Você está na página 1de 13

ESCOLAS CATÓLICAS E O CURSO NORMAL: UM OLHAR SOBRE A

FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS

Maria Nahir Batista Ferreira


Universidade Estadual do Ceará - UECE
e-mail: nahir701@hotmail.com

Antonio Germano Magalhães Júnior


Universidade Estadual do Ceará - UECE
e-mail: germano.junior@uece.br

RESUMO

As ordens religiosas femininas, quando chegaram ao Brasil, inicialmente atuaram


basicamente na abertura de instituições com o intuito de receber moças para seguirem a vida
religiosa. O cotidiano dos conventos, marcado por normas rígidas e vigilâncias constantes,
constituía um dos poucos lugares onde as mulheres aprendiam a ler e a escrever. Assim, as
escolas católicas de formação de professoras surgiram após os conventos e constituíram
espaços de formação das educadoras por meio do curso normal, que era o locus especializado
do modelo de formação praticado, haja vista que mesmo que, as jovens ao completarem a sua
formação não seguissem no exercício do magistério, estavam inseridas num modelo de
educação feminina que exigia da mulher uma influência harmoniosa e benéfica, seja na
atuação na escola, na família ou na sociedade. O objeto da investigação foi a formação
docente ofertada nas escolas católicas, pois essas escolas, além de preparar as moças para o
magistério, não se descuidavam de ajustá-las para serem esposas e donas de casas, estando
presentes no currículo de sua formação os ensinamentos as disciplinas como Música, Língua
Estrangeira, bem como práticas domésticas presentes nas aulas de Bordado, Costura e
Culinária. O objetivo do estudo foi identificar o tipo de formação docente ofertada na escola
normal pelas Filhas de Santa Tereza. O aporte bibliográfico desta pesquisa ancorou-se nos
escritos de Nosella e Buffa (2009), Guacira Louro (1997), Nunes (1997) Lombardi e
Nascimento (2004), bem como na pesquisa documental com foco nas atas e relatórios do
Colégio Senhor do Bonfim, pertencente à Congregação das Filhas de Santa Tereza/Icó-CE,
fontes primárias que registram a implantação da escola em 1938 e a justificativa para a
implantação do internato no ano seguinte, voltado para a educação das moças, proposta esta
inserida no âmbito das escolas católicas de formação de educadoras, cabendo às Irmãs a tarefa
de conduzir as jovens no seu processo de formação. A demarcação temporal estabelecida
nesta pesquisa compreende o ano de 1939, de implantação do curso normal na referida escola,
até 1955, completando um ciclo de atividade da instituição à frente da formação das
professoras, como registra o relatório datado de 1950, “um ano santo”. Como diria Louro, os
cursos normais eram a meta mais alta dos estudos a que uma jovem podia chegar. Resulta
dessa investigação o fato de que a formação feminina estava inserida no modelo de educação
da mulher, atrelada a uma formação moral, pautada nos “bons” costumes e no cumprimento
de ser boa esposa e mãe, não somente no tocante à formação feminina, mas também no ato do
exercício do magistério.

PALAVRAS-CHAVE: Escolas católicas. Curso normal. Formação das professoras.


