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Espasmos de Choro:
Problema de Comportamento?
Sara Melo1, Rui Chorão2
20 artigo de revisão
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2010, vol XIX, n.º 1
cianóticos e pálidos; a maioria das crianças a um risco aumentado de espasmos de - Síndrome de Münchausen by proxy
apresenta apenas um dos tipos, embora al- choro. Destes, os mais estudados e com - Obstrução nasal (infecção, malfor-
gumas apresentem episódios mistos. dados mais consistentes parecem ser: mação congénita, massa, medica-
O evento é de curta duração (geral- - Predisposição genética – autossó- ção)
mente inferior a um minuto) e tem resolu- mica dominante com penetrância - Obstrução respiratória (infecção,
ção espontânea. Pode ser acompanhado incompleta (20-35% das crianças malformação congénita, broncoes-
de crise convulsiva devido a hipóxia pro- têm história familiar positiva)3 pasmo, embolia, edema pulmonar)
longada (ocorrendo em menos de 15% - Anemia ferropénica3 – parece estar - Doenças neuromusculares (miaste-
das crianças) 3. associada a um aumento da fre- nia gravis, poliomielite)
quência dos espasmos de choro, - Patologia gastrointestinal (refluxo
FISIOPATOLOGIA sendo que o suplemento de sulfato gastroesofágico, hérnia do hiato)
Parece haver uma desregulação ferroso (5 mg/kg/dia) poderá estar - Outras patologias cardiovasculares
autonómica na base destes acontecimen- indicado nestes doentes11 (malformações, arritmias, pericardi-
tos, com aumento de resposta simpática - Disautonomia familiar – doença te, policitemia, mixoma auricular)
nos episódios cianóticos e aumento da do sistema nervoso periférico, au- - Fármacos
resposta parassimpática nos episódios tossómica recessiva. Na infância
pálidos. De um modo geral, são crianças manifesta-se por dificuldades em COMPLICAÇÕES E TRATAMENTO
que respondem exageradamente aos es- mamar e deglutir, podendo ocorrer Trata-se de uma situação geralmen-
tímulos negativos.8 episódios de pneumonia de aspi- te benigna, sem morbilidade associada,
ração. Em crianças mais velhas é apesar de estarem descritos raros casos
Cianóticos frequente encontrar-se insensibili- de morte por complicações respiratórias
Mais comum em crianças enérgi- dade à dor, perturbações da mar- ou convulsões.
cas, activas, coléricas, opositivas e em cha, incontinência urinária, arritmias A sua presença numa idade pre-
crianças com frequência cardíaca mais cardíacas e atraso pubertário. Nos coce parece estar associada a um maior
elevada e tensão arterial diastólica em primeiros cinco anos de vida são risco de síncope na idade adulta1,3,4, pro-
ortostatismo inferior ao esperado para comuns os espasmos de choro se- vavelmente pelo aumento da resposta
a idade. São precipitados por estímulos guidos de síncope.12 vagal que estará na génese de alguns
como frustração, raiva ou medo, que - Síndrome de Rett – parece estar as- destes episódios.
levam a um choro violento, seguido de sociado a uma maior frequência de Dado o carácter auto-limitado e
uma paragem respiratória na expiração. espasmos de choro.11 o curso benigno, não se justifica o uso
A coloração cianótica da pele surge rapi- de medicação antiepiléptica na grande
damente e pode anteceder uma perda de DIAGNÓSTICO maioria dos casos e não há medicação
consciência.9 Uma história clínica com uma se- preventiva ou de emergência conheci-
quência de eventos típica associada a das. No entanto, estudos recentes de-
Pálidos um exame neurológico normal é, geral- monstraram uma diminuição do número
Mais comum em crianças passivas, mente, suficiente para o diagnóstico. de episódios em crianças tratadas com
inibidas, impressionáveis e que apresen- No entanto, se a história não é tí- ferro, independentemente da presença
tam sinais de resposta vagal aumentada. pica ou suficientemente clara ou se os de anemia1,2,3,11.
