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Uma rede passa pelo currículo...

https://doi.org/10.18593/r.v46i0.23821

Uma rede passa pelo currículo: difração e modos


de existência na política curricular

A network passes through curriculum: diffraction and modes of


existence in curriculum policy

Una red pasa por el currículo: difracción y modos de existencia en la


política curricular

Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar


Thiago Ranniery1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Educação na Linha
Currículo, Ensino e Diferença, Professor.

professores e e produzir currículo nas escolas


https://orcid.org/0000-0003-4399-2663

Ricardo Scofano Medeiros2


Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutorando.
https://orcid.org/0000-0002-9015-9853

Resumo: Este artigo emerge das intenções mais gerais de um projeto de pesquisa-intervenção
realizado em parceria com a rede pública municipal de Niterói no mesmo momento em que o
município experimenta responder as demandas legais da BNCC. A partir de rodas de conversas
com professores de um curso de extensão com a finalidade de contribuir com a construção
do referencial curricular da cidade, buscamos configurar uma reflexão teórica sobre política de
currículo, modos de existência e difração. Situados como herdeiros da tradição que criticou a
distinção entre implementação e formulação, desenvolvemos o argumento de que, ao invés de
um currículo passar por uma rede, uma rede invariavelmente passa pelo currículo. Isto é, uma
dinâmica topológica contínua ganha vida, envolvendo a variação espaço-temporal. Ancorados em
estudos feministas e queers da ciência e da tecnologia e por intersecções da filosofia de Gilles
Deleuze, indicamos que um diferimento constitutivo da política exibe uma difração do tempo e do
espaço e, no mesmo passo, constitui emaranhados ontológicos nos quais modos de existência
tornam-se possíveis, envolvendo subjetividade e alteridade. Defendemos, portanto, a urgência de
estranhar a teleologia do discurso educacional que, ao planificar o espaço e quantificar o tempo,
converte essa inalienável difração da política em expurgo da diferença. Longe da redenção, trata-

Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas
1

Gerais.
2
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro.

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Thiago Ranniery, Ricardo Scofano Medeiros

se de reativar a importância vital da política curricular como participante ativa do devir do mundo
sem o qual não haverá democracia possível.
Palavras-chave: Política Curricular. Difração. Relacionalidade Ontológica. Rede. Espaço-tempo.

Abstract: This article emerges from the broader intentions of a research-intervention project
carried out in partnership with the municipal public network of Niterói at the same time that the
city tries to respond to BNCC legal demands. From rounds of conversations with teachers in an
extension course in order to contribute to the construction of the city’s curriculum framework,
we seek to configure a theoretical reflection on curriculum policy, modes of existence and
diffraction. Situated as heirs of the tradition that criticized the distinction between implementation
and formulation, we have developed the argument that instead of a curriculum going through
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a network, a network invariably goes through the curriculum. That is, a continuous topological
dynamic comes alive, involving spatiotemporal variation. Anchored in feminist and queer studies
of science and technology and by intersections of Gilles Deleuze’s philosophy, we point out how
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a constitutive differentiation of politics exhibits a diffraction of time and space and, at the same
step, constitutes ontological entanglements in which modes of existence render possible, involving
subjectivity and otherness. We therefore defend the urgency of problematizing the teleology of
educational discourse, which, by planning space and quantifying time, converts this inalienable
diffraction of politics into a purge of difference. Far from redemption, it is about reactivating the
vital importance of curriculum policy as an active participant in the becoming of the world without
which there will be no possible democracy.
Keywords: Curriculum Policy. Diffraction. Ontological Relationality. Network. Spacetime.

Resumen: El artículo emerge de las intenciones más generales de un proyecto de intervención-


investigación en asociación con la red pública municipal de Niterói al mismo tiempo que la ciudad
responde a las demandas legales de la BNCC. Desde rondas de conversaciones con los maestros
de un curso de extensión con la finalidad de hacer contribuciones a la construcción del marco
curricular de la municipalidad, intentamos dibujar una reflexión teórica sobre la política curricular,
los modos de existencia y la difracción. Ubicados como herederos de la tradición que criticaba
la diferencia entre implementación y formulación, desarrollamos el argumento de que, en lugar
de un currículo pasar por una red, una red pasa invariablemente por el currículo. Es decir, una
dinámica topológica continua gana vida, implicando la variación espacio-temporal. Haciendo uso de
estudios feministas y queers, de la ciencia y la tecnología y de intersecciones de la filosofía de Gilles
Deleuze, señalamos que un aplazamiento constitutivo de la política exhibe una difracción de tiempo
y espacio y, al mismo paso, constituye enredos ontológicos tornando modos de existencia posibles,
involucrando, por supuesto, subjetivad y alteridad. Defendemos, así, la urgencia de cuestionar la
teleología del discurso educativo que, al planificar el espacio y cuantificar el tiempo, convierte esta
difracción inalienable de la política en exclusión de la diferencia. Lejos de la redención, tratamos de

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reactivar la importancia vital de la política curricular como participante activo en el futuro del mundo
sin el cual no habrá democracia posible.
Palabras clave: Política Curricular. Difracción. Relacionalidad Ontológica. Red. Espacio-tiempo.

Recebido em 21 de fevereiro de 2020


Aceito em 17 de julho 2020
Publicado em 24 de setembro de 2020

1 IMPLEMENTAR, REFORMULAR, EMARANHAR

Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar


De agora em diante, não há um orador nem mediador únicos. Não há um
mestre sem contramestre. Não há univocidade. Cada um pode exprimir-se
na sua própria língua e os destinatários dessas palavras podem recebê-

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las na sua. Depois de desatados os nós, restará apenas uma imensa linha.
(MBEMBE, 2014, p. 20).

Comecemos pelo que mais ou menos sabemos: a Base Nacional Comum Curricular
ganhou, em 2017, força de lei. De lá para cá, secretarias municipais de educação estão tendo
que responder à interpelação de “adequarem”, “implantar” ou “implementar” – para usar,
não sem algum desconforto de nossa parte, verbos presentes no texto da resolução do
Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2017)3 – os currículos àquilo previsto pelo documento
que lhes foi endereçado. Esse clima pairava no ar quando nossa pesquisa-intervenção4 em
três municípios de regiões diferentes do país – Niterói/RJ, Cachoeira/BA e Rondonópolis/
MT – começou. De certa maneira, o projeto mais amplo que subsidia este artigo partiu de
uma problematização das fantasias associativas entre qualidade da educação e projetos de
currículo nacional (MACEDO, 2016b).5
Nessa direção, seria preciso frisar que nossa entrada junto à Rede Municipal
de Educação de Niterói, campo de interlocução que focalizaremos neste texto, foi marcada
pelo anúncio constante de que a “reformulação curricular” em andamento – termo, desta
vez, usado por nossas parceiras de pesquisa – não era uma resposta direta à BNCC nem
sua tributária. Sua emergência florescia das demandas de professores/as, gestores/as
e da própria secretaria quanto à necessidade de rever o referencial curricular da rede

3
O site da BNCC apresenta uma seção específica intitulada Implementação com biblioteca de apoio, currículo de outros países
e espaço para compartilhamento de práticas. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao.
4
Sobre o uso da noção de intervenção, ver Miller e Macedo (2018).
5
O projeto contou com financiamento do CNPq por meio do edital de Pesquisa e Inovação em Ciências Humanas, Sociais e
Aplicadas. Além disso, a tese de doutorado de Ricardo Scofano Medeiros é financiada com bolsa da CAPES.

