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Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No.

2, 2012

PKS REVISTA DE GEOGRAFIA OJS


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(UFPE) OPEN
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SOBRE A INTELIGÊNCIA ESPACIAL E O ENSINO DE


GEOGRAFIA: NOTAS PARA DISCUSSÃO
Leonardo Bez1
1
Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor assistente no Curso de
Pedagogia a Distância, do Centro de Educação a Distância (CEAD), da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). Endereço eletrônico: leonardo.bez@udesc.br.

Artigo recebido em 05/05/2011 e aceito em 20/08/2011

RESUMO
O artigo discute o que aqui denominamos papel formativo do ensino de Geografia, considerando o
desenvolvimento cognitivo da inteligência espacial dos educandos. Para isso, empregou-se a revisão
bibliográfica da literatura científica sobre o assunto, com ênfase no desenvolvimento da inteligência espacial em
Geografia. As principais habilidades cognitivas espaciais foram caracterizadas. O artigo conclui que o papel
formativo da Geografia é alcançado quando os conhecimentos científicos produzidos e as habilidades cognitivas
espaciais dos educandos são igualmente considerados e explorados no processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Ensino de Geografia; Inteligência Espacial; Prática de Ensino.

ON SPATIAL INTELLIGENCE AND TEACHING OF GEOGRAPHY:


NOTES FOR DISCUSSION
ABSTRACT
The article discusses what we call the formative role of the teaching of Geography, spatial intelligence cognitive
development of students. It employed a literature review of scientific literature on the subject, with emphasis on
the development of spatial intelligence in geography. The main spatial cognitive abilities were featured. The
article concludes that the formative role of geography is achieved when scientific knowledge is produced and
the spatial cognitive abilities of the students are also considered and explored in the teaching process.
KEYWORDS: Teaching Geography, Spatial Intelligence, Teaching Practice.

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INTRODUÇÃO há um papel formativo da ciência


geográfica que desenvolva habilidades e
As diretrizes educacionais do
competências cognitivas nos educandos e
Ensino Fundamental1 definem o domínio
que contribua diretamente com a
das competências e habilidades linguísticas
capacidade de apreender e de aprender o
e lógico-matemáticas como meios básicos
mundo? Se há, em que consistem tais
de aprendizagem. Os atos potenciais de
habilidades cognitivas espaciais?
ler, escrever e raciocinar
A fim de responder a esses
matematicamente são considerados
questionamentos, delimita-se o objetivo de
centrais para o desenvolvimento cognitivo
discutir o papel do ensino de Geografia no
dos educandos. Mais do que informar,
desenvolvimento cognitivo da inteligência
cumprem um papel especial: o de
espacial. Para isso, emprega-se aqui a
ferramentas para aquisição do
exposição e análise dos principais
conhecimento. Já as demais disciplinas,
referenciais da literatura científica sobre as
que abordam as questões ligadas à
inteligências múltiplas, passando
sociedade e à natureza, adquirem,
inicialmente pelo processo de
aparentemente, um caráter mais
desenvolvimento infantil e concluindo com
informativo. Elas servem, em primeiro
os principais processos psicológicos
plano, à compreensão do mundo, mas elas
envolvidos no raciocínio espacial.
mesmas não acrescentam habilidades ou
competências que as tornam meios básicos
IMPORTÂNCIA FORMATIVA DA
para a capacidade de aprender. Mas este
CIÊNCIA GEOGRÁFICA NO ENSINO
raciocínio estará correto? Para testar essa
FUNDAMENTAL
hipótese, devemos nos perguntar: afinal,
Há muito tempo os professores de
1
Ao considerar o artigo 32 da Lei de Diretrizes e Geografia têm se deparado com a questão
Bases da Educação (LDB – Lei nº 9.394, e “de que serve ensinar/aprender
alterações posteriores), voltado ao Ensino
Fundamental, bem como os Planos Nacionais de Geografia?”2. Quando tal pergunta é
Educação e as estratégias oficiais de avaliação do
Ensino Fundamental, é possível notar com clareza
a posição superior do domínio da linguagem e do 2
Este tema é tão recorrente na literatura científica
cálculo sobre as habilidades e competências em Geografia que vários autores contemplam suas
trabalhadas por outras ciências. Ver artigo 32 da obras com essa questão. Nas publicações mais
LDB, com alterações posteriores em: BRASIL. Lei recentes, por exemplo, Castellar e Vilhena, em
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº “Ensino de geografia” (São Paulo: Cengage
9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Learning, 2010), orientam esta questão para quais
diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, conteúdos devem ser selecionados pelo professor e
DF, 1996. de como eles devem ser trabalhados. Já Kimura, em
“Geografia no ensino básico: questões e propostas”