Neste caso, o estímulo precipitante cos- sintomas são muito exuberantes, deve
tuma ser uma dor ou um susto súbitos, a pedir-se: filme do episódio paroxístico, PROBLEMA DE COMPORTAMENTO
que se seguem palidez cutânea e perda electrocardiograma (sobretudo nos páli- OU COMPORTAMENTO PROBLEMA?
de consciência.9 dos, para exclusão de arritmia), electro- Na década de 1960, os estudos
Foi proposta uma via explicativa dos encefalograma (EEG) (normal em 88% demonstravam maior incidência de pro-
fenómenos fisiopatológicos responsáveis dos casos) e hemograma. 1,9,11 blemas de comportamento, nestas crian-
por este tipo de espasmos de choro10: ças - hipercinésia, agressividade, com-
Dor, susto → choro ténue → isque- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL portamento opositivo e enurese.5, Mais
mia cerebral hipocápnica → apneia e Os diagnósticos que mais vezes ne- recentemente, alguns estudos têm de-
hipoxemia → espasmo respiratório com cessitam de ser excluídos são a epilepsia monstrado o contrário. De facto, Di Mario
aumento da pressão intra-torácica → di- (nomeadamente quando há convulsão e Burleson6, com a ajuda da Achenbach
minuição do débito cardíaco → compro- na sequência de apneia) e a síndrome do Child Behavior Checklist e da Revised
misso da circulação cerebral QT longo (pela síncope). (Tabela 1) Child Behavior Profile estudaram crian-
No entanto, embora menos prová- ças com espasmos de choro e compa-
FACTORES PREDISPONENTES veis, outros diagnósticos poderão ser raram-nas com crianças sem patologia,
Têm vindo a ser identificados alguns considerados, caso a caso, na avaliação não encontrando diferenças no perfil de
factores que parecem estar associados destes episódios9, 10,11: comportamentos. Recentemente, alguns
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estudos têm demonstrado que estas dios. Por outro lado, estes episódios são COMO AJUDAR?
crianças apresentam, de facto, maior in- muitas vezes atribuídos a “problemas Os clínicos que lidam com estas
tolerância à frustração e piores mecanis- de comportamento / educação”. Deste crianças podem ter um papel importan-
mos de adaptação, mas a causa destas modo, surge uma antecipação do receio te na prevenção deste ciclo de compor-
alterações não depende da patologia em face às crises e emergem sentimentos de tamentos disfuncionais que levam a um
si. A que se deve, então esta associação? incompetência e culpabilidade. 13,14 aumento do risco de psicopatologia da
Importa recordar que os espasmos de Apesar de inofensivos, os espas- criança. De facto, a maioria das mães
choro têm, a maior parte das vezes, início mos de choro assustam os pais. As- afirma sentir-se tanto menos ansiosa
durante a fase anal de desenvolvimento sim, as mães destas crianças sentem quanto mais informação tiver acerca des-
psico-afectivo, marcada pelo desejo de os filhos como menos compensadores, tes eventos e se lhe forem fornecidas,
autonomia e individuação da criança face mais exigentes, mais distraídos, menos por um profissional seguro na matéria,
às figuras parentais. Deste modo, são fre- adaptados ao meio e sentem-se mais indicações precisas de como actuar.5
quentes, nesta altura, conflitos de autori- deprimidas, mais isoladas socialmente Deve estabelecer-se uma relação em-
dade entre pais e criança, necessários ao e menos competentes como esposas e pática, desprovida de qualquer atitude
estabelecimento de limites consistentes, como mães.15 Ao mesmo tempo, os pais crítica, que possa servir como base se-
propícios ao desenvolvimento de meca- destas crianças apresentam mais proble- gura de aconselhamento para estes pais.
nismos adaptativos de tolerância à frus- mas conjugais e maiores preocupações A atitude terapêutica deve abranger, não
tração. Nestas crianças, o aparecimento com a sua própria saúde. Num clima de só a própria criança, como ser também
deste tipo de sintomatologia, assusta os ansiedade, isto pode levar à demissão centrada na promoção da saúde mental
pais e gera uma ambivalência entre a educativa, com o fim de evitar qualquer dos pais, valorizando actividades que
necessidade de impor regras e o medo frustração para impedir o retorno das estimulem a sua autonomia em relação
de uma nova “crise”.10 Neste sentido, os crises. De facto, ainda que totalmente à criança e favoreçam a sua auto-estima.
espasmos de choro podem ser incluídos involuntários, são percebidos pela crian- Deve transmitir-se, de forma clara, toda
numa série de comportamentos enten- ça como um meio de manipulação, uma a informação acerca do mecanismo e do
didos como de oposição (não chegando vez que provocam nos pais uma resposta curso natural dos espasmos de choro.