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com notável inspiração no multiculturalismo (NITERÓI, 2011). É nessa paisagem específica, no


atravessamento desses movimentos, que este artigo caminha. Passemos, assim, ao que
desejamos: explorar os desafios de uma agenda de pesquisa sobre política de currículo
ancorada em estudos feministas e queers da ciência e da tecnologia, complicada, igualmente,
por intersecções da filosofia de Gilles Deleuze.6 Agenda desenvolvida, neste artigo, a partir
do curso de extensão sobre produção curricular no qual estivemos envolvidos de maio a
dezembro de 2019 em Niterói.
O curso figurou como a primeira parte da parceria da pesquisa com a rede de
educação básica do município e envolveu duas turmas com trinta vagas cada uma: uma
com professoras7 da Educação Infantil e outra com docentes das duas etapas do Ensino
Fundamental. As temáticas das rodas de conversa, que aconteceram uma vez por mês para
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cada turma, foram respectivamente as seguintes: políticas de avaliação, políticas de currículo,


teorias de currículo, cultura e diferença e integração curricular. Os temas foram selecionados
a partir de uma conversa inicial com a equipe gestora da rede e de um primeiro encontro
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nomeado de Diagnóstico. Os dois últimos encontros foram reservados para a elaboração


de uma proposta curricular para a Secretaria Municipal de Educação disparada a partir dos
relatos das professoras contados nos encontros anteriores. Implicadas no processo, além
das professoras de Niterói, professores/as e doutorandos/as de uma universidade federal
e outra estadual também se revezaram para movimentar cada roda de conversa a partir de
textos elaborados para tanto e enviados previamente.
Nós gostaríamos, entretanto, de driblar, com alguma licença, certo tom de relato de
experiência sobre o curso, evitando, com isso, reviver “um sujeito depositário do humanismo,
conhecedor e conhecível, no controle de suas intervenções no mundo.” (MILLER; MACEDO,
2018, p. 951). Por efeito, não desejávamos usar nossa formação em currículo para auxiliar
aquele grupo de professoras a descobrir ou elucidar algo sobre elas mesmas, e muito menos
pretendíamos mediar, do alto de nossa expertise, o alcance de algum objetivo político maior.
Ao menos para nós, o curso estava mais para criar um espaço de co-labor, no trocadilho
proposto por De La Cadena (2015), de trabalhar juntos, sem o sonho do holismo, em um
envolvimento múltiplo e diferencial, sem que, dessa maneira, precisássemos emular que todos
nós teríamos os mesmos propósitos ou pressupostos, defenderíamos as mesmas opiniões
para os problemas colocados ou trabalharíamos envolvidos do mesmo modo, ainda que
sentíssemos entre nós alguma afinidade política – e elas foram muitas!

6
Embora este texto tenha sido escrito em parceria entre orientando e orientador, ambos operam com diferentes tradições
teóricas para pensar a relação entre política de currículo, subjetividade e diferença. Nós optamos, assim, por não subsumir
as diferentes ferramentas que usamos umas às outras, mas escolhemos manter intercessores conceituais de correntes
distintas, ecoando uns nos outros.
7
Em virtude de as turmas terem sido majoritariamente compostas por mulheres, nós optamos por escrever professoras.

4 Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro


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Assim, nossa entrada se dá por meio de uma justaposição preliminar – e marcamos


o caráter tentativo das formulações aqui apresentadas – de elementos disparadores do
curso com um conjunto de questões mais amplas em torno de argumentar a favor de
uma política de currículo situada, ecoando, simultaneamente, as “diferenças que tornaram
possível uma conexão entre nós” (DE LA CADENA, 2015, p. 16). Para tanto, nós nos aproximamos
daquilo que Jackson e Mazzei (2013, p. 269) nomearam, em um termo de tradução difícil, de
plugging in, “para intervir em um processo a fim difratar o significado, ao invés de forcluí-lo.”
Movimento através do qual, um de nós já sugeriu (RANNIERY, 2018), remetemo-nos a uma
espécie experimentação teórica com o próprio pensamento curricular.
Como ficará explícito, nossa experimentação segue particularmente insuflada pelo
conceito de difração. Utilizada por Haraway (1997, p. 273), difração é uma “metáfora para outro

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tipo de consciência crítica no final de um milênio cristão bastante doloroso, comprometida
em produzir diferença.” Ao recorrer à difração, Haraway (1999) evoca um efeito ótico que,
diferente da reflexão ou da refração — nas quais mudanças na direção da luz geram imagens

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deslocadas em que se reconhecem variações de um padrão inicial —, quebra a luz em
variadas direções, criando padrões de interferência. Em suas palavras, “um modelo difrativo
não indica onde aparecem as diferenças, mas onde aparecem os efeitos da diferença.”
(HARAWAY, 1999, p. 126).
Nessa perspectiva, e apoiada em Barad (2010, p. 254), apoiada em Haraway (1999),
mobiliza a difração para fazer algo mais do que uma metáfora em torno de repensar a filosofia
ocidental moderna, intentando, por sua vez, abrir ontologicamente “o binário de escolhas
obsoletas entre determinismo e livre arbítrio, passado e futuro.” Em ressonância, sugere
que a difração “não é meramente sobre diferenças, e certamente não é sobre a diferença
em sentido absoluto, mas sobre a natureza emaranhada das diferenças que importam [...]
A difração é uma prática material para fazer a diferença, para reconfigurar topologicamente
conexões.” (BARAD, 2007, p. 381). Na leitura que faremos, a difração tem vigorosos efeitos
políticos8 pois “podemos entender padrões de difração – como padrões de difração que fazem
diferença – como constituintes fundamentais que compõem o mundo.” (BARAD, 2007, p. 72).
Sendo assim, a difração carrega a diferenciação ontológica aberta e relacional
para o coração da política, “uma prática material de engajamento como parte do mundo em
seu devir diferencial.” (BARAD, 2007, p. 83). Um mundo do qual não se pode dissipar de uma vez
por todas a normatividade e é – sem dela se descuidar –, ao mesmo tempo, repleto de “uma
plenitude de possibilidades, uma cacofonia de convers(a)ções.” (KIRBY, 2011, p. 88). Com essa

Não estamos desconsiderando as implicações éticas da difração, como várias autoras destacam – ver, a título de exemplo,
8

De La Becassa (2017) –, incluindo a própria Barad (2008). Contudo, nós nos assentamos sobre a ideia de não restringir a
difração a este terreno e, deste modo, esperamos não fundir ética e política. Entretanto, a insistência na relacionalidade
ontológica coloca efeitos mútuos entre ambos os terrenos.