2

INTRODUÇÃO

O trabalho se propõe, como ideia central, identificar o tipo de preparo das escolas
católicas na formação das professoras, tomando como base a atuação das Filhas de Santa
Tereza de Jesus, à frente do Colégio Senhor do Bonfim, em Icó-CE, fundado em 1938, para
atender a juventude feminina icoense, cabendo às Irmãs a tarefa de conduzir as jovens em sua
formação. Na tessitura de Escolas Católicas e o Curso Normal: um olhar sobre a formação
das professoras, buscamos fazer uma discussão fomentada nos escritos de Nosella e Buffa
(2009), Guacira Louro (1997), Lombardi e Nascimento (2004), bem como em outras
referências bibliográficas sobre o tema e na pesquisa documental por meio da leitura e análise
dos relatórios e atas produzidos pela Congregação, desde a fundação do Colégio Senhor do
Bonfim, cobrindo o período de desenvolvimento do trabalho das religiosas à frente da
formação das professoras por meio do curso Normal.
Na perspectiva da História da profissão docente, a hegemonia da Igreja no
campo da formação foi favorecida, haja vista o insignificante número de escolas normais
públicas no País. Mesmo, porém, com o surgimento dessas instituições, manteve-se o ideal
feminino, visto que a educação feminina praticada era uma formação para o lar, pautada no
desenvolvimento da relação entre instrução e casamento. Com efeito, na primeira parte do
trabalho, destacamos o fato de que a educação feminina trazia o arcabouço da educação cristã,
que buscava educar o corpo para o aprimoramento do espírito. Em seguida, apresentamos o
curso Normal que era o locus especializado do modelo de formação praticado como instância
na mediação da cultura, ou seja, espaços responsáveis pela divulgação do saber, das normas e
técnicas necessárias à formação das professoras. Posteriormente, tratamos da formação das
professoras, mediante a condução das Filhas de Santa Tereza, no Colégio Senhor do Bonfim,
em Icó-CE, sob a observação dos ensinamentos e reflexões do modelo teresiano. Por fim,
trazemos as considerações finais, pois resulta dessa investigação a ideia de que a formação
das professoras estava inserida no modelo de educação feminina atrelada a uma formação
moral não somente no tocante à formação feminina, mas também no ato do exercício do
magistério. Surgia daí um conjunto de referências que deveriam ser fortalecidas em outras
esferas, junto a outras pessoas e grupos em outras modalidades de participação fora da escola.

ESCOLAS CATÓLICAS: EDUCAÇÃO DO CORPO PARA APRIMORAMENTO DO


ESPÍRITO
As ordens e os colégios religiosos femininos, geralmente, buscavam concretizar uma
representação de condutas e rituais que fossem modelo para a sociedade em que atua atuavam.
3

Estas instituições praticavam uma educação, cujo modelo muitas vezes colidia com a vida
cotidiana externa aos estabelecimentos escolares, permeada pela complexidade social,
motivada pela crescente urbanização e as transformações nas relações de trabalho. De certo
modo, essas diferenças entre o ideal religioso e as normas da sociedade estavam presentes na
forma de se vestir das religiosas, os pesados hábitos, obediência, penitência, horários rígidos,
e o silêncio, o que exigia alguns ritos, os quais já sinalizavam bem as diferenças.

O ideal religioso exprimia-se na negação de valores, comportamentos e


normas correntes na sociedade; os costumes conventuais e as formas de
comportamento das religiosas deveriam ser diferentes para marcar essa
distinção com o “mundo”. (NUNES, 1997: 41).

No Brasil, as escolas católicas de formação de educadoras surgiram depois dos


conventos. As ordens religiosas femininas, inicialmente, atuaram com a abertura de
instituições visando a receberem moças para seguir a vida religiosa. Durante anos, a educação
feminina foi incipiente na sociedade brasileira, o que derivou na exclusão da mulher da
educação, fazendo com que a formação feminina fosse prejudicada. Isto porque, muitas
meninas cresciam analfabetas, sem acesso à instrução. Sua educação, normalmente, se dava
no ambiente doméstico, com o aprendizado das tarefas de casa e lições de conduta e boas
maneiras, sendo preparadas tão somente para serem boas esposas e mães, preceitos que
permeavam os ideais da educação feminina, quando não seguiam para o “casamento com
Cristo”.
Assim, a educação feminina nas primeiras décadas do século XX, nas escolas ou
internatos religiosos, tinha o intuito de preservar a moral e a instrução da mulher para o
desenvolvimento do papel de esposa e mãe, tendo como finalidade a manutenção do lar,
“procurando guardá-la dos desvios que pudessem denegrir a imagem da mulher perfeita
(instruída para o lar, e para o esposo)”. (MANOEL, 1996. p. 86). A hegemonia da Igreja nesse
campo foi favorecida, haja vista o insignificante número de escolas normais públicas no País.
Mesmo com o surgimento dessas instituições, porém, se manteve o ideal feminino, visto que a
educação feminina praticada era uma formação para o lar, pautada no desenvolvimento de
relação entre instrução e casamento. “Esse ideal feminino implicava o recato e o pudor, a
busca constante de uma perfeição moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos
filhos e filhas.” (LOURO, 2008, p. 447).
4

