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COMPREENSÃO DO OUTRO, COMPREENSÃO DE


MIM
Empatia e autismo

Doralina Enge Marcon


Jaime Doxsey
Faculdade AVANTIS
Especialização em Psicologia Clínica na Abordagem Centrada na Pessoa
09/08/14

RESUMO

O objetivo desse estudo foi refletir sobre o autismo e a empatia, sob a luz da Abordagem Centrada
na Pessoa, nas relações humanas. Foi usado como método o ensaio teórico, promovendo reflexões
e questionamentos sobre o tema. Ao longo da discussão são apresentadas características de
pessoas com autismo em relação à empatia e relacionamentos, bem como uma reflexão sobre a
empatia na visão rogeriana e como pode estar na relação com qualquer pessoa sejam quais forem
suas características. Por fim, é possível perceber que a experiência prática, com a teoria precisam
estar atreladas à um profundo respeito e uma inteira disponibilidade para estar com a pessoa
enquanto pessoa.

Palavras-chave: empatia; autismo; Abordagem Centrada na Pessoa.

INTRODUÇÃO

O estudo realizado está vinculado ao Curso de Especialização Clínica na Abordagem


Centrada na Pessoa que objetiva desenvolver competências e habilidades para atuar na psicologia
clínica, a partir da Abordagem Centrada na Pessoa. Considerando que empatia é um dos conceitos
que subsidia o atendimento clínico dentro da Abordagem Centrada na Pessoa é possível afirmar
que, nesse contexto, vi possível articular uma discussão sobre empatia na relação com pessoas com
autismo.
Ao pensar na relevância dessa pesquisa, ressalto a importância de estudos referente às
especificidades clínicas para nos ajudar no entendimento das pessoas sejam quais forem suas
características. Algumas abordagens psicológicas pesquisam o autismo e sua intervenção e ao longo
do estudo encontrei em grande número pesquisas na abordagem Comportamental (Leal; Rodrigues,
2011; Bosa, 2002; Varella, 2013; Leite, 2005). Já quando se trata da Abordagem Centrada na
Pessoa (ACP) percebi a escassez de trabalhos publicados nesse sentido (Fadda, 2013; Cristo, 2009).
Nessa lógica me surgem questões como que motivo leva os estudiosos da ACP a pouco explorarem
determinados casos clínicos? Ou ainda, quando o fazem, por que as pesquisas são pouco
divulgadas? Por esse motivo, me parece importante fomentar pesquisas e discussões, à luz da ACP,
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em casos clínicos como o autismo, o que, a meu ver, contribui para a prática clínica de psicólogos
ou quaisquer profissionais que se utilizam da ACP em sua prática.
Tal abordagem psicológica busca dar ênfase às relações como geradoras de crescimento.
Rogers (1977) defende que o ser humano tem a tendência de “compreender a si mesmo e de
resolver seus problemas de modo suficiente para alcançar a satisfação e eficácia necessárias ao
funcionamento adequado” (p.39). Porém, “o exercício dessa capacidade requer um contexto de
relações humanas positivas, favoráveis à conservação e à valorização do ‘eu’, isto é, requer relações
desprovidas de ameaça ou de desafio à concepção que o sujeito faz de si mesmo” (Rogers, 1977,
p.40). Essa ideia demonstra que as relações humanas positivas são condição importante para o ser
humano se desenvolver e ser. Por ser uma abordagem que reconhece as relações de maneira tão
fundamental para o crescimento pessoal, certamente a ACP terá potencial para contribuir no
desenvolvimento das relações das pessoas, seja qual for seu diagnóstico.
Ao pensar em crescimento e relações humanas na ACP, me remeto às atitudes terapêuticas