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respondida a partir dos conteúdos geográfico, que, por sua vez, concentra
curriculares delineados para cada ano toda a informação necessária ao
escolar, frequentemente não resta margem aprendizado. Assim, aprender significa
para outra conclusão senão a da apropriar-se desse mundo pela
importância informativa dessa ciência. compreensão/representação do espaço
3
Informar , aqui, concatena as práticas geográfico. E há algo errado nessa
docentes de exposição do temário perspectiva? Não. Tais práticas estão
geográfico e de sua explicação, porém com apenas incompletas ao negligenciarem as
a singularidade de posicionar o mundo dimensões cognitivas dos alunos diante da
exterior no centro do processo de ênfase atribuída aos conteúdos da
aprendizagem. Este mundo exterior, lido a disciplina de Geografia. Somente ao
partir dos referenciais teórico- considerar a aquisição e o
metodológicos da Geografia, é delineado a desenvolvimento das habilidades
partir de um objeto de estudo, o espaço cognitivas espaciais no mesmo nível dos
conhecimentos produzidos pela ciência
(São Paulo: Contexto, 2008), levanta essa questão
para discutir o papel do professor no fazer-pensar geográfica, o sentido de formação em
do ato educacional. Da mesma forma Penteado, em
“Metodologia do ensino de história e geografia”
Geografia se torna pleno. Se concordarmos
(São Paulo: Cortez, 2008) dedica todo o último que informar e formar são processos
capítulo de seu livro à discussão dessa questão,
tanto pelo lado do aluno (importância de aprender) diferentes, devemos questionar: por que
quanto pelo lado do professor (importância de
ensinar). muito pouco é dito sobre em que consiste
3
Aqui são necessários alguns esclarecimentos para
que não se conclua, erroneamente, pela exatamente o desenvolvimento cognitivo
superficialidade do caráter informativo do processo
de natureza espacial, em contraposição à
de aprendizagem apontado. Ele não implica juízo
de valor quanto à qualidade do que e de como se enorme produção sobre didática do ensino
ensina, tampouco questiona os resultados obtidos.
Ao contrário, a informação é matéria-prima e e sobre os conteúdos da Geografia?
produto de qualquer ciência e, consequentemente,
do processo de ensino-aprendizagem. O que nos Partimos assim da premissa de que o
interessa, a princípio, oculta-se em algum lugar
entre a informação sobre o espaço geográfico e as preenchimento dessa lacuna requer a
transformações cognitivas do indivíduo
(aprendizagem), de caráter marcadamente espacial.
reconciliação entre a prática de ensino e o
Ainda é preciso esclarecer que a ênfase nos estudo do desenvolvimento cognitivo de
conteúdos da ciência pelos professores de
Geografia, até certo ponto, justifica-se diante do natureza espacial dos educandos. Mas o
colossal desafio de abarcar o amplo universo
conceitual e dar conta da diversidade dos que significa exatamente tal
fenômenos representados (humanos, físicos e os
resultantes de seus entrelaçamentos e lógicas desenvolvimento cognitivo de natureza
organizacionais) em seu processo de formação
socioespacial. Além disso, vale lembrar que a
espacial?
prática de ensino informativa não é exclusiva da
disciplina Geografia, estendendo-se à História, às
Ciências Biológicas e a tantas outras.

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DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ser aprendido. Assim, esse aprendizado