Com efeito, a educação feminina estava vinculada ao intuito de uma formação moral,
por meio da fé católica da população, ação ainda motivada pelo movimento da
Contrarreforma que objetivava combater o avanço do protestantismo. Há de se considerar o
emprego do método jesuítico por parte das instituições escolares em sua prática docente.

Todas as congregações católicas que se instalaram no Brasil, do século XIX


em diante, empregaram o método jesuítico em sua prática docente [...] essa
atitude não era fortuita, mas parte da estratégia católica em sua luta contra a
modernidade. (NOSELLA & BUFFA, 1996, p.56).

Vale salientar que, de modo geral, a educação informal dada à mulher nesse período,
tinha a finalidade de fazê-la compreender o seu dever de participar da sociedade como alguém
submissa ao pai, ou ao marido, a eles obedecendo e respeitando. E, ainda, de convencê-la à
imagem idealizada pelo ideário dominante e ao mesmo tempo mostrar que ela seria incapaz
de ter a direção ou o domínio da própria vida.
No tocante à educação religiosa católica, havia uma diferenciação entre a formação
para homens e mulheres. Uma vez que as atividades de direção e tomada de decisões eram
destinadas ao sexo masculino, o mesmo deveria ser instruído para a realização dessas tarefas.
A educação religiosa elaborou imagens que obrigaram a mulher a continuar
enclausurada no espaço doméstico, favorecendo a desigualdade entre os sexos. Obstruída
da tomada de decisões, a mulher “faz, portanto, a figura de elemento obstrutor do
desenvolvimento social, quando na verdade é a sociedade que coloca obstáculos à
realização plena da mulher”. (SAFFIOTI, 1976: 33).

O ofício da mulher era, portanto, de mãe, e responsável pelo lar, o que, em razão da
escassa liberdade e severa vigilância das condutas, era o papel almejado de modo geral
pelas mulheres. Prevalecia a perspectiva de que “a mulher em si não é nada, de que deve
esquecer deliberadamente de si mesma e realizar-se através dos êxitos dos filhos e do
marido”. (RAGO, 1985: 65). Mesmo as que permaneciam solteiras deveriam levar uma
vida discreta, recatada, primando para não envolver seu nome em comentários maliciosos e
geralmente atuavam no cotidiano como boa filha, cuidando dos pais ou como boas tias,
cuidando dos sobrinhos.

Dessa forma, a educação feminina trazia o arcabouço da educação cristã que buscava
educar o corpo para o aprimoramento do espírito. Assim, a educação nas escolas católicas, na
primeira metade do século XX, objetivava investir na formação da professora, que deveria ser
5

capaz de transmitir de forma competente os conteúdos instituídos, fundamentais para a


sociedade da época, mas não esquecendo a preparação para o casamento. Ao consagrar a
mulher professora por sua natureza materna, capaz de professar na maternidade espiritual,
relacionavam-se, simultaneamente, vida profissional e familiar. Este era o caminho único que
se abria à possibilidade de uma ocupação para a mulher que não fosse só a do lar.
No que concerne às escolas católicas de formação de professoras, por se tratar de
instituições particulares, e que eram frequentadas por mulheres, geralmente pertencentes às
famílias mais favorecidas economicamente, ao adquirirem a formação, necessariamente não
seguiriam o magistério, mas atingiam uma formação formal, digna de uma candidata ao
casamento, uma vez que estava inserida num modelo de educação feminina que exigia da
mulher uma influência harmoniosa e benéfica seja na atuação na escola, na família ou na
sociedade.