a ser um verdadeiro comportamento de de satisfação imediata do desejo ou um Além disso, torna-se necessário promo-
desafio), muito comuns a partir dos dois evitamento da frustração que faz sofrer. ver atitudes consistentes em ambos os
anos de idade. Assim sendo, se os espasmos de cho- pais, bem como a necessidade de regras
Pensa-se que os pais das crianças ro não forem compreendidos e aceites de conduta que não reforcem estes com-
com espasmos de choro sofrem de mais pelos pais como uma situação benigna, portamentos na criança.
stress do que pais de crianças com epi- auto-limitada e sem consequências gra- É fundamental que os pais perce-
lepsia.6 Isto parece dever-se à ausência ves, podem desencadear-se estratégias bam que, para evitar estes episódios,
de alterações nos exames efectuados relacionais pouco adaptativas e favorece- bem como os comportamentos de opo-
e de medicação farmacológica específi- doras de perturbações do comportamen- sição, devem actuar antes que a criança
ca que previna ou controle estes episó- to a longo prazo. (Tabela 2) esteja em stress. Reconhecendo os si-
Crise convulsiva
Síncope Espasmos de Choro
tónico-clónica generalizada
Factores precipitantes Privação de sono Dor, ortostatismo, susto Dor, alteração emocional súbita
Sintomas prodrómicos Habitualmente não Náuseas, visão turva, palidez cutânea, diaforese Não
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ESPASMO DE CHORO
↓
Pais
Dificuldade em entender o problema, preocupação constante
Diagnóstico “atrasado”
Conotação com problema de comportamento
Ausência de medicação preventiva
↓
Maior stress
Culpabilidade, baixa auto-estima, frustração
Sentimentos de auto-desvalorização e de incompetência parental
Filhos sentidos como mais “difíceis”
Problemas conjugais
Dificuldade em deixar a criança com outro cuidador
Dificuldade em manter a sua independência e identidade
e em conciliar o trabalho com a maternidade / paternidade
Perturbação emocional
↓
Protecção, tentativa de evitar as causas precipitantes
Ausência de limites e regras consistentes
↓
Crianças
Intolerantes à frustração
Opositivas, desafiadoras, agressivas, impulsivas, manipuladoras
↓
Maior susceptibilidade a ansiedade, depressão e perturbação de conduta
nais mais precoces de oposição, devem (por exemplo, auto ou heteroagressivi- A melhor forma de ajudar estes pais será
colocar a criança em local sossegado, por dade, isolamento, alterações do padrão reconhecendo o problema atempada-
exemplo na sua própria cama, durante de jogo, irritabilidade ou “head banging”), mente, sem ambiguidade no diagnóstico,
2-3 minutos e esperar que a criança acal- deve orientar-se esta família para uma não o desvalorizando excessivamente
me por ela mesma, sem lhe pegar e sem consulta de Psiquiatria da Infância. nem lhes atribuindo a culpa pelos episó-
brincar com ela. Por outro lado, os pais dios. Deve-se, antes, ajudá-los a perce-
devem, eles próprios, aprender a gerir os CONCLUSÃO ber o seu filho como uma criança “nor-
seus próprios sentimentos de raiva e zan- Os espasmos de choro são uma mal” que precisa de regras e limites para
ga, de modo a evitar perdas de controlo entidade comum que surge em crianças um desenvolvimento adequado e uma
súbitas. Como modelo de actuação para previamente saudáveis e em idades pre- melhor adaptação às exigências da ida-
os seus filhos, a capacidade de controlo coces. Parecem ter na sua génese uma de adulta - mais paciente, capaz de adiar
interno e a consistência da sua actuação, desregulação autonómica, mas não es- gratificações, mais tolerante à frustração.
irão ajudar à organização de um sistema tão associados a morbilidade significati- Quando os pais não são capazes de gerir
de controlo interno na própria criança. va. São auto-limitados e não necessitam estes episódios ou quando surge outro
Podem, ainda, ser dadas referências de de nenhuma medicação preventiva ou tipo de sintomatologia acompanhante,
apoios locais considerados competen- de crise. a família deverá ser encaminhada para
tes e seguros (infantários, serviços de A sua associação a problemas de uma consulta de Psiquiatria da Infância.
babysitting, programas de ocupação de comportamento, empiricamente observa- É, assim, necessário que os mé-
tempos livres). Se, além dos espasmos da na clínica, parece ser real. No entanto, dicos que observam estas crianças es-
de choro, a criança apresentar outros esta associação não se deve à patologia tejam adequadamente informados para
comportamentos de oposição e desafio em si, mas aos comportamentos que des- reconhecer, diagnosticar e lidar com esta
ou outros sinais de sofrimento psíquico perta nos pais ou cuidadores da criança. patologia de forma eficaz.
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