E PAPEL DO ENSINO DE deriva do desenvolvimento dos processos
GEOGRAFIA psicológicos que envolvem percepção,
assimilação, adaptação, memória e
Há certa tendência em supor que a
inteligência.
objetivação do mundo tem origem a partir
Se a consciência é fruto de um
da própria existência do indivíduo, uma
contínuo desenvolvimento das faculdades
vez que a própria consciência só se define
cognitivas, cabe considerar que este
no tempo e no espaço4. Porém a
desenvolvimento não se dá em um mesmo
consciência racional não nasce pronta e
tempo para todos (como em estágios bem
separada do mundo, fato em grande parte
definidos, de acordo com o que
esclarecido por Piaget. Segundo esse autor, 6
pressupunha Piaget ). Da mesma forma,
no primeiro estágio do desenvolvimento
num dado tempo, as várias habilidades e
infantil, por ele denominado sensório-
competências cognitivas não se encontram
motor, espaço e tempo nascem com a
desenvolvidas no mesmo nível. Isto quer
criança. O mundo exterior e o mundo
dizer que a aquisição da linguagem, o
interior não existem de modo dicotômico e
controle corporal-cinestésico ou, o que
independente nessa primeira fase do
interessa aqui, o raciocínio espacial podem
desenvolvimento infantil5. E mesmo
apresentar níveis de desenvolvimento
posteriormente a relação entre a
diferenciados. Daí a preocupação em
consciência e o mundo tão somente é
combinar diferentes “inteligências” nas
reelaborada para uma versão animista da
estratégias de aprendizagem, trabalhando
realidade (estágio pré-operacional), um
várias habilidades e competências
mundo particular imbuído de sentido
simultaneamente. Mas, antes de discutir a
egocêntrico. Só mais tarde esta separação é
aplicação das “inteligências”, deve-se
capaz de ser processada, a partir do estágio
questionar: o que é inteligência?
das operações concretas. Então se conclui
Por muito tempo o domínio
que o espaço é apreendido para só depois
linguístico e lógico-matemático foi tomado

4
como “padrão” para mensuração do
A reconstrução ontológica do conceito de espaço
geográfico empreendida por Ruy Moreira, em desenvolvimento infantil e para definição
“Pensar e ser em geografia: ensaios de história,
epistemologia e ontologia do espaço geográfico”
6
(São Paulo: Contexto, 2007), aponta a origem dessa Para uma síntese didática das principais
tendência ao falar dos juízos a priori da limitações das conclusões de Piaget, ver
consciência, formulados por Kant. LEFRANÇOIS, Guy R. Teorias da
5
Ver PIAGET, Jean. A representação do mundo aprendizagem: o que a velha senhora disse. São
na criança. São Paulo: Ideias & Letras, 2005. Paulo: Cengage Learning, 2009.

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de inteligência. Isso incluiu a formulação No amplo estudo de Gardner sobre


de testes para a avaliação quantitativa da as inteligências múltiplas, o autor definiu
inteligência, como nos consagrados testes diferentes tipos de inteligência: linguística,
de Q.I. (Quociente de Inteligência). No musical, lógico-matemática, espacial,
entanto, o visível descompasso entre essa corporal-cinestésica e as inteligências
concepção de inteligência “absoluta” e pessoais. Dentre elas, interessa-nos a
aquela inteligência “relativa”, inteligência espacial, de difícil
contextualizada em uma cultura, abriu caracterização, diga-se de passagem.
portas para um novo campo de Gardner, por exemplo, define a
investigação. Essa nova linha de pesquisa, inteligência espacial a partir da unidade
desenvolvida por Howard Gardner e sua que certas habilidades cognitivas parecem
equipe, ampliou o conceito de “uma” apresentar. Essas habilidades
inteligência para inteligências múltiplas. fundamentais8 são: 1. a capacidade de
Em sua obra “Estruturas da mente” perceber uma forma, um objeto; 2. a
(2002), Gardner critica duramente o capacidade de perceber tais objetos por
predomínio, na cultura ocidental, de um outros ângulos – e isso inclui –; 3. a
modelo de inteligência estreitamente manipulação mental (por meio de
vinculado ao domínio da linguagem e do imagens) de objetos e formas. Gardner não
cálculo. De acordo com ele, inteligência pára por aí, acrescenta ainda a capacidade
pode ser definida como o potencial para de produzir representações gráficas de
solucionar problemas ou alcançar novas informações espaciais e, pode-se deduzir,
realizações valorizadas e significativas em do reconhecimento de relações espaciais
7
um determinado contexto cultural . Por mais abstratas entre objetos. É interessante
exemplo, para um grupo indígena isolado notar que, embora haja forte conotação do
da região amazônica, o desenvolvimento sentido da visão na inteligência espacial,
da acuidade visual e da habilidade de tanto a formação de imagens e sua
raciocinar espacialmente, num ambiente manipulação espacial podem estar
hostil e desfavorável à fixação de presentes mesmo em pessoas cegas. Com
referenciais de localização, ganham essa explicação, Gardner evita associar a
importância central nesse contexto
cultural. 8
As três capacidades são bastante conhecidas dos
professores da Educação Infantil e Séries Iniciais
ao trabalhar a descentração, como capacidade da
7
Ver GARDNER, Howard. Estruturas da mente: criança se posicionar mentalmente em outro lugar e
a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: descrever como objetos ou espaços seriam vistos
Artmed, 2002, p. IX-X. por este novo ângulo.