facilitadoras, são elas: autenticidade, consideração positiva e empatia. Dou maior atenção à empatia,
que conforme Goleman (2001) apresenta em sua obra, pesquisadores tem percebido que momentos
de empatia são decisivos para a forma que as pessoas irão lidar com questões emocionais,
considerando que criam algo chamado de sintonia, que permite que a pessoa possa encontrar lugar
para compreender suas próprias emoções, descobrindo, dessa forma, espaço para formar relações
humanas. Assim questionei: a empatia, característica ausente em pessoas com autismo, também
pode estar a serviço dessas pessoas quando em relação com uma pessoa que a possui? Como a
empatia pode figurar na relação com a pessoa autista de forma que a ajude em seu crescimento?
A partir dessas reflexões, meu objetivo geral é: discutir sobre a empatia na relação com
pessoas com autismo com luz na Abordagem Centrada na Pessoa. Objetivo desmembrado nos
seguintes objetivos específicos: caracterizar a empatia em pessoas com autismo considerando os
novos estudos neurológicos sobre o tema; relacionar a empatia rogeriana com a forma de se
relacionar de pessoas com autismo.
Como ponto significativo compreendi melhor as dificuldades da capacidade empática em
pessoas com autismo neuropsicológicamente e vivencialmente, refletindo sobre qual é o papel da
empatia na relação enquanto facilitadora de desenvolvimento. Essas reflexões me fizeram pensar
que, para estar empaticamente com qualquer pessoa, é necessário estar para além de compreender
seu funcionamento como um todo, mas principalmente estando disponível para estar com ela
enquanto pessoa. Dessa maneira torna-se possível estar com o seu crescimento e desenvolvimento
pessoal.
Durante a escrita não me detive em classificar tipos, níveis ou espectros do autismo, mas
sim em escrever de modo geral, focada no processo de ser e, no caso, lançando ideias sobre o
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processo de ser pessoa com autismo, sem classificações rígidas. É perceptível também que, apesar
de falar das características autistas, o tom que dei enfatiza a demonstração de formas de perceber o
mundo, apresentando da maneira menos técnica possível para mim, tentando estar mais próxima do
outro enquanto pessoa.
Como caminho metodológico da monografia, escolhi o ensaio teórico. O desafio de
imaginar uma pesquisa sem categorização prévia, sem tabelas, dados coletados ou qualquer formato
arraigado durante a graduação foi significativo. Nessas pesquisas pensava que os dados coletados
me levariam para onde deveria ir, para além dos meus objetivos. Ao pensar em fazer um ensaio
teórico acreditei que não me levaria para nada além do que delimitei estudar. Duvidei de mim
mesma e da minha potência de criar, criar ideias e fazer descobertas para além dos objetivos, a
partir de mim. Assim, apresento que minha metodologia foi o processo de descoberta que se deu a
partir de mim, da minha experiência e dos meus estudos. Dessa forma, fiz uma análise crítica da
literatura disponível e um ensaio reflexivo sobre as implicações de suas fontes e interpretações.
Como afirma Meneghetti (2011) “a orientação é dada não pela busca das respostas e afirmações
verdadeiras, mas pelas perguntas que orientam os sujeitos para as reflexões mais profundas” (p.
321).
Ao fazer essas reflexões, sinto que produzi um texto em formato de trança, em que horas
falo do outro, horas de mim, horas do outro, horas de mim... E nesse entrelaçado, enlaço
compreensão empática, autismo, o outro e eu.