O magistério primário já era claramente demarcado como um lugar da


mulher e os cursos normais representavam, na maioria dos estados
brasileiros, meta mais alta dos estudos a que uma jovem poderia pretender.
As normalistas nem sempre seriam professoras, mas o curso era, de qualquer
modo, valorizado. Isso fazia com que, para muitas, ele fosse percebido como
um curso de espera marido. (LOURO, 2008:471).

Geralmente, os preceitos moralistas que permeavam a formação feminina marcavam


também o ato de exercer a profissão de professora, envolvendo decisões que deveriam ser
tomadas, como a opção entre o magistério e a função de ser mãe, já que não era recomendável
uma mulher grávida ministrar aulas, o que poderia motivar insinuações por parte dos
estudantes.

O CURSO NORMAL: TRILHAS DA FORMAÇÃO

A história da Escola Normal está associada à necessidade da profissionalização dos


docentes num período de institucionalização da instrução pública no mundo moderno, que se
constituía sob o signo das famílias mais abastadas economicamente. Dessa forma, as escolas
normais como locus especializado em formar professores para o ensino primário, ao longo da
sua história, são marcadas por uma conjuntura sociopolítica, ultrapassando questões de cunho
meramente pedagógico. Para Mario Manacorda, as raízes da Escola Normal europeia
6

remontam às iniciativas da Reforma e Contrarreforma, onde as escolas eram de caráter


assistencial para os pobres ou aristocráticos para a formação de dirigentes, e geralmente
oferecidas por alguma ordem religiosa, como era o caso da ofertada pelos jesuítas no Brasil.
(1997: 228).
As escolas normais começaram a aparecer no cenário sociocultural brasileiro na
década do século XIX. Em 1835, em Niterói, em 1836, na Bahia, em 1845, no Ceará e, em
1846, em São Paulo.
Durante a República, em meados do século XIX, surgem a defesa da laicidade do
ensino e o fim do domínio Igreja Católica. A Igreja ainda detinha, no entanto, o controle de
parte do Magistério, pois contava com maior tradição no ensino e era a responsável pela
educação da mulher.
Jorge Nagle, em seu Educação e sociedade na primeira República (2009), aponta que
a superação do regime monárquico pelo republicano não implicou transformação consistente
nos fundamentos sociais da sociedade brasileira. Continuou sob o novo regime político,
praticamente, a mesma estrutura do poder, igual mentalidade, as mesmas instituições básicas
e, principalmente, semelhantes interesses dos grupos dominantes do Período Imperial.
Assim, a formação, bem como a profissão docente, mantinham, de certo modo,
vínculos com suas origens religiosas, uma vez que a formação não estava associada somente à
instrução, mas a moral cultivada pela sociedade. Por meio de exigências simbólicas, ou
mesmo explícitas, atribuídas ao perfil da professora, esta se viu submetida “a um estrito
controle sobre seus desejos, suas falas, seus gestos e atitudes, encontrando na comunidade um
fiscal e um censor de suas ações.” (LOURO, 2003: 79).
A presença de instituições privadas, principalmente católicas, responsáveis pela
formação de professoras para o setor público, transmitia a influência religiosa, constatando
que “há um etos religioso fundante na formação dessas primeiras professoras.” (LOPES &
GALVÃO, 2001, p.73). Com a feminização do magistério primário, as congregações
especificavam em seus colégios uma educação de conduta ética, religiosa, estética de
formação para o lar, que podendo ser observados, em seu ensino ministrado às alunas, os
valores da função natural da mulher: ser mãe-professora.
Desde o momento de sua institucionalização, as escolas normais foram importantes
instâncias na mediação da cultura, ou seja, espaços responsáveis pela divulgação do saber, das
normas e técnicas necessárias à formação das professoras, constituindo assim, um ethos que
elabora uma cultura pedagógica para a formação docente feminina.
7

Existia, portanto, uma relação entre educação e cultura, haja vista a educação para a
formação humana, Acerca dessa relação, Jean Claude Forquim (1993) assim se pronuncia:

Se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe


sempre também necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição
de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores,
que constituem o que se chama precisamente de “conteúdo” da educação [...]
este conteúdo que se transmite na educação é sempre alguma coisa que nos
precede, nos ultrapassa e nos institui enquanto sujeitos humanos pode-se
perfeitamente dar-lhe o nome cultura. (P.10).