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concepção de inteligência espacial ao A posição de Celso Antunes parece


sentido visual. clara quanto a não confundir a
Por fim, partindo desse esboço do contingência de uma inteligência com um
desenvolvimento cognitivo espacial e da ou outro campo científico. De fato, a
breve exposição de algumas das principais inteligência espacial, por exemplo, está
ideias de Gardner sobre a inteligência presente em vários campos de
espacial, pergunta-se: como se define o conhecimento, tão diversos quanto o das
papel do ensino de Geografia no campo do artes e das engenharias. Isso, por outro
desenvolvimento cognitivo espacial? lado, não contradiz o fato de que cada
Nas pesquisas sobre o ensino de ciência tenha um modo particular de
Geografia, Celso Antunes absorveu e trabalhar determinada inteligência, ou
aplicou de forma muito consistente a teoria mesmo que faça uso mais frequente de
das inteligências múltiplas ao ensino dessa uma delas10. E isso não invalida a ideia de
ciência. Para esse autor, as múltiplas que há uma unidade no conjunto das
inteligências devem ser trabalhadas de habilidades e capacidades relacionadas à
modo integral nas aulas de Geografia. Em inteligência espacial. Na verdade, o
outras palavras, delimitar inteligências problema aqui parece mais profundo e,
presta-se somente ao campo teórico da para esclarecê-lo, é preciso dirimir certa
ciência cognitiva, para fins classificatórios confusão entre o uso das inteligências
e didáticos. Na prática docente em múltiplas como técnica pedagógica e o
Geografia, todas as inteligências devem ser desenvolvimento cognitivo propriamente
trabalhadas ao mesmo tempo. E nessa dito dessas inteligências.
linha de raciocínio, Celso Antunes chega a
considerar uma aberração ligar uma DESENVOLVENDO A
determinada disciplina a um tipo INTELIGÊNCIA ESPACIAL EM
específico de inteligência9. GEOGRAFIA: HABILIDADES E
COMPETÊNCIAS
9
Nas próprias palavras de Celso Antunes: “É
evidente que não existe uma inteligência para a
história e outra para a biologia, uma para a
matemática e outra para a informática. Constitui portanto, mais do que óbvio que inexiste uma
uma das mais difundidas tolices a tentativa de inteligência geográfica e histórica. No entanto, se
agrupar disciplinas escolares segundo as quiséssemos inventar essa aberração, a inteligência
inteligências humanas. Como aqui se tem geográfica e histórica seria certamente a
demonstrado, não existem razões para não usar as visuoespacial.” ANTUNES, Celso. A sala de aula
competências linguísticas, lógico-matemáticas, de geografia e história: inteligências múltiplas,
interpessoais e todas as outras em todas as aprendizagem significativa e competências no dia-
disciplinas do currículo ou mesmo em todas as a-dia. 7. ed. Campinas (SP): Papirus, 2010, p. 113.
10
atividades que desempenhamos no cotidiano. É, Ver Gardner (2002, p. 149).

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O uso das múltiplas inteligências habilidades espaciais. O professor deve