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inspiração, desejamos distender a herança, na qual fomos formados, de que a produção da


política curricular desde a escola não poderia mesmo ser relegada a um produto de segunda
ordem que vem após os fatos – a promulgação legal da BNCC, por exemplo – e que, embora
respeitável, é, por vezes, soterrada pela tradição explicativa que toma a política curricular
como emanada do e pelo Estado (LOPES; MACEDO, 2011). Todavia, a questão, para nós, deixa de
ser menos como políticas são colocadas em ação nas escolas, ao estilo do que, certa vez,
sugeriu Ball, Maguire e Braun (2016). Isso porque, ao aceitar, tal como sugerem os autores,
que a multiplicidade já está presente nas políticas educacionais, indicamos que a diferença é
condição da política curricular acontecer.
Em termos difrativos, a produção de uma política é “o processo e o resultado
de um processo ao mesmo tempo.” (SEHGAL, 2014, p. 189). O problema com a diferença na
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política de currículo não é, então, uma questão de conhecimento ou de representação, mas


de envolvimento com e para o mundo. Seus efeitos indicam que a política não somente se
dá por relações de similaridade, nas quais a diferença pesaria como que separada, derivada
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de uma exclusão, mas também conectam e articulam “modos complexos e antagônicos de


viver juntos.” (BUTLER, 2017b, p. 14). Longe, pois, do consenso, argumentamos que a política
curricular arrasta modos de existência em redes de perspectivas e, por isso, exige estranhar
a teleologia do discurso educacional que planifica o espaço e quantifica o tempo. Procuramos,
deste modo, fazer funcionar a proposição que dá título a este texto: muito antes de um
currículo passar por uma rede, uma rede passa pelo currículo. Isto é, há redes dentro de
uma rede: um emaranhado ontológico.
Logo, sustentamos que uma leitura topológica e multidimensional da política curricular
(MACEDO, 2016a), de uma paisagem que não se encerra em si, variante e variável espacial e
temporalmente, necessitaria ser conectada a constituição de emaranhados ontológicos através
dos quais subjetividade e alteridade se envolvem. Quando falamos em produção da política de
currículo, “um campo intersticial, [...] o espaço-tempo de suspensão intervalar que liga e separa
vidas para que possam existir” (RANNIERY, 2017a, p. 57), e insistimos no recurso à difração, é por
defender que não há, como epígrafe de Mbembe (2014), univocidade. E, como corolário, de que a
difração, ao ausentar a univocidade da política, mostra os efeitos das relações que nos envolvem,
não apenas em termos de condicionamentos, mas também de invenção de alternativas – ou, de
criação de possíveis no currículo, na convocação de Paraíso (2019).
Não extirpar “o poder formativo da política enquanto dimensão primordial do
encaminhamento das expectativas humanas” (GRANDIN, 2011, p. 17) implica considerar como esses
emaranhados ontológicos transformam a política curricular em termos de compromissos com
a vida. Se o destino ético da vida é perseverar (ROLNIK, 2018), quem sabe, esse deslocamento
difrativo do tempo e do espaço que extraímos das conversas durante o curso nos ajude a
perceber a diferença, mesmo que mínima, entre “viver nas ruínas no neoliberalismo” (BROWN,

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2019) e apenas nelas sobreviver. Desse modo, nós esperamos ainda manter abertas as
fronteiras não somente entre o que supostamente conta como currículo na hora de se
fazer política, mas também o que conta como política na hora de se fazer currículo.9 Algo
que exige uma atenção ao imponderável, como convida Macedo (2017b), e que preferimos
chamar de atenção ao inominável, àquilo que nem nós, nem as professoras com as quais nos
relacionamos tinham nome para descrever – e nem se pretendia ter –, mas que nem por isso
desobriga de, ou, talvez em virtude disso, adensa um intenso e cuidadoso trabalho político.

2 PROFESSORA, ANTES DE DESMANCHAR A BRINCADEIRA,


PODE TIRAR UMA FOTO?

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Eu não vi... O que é que ela não vê? Que ‘alguma coisa’ é essa [...] [não

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vista]? Podemos dizer que é a disposição cuidadosa dos objetos que mostra
a presença de um ponto de vista preciso da criança. Podemos dizer que
é a ‘alma’ da criança - inteiramente transportada para a disposição dos
objetos. Nos dois casos, teremos razão; ela vê os objetos, pois mexe neles
e os arruma, o que ela não vê é o modo de existência deles sob o ponto
de vista da criança, a arquitetura esboçada diante de seus olhos [...] No
cosmos das coisas, há aberturas, inúmeras aberturas desenhadas pelos
virtuais. Raros são aqueles que as percebem e lhes dão importância; mais
raros ainda aqueles que exploram essa abertura em uma experimentação
criadora. (LAPOUJADE, 2017, p. 43-44, grifo nosso).

A pergunta título que abre esta seção é oriunda do relato de uma professora,
quando, na ocasião, o tema da roda de conversa era Integração Curricular. A professora
contava que havia ficado curiosa quanto ao pedido de um de seus alunos: fotografar a
disposição dos brinquedos na sala de aula. Em princípio, é tentador tomar a pergunta feita
pela criança como se remetendo à brincadeira, aos brinquedos disponíveis em uma sala de
aula, ou mesmo à presença do celular quase como se aquela interpelação demandasse que
tudo isso fosse, por assim dizer, parte do currículo da Educação Infantil. Em alguma medida,
contudo, tomaríamos imediatamente um resíduo de certa gramática política – que poderia ser
caracterizada pela retórica centrada naquilo que entra e sai dos currículos (RANNIERY, 2017b)
– como uma referência primeira. Nossa imaginação encenaria, então, um operador crítico com
função ontológica que parece atuar justamente como um aparelho de captura, para evocar
Deleuze e Guattari (2012), o que equivaleria a um esmagamento radical de um “campo perpétuo
de interação” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 15).

Uma formulação inicial nesse sentido pode ser encontrada em Ranniery e Macedo (2018).
9

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Thiago Ranniery, Ricardo Scofano Medeiros

É plausível, contudo, extrair da pergunta da criança e da curiosidade da professora


– ou da curiosidade da professora gestada do encontro com a pergunta da criança e
enunciada em uma conversa que a leva a rememoração – mais do que um repertório de
materiais que deveriam estar presentes em todas as escolas para que outras crianças
também pudessem brincar. A inquietação, parece-nos, é de outra ordem: a política curricular
poderia dar as costas para a brincadeira? Talvez, sim. Talvez, não. E a pergunta-título aponta
simultaneamente para ambas as respostas. Porém, quer seja de um modo, quer de outro,
recorremos a essa cena do curso para aproximar brincadeira e política de currículo, não por
seu conteúdo, mas por aquilo que Massumi (2017, p. 27) chama de poderes de variação, “a
mais-valia de vida que ela [a brincadeira] desempenha.”
De um lado, a busca por manter “uma força de passagem que induz uma mudança
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qualitativa na natureza da situação” (MASSUMI, 2017, p. 17), movida, nesse caso, pela brincadeira,
nem que seja para preservá-la em uma fotografia, mantém em circulação a possibilidade de
“ter sua natureza transformada em outra inteiramente diferente da sua” (MALABOU, 2014, p. 31).
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Por outro lado, coexiste com a possibilidade sempre iminente do desmanche, a manobra, ainda
que instável, que busca drenar, como um antibiótico, a “animação, a vivacidade – uma mais-
valia de vida, irredutivelmente qualitativa, nivelada de forma ativa com o viver.” (MASSUMI, 2017,
p. 25). Dito de outro modo, da pergunta à curiosidade relatada, é como se fôssemos lançados
a uma política de currículo tomada desde uma zona de indiscernibilidade “de coexistência e
de concorrência, [entre] as máquinas de guerra de metamorfose e os aparelhos identitários
do Estado, os bandos e os reinos, as megamáquinas e os impérios” (DELEUZE; GUATTARI, 2012,
p. 25), e não a uma zona de indiferenciação. Como insiste Massumi (2017, p. 19), é uma zona
de multiplicação do múltiplo, “onde as diferenças se unem ativamente” naquilo que escapa
à conformação da política curricular pelo Estado, ou mesmo se ergue contra, ainda que
agenciadas em relação e no mesmo campo topológico estatal.
Com essa evocação da brincadeira, queremos dar relevo a algo dessa conexão que
é agenciado por diferenças mínimas, menores, quase inaudíveis, – a professora se surpreende
com a pergunta da criança, não vendo, por alguns instantes, aquilo que a criança via – que não
permitem antecipar nada sobre seus efeitos, o que não quer dizer que anulem a contingência
da política, mas salienta que está sempre a se fazer rondar “uma questão de intensificação”
(MASSUMI, 2017, p. 22). Neste mesmo movimento, estamos tentando dar alguma textura a algo
dessa zona que dá passagem “ao limite, aos turbilhões e projeções” (DELEUZE; GUATTARI, 2012,
p. 27), que é, sim, percebido pelas professoras, posto que “perceber não é observar de fora
um mundo estendido diante de si [...]; é entrar num ponto de vista, assim como simpatizamos.
Percepção é participação.” (LAPOUJADE, 2017, p. 47). Todavia, essa percepção aparece como
uma marca de um rumor sensível que permanece no ar, meio sem nome, meio sem rosto, só
articulável, do ponto de vista da enunciação, em pequenos balbucios, para seguir com Rolnik
(2018). É que, ali, no interior de um “conjunto de práticas e instituições por meio das quais uma