A proposição da Escola Normal como agência formadora estava inserida no modelo


educacional caracterizado por uma moral católica de formação de educadoras, cabendo as
Irmãs a tarefa de conduzir as jovens na sua formação.

A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS: A CONDUÇÃO DAS FILHAS DE SANTA


TEREZA DE JESUS NO COLÉGIO SENHOR DO BONFIM/ICÓ-CE

O Colégio Senhor do Bonfim/Icó-CE foi criado em janeiro de 1938, pertencente ao


quadro educativo da Congregação das Filhas de Santa Tereza de Jesus, sediada em Crato-CE.
Foi criado “para a educação da mocidade feminina icoense”. (RELATÓRIO PERSPECTIVA
DA FUNDAÇÃO DO GINÁSIO SENHOR DO BONFIM, 1938). Até o ano de 1975, a escola
esteve sob a direção das Irmãs da Congregação e dedicou por longo tempo a educação apenas
das jovens, servindo de noviciado e formando-as no curso Normal. Dos anos de 1975 a 1989,
estiveram na direção ex-alunas e também ex-professoras Eutímia Maciel e Irismar Maciel,
que solteiras, dedicaram a vida inteira ao magistério. De 1990 a 2000, a direção esteve sob a
responsabilidade das educadoras Lourdes Maciel e Sílvia Pinheiro. Em 2001 a escola retornou
para a direção das Filhas de Santa Tereza, funcionando da Educação Infantil ao Ensino
Médio.
Inicialmente, a comunidade e o Ginásio Senhor do Bonfim se instalaram num sobrado
cedido pela Paróquia Nossa Senhora da Expectação. Em agosto do mesmo ano, foi transferida
para a sede definitiva, no prédio comprado ao Padre Bernardino Antero, ampla construção do
século XIX, incluindo capela e cemitério, onde ficava a antiga casa da família Antero. Na
aquisição do prédio, a Congregação recebeu como doação a Capela do Coração de Jesus e
ficou responsável pelo cemitério particular da família. De acordo com os relatórios da
Congregação, no tocante à doação da capela foram cunhadas na escritura de doação as
8

seguintes claúsulas: “Zelar o cemitério da família”. “Não retirar nenhum objeto ou móvel da
Capela para outra casa nem mesmo por empréstimo”. (RELATÓRIO PERSPECTIVA DA
FUNDAÇÃO DO GINÁSIO SENHOR DO BONFIM, 1938).
Assim, o Colégio Senhor do Bonfim iniciou as atividades de formação das
professoras, cabendo às Irmãs a tarefa de conduzir as jovens no seu processo de formação.
“Em setembro de 1942 o colégio recebeu as visitas da Escola Normal Rural do Juazeiro e do
Ginásio Santa Tereza do Crato, na pessoa de algumas de suas alunas e professores.”
(RELATÓRIO, 1942). Este é fato revelador de que a proposta de formação das Filhas de
Santa Tereza estava inserida numa proposta de magistério para a mulher. Há de se considerar
a noção de que o contexto histórico, político e social da sociedade brasileira onde essas
instituições estavam inseridas e que, consequentemente, desencadeou mudanças no campo
educacional, provocou mudanças no pensamento feminino, bem como no imaginário criado
sobre a mulher dentro da sociedade brasileira. Ante as mudanças, então, se procurou por meio
da educação, uma identidade nacional. Dessa forma, buscava-se uma identidade feminina em
meio ao predomínio e à supremacia masculinos. Efetivamente, “a prática educativa voltou-se
para um sujeito humano novo [...] impôs novos protagonistas (a criança, a mulher, o
deficiente), renovou as instituições formativas desde a família até a escola, a fábrica etc.”
(CAMBI, 1999, p. 512).
Com efeito, a mulher passa a ser alvo do modelo de formação praticado nas escolas
católicas de formação de educadoras. Como relata Magalhães Júnior, havia uma linha
filosófica bem definida em relação à formação das educadoras:

Eram escolas com uma linha filosófica bem definida, pautadas na formação
moral, caracterizada por um tradicionalismo em relação aos comportamentos
exigidos das educandas, que, para serem dignas de receber os elogios de uma
sociedade marcada pelo tradicionalismo moral católico, necessitavam seguir
um modelo mariano de conduta e negar os “desejos” e ações transgressores
de Eva. (2003:99).

A Escola Normal tinha o objetivo de ensinar a professora primária a ensinar, ou seja,


reproduzir e praticar modelos, constituindo uma identidade feminina com foco na ideia de
mãe-educadora, única possibilidade aceita socialmente de inclusão da mulher no mercado de
trabalho.
O curso Normal oferecido pelas escolas católicas, ao se ocupar da formação da futura
professora, não se descuidava de prepará-las para o lar e para a vida espiritual, sendo comum
9

a prática dos retiros espirituais para as estudantes, como o ocorrido “nos dias 29, 30 e 1º de
outubro, deu-se o retiro das alunas, pregado pelo Padre Manoel Germano, sacerdote jesuíta”.
(RELATÓRIO, 1955).
As fontes documentais registram o cenário do desenvolvimento da formação e revelam
a ênfase na ideia de preparar as moças para o magistério, sem se descuidar de prepará-las para
serem esposas e donas de casa, estando presentes no currículo de sua formação os
ensinamentos de disciplinas como Música, Língua Estrangeira, bem como práticas domésticas
presentes nas aulas de Bordado, Costura e Culinária. Como é possível perceber no Relatório
da Congregação das Filhas de Santa Tereza datado de 1941 tratando da formação das moças
icoenses:

Procurando servir com mais eficiência a população local, o colégio não se


preocupou no corrente ano, apenas com a educação intelectual das suas
alunas; os trabalhos manuais, a arte doméstica foram também considerados
como indispensáveis à juventude feminina. E assim bem empenhadas no
cumprimento da missão de educadora eficientes distribuíram as Religiosas,
diplomas de corte e Arte culinária a mais uma turma. (RELATÓRIO, 1941)

A reflexão sobre as fontes documentais é fecunda no percurso teórico e metodológico


dos estudos de História da Educação, haja vista a possibilidade de constituir o sentido e as
delimitações do objeto de estudo, bem como a compreensão da História da profissão docente.
Assim, um olhar atento às fontes é capaz de revelar as trilhas da formação.

Assim, é preciso usar as informações iniciais obtidas para que estas nos
levem a novos dados, lendo “nas linhas e entrelinhas” e atentos aos indícios
que levam a novas perguntas e a novas fontes – formando, dessa forma, uma
rede de informações. É importante não recorrer a uma única fonte, mas sim
confrontar várias fontes que dialoguem com o problema de investigação e
que possibilitem (ou não) que se dê conta de explicar e analisar o objeto
investigado. (LOMBARDI e NASCIMENTO, 2004:156).

Nos relatórios das visitas canônicas feitas ao Colégio Senhor do Bonfim, a madre
superiora registra todos os aspectos observados durante a sua visita, cuja permanência, de
acordo com os documentos analisados, variava de três a sete dias. Os relatórios registram o
fato de que as atividades das visitas canônicas consistem em acompanhar a comunidade em
suas atividades diárias, ouvir as religiosas em particular, verificar a parte econômica da
escola, os aspectos físicos do prédio, as benfeitorias, acompanhar as aulas, bem como
10

observar a vida comunitária e espiritual e as possíveis falhas que deverão ser corrigidas. O
relatório da visita canônica de 1950 registra “Ano Santo 1950” e reforça a importância da
disciplina quando aponta. “A casa ainda deixa alguma coisa a desejar em relação à disciplina,
das alunas”. É importante lembrar que a Igreja Católica definiu 1950 como o ano santo, em
razão do Congresso Eucarístico que se realizava no Rio de Janeiro, à época era o Distrito
Federal, capital do Brasil, acontecimento que reflete na vida da comunidade teresiana e nos
trabalhos desenvolvidos.
Com base na leitura e análise dos relatórios percebe-se a importância que as Irmãs
atribuíam na formação das professoras à preparação para as prendas domésticas, conforme
Madre Teresa Machado registra em sua visita. “Há em geral um gosto pelo trabalho manual
achando-se nessa data uma bonita exposição e aqui deixo o meu louvor às alunas e mestras”.
(RELATÓRIO, 1995).
Em se tratando de uma escola católica nota-se que a disciplina, o recolhimento e o
silêncio eram elementos que não poderiam ser esquecidos. Assim, no relatório da visita
canônica de 1953, é registrado:

Dois pontos importantes para melhorar a disciplina: o interesse que todos


devem ter pela pontualidade, atendendo sem demora ao toque da sineta para
os atos comuns. O respeito ao grande silêncio da noite, não só procurando
guardá-lo fielmente, mas ainda fazendo com que as próprias alunas o
observem. (RELATÓRIO, 1953).

Para as religiosas, é recomendada a observação dos ensinamentos e reflexões de Santa


Tereza do Menino Jesus: “ter sempre que for possível os capítulos IX e X do Livro História
de Uma Alma. Que belos e interessantes ensinamentos ali se encontram que muito ajudarão as
Irmãs a bem viver na prática da vida comum”.
Vale a pena salientar a ideia de que, mesmo diante das exigências de obediência,
silêncio, horários rígidos, uso do uniforme, vigilância, penitência, não se registra
descontentamento com a escola nem com a formação recebida. Os eventos culturais, as
solenidades religiosas, os rituais cotidianos e as formaturas sinalizam a aceitação ao modelo
de formação praticado. Na análise dos documentos, é possível extrair manifestações de
aceitação à orientação das Filhas de Santa Tereza. “Após a missa e o café fomos com alunas
internas e externas e algumas professoras passar o dia em um pic-nique. [...] Lá a meninada
brincou bastante e alegremente. À tardinha estávamos de regresso do passeio”. (RELATÓRIO
DAS ATIVIDADES, 1951).
11

No que concerne à vigilância das estudantes, no Termo de Visita Canônica (1953), é


mencionado: Para maior eficiência dos trabalhos procurei estimular as Religiosas para num
maior esforço melhorar ajudarem a Superiora Local, conservando o asseio, ordem e
constante vigilância nas alunas. Grifos nossos.
Como se pode observar, a vigilância era uma constante, haja vista os valores da função
natural destinados à mulher, ou seja, mãe e professora, servindo de modelo no lar, na escola
ou mesmo na sociedade.
Um momento a ser destacado era a formatura. Concluído o curso, era chegado o
momento para a demonstração da especificidade da escola na formação de suas professoras,
bem como de prestar homenagens às autoridades constituídas. Era a coroação de um momento
perseguido e esperado por todos. “À noite sessão solene presidida pelo Paraninfo da Turma,
onde as professorandas e humanistas em plena satisfação pela vitória conquistada recebiam
das mãos de Sua Excia. seus diplomas”. (ATA DE REGISTRO DE ATIVIDADES 1955).
Era, portanto, uma formação orientada pelo modelo de mulher vigente à época, com
forte apelo às devoções marianas. Surgia daí um conjunto de referências que deveriam ser
fortalecidas em outras esferas, junto a outras pessoas e grupos, em outras modalidades de
participação fora da escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização deste trabalho em torno da formação das professoras, assim como
das instituições responsáveis por essa formação, tencionamos oferecer algumas contribuições
para a História da profissão docente, porquanto a compreensão da História da profissão
docente possibilita maior entendimento do exercício da docência nos vários segmentos
educacionais em diferentes níveis e complexidades. O resultado da pesquisa revelou que a
formação das professoras icoenses estava inserida no modelo de educação feminina atrelada a
uma formação moral, não somente no tocante à formação feminina, mas também no ato do
exercício do magistério. Ao consagrar a mulher-professora por sua natureza materna, este era
o caminho único que se abria à possibilidade de uma ocupação para a mulher que não fosse
somente o lar.
Dessa forma, a educação feminina trazia o arcabouço da educação cristã e as escolas
católicas, ao atuarem na formação da professora, trabalhavam os conteúdos instituídos, ao
mesmo tempo em que não se descuidavam da preparação para o casamento.
12