nos processos de ensino, por meio da estar consciente de que essas habilidades
combinação de recursos e atividades devem ser trabalhadas desde um nível mais
envolvendo estímulos nas dimensões básico, de reconhecimento perceptual dos
musicais, linguísticas, lógicas, objetos geográficos, até os níveis mais
cinestésicas, espaciais e pessoais, tem avançados de abstração e explicação dos
demonstrado resultados significativos relacionamentos espaciais entre objetos.
quanto à eficiência e duração da Enquanto no nível básico a atenção é
aprendizagem11. As técnicas de dirigida às propriedades dos objetos, como
combinação de recursos e dinâmicas que forma, padrão, cor, ordem, textura, etc., no
envolvem dimensões das múltiplas segundo nível o reconhecimento dos
inteligências constituem um importante objetos permite a manipulação mental
campo da didática para qualquer progressiva de suas representações, a
disciplina. gradativa abstração desses objetos, até a
Por outro lado, quando tratamos interpretação das relações espaciais entre
dos processos cognitivos por detrás do eles13.
ensino de Geografia, procuramos enfatizar Para esclarecer, num breve
o desenvolvimento daquelas habilidades e exemplo, a natureza desse processo, sem
competências próprias à inteligência querer esgotar a reflexão, pode-se imaginar
espacial. Essas habilidades e competências o grande repertório de imagens,
incluem a capacidade de distinguir formas- manipulações, associações e abstrações
objetos, manipular perceptos12 e por trás da abordagem de um tema, como o
interpretar suas relações espaciais em da geografia das redes de internet. Sem
diferentes níveis de domínio das que se queira fixar um objetivo de
aprendizagem específico nesse exemplo,
11
Por exemplo, Dryden e Voss, em seu best-seller deve-se notar que a simples menção às
“Revolucionando o aprendizado” (São Paulo:
Makron Books, 1996), demonstraram cerca de redes de internet promove a evocação de
vinte técnicas de aceleração da aprendizagem
pautadas na combinação de estímulos visuais
uma série de perceptos pela memória:
criativos, música, encenação, leitura, etc., advindos imagens de um computador, de pessoas
da aplicação da teoria das inteligências múltiplas
(além de outros aportes teóricos). manipulando computadores, de softwares
12
Percepto significa a representação mental de um
estímulo percebido, e pode ser formado a partir dos
sentidos da visão, da audição, do tato, do olfato
13
e/ou do paladar. Ver STERNBERG, Robert J. Cumpre notar, no entanto, que esse processo não
Psicologia cognitiva. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, é linear. Por exemplo, novos perceptos podem
2008. provocar a redefinição de relações espaciais e
modelos mentais.

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específicos em uso (por exemplo, de linhas retas de um mapa que ligam cidades
ferramentas de bate-papo), de cabos de – permite rotas possíveis de raciocínio
rede, de pessoas em lugares diferentes na espacial, por exemplo, para elaboração de
frente de um computador, até de um mapa uma explicação sobre a comunicação de
do Brasil com linhas retas entre cidades pessoas em lugares diferentes e distantes
que queiram significar ligações entre em tempo real pelo uso das redes de
computadores, e por aí afora. Neste internet.
primeiro nível citado, há o reconhecimento Num nível de maior abstração, as
de inúmeras formas e objetos em situações associações construídas e refinadas com o
diversas. Ou seja, há a evocação de um auxílio das contribuições do professor
repertório de imagens mentais14. Um permitirão ao educando manipular as
repertório não é estático, mas é ampliado representações construídas e refletir sobre,
gradativamente, e o professor deve garantir por exemplo, o que significa um “nó”
a ampliação do repertório de imagens de naquelas linhas retas sobre o mapa.
seus alunos pelo exercício do Portanto, o exercício proporciona a
reconhecimento contínuo de novos objetos (re)elaboração e o progressivo refinamento
de caráter geográfico. dos modelos mentais16 de caráter espacial.
Por sua vez, continuando o A perspectiva sugerida neste
exemplo, o simples fato de evocar imagens estudo, mesmo que esboçada de um modo
não encerra o raciocínio espacial. Ao resumido, sugere inúmeros
imaginar alguns dos objetos citados, parte desdobramentos didáticos no ensino de
do processo de manipulação de imagens15 Geografia.
tem início. Neste exemplo, como parte do
processo citado, a associação de imagens – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
como de pessoas, de programas de bate- INTELIGÊNCIA ESPACIAL E
papo, de computadores, de cabos, das PERSPECTIVA DO ENSINO DE
GEOGRAFIA
14
Adotamos aqui uma abordagem mais simples de
imagem mental, no entanto elas são representações
mentais de objetos, eventos, ambientes e inclusive
de coisas hipotéticas que não estão sendo
percebidas no momento da evocação.
16
Diferentemente dos perceptos, imagens mentais “Os modelos mentais são estruturas de
contam com certo nível de organização interna e conhecimento que os indivíduos constroem para
associação a outras imagens mentais. Ver Sternberg entender e explicar suas experiências. Os modelos
(2008, p. 225-226). são limitados pelas teorias implícitas dos
15
Sternberg (2008, p. 234-242) faz referência a três indivíduos sobre essas experiências. Essas
operações básicas de manipulação de imagens: a concepções podem ser mais ou menos precisas.”
rotação, o escalonamento e o escaneamento. (STERNBERG, 2008, p. 245)