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ordem é criada, organizando a coexistência humana no contexto conflituoso produzido pelo


político” (MOUFFE, 2015, p. 8), desdobram-se outras linhas afirmativas que, por vezes, não vemos,
de difícil nomeação, e que, a despeito da cegueira, não deixam de estar diretamente implicadas
na produção da política com seu “poder de mudança sem redenção, sem teleologia, sem outra
significação que não seja a estranheza.” (MALABOU, 2014, p. 26).
Não temos lá muita certeza ou segurança se será possível gerar uma “visibilidade
que desloca a reabsorção consensual de todo o visível em seu sentido conhecido” (RANNIERY,
2017a, p. 61) e nem se estamos pedindo tanto. Porém, o que nosso trabalho entre e com
histórias de professoras vem indicando é que já se está produzindo, ao menos, uma
sensibilidade – e não um programa político, por certo – que desloca a política tal como
conhecemos por meio de “novas configurações, novas subjetividades, novas possibilidades

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– [em que] até os menores cortes são importantes.” (BARAD, 2007, p. 384). É, deste modo,
que a difração da política curricular não se resume às consequências subsequentes das
maneiras através das quais professoras e escolas interagem com e atuam em consequência

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ou à revelia de um texto ou documento político, como se o efeito seguisse a causa em uma
cascata linear de eventos. Mais precisamente, é sobre a produção e relação entre modos de
existência – tomando de empréstimo a distensão que Lapoujade (2017) realiza no trabalho de
Étienne Souriau –, tendo em conta as materializações emaranhadas das quais fazemos parte
(a brincadeira da criança, por exemplo). O que a difração traz à política é esta relacionalidade
ontológica e o entrelaçamento diferencial – o (des)contínuo tornar-se e separar-se nos
termos de Barad (2007) – como já implicados em qualquer produção curricular.
Nós estamos, deste modo, buscando nos deslocar de avalizar a conduta das
professoras diante das cenas que relatam – uma fantasia humanista, diga-se de passagem,
de “reduzir a subjetividade ao sujeito” (ROLNIK, 2018, p. 111) – para as a práticas precariamente
localizadas em andamento, nas quais “nós” nunca somos entidades categoricamente
separadas. Esse movimento escancara como estamos emaranhados nas questões com as
quais nos envolvemos e somos envolvidos. Um dos efeitos do processo difrativo é, notam
Coole e Frost (2010), a necessidade de desarticular o sujeito como origem da política. O que
não deve ser entendido, de modo apressado, como anúncio da morte da política. Ao contrário,
nossa deriva para recorrer à noção de modos de existência é por perceber que, para se
efetuar e ganhar consistência nesse meio caudaloso da difração, a produção da política
curricular passa por assumir que a “intensificação da realidade de uma existência tem sempre
como correlato a afirmação de seu direito de existir, como esse direito não é mais atribuído
por um fundamento soberano, [então] é preciso conquistá-lo por outros meios” (LAPOUJADE,
2017, p. 103) e, acrescentaríamos, por meio de outros. No lugar de aderir à oposição ou à
substituição do que quer que seja, a conquista desses meios de afirmação amplia o campo de

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produção da política curricular e realiza que “[n]inguém pode ser sem ser afetado” (MALABOU,
2014, p. 25). Ancoramo-nos, assim, nas palavras da professora Fernanda:10

Eu tenho essa preocupação muito grande do currículo deixar a criança ser


criança, porque primeiro ela precisa ser criança. Gente, ela já está na escola,
já passa de 8 a 9 horas se você for fazer toda a conta. E têm muito disso,
algumas verdades estão postas e nessa comunhão de dois professores
eu não sei qual é verdade. Mas essa congruência, essa conversa, é ótima
para a gente ter essa abertura realmente na escola. (informação verbal).

Caso nossa intuição esteja correta, o que uma pontuação dessas abre é que o
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“problema da existência não é o da sua facticidade, da sua irredutível contingência ou do seu


absurdo. O problema é mais elementar: trata-se de existir realmente.” (LAPOUJADE, 2017, p. 103).
Isso porque, a questão colocada pela professora, tornada apenas precariamente enunciável
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pela sensibilidade ao inominável, se configura menos em duvidar “da existência de uma coisa
do que do seu direito de existir.” (LAPOUJADE, 2017, p. 84). Entretanto, como defender o direito à
existência, sem que, com isso, tenhamos de defender um sujeito? Ou, para perguntar de outro
modo, o que vem depois do sujeito?11 Em um texto bastante conhecido, Foucault (2009) realiza
um questionamento que nos auxilia. Grosso modo, ao argumentar que o autor é uma função
da linguagem, não um sujeito individual,12 Foucault (2009, p. 294) pergunta o que a “regra do
desaparecimento do escritor ou do autor permite descobrir?” e responde que “ela permite
descobrir o jogo da função autor.”
Em um uma deriva argumentativa, perguntamo-nos: o que a necessidade da
afirmação do direito de existir leva a descobrir sobre o jogo da existência? É provável que
nossa resposta seja outra pirueta: a afirmação do direito de existir permite trazer a tessitura
política da existência e a tessitura existencial da política. É como se reativasse aquilo que
Ettinger (2009, p. 9) chama de “campo psíquico transjetivo” ou como se liberasse “uma força
de transformação transindividual” (MASSUMI, 2017, p. 17) já sendo partes da produção da
política curricular. São esses laços transversais que tornam um modo de existência possível
e por meio dos quais se encontram e não param de se atravessar, produzindo uma rica
figuração do emaranhamento ontológico com os nós situados e singulares através dos
quais uma política de currículo é difrativamente produzida. Há, contudo, um problema, apenas
aparentemente indissolúvel, em toda essa movimentação: como reconhecer aquilo que não

10
Todos os nomes utilizados são fictícios.
Entrevista de Jacques Derrida a Jean Luc-Nancy, na qual este último introduz essa pergunta. Ver, Derrida (1991).
11

12
Fazemos referência, aqui, à ideia de que “o sujeito costuma ser interpretado por aí como se fosse intercambiável com a
‘pessoa’ ou o ‘indivíduo’. A genealogia do sujeito como categoria crítica, no entanto, sugere que o sujeito, em vez de ser
identificado estritamente com o indivíduo, deveria ser descrito como categoria linguística, um lugar-tenente, uma estrutura em
formação.” (BUTLER, 2017a, p. 19).