O modelo de formação praticado no Colégio Senhor do Bonfim pelas Filhas de Santa


Tereza de Jesus estava imbuído desse espírito de educação feminina, com forte apelo ao
modelo mariano, aos rituais católicos, a uma conduta moral de professora e preparação para o
lar. Os achados da pesquisa documental sinalizaram o ardor teresiano que movia as religiosas
e apontavam para a observação e obediência da educação vigente e que as professoras
deveriam cumprir. Por meio da análise dos documentos produzidos pela Congregação,
vislumbramos um instantâneo do que se almejava das futuras professoras.
As referências e valores que permeavam a formação da juventude feminina icoense,
por meio da orientação das religiosas, deveriam ser fortalecidos fora da escola formadora na
atuação como professora primária, ou, se não seguisse o magistério, a influência harmoniosa e
benéfica deveria ser praticada seja na família ou na sociedade.

FONTES

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA DE JESUS, Relatório Perspectiva


da Fundação do Ginásio Senhor do Bonfim, 1938.

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA DE JESUS, Relatório 1941.

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA DE JESUS, Relatório 1942.

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA DE JESUS, Relatório 1950.

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA DE JESUS, Relatório 1953.

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA DE JESUS, Termo de Visita


Canônica 1953.

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA, Relatório 1955.

CONGREGAÇÃO DAS FILHAS DE SANTA TEREZA DE JESUS, Ata de Registro de


Atividades 1955.

REFERÊNCIAS

CAMBI, F. História da Pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora UNESP,
1999.
13

FORQUIN, Jean Claude. Escola e Cultura: as bases epistemológicas do conhecimento


escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

LOPES, E. M. T. & GALVÃO, A. M. O. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A,


2001.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-


estruturalista.
Petrópolis-RJ: Vozes, 2003.

LOMBARDI, José Claudinei e NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. (Orgs.). Fontes,


história e historiografia da educação. Campinas/SP: Autores Associados, 2004.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História
das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.

MAGALHÃES JÚNIOR, Antônio Germano. Vigilância, transgressão e “punição”:


memórias de ex-alunas de escolas católicas de formação de educadoras (1964-1969). 201 f.
Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de
Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2003.

MANACORDA, Mario A. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 6 ed. São
Paulo: Cortez, 1997.

MANOEL, I. A. Igreja e Educação Feminina (1859-1910). Uma face do conservadorismo.


São Paulo: EdUNESP, 1996.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: Edusp, 2009.

NOSELLA, P. & BUFFA, E. Schola Mater: a antiga Escola Normal de São Carlos. São
Carlos: EdUFSCar, 1996.

NUNES, Maria José Rosado. Freiras no Brasil. In Priore, Mary Del (org.); BAZANESSI,
Carla (Coord. de textos). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.

RAGO, M. Do cabaré ao lar: A utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. 3ed Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.

SAFFIOTI, H. I. B. A Mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes,


1976.

Você também pode gostar