliação entroncam em
duas questões que lhe estão associadas: as funções e os fins da avaliação. Avalia-se para julgar ou para melhorar? Avalia-se para se conhecer ou para se tomar uma decisão? A indistinção entre as funções e fins proporciona confusões óbvias. Scriven (1967) foi o primeiro a evidenciar esta situação. Para este autor, o fim da avaliação é julgar o mérito ou o valor de uma coisa, enquanto que o melhoramento do objeto avaliado (seja uma pessoa, um programa, um processo, etc.) não é senão uma das possíveis funções da avaliação, conhecida por função formativa, em oposição à função sumativa: classificar, seleccionar ou certificar. Deste modo, não é possível dissociar a noção de avaliação das suas funções. Stufflebeam (1972) distinguiu duas grandes funções: a avaliação proactiva, utilizada para a tomada de decisões, e a avaliação retroactiva, destinada à prestação de contas (accountability). Por sua vez, Nevo (1990), partindo da distinção operada por Scriven (1967) entre avaliação formativa e sumativa, considera que a avaliação pode servir quatro funções. Enquanto que a avaliação formativa é utilizada para melhorar e 3
desenvolver (uma pessoa, um produto ou um programa), a avaliação sumativa
tem como função a prestação de contas, a certificação ou a seleção. A terceira função, que denomina de psicológica ou sociopolítica, é usada para aumentar o conhecimento, motivar comportamentos desejados ou promover relações públicas. Finalmente, a avaliação pode ainda cumprir uma função administrativa, quando é usada para o exercício da autoridade. Apesar destas distinções, são evidentes as aproximações entre as funções psicológica e formativa, sucedendo o mesmo com a administrativa e a sumativa. Se se assiste, como afirmamos, à emergência de uma concepção de avaliação caracterizada pela negociação ou pelo diálogo (Nevo, 1995), não é esta, todavia, a concepção dominante, visto que sobressai o conceito de avaliação como a “classificação sistemática do mérito e/o do valor de alguma coisa” (Nevo, 1995; Scriven, 1990; 1995; Stufflebeam, 1995c). A distinção entre mérito e valor relaciona-se com as qualidades intrínsecas (mérito) ou extrínsecas (valor) de alguma coisa (Guba & Lincoln, 1995, 1989, Scriven, 1990; 1995; Stufflebeam, 1994, 1995b). o mérito é o valor intrínseco, implícito e inerente, independentemente de qualquer aplicação possível. Por outro lado, o valor relaciona-se com alguma utilidade num contexto prático, tratando-se de um valor extrínseco ou contextualizado. O mérito pode ser determinado de dois modos: pela determinação do grau de conformidade com determinado padrões estabelecidos (avaliação do mérito absoluto), ou pela comparação entre avaliados (avaliação do mérito relativo/comparativo). Por sua vez o valor é determinado através da comparação do impacto ou do resultado da avaliação do avaliado em relação a requisitos externos, relacionando-se com necessidades sociais e institucionais. Refere-se assim, ao valor adicional de alguém, baseado em outras qualidades para além daquelas que são consideradas nos padrões usados para avaliar o mérito. Os conceitos de mérito e valor podem apresentar diferentes variações de grau em função das circunstâncias. Esta variação é menos evidente no caso do mérito, que permanece mais ou menos constante devido à relativa estabilidade das características intrínsecas e mais visível e dramática no caso do valor devido à interacção das pessoas com o contexto. Daí que o contexto local não possa ser ignorado quando se avalia o valor. Guba & Lincoln (1985, 1989) alertan para o facto de o mérito e o valor poderem ser tratados como sinônimos, como independentes ou ainda para o facto de o valor ser tratado como dependente de alguns níveis mínimos do mérito. Se a existência de mérito não implica a de valor, podendo, por isso, ser possível haver mérito sem valor, a noção de valor tem que ter implícito algum mérito.