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Considerando que a objetivação do das evocações e associações mentais ao


mundo exterior se dá de modo gradativo longo da aula. Contando com um maior
ao longo do desenvolvimento cognitivo repertório de imagens e modelos mentais
dos indivíduos, os conjuntos de espaciais, o docente deve produzir um
habilidades/competências que definem a desenho didático detalhado18 de sua aula,
inteligência espacial exercem especial que permita identificar evocações e
influência na compreensão do espaço associações necessárias para construção
geográfico. Isso, no entanto, implica das soluções ao problema geográfico.
refletir as estratégias de aprendizagem até Concluindo, ao trabalhar a partir do
então desenvolvidas. desenvolvimento das habilidades
Ao delinear suas aulas, o professor cognitivas espaciais, o professor passa a
deve refletir sobre dois pontos importantes. refletir mais criticamente sobre os
O primeiro ponto diz respeito à abordagem conhecimentos científicos produzidos e de
do problema geográfico motivador da aula. como abordá-los no processo de ensino-
E o que caracteriza um problema aprendizagem. E, por essa perspectiva, o
geográfico? A questão do arranjo ou campo disciplinar da Geografia encontra
17
ordem espacial dos fenômenos . Essa um papel formativo no currículo escolar.
perspectiva traz ao centro da explicação
geográfica um modo de raciocínio REFERÊNCIAS
específico, um raciocínio espacial. A
ANTUNES, Celso. A sala de aula de
pergunta norteadora da aula importa Geografia e História: inteligências
diretamente para a condução dos processos múltiplas, aprendizagem significativa e
competências no dia-a-dia. 7. ed.
de evocação, de reconhecimento, Campinas (SP): Papirus, 2010.
manipulação e organização explicativa das
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da
imagens mentais. Já o segundo ponto Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20
questiona a própria forma como o
18
Nesse sentido, o trabalho de Tony Buzan,
professor manipula seu raciocínio espacial. intitulado “Mapas mentais e sua elaboração: um
A atenção à forma de articulação do sistema definitivo de pensamento que transforma a
sua vida” (São Paulo: Cultrix, 2009), serve como
raciocínio é essencial para definir o rumo excelente referência para o planejamento didático.
Embora os mapas mentais possuam várias
aplicações, sua ideia central consiste em associar
palavras e imagens de modo “orgânico”,
17
Ver GOMES, Paulo César da Costa. Um lugar semelhante à forma como o cérebro armazena
para a Geografia: contra o simples, o banal e o informações. Além disso, os mapas mentais podem
doutrinário. In: VIII ENANPEGE, 2009, ser elaborados pelos próprios alunos, e seu estudo
CURITIBA. Espaço e Tempo: complexidade e posterior pelo professor fornece informações
desafios do pensar e fazer geográfico. Curitiba: valiosas de como seus alunos interpretam e
Ademadan, 2009. v. 1. p. 13-30. organizam os conteúdos trabalhados.

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de dezembro de 1996. Estabelece as STERNBERG, Robert J. Psicologia


diretrizes e bases da educação nacional. cognitiva. 4. ed. Porto Alegre: Artmed,
Brasília, DF, 1996. 2008.
BUZAN, Tony. Mapas mentais e sua
elaboração: um sistema definitivo de
pensamento que transforma a sua vida.
5. ed. São Paulo: Cultrix, 2009.
CASTELLAR, Sônia; VILHENA,
Jerusa. Ensino de geografia. São Paulo:
Cengage Learning, 2010.
DRYDEN, Gordon; VOSS, Jeannette.
Revolucionando o aprendizado. São
Paulo: Makron Books, 1996.
GARDNER, Howard. Estruturas da
mente: a teoria das inteligências
múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002.
GOMES, Paulo César da Costa. Um
lugar para a Geografia: contra o simples,
o banal e o doutrinário. In: VIII
ENANPEGE, 2009, CURITIBA. Espaço
e Tempo: complexidade e desafios do
pensar e fazer geográfico. Curitiba:
Ademadan, 2009. v. 1. p. 13-30.
KIMURA, Shoko. Geografia no ensino
básico: questões e propostas. São Paulo:
Contexto, 2008.
LEFRANÇOIS, Guy R. Teorias da
aprendizagem: o que a velha senhora
disse. São Paulo: Cengage Learning,
2009.
MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em
geografia: ensaios de história,
epistemologia e ontologia do espaço
geográfico. São Paulo: Contexto, 2007.
PENTEADO, Heloisa Dupas.
Metodologia do ensino de história e
geografia. 2. ed. São Paulo: Cortez,
2008.
PIAGET, Jean. A representação do
mundo na criança. São Paulo: Ideias &
Letras, 2005.

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