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2, 2012
RESUMO
O artigo discute o que aqui denominamos papel formativo do ensino de Geografia, considerando o
desenvolvimento cognitivo da inteligência espacial dos educandos. Para isso, empregou-se a revisão
bibliográfica da literatura científica sobre o assunto, com ênfase no desenvolvimento da inteligência espacial em
Geografia. As principais habilidades cognitivas espaciais foram caracterizadas. O artigo conclui que o papel
formativo da Geografia é alcançado quando os conhecimentos científicos produzidos e as habilidades cognitivas
espaciais dos educandos são igualmente considerados e explorados no processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Ensino de Geografia; Inteligência Espacial; Prática de Ensino.
respondida a partir dos conteúdos geográfico, que, por sua vez, concentra
curriculares delineados para cada ano toda a informação necessária ao
escolar, frequentemente não resta margem aprendizado. Assim, aprender significa
para outra conclusão senão a da apropriar-se desse mundo pela
importância informativa dessa ciência. compreensão/representação do espaço
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Informar , aqui, concatena as práticas geográfico. E há algo errado nessa
docentes de exposição do temário perspectiva? Não. Tais práticas estão
geográfico e de sua explicação, porém com apenas incompletas ao negligenciarem as
a singularidade de posicionar o mundo dimensões cognitivas dos alunos diante da
exterior no centro do processo de ênfase atribuída aos conteúdos da
aprendizagem. Este mundo exterior, lido a disciplina de Geografia. Somente ao
partir dos referenciais teórico- considerar a aquisição e o
metodológicos da Geografia, é delineado a desenvolvimento das habilidades
partir de um objeto de estudo, o espaço cognitivas espaciais no mesmo nível dos
conhecimentos produzidos pela ciência
(São Paulo: Contexto, 2008), levanta essa questão
para discutir o papel do professor no fazer-pensar geográfica, o sentido de formação em
do ato educacional. Da mesma forma Penteado, em
“Metodologia do ensino de história e geografia”
Geografia se torna pleno. Se concordarmos
(São Paulo: Cortez, 2008) dedica todo o último que informar e formar são processos
capítulo de seu livro à discussão dessa questão,
tanto pelo lado do aluno (importância de aprender) diferentes, devemos questionar: por que
quanto pelo lado do professor (importância de
ensinar). muito pouco é dito sobre em que consiste
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Aqui são necessários alguns esclarecimentos para
que não se conclua, erroneamente, pela exatamente o desenvolvimento cognitivo
superficialidade do caráter informativo do processo
de natureza espacial, em contraposição à
de aprendizagem apontado. Ele não implica juízo
de valor quanto à qualidade do que e de como se enorme produção sobre didática do ensino
ensina, tampouco questiona os resultados obtidos.
Ao contrário, a informação é matéria-prima e e sobre os conteúdos da Geografia?
produto de qualquer ciência e, consequentemente,
do processo de ensino-aprendizagem. O que nos Partimos assim da premissa de que o
interessa, a princípio, oculta-se em algum lugar
entre a informação sobre o espaço geográfico e as preenchimento dessa lacuna requer a
transformações cognitivas do indivíduo
(aprendizagem), de caráter marcadamente espacial.
reconciliação entre a prática de ensino e o
Ainda é preciso esclarecer que a ênfase nos estudo do desenvolvimento cognitivo de
conteúdos da ciência pelos professores de
Geografia, até certo ponto, justifica-se diante do natureza espacial dos educandos. Mas o
colossal desafio de abarcar o amplo universo
conceitual e dar conta da diversidade dos que significa exatamente tal
fenômenos representados (humanos, físicos e os
resultantes de seus entrelaçamentos e lógicas desenvolvimento cognitivo de natureza
organizacionais) em seu processo de formação
socioespacial. Além disso, vale lembrar que a
espacial?
prática de ensino informativa não é exclusiva da
disciplina Geografia, estendendo-se à História, às
Ciências Biológicas e a tantas outras.
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como “padrão” para mensuração do
A reconstrução ontológica do conceito de espaço
geográfico empreendida por Ruy Moreira, em desenvolvimento infantil e para definição
“Pensar e ser em geografia: ensaios de história,
epistemologia e ontologia do espaço geográfico”
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(São Paulo: Contexto, 2007), aponta a origem dessa Para uma síntese didática das principais
tendência ao falar dos juízos a priori da limitações das conclusões de Piaget, ver
consciência, formulados por Kant. LEFRANÇOIS, Guy R. Teorias da
5
Ver PIAGET, Jean. A representação do mundo aprendizagem: o que a velha senhora disse. São
na criança. São Paulo: Ideias & Letras, 2005. Paulo: Cengage Learning, 2009.
específicos em uso (por exemplo, de linhas retas de um mapa que ligam cidades
ferramentas de bate-papo), de cabos de – permite rotas possíveis de raciocínio
rede, de pessoas em lugares diferentes na espacial, por exemplo, para elaboração de
frente de um computador, até de um mapa uma explicação sobre a comunicação de
do Brasil com linhas retas entre cidades pessoas em lugares diferentes e distantes
que queiram significar ligações entre em tempo real pelo uso das redes de
computadores, e por aí afora. Neste internet.
primeiro nível citado, há o reconhecimento Num nível de maior abstração, as
de inúmeras formas e objetos em situações associações construídas e refinadas com o
diversas. Ou seja, há a evocação de um auxílio das contribuições do professor
repertório de imagens mentais14. Um permitirão ao educando manipular as
repertório não é estático, mas é ampliado representações construídas e refletir sobre,
gradativamente, e o professor deve garantir por exemplo, o que significa um “nó”
a ampliação do repertório de imagens de naquelas linhas retas sobre o mapa.
seus alunos pelo exercício do Portanto, o exercício proporciona a
reconhecimento contínuo de novos objetos (re)elaboração e o progressivo refinamento
de caráter geográfico. dos modelos mentais16 de caráter espacial.
Por sua vez, continuando o A perspectiva sugerida neste
exemplo, o simples fato de evocar imagens estudo, mesmo que esboçada de um modo
não encerra o raciocínio espacial. Ao resumido, sugere inúmeros
imaginar alguns dos objetos citados, parte desdobramentos didáticos no ensino de
do processo de manipulação de imagens15 Geografia.
tem início. Neste exemplo, como parte do
processo citado, a associação de imagens – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
como de pessoas, de programas de bate- INTELIGÊNCIA ESPACIAL E
papo, de computadores, de cabos, das PERSPECTIVA DO ENSINO DE
GEOGRAFIA
14
Adotamos aqui uma abordagem mais simples de
imagem mental, no entanto elas são representações
mentais de objetos, eventos, ambientes e inclusive
de coisas hipotéticas que não estão sendo
percebidas no momento da evocação.
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Diferentemente dos perceptos, imagens mentais “Os modelos mentais são estruturas de
contam com certo nível de organização interna e conhecimento que os indivíduos constroem para
associação a outras imagens mentais. Ver Sternberg entender e explicar suas experiências. Os modelos
(2008, p. 225-226). são limitados pelas teorias implícitas dos
15
Sternberg (2008, p. 234-242) faz referência a três indivíduos sobre essas experiências. Essas
operações básicas de manipulação de imagens: a concepções podem ser mais ou menos precisas.”
rotação, o escalonamento e o escaneamento. (STERNBERG, 2008, p. 245)