10 Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro


Uma rede passa pelo currículo...

conseguimos nem nomear, mas que, paradoxalmente, existe bem na frente dos nossos olhos
e, por vezes, aparece por meio de uma enunciação frágil e tentativa?
O ponto, para seguirmos com Butler (2010, p. 168), é que o “reconhecimento é
uma relação intersubjetiva, e, para um indivíduo reconhecer o outro, ele tem que recorrer a
campos existentes de inteligibilidade.” O reconhecimento – que, aqui, não é a recognição no
sentido conferido por Deleuze (2018) –, complementa a autora, também pode ser “o lugar onde
os campos existentes de inteligibilidade são transformados.” (BUTLER, 2010, p. 168). Os mesmos
campos que permitem o reconhecimento são aqueles que, contudo, podem excluir o direito de
existir, mas que, apesar disso ou em virtude disso – já que se deve recorrer a eles –, podem
ser transformados. A leitura que realizamos, portanto, consiste em aceitar que o direito de
existir, e não a existência, depende do reconhecimento. Neste caso, relações ambivalentes

Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar


instauradas por campos de inteligibilidade sustentam esse direito de uma forma que, ao
fazê-lo, um modo de existência sempre arrasta consigo a transformação, a metamorfose
ontológica do campo que, a princípio, não o reconhecia.

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Este é o motivo pelo qual a inclusão da diferença pelo diferente (MACEDO, 2014;
MEDEIROS; RANNIERY, 2018) revela-se insuficiente, para não dizer tautológica. Converte-se em
redução ontológica – a criança como sujeito, a infância como cultura, a brincadeira como
atividade pedagógica – ao reafirmar as divisões e trabalhar por adição, sem transformar
o próprio solo, devorando a diferença para expeli-la como seu excesso. Nosso argumento
começou, de fato, por assumir que diferir não é “sobre exterioridade radical, mas sobre
separabilidade agencial [...], não é sobre diferenciar ou separar, mas, ao contrário, sobre fazer
conexões e compromissos.” (BARAD, 2007, p. 392). Quando a difração é introduzida na arena
da política de currículo – que descrevemos como a prática mesma de produção curricular – a
imagem do pensamento, para voltar aos termos de Deleuze (2018), da política se transforma
– bem como o que pode ser considerado como ação política – em uma cena que já abduz
uma sensibilidade crítica. Em tela, uma virtude da difração: colocar a questão da diferença
como uma prática política que “consiste em expandir por turbulência” (DELEUZE; GUATTARI, 2012,
p. 29) e não “está destinada a tomar um poder nem sequer um desenvolvimento autônomos”
(DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 44). O que antes era o problema a ser resolvido diante da chegada
da BNCC, remetendo a uma reflexão desde cima de um mundo perturbado por assimetrias e
imposições de toda parte, torna-se uma zona intra-ativa diferentemente emaranhada na qual
o mundo importa a todo o momento.
Em resumo, estamos sugerindo que nenhuma política de currículo escapa de ser
articulada ou mesmo de ser avaliada – para ficarmos com o jargão da mensuração, mas,
desta vez, desde uma posição de multiplicidade qualitativa, como nomearia Deleuze (1999),
e não numérica –, de interferir e de ser envolvida nesses compromissos e conexões de
diferenciação, mesmo que faça a contragosto. Essa entrada complica a política curricular

Roteiro, Joaçaba, v. 46, jan./dez. 2021 | e23821 |E-ISSN 2177-6059 11


Thiago Ranniery, Ricardo Scofano Medeiros

ao afirmar que, em sua ordinariedade, não passa de “uma dança enlameada de múltiplos
parceiros [que] não preexistem à sua intra-ação constitutiva em cada camada dobrada de
tempo e espaço” (HARAWAY, 2008, p. 32). Ou, ao seguir o argumento de Kirby (2011, p. 89), a
produção de uma politica curricular é invariavelmente difrativa porque a vida em geral (des)
continuamente negocia “manter [...] tudo dentro.”
Dessa maneira, nós utilizamos a pergunta-título desta seção para entrarmos
nessa zona borrada de negociação a fim de abrir o imaginário político em direção a uma
relacionalidade ontológica ao nível da subjetividade, posto que não há produção de política que
não encadeie mutuamente modos de existência e materialidade. De tal maneira, se defendemos
que a difração da política curricular não é apenas uma multiplicidade sem fim, ou regulada de
indivíduos singulares que reinterpretam textos políticos, é para bloquear o retorno rápido a
Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar

uma subjetividade encarnada como uma entidade fixa antes do relacionamento acontecer e
não permitir capturar todo o emaranhamento de relações ontológicas por um só sujeito ou
por um grupo de sujeitos.
professores e e produzir currículo nas escolas

Tudo isso nos sintoniza ainda mais com a visão de política de currículo emaranhada
por redes, tal como Macedo e Ranniery (2018) exploraram, e como continuaremos a desdobrar
na seção a seguir. Todavia, já se poderia afirmar, de partida, – e poderá não ser uma
novidade – que nunca haverá um resultado final de uma política curricular, qualquer que
seja. Em vez disso, seus tópicos somente ganham materialidade nas “teias emaranhadas
que tecemos” (BARAD, 2007, p. 384). A prática difrativa dá a sentir uma queerização (RANNIERY,
2016), por assim dizer, de qualquer um e em todos os níveis da produção enredada de uma
política curricular. Torce, enfim, a própria noção de diferenciação, fazendo da política situada
nas e desde as escolas não um predicado de uma alguma noção fixa ou derivativa.13 Antes,
dá relevo ao “emaranhamento espaçotempomaterializante” (BARAD, 2012, p. 42), no qual a
diferença, para todos os efeitos, e sob o risco de soarmos repetitivos, “deriva de dentro, não
fora” (BARAD, 2012, p. 42).
A despeito da nossa aproximação, crescem, portanto, as complexidades em torno
da noção de rede, posto que as duas cenas que usamos nessa seção ganham contornos
do que M’charek (2014, p. 30) chama de um objeto dobrado, os “modos intricados através dos
quais se reúnem espaços e tempos heterogêneos.” Assim, não é forçoso de nossa parte
afirmar que não queremos, ao vincular tão intimamente política de currículo e ontologia por
meio da difração, diminuir, de forma alguma, a necessidade de crítica aos constrangimentos
normativos que a promulgação da BNCC pode engendrar. Entretanto, nossa insistência por
um compromisso com a diferença deve-se em conceber a política curricular como o próprio

No caso da BNCC, não é a sua implementação que se negocia nas escolas, mas a BNCC é, ao mesmo tempo, aquilo que se
13

negocia quanto apenas parte do que se negocia.

