As preocupações com a escola pública para formação elementar levaram ao
surgimento da escola graduada e seriada, cuja expressão máxima foi o grupo escolar (ao lado das escolas-modelo). Tal modalidade, que presumia um mínimo de padronização, por exemplo, no tempo escolar e nos programas de ensino — foi concebida como estratégia para elevar a alfabetização em meio a extratos mais amplos da população. Acreditava-se que ampliar a oferta de instrução escolar elementar era diminuir índices de analfabetismo e que reduzir tais taxas era civilizar o povo. Tais condições eram o caminho rumo ao progresso da pátria (ARAÚJO, 2013). A preocupação com a educação das massas tinha efeitos extra educacionais, pois abria possibilidades de trabalho remunerado para homens e, sobretudo, mulheres. Por um lado, o processo de urbanização e industrialização instaurado na República ampliou oportunidades de trabalho masculino: “[...] profissões voltadas para as elites e para o sistema produtivo e tecnológico sempre se mostram plenamente qualificadas, 39 prestigiadas e bem remuneradas”; mais que isso, em tais relações de “lógica capitalista”, ocorre um “[...] processos de desqualificação que não é diferente daquele que ocorre com as outras ocupações profissionais, principalmente se estas estiverem voltadas para o setor social” (ALMEIDA, 2014, p. 129–130). A compreensão das condições sociais de controle da conduta da mulher na sociedade republicana, de acordo com Almeida (2004), supõe reconhecer uma reiteração delas no discurso católico de que elas, por carregarem a mancha do pecado original, deveriam ser vigiadas; e que a salvação delas seriam o casamento e a maternidade. Embora a figura feminina estivesse ligada à pureza da virgem Maria, essa visão encontrou embasamento no catolicismo. Igualmente, o pensamento republicano desse contexto era o de que uma moça pura devesse se tornar esposa e mãe de família, ou então professora, para evitar uma vida errática, pecaminosa (ALMEIDA, 2004). A importância do envolvimento da Igreja com a escola primária, é inegável. Se for acertado o pensamento de que o ideário católico era abstrato demais para ser assimilado pelo público da escola primária — à qual se destinavam as normalistas —, então o Curso Normal era uma instância essencial para aplacar tal efeito. As normalistas constituíam um público leitor especial para conteúdos afins não só ao desenvolvimento de uma consciência católico religioso-familiar de docência, ensino e aprendizagem; mas afins também a uma didática que pudesse traduzir, na concretude da sala de aula, a abstração dos postulados católicos a serem explorados como conteúdos de uso escolar. A Escola Normal surgiu no Brasil em meados século XIX, numa tentativa de suprir a demanda por docentes com formação em magistério (LOURO, 2001; BASTOS, 2006). Para Araújo (2103, p. 1), “A criação de escolas normais no Brasil é tributária do movimento europeu, basicamente coincidente com ele, e que clamava e impelia à estruturação da formação do professor”. Nesse sentido, a ideia de entregar, às mulheres, a sagrada missão de educar já existia no imaginário social pré-República, como disse Almeida (2004). Aos governantes republicanos restava enxergar a necessidade e delinear formas de supri-la como ação da oferta de escola elementar a camadas mais amplas da população (ALMEIDA, 2004). Uma solução mais primordial foi destinar profissionalmente tal missão a moças de poucos recursos materiais; ou seja, criar cursos preparatórios de formação em escola pública, que se pretendia laica e de coeducação. Como se lê em Almeida (2004), os republicanos depositaram nas mãos da mulher a responsabilidade por orientar a infância e moralizar costumes. Ao almejarem o progresso nacional, quiseram regenerar a sociedade abraçando um discurso de otimismo 41 quanto à educação. Assim, a introdução das mulheres no magistério, segundo a autora, respondia às demandas do projeto liberal — que pretendia tornar a escola universal — e se embasou em concepções do catolicismo — fundamento para a intenção de modelar e moralizar corpos e almas, corações e mentes. O Ensino Normal em escolas confessionais e públicas formava suas alunas com base na lógica classificatória de papéis masculinos e femininos na sociedade; igualmente, a lógica era a de conteúdos básicos: caso as moças quisessem aprofundar conhecimentos, seria em curso superior. Como diz Louro (2001), a intencionalidade era priorizar a moral em detrimento do intelecto, ou seja, a subjetividade em vez da razão, no caso da maioria das mulheres. Afinal — cabe frisar —, deveriam estar primariamente abnegadas e restritas ao lar