1 DESESPERO DO CAOS DAS PARTES

Um dia, em um costão de uma praia, precisava pular de uma pedra a outra para poder voltar
para a praia e ir para casa. Eu tinha pulado na ida, mas por algum motivo me senti paralisada na
volta, como se não conseguisse pular novamente, com medo de cair entre as pedras e me machucar
muito. Paralisada. Foi como fiquei por pelo menos meia hora, na frente da pedra que precisava
pular, com um medo horrível e angustiante, como se não pudesse sair dali nunca mais. Não
enquanto me sentisse daquele jeito. É assim que me sinto cada vez que preciso escrever algo na
minha monografia. Paralisada. Com um medo horrível e apavorante de que não vou conseguir e que
me machucarei muito.
Nesse momento, escrevendo sobre como eu sinto, me sinto tentando pular aquela mesma
pedra no costão da praia.
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Ao olhar para o todo que preciso escrever, vejo partes, muitas partes, penso que são infinitas
partes e não conseguirei falar de todas elas de maneira interligada. Nessa hora esqueço o todo, não
consigo ver a complexidade das interligações entre as partes porque elas me deixam desesperada.
Foi assim quando não consegui pular a pedra, eram muitas variáveis, muitas possibilidades de dar
errado. Não consegui integrar todas as partes no único momento real e complexo que estava
vivendo e perceber que eu conseguiria pular. Paraliso no meu crescimento, na minha vida.
Quando estou com uma pessoa com autismo penso que é isso que acontece: para eles
existem partes, existem emoções, situações, comportamentos. Porém, nada de forma integrada,
complexa e inteira. Sua percepção é em partes. As pessoas com autismo têm “dificuldades em
apreender as coisas e o mundo enquanto gestalts, daí a sua parcialização ou fragmentação do
mundo” (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 33). Considerar essa forma de estar na vida e reconhecer como
por vezes é desesperador não ver o todo, é também perceber como paralisa o crescimento, me faz
querer estar junto desse jeito – por vezes tão parecido com o meu! - ajudando a pular a pedra, para
que, quem sabe, consiga pular sozinha da próxima vez.
A falta de gestalt da cognição autística ocorre, supostamente, porque o autista é inundado
por excesso de estímulos, pois não há uma organização sensorial prévia, “os estímulos chegam
desorganizados ao córtex, não têm como ser convenientemente processados” (Caixeta; Caixeta,
2005, p. 35). A partir dessa desorganização sensorial é possível compreender porque eles têm mais
facilidade de se relacionar com objetos que são unimodais, sendo que pessoas apresentam vários
estímulos sensoriais de uma só vez, ou seja, apresentam-se de forma multimodal.
Estar com objetos abre a possibilidade para a pessoa com autismo se prender a detalhes de
um modo um tanto obsessivo e sistemático, bem como em temas específicos, conforme Caixeta e
Caixeta (2005). Por outro lado, estar com pessoas tem outro tom, um tom imprevisível, diferente de
um objeto que não é vivo. “o Outro é imprevisível; uma cadeira não é imprevisível” (Caixeta;
Caixeta, 2005, p. 65). A partir dessas informações é possível compreender o movimento de pessoas
com autismo em interessarem-se por determinadas partes de objetos, bem como fixarem rotinas
numa tentativa de garantir a ordem e minimizar o caos dos estímulos ou ainda o fato de que alguns
estímulos terem efeitos hipersensíveis já que chegam desorganizados.
Reconhecendo o caos sensorial que uma pessoa com autismo parece sentir, pode esclarecer o
que significa estar na relação com ela compreendendo seu jeito de perceber os sentidos. Através do
meu processo de visualizar o todo vivencial dela, eu posso estar com uma pessoa com autismo
ajudando a fazer essa conexão que ela não consegue fazer sozinha. Para isso, usando da minha
capacidade empática, preciso estar muito atenta e em sintonia com ela, com o que vive e sente.
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2 QUEM VOCÊ É

O mecanismo neurobiológico de compreensão da realidade é complexo e composto por


diversas etapas. Nas pessoas com autismo esse processo parece estar prejudicado na sua base, no
momento em que recebe os estímulos sensoriais e estes provocam as emoções (Caixeta; Caixeta,
2005). As pessoas com autismo recebem os estímulos caoticamente, de forma desorganizada e
muitas vezes com hipersensibilidade em alguns deles. Essa captação já afetada desencadeia
problemas perceptivos no continuar do processamento dos estímulos.
Outro elemento importante para a compreensão da realidade é a atenção. Preciso estar atento
à realidade para perceber os estímulos necessários para compreendê-la. Função também
desempenhada de forma diferente em pessoas com autismo. Para captarmos os estímulos,
precisamos ter atenção ao que se apresenta. Sem a atenção adequada deixamos de perceber questões
importantes como as emoções do outro (Caixeta; Caixeta, 2005). Para poder estar junto do que o
outro sente, preciso estar atento a ele, ao que expressa, ao que manifesta, reconhecendo o que pode
estar sentindo no momento.
Assim, se pensarmos que para compreender o outro, precisamos prestar atenção nele, a
atitude de olhar nos olhos tem uma relação muito importante com o elemento da atenção. Olhar o
outro nos olhos nos auxilia compreender para além do que é externalizado por meio da fala ou de
movimentos. Olhar nos olhos significa então, receber os estímulos importantes para processar as
emoções provocadas e informações de modo a gerar significados.
Goleman (2006) diz “sem atenção a empatia não tem vez” (p. 59). Como podemos ter