12 Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro


Uma rede passa pelo currículo...

emaranhamento do devir no mundo e recusar a ideia, por vezes tentadora, de que a produção
de mundos teria se esgotado por meio da lei.14

3 UMA REDE DE PERSPECTIVAS

Lidar com a gestão democrática não é fácil, é um desafio, e eu tenho que


prestar atenção nisso o tempo todo, porque vira uma professora e fala
assim: eu não achei isso democrático! Mas como assim? Nós decidimos
na reunião o que a gente ia fazer, inclusive consultamos os pais. Essa
decisão foi democrática. Agora, democrático também é respeitar a decisão

Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar


da maioria. É complicado a beça, gente! Tem que estudar muito, que bom
que a gente tem que estudar, isso só faz bem! (Adriana, professora da rede
municipal de Niterói) (informação verbal).

professores e e produzir currículo nas escolas


A contenda relatada pela professora na roda de conversa sobre Política de
Currículo é nosso ponto de entrada para retomarmos, nesta seção, a ideia de rede. Se
uma política de currículo está longe de ser mero substrato a partir do qual, ou cenário no
qual, relações de diferentes ordens se desdobram e transcorrem, a difração demanda que
o espaço-tempo possa ser concebido de forma mais desafiadora, como “uma coreografia
espaço-temporal generativa sempre em movimento.” (MASSEY, 2015, p. 88). Noções correntes
como “adaptar” ou “implementar” pressupõem uma direção de tempo e uma planificação do
espaço que mereceriam ser, assim, problematizadas. Para tanto, somos obrigados a conceituar
o espaço e de tempo “como aberto[s], múltiplo[s] e relaciona[is], não acabado[s] e sempre em
devir, [pois esse] é um pré-requisito, também, para a possibilidade da política.” (MASSEY, 2015,
p. 95). Essa dobradura do tempo e do espaço é parcialmente sentida nesses momentos de
perturbação, nesses momentos de desentendimento, na expressão de Rancière (1996), que
abrem como o “modo de apresentação [da política] não é homogêneo ao modo comum de
existência dos objetos assim identificados.” (RANCIÈRE, 1996, p. 107). O desentendimento, sugere
Rancière (1996, p. 11), “não é o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz preto. É
o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz branco, mas não entende a mesma
coisa, ou não entende que o outro diz a mesma coisa com o nome de brancura.”

Em Força de Lei, Derrida (2010) localiza o paradoxo da iterabilidade no coração da lei que, não podendo se fundar nem se
14

conservar de modo puro, que não seja por meio de uma violência, “exibe e arquiva o próprio movimento de usa implosão,
deixando no lugar o que se denomina um texto, o fantasma de um texto que, arruinado ele mesmo, ao mesmo tempo
fundação e conservação, não chega nem a uma nem a outra, e fica ali, até certo ponto legível e ilegível, como a ruína
exemplar que nos adverte singularmente acerca do destino de todo texto e toda assinatura na sua relação com o direito,
isto é, necessária e infelizmente com certa polícia.” (DERRIDA, 2010, p. 10, grifo nosso).

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Lido juntamente com a difração, o desentendimento – visto como a possibilidade


simultânea dos interlocutores entenderem e não entenderem a mesma coisa com as mesmas
palavras –, longe de apenas mudar de direção ou telos, nos lança para as transformações
e rearticulações que, em nosso argumento, constituem a espessura do tempo e do espaço
emaranhado da política curricular. Em um apanhado de perguntas sobre o que chama de
redes políticas, Ball (2014) caracteriza uma problematização de um modo bem diferente do
que realizamos, mais centrado em formas institucionais e de governança globalizada, que,
contudo, gostaríamos de lançar mão. Afinal, em uma rede, “o que as setas significam? Que tipo
de relações e/ou trocas elas representam? Elas são equivalentes? Qual é a força dessas
relações? Qual é o sentido do fluxo? Como as relações e seus pontos fortes mudam ao longo
do tempo?” (BALL, 2014, p. 33). Tais questões testemunham a complicação que transcorre por
Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar

entre as veias de qualquer rede. Para ficarmos apenas em uma das questões levantadas,
não seria sem propósito reiterarmos a curiosidade em sabermos o sentido do fluxo de
determinada política. Germina na escola e chega até às Secretarias de Educação? Começa na
professores e e produzir currículo nas escolas

sala de aula e chega à sala da direção? Irradia dos conselhos de classe para todo o restante
da escola? É oriunda dos anseios familiares em relação ao desempenho dos alunos e alunas?
Emana da compra de pacotes educacionais prontos em parcerias que borram as fronteiras
entre o público e o privado? Ou aquilo que acontece nas escolas é pautado pelas avaliações
externas que mais funcionam como políticas de indução curricular?
A resposta de Ball (2014, p. 32) nos parece interessante, uma vez que as redes
políticas não só “desfocam as fronteiras entre Estado e sociedade, mas elas também expõem
o processo de elaboração de políticas a jogos de poder particularistas”. Nessas vias, o
emaranhamento espaço-temporal é fundamental para recolocar a relação entre rede e
política de currículo, desta vez, a fim de trabalhar com a “diferença para fazer diferença”
(HARAWAY, 1997, p. 273). Um caminho poderia ser de o de imaginar, analogamente, uma rede de
pesca: “um conjunto integrado e estruturado de fios, que formam uma trama ou malha; no
encontro entre dois fios, eles se entrelaçam, formando um nó, o que dá estabilidade à rede
(sem os nós, nem sequer haveria rede).” (SOUZA, 2016, p. 166). Contudo, logo que olhamos para
uma rede podemos ver também um conjunto de interconexões e de “práticas contestáveis
[na qual] os parceiros nunca estão dados de uma vez por todas.” (HARAWAY, 2008, p. 314).
A imagem da rede de pesca pode bem ser explicativa, mas conforma muito rápido nossa
imaginação à unidimensionalidade. Por outra via, estamos insistindo que não há distinção
temporal e espacial entre a mediação de professores e escolas – o que Ball, Maguire e
Braun (2016) chamariam de atuação – e uma política curricular específica. O que significa que
a produção da política curricular não pode ser considerada ontologicamente distinta de um
experimento de desentendimentos.
Dessa perspectiva, uma rede municipal de educação consistiria, certamente, em
um conjunto de prédios, escolas e demais sedes administrativas que tornaria possível a

14 Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro


Uma rede passa pelo currículo...

distribuição de unidades escolares de tal ou qual maneira. Inseparável da rede, os documentos


políticos endereçados a professores e escolas, os fluxos de capital e dinheiro, a alimentação,
água, energia elétrica, conhecimento a ser ensinado, etc. – e estas eram questões que
provocavam os relatos das professoras. Uma rede parece sempre remeter a outra rede
indefinidamente: formam um emaranhado. Dito de outro modo, teríamos que levar seriamente
em conta que, visíveis ou invisíveis, redes são compostas pelos mais diferentes materiais
(FENWICK; EDWARDS, 2011) não redutíveis a atores humanos. Para, logo em seguida, assumirmos
que esses emaranhados materiais-discursivos engendram aquilo que chamamos, na seção
anterior, de uma marca sensível.
Dessa forma, por mais confuso e incoerente que seja, é crucial tomar que “vários
tipos de redes mais do que humanas, enredadas umas nas outras” (FENWICK; EDWARDS, 2011,

Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar


p. 712) são constitutivas da política. No entanto, isso não é suficiente para enfrentar rastros
de sentido da política que tem como plataforma comum controlar desentendimentos por
meio da “crença racionalista na viabilidade de um consenso universal baseado na razão”

professores e e produzir currículo nas escolas


(MOUFFE, 2015, p. 11). O importante é como esses emaranhados, através dos quais um modo de
existência vem à tona – e dos mundos a que pertencem –, já são difrativamente constituídos,
de modo que o desentendimento não leva a separações absolutas. Ao invés disso, gera
um estranhamento, um deslocamento que não destrói a possibilidade de correlação, mas a
permite. E é esse vínculo, essa relação, que queremos afirmar por “política”.
Em síntese, o que a rede nos coloca é menos a perspectiva diferente de alguém
sobre algo – o sentido de democracia não seria o mesmo para uma e outra professora, por
exemplo. Segue, então, que uma política curricular é situada, pois está sempre perturbada
pela ingerência de que “não temos uma perspectiva sobre o mundo, pelo contrário, é o
mundo que nos faz entrar em uma de suas perspectivas.” (LAPOUJADE, 2017, p. 47). Em uma
paráfrase possível, é a rede que nos faz entrar em uma de suas muitas perspectivas, em
uma rede de perspectivas, portanto. Uma política curricular, assim, não se torna cada vez
mais enredada na medida em que se desloca por diferentes contextos (BALL, 1994). Sua
produção expressa, antes, a presença incontornável da difração espaço-temporal como seu
elemento constitutivo, ativando, simultaneamente, o movimento de “pôr em xeque a unificação
abstrata e universal como pré-condição de uma política que se quer pública.” (MACEDO;
RANNIERY, 2018, p. 745). Nessa suspensão, tempo e espaço são enovelados, não simplesmente
sob a fórmula de onde e quando a política acontece, mas, sim, sob os termos produtivos do
espaço-tempo emaranhado como condição mesma da política.
Rever a noção de espaço-tempo, colocando-o como elemento constitutivo
do desentendimento, requereria, deste modo, recolocar a própria conceituação do que
chamamos de rede. Se, para Ball (2014), a rede é concomitantemente um método e um
dispositivo conceitual, em perspectiva semelhante, uma mirada sobre a ideia de malha, de

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Ingold (2012), pode oferecer algum contributo para, ao invés de representar determinada
realidade, pensarmos a rede afinada ao incalibrável processo de criação da vida inerente
à política curricular, em sua dimensão impossível de métrica e quantificação, como Lemos e
Macedo (2019) apontaram. Essa mirada tem por princípio continuar a bagunçar o intento de
determinar um lócus específico de onde emanaria a política, isto é: quais são as direções de
seus fluxos, de onde elas vêm e para onde elas vão. Assim, admitiríamos, co-extensivamente,
que uma rede passa pelo currículo não somente porque não possui contornos limitados, mas
também porque a relacionalidade ontológica abre para formas experimentais de criar vidas e
mundos interconectados.
Tal ponderação alimenta nossa preferência quanto à ideia de malha. Pois, muito
além de ser “uma técnica analítica para olhar a estrutura das comunidades de política e suas
Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar

relações sociais” (BALL, 2014, p. 30), uma malha é composta por um emaranhado de “trajetórias
que não param de se estender constitu[indo] a textura do mundo” (INGOLD, 2012, p. 39), na qual
questões sobre diferenças são sempre conjugadas com atenções para afetar e enredar. Com
professores e e produzir currículo nas escolas

a malha, a política curricular não é um simples retrato de “uma superfície isotrópica sobre a
qual todas as coisas estão embrulhadas nelas mesmas, fixadas em seus respectivos lugares,
separadas dos movimentos que as trouxeram ali, pegas em uma rede finita, fechada.” (INGOLD,
2015, p. 212). Imaginar, deste modo, uma rede aberta é condição para manter a sensibilidade ao
inominável da alteridade ecoando, onde “natureza, cultura, corpos, textos – tudo se desdobra
num campo de força de diferenciação sem limite.” (ALAIMO, 2017, p. 927).
Ao aceitar a abertura dessas redes nas quais os processos educativos se dão, a
diferença se encarna como o dínamo capaz de rearranjar formas pré-estabelecidas (PARAÍSO,
2010). Isto posto, o imprevisível, no lugar de ganhar inteligibilidade como fator indesejado,
congrega, como os relatos das professoras parecem apontar, vida e política de modo
indissociável. Para tanto, deixamos de lado a vida enquanto um atributo ou direito que pudesse
ser possuído por alguém, e, junto a Ingold (2012, p. 27), a entendemos “enquanto capacidade
geradora do campo englobante de relações dentro do qual as formas surgem e são mantidas
no lugar.” (INGOLD, 2012, p. 27). Logo, se pensarmos que a produção da subjetividade “habita o
paradoxo entre duas experiências simultâneas, como sujeito e fora-do-sujeito” (ROLNIK, 2018,
p. 60), poderemos, por conseguinte, liberar o imaginário de tomar a produção da política como
centrada no indivíduo. A política de currículo ganha tons de figurar mais como um campo de
relações entre modos de existência, sempre difratado por desentendimentos, acompanhado,
por suposto, de sua dimensão espaço-temporal. Ou, nas palavras de Rancière (1996, p. 54), a
“política não é feita de relações de poder, é feita de relações de mundos.”
Nesses encontros inesperados, oriundos do cruzamento de distintas trajetórias,
não há respostas para nomear o que conta como política ou ação política em um currículo.
A incapacidade de “dar uma ‘boa’ definição dos procedimentos que permitem alcançar a ‘boa’

16 Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro


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definição de um ‘bom’ mundo comum” (STENGERS, 2018, p. 446), ou de uma boa política de
currículo que deveria ser comum a todos, é a base do dissenso que temos testemunhado nas
rodas de conversa junto às professoras da rede municipal de Niterói. Pululam, ali, perguntas
como: é possível elaborar um currículo para a rede inteira? Com escolas tão diferentes
entre si, é justo um currículo comum? Esses questionamentos, além de serem indicativos da
heterogeneidade espaço-temporal de trajetórias difratadas, apontam também para o fato de
que fazer currículo e fazer política estão sob a insígnia do

desconhecido que constitui esses mundos múltiplos, divergentes,


articulações das quais eles poderiam se tornar capazes, contra a tentação
de uma paz que se pretenderia final, ecumênica, no sentido de que uma

Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar


transcendência teria o poder de requerer daquele que é divergente que se
reconheça como uma expressão apenas particular do que constitui o ponto
de convergência de todos. (STENGERS, 2018, p. 447).

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Dito de outra forma, o que está em jogo não é uma ontologia única da política
com variações locais que reintegram a diferença ao “paradigma do todo e da reconciliação”
(DUQUE-ESTRADA, 2008, p. 22). O que torna essa história de produção de uma política curricular
em parceria com uma rede municipal mais fascinante é aceitar que “há diferentes perspectivas
de diferentes mundos – e não visões diferentes de um mesmo mundo.” (COSTA, 2014, p. 71). Se
não vivemos todos em um único mundo, não queremos dizer, com isso, e vale à pena insistir,
que cada um de nós vive em mundos isolados e impenetráveis. Nós nos remetemos, aqui, à
“implicação mútua e intersubjetiva” (MACEDO; RANNIERY, 2018, p. 749), desta vez, entre mundos
e modos de existência. Esse contínuo atravessamento rearranja o espaço e o tempo da
política como “a esfera de uma simultaneidade de dinâmicas, constantemente desconectada
por novas chegadas, constantemente esperando por ser determinada (e, portanto, sempre
indeterminada) pela construção de novas relações.” (MASSEY, 2015, p. 160). Não duvidamos que
nosso argumento possa soar em alguma medida exageradamente celebratório. Contudo, é
esse “encontro dos heterogêneos” (RANCIÈRE, 1996, p. 44) que anda ameaçado pelo casamento
voluptuoso das demandas neoliberais com demandas neoconversadoras e mesmo por justiça
social na política curricular.15 Quando se retira o desentendimento, a política, enfim, desaparece.
Desse modo, nós necessitamos pensar a produção da política curricular na qual o dissenso,
quer dizer, uma rede difratada de perspectivas que não se cessam de se atravessar umas
às outras, é parte do viver juntos, se desejamos responder e fazer jus à diferença.

Argumento explorado por Elizabeth Macedo em diferentes lugares e a partir de diferentes enfoques. Ver, a título de exemplo,
15

além dos textos citados neste artigo, Macedo (2017a).

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4 DIFRATAR, EMARANHAR, COABITAR

Como justificar por que as coordenadas de um quadro de referência


específico devem ter precedência sobre outro? Como evitar a quietude
política? Como trabalhar em direção a uma compreensão mais generosa
da política da diferença, se diferenciar, discriminar, decidir e julgar parece
envolver um ato inevitável de negação ou apagamento: ‘Isto e não aquilo!’?
(KIRBY, 2012, p. 198).

Chegada à seção final, gostaríamos que nossa argumentação fosse lida ao ritmo
das perguntas de Kirby (2012), como quem buscou, nessas páginas, realizar uma compreensão
mais generosa da relação entre diferença e política de currículo em uma paisagem marcada
Seção temática: Uma alternativa às políticas centralizadas - formar

pela “implementação da BNCC”. De fato, a pesquisa-intervenção em parceria com a rede


municipal de educação de Niterói é assombrada por uma questão: é possível produzir política
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de currículo situada desde e na escola? Essa é uma pergunta urgente diante do estado
que nos encontramos no terreno das políticas curriculares. Porém, seja qual for a resposta,
nós propusemos enriquecer essa interrogação com uma leitura difrativa da política, unindo
as dobras éticas dos modos de existência com a dimensão ontológica das redes e dos
desentendimentos que não cessam de as atravessarem, nas quais “o outro repercute no
eu como alteridade irredutível e o eu, sob a ação desse impacto, diz o outro.” (CARDOZO,
2018, p. 395). Com efeito, existem inúmeros caminhos para a questão da produção da política
curricular se nós pudermos abraçar os emaranhamentos ontológicos relacionais antes
de nos apressarmos em analisar o funcionamento do que quer seja em uma gramática
gerenciável. O que acontece se a produção da política curricular não passar de uma
profusão de conversações ontológicas cruzadas? E se for esse mesmo o campo de força
de articulações difratadas que “implementação da BNCC” insiste em reduzir?
Tatear por entre tantas perguntas nos levou a trazer duas ponderações. Ao
invés de lutar pela coexistência das histórias das professoras e lhes exigir representação e
lugar na política, a afirmação da relacionalidade ontológica, de “ter o outro na pele” (BARAD,
2007, p. 392), transforma a imagem da cena política. Longe de aprender a criar campos de
consenso, a produção de uma política curricular envolve a aprendizagem de uma sensibilidade
a um terreno difrativamente compartilhado e coabitado. Nós trouxemos o desentendimento
aos emaranhados ontológicos para insistir na existência de conflitos sem solução e, em
virtude disso, que essas fricções produzem modos de conectar, “um modo de ter e dar
lugar em relação, como uma forma de vida.” (CARDOZO, 2018, p. 318). Este é um trabalho
político de articulação, como Hall (1996) afirmou certa vez, sem garantias. Ao discutir sobre a
coabitação, Butler (2017b) indica não priorizar o dentro ou o fora, o eu ou o outro e vincula os
emaranhados ontológicos de histórias diferentes e ressoantes ao dinamismo espaço-temporal
da habitação da política. Sendo assim, nossa preocupação com a difratar a política curricular

18 Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/roteiro


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aponta para a coabitação da diferença em movimento. Isso porque, “mais profundos do que
as qualidades e extensões atuais, do que as espécies e as partes atuais, há os dinamismos
espaço-temporais. Eles é que são os atualizadores, diferenciadores.” (DELEUZE, 2018, p. 283).
O plano das múltiplas relações ontológicas emaranhadas ressoa no espaço-
tempo da política porque o que chamamos de aberturas alternativas não é sinônimo de
que algo diferente poderá acontecer. Por possibilidades alternativas, nós insistimos que
uma “história diferente é sempre possível, a qualquer momento, aqui e agora” (SCHRADER,
2012, p. 125). O trabalho da difração acontece o tempo todo. As possibilidades estão sempre
retornando a cada intra-ação, posto que “nós somos do universo – não existe nem dentro,
nem fora” (BARAD, 2007, p. 396, grifo do autor). Esse acontecimento é incomensurável e o
fato de não ser possível nomeá-lo propriamente não é somente em virtude de ocorrer em

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um tempo ou em um espaço que não pode ser pré-concebido. É porque constitui o próprio
espaço-tempo difrativo da política curricular. A possibilidade de produção de uma política de
currículo situada, ou melhor, de constante localização e disseminação da política implica em

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perturbação. Reconhecemos, entretanto, que tal ponderação não serve necessariamente
para melhorar o cenário ou nos aliviar em face de qualquer texto político que se pretenda
totalizante. Isso significa apenas que a produção de uma política curricular jamais pode se
opor à transformação – mediação, tradução, “gesto que transforma o outro para mantê-lo
com força de ressignificação de nós mesmos” (CARDOZO, 2018, p. 319) –, por mais que se tente
e qualquer tentativa só denunciará a impossibilidade sempre a assombrar. Ou seja, o elo
diferencial de como as relações de desentendimento são vividas e habitadas torna perceptível
o esforço ontológico de viver juntos constitutivo à produção da política curricular.
Quando relaxamos a presunção de que o tempo é um fluxo irreversível de
presentes em movimento, e que o espaço seria a acumulação de superfícies chapadas, a
produção da política pode se tornar transformadora. Podemos, quem sabe, nos aproximar
daquilo que Gabriel (2019) chamou de articulação insurgente na política curricular. Ainda que
tenhamos, ao nosso modo, mostrado ressalvas quanto à ideia de que “agir politicamente
significa [...] participação na produção das normas e da gestão das atividades ou tarefas que
constituem [a comunidade]” (GABRIEL, 2019, p. 1562), reconhecemos, no mesmo passo, que tal
articulação “tira todos que dela participam do seu lugar de conforto.” (GABRIEL, 2019 p. 1561).
Reconfigurada pela difração, a questão deixa de ser aspirar histórias das
professoras a uma produção política própria em oposição ou à revelia de uma política
curricular16. Passamos à percepção de que o que existe “é apenas intra-ação de dentro e
como parte do mundo em seu tornar-se” (BARAD, 2017, p. 395) e, logo, “perturbação não é a

Criar condições para reconhecer a produção curricular das escolas e professores é uma tradição no pensamento curricular
16

brasileiro articulada, em grande parte, pelas pesquisas nos/dos/com os cotidianos escolares, lideradas por Nilda Alves e
Inês Barbosa Oliveira; pesquisas com as quais, certamente, temos nossas dívidas e heranças.

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questão” (BARAD, 2017, p. 395). O que importa é como esse inominável da difração vai tramando
coabitação por se recusar às “marcas distintivas taxonômicas, que assentam a diferença
ao modo do apartheid” (HARAWAY, 1999, p. 126). Algo que exige ecoar um imperativo político
diferente, expresso no projeto mais recente de Haraway (2016), em como “permanecer com
a encrenca”. Sob seu eco, giramos nossa escuta para cenas que afirmam nunca haver um
ponto de partida inocente para qualquer busca política, que “nós” estamos sempre enredados
e que, através de marcas sensíveis, esse “nós” já está em curso na realização daquilo
lançado por Lopes (2018, p. 111), a saber: “talvez seja possível ser de outro modo”. Por fim,
o que queremos enfatizar é que isso poderia ganhar uma dimensão vital na produção da
política curricular antes que tudo vire ruína.
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