e à família. As normalistas eram, então, moças que obtinham o diploma de nível secundário. Na Escola Normal, elas recebiam formação técnica e pedagógica para dar aulas nas escolas primárias. As escolas primárias seriadas que se chamavam hegemonicamente de grupo escolar. Outra modalidade era a chamada Escola Modelo, nessas escolas existiam uma escola primária anexa à Escola Normal. As Escolas Modelos representavam o vínculo da Escola Normal com o grupo escolar. No entanto, tais escolas eram poucas, e ocorriam mais nas capitais, oferecendo uma formação também direcionada para as 42 normalistas, só que ainda mais aprofundada e com possibilidade de interação com o grupo escolar em anexo. Como professoras recém-formadas atuando nas primeiras décadas do século XX, diz Louro (2001), eram chamadas de professorinhas normalistas. À medida que o discurso científico passou a disseminar novas teorias psicológicas e sociológicas da pedagogia moderna, entra em cena a nomenclatura educadora. Em Azevedo e Ferreira (2006), reparou-se que na Primeira República o discurso escola novista ao exaltar a ciência, a técnica, requeria a preparação de um novo tipo de professora, formada segundo os princípios da pedagogia moderna. Havia razões suficientes para Igreja se organizar em prol de uma atuação mais incisiva no campo educacional. Assim, de 1928 em diante, os católicos fundaram as chamadas associações de professores católicos país afora. A reunião delas se fortaleceu a ponto de demandar uma organização maior: a Confederação Católica Brasileira de Educação. Foi sob os auspícios de tais instituições que os católicos produziram os textos — veiculados em publicações impressas, cursos e conferências, com o intuito de diminuir o fascínio exercido pela escola moderna sobre o professorado; que organizaram congressos católicos de educação, bibliotecas pedagógicas, de impressos e revistas de conteúdo pedagógico, dentre outras formas de propagar seu ideário. A intenção era atingir professores de escolas católicas e escolas públicas (CARVALHO, 1989; SAVIANI, 2008). A reunião de forças e a organização institucional em prol da educação foram ações comuns a quem era o antidiscurso da Igreja na educação, assim como favorável à escola pública gratuita. Um grupo de intelectuais de origem diversa, mas sobretudo de São Paulo, conseguiu articular um movimento de renovação da escola e da pedagogia no país em que não havia lugar para ensino religioso. Trata-se do movimento da Escola Nova, também escola moderna, escola ativa ou escola renovada (SOUZA, 2001). Em meio ao movimento da Escola Nova, foi fundada a Associação Brasileira de Educação, por Heitor Lyra, que “[...] pensou em uma entidade ampla, capaz de congregar todas as pessoas, de várias tendências, em torno da bandeira da educação” (SAVIANI, 2008, p. 177). Tal instituição vinha reunir vozes afins às discussões sobre educação e à demanda crescente por tais debates na década de 1920. Para Carvalho, Araújo e Gonçalves Neto (2002), a associação abrigou educadores que objetivavam defender seus campos de trabalho, daí ser ela instituição brasileira com tal intuito e que reuniu gente de vários estados, sobretudo a partir de 1927, via conferências nacionais de educação. Delas participaram Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Heitor Lyra e outros. Tais eventos tinham como finalidade a defesa de interesses da educação baseados nos pressupostos da Escola Nova. Em um ambiente de aceitação da Igreja Católica no meio governamental, os católicos recorreram à imprensa para fazer veicular o ideário católico no meio educacional público. O público leitor vislumbrado foi o professorado: docentes de orientação católica e escola novista, de escolas públicas e escolas privadas. Como os 59 governos republicanos consagraram o grupo escolar como modelo de escola primária país afora material, a Igreja pouco podia fazer no âmbito do ensino e da aprendizagem como administradora escolar; mas podia fazer muito no âmbito da formação e orientação dos professores, com a inculcação de elementos de recristianização da pátria. Na frente de ação no campo da docência, intelectuais, educadores e estudiosos católicos aguerridos explorar a possibilidade de publicar. De forma perspicaz, a Igreja garantia sua presença na educação estabelecendo relações de harmonia com políticos responsáveis pela produção da Revista do Ensino, que lhe davam chancela oficial para publicar conteúdos didático-pedagógicos de fundo religioso-cristão. Ao publicar princípios pedagógico- catequistas na revista, a Igreja conseguia veicular seu ideário em meio a um número expressivo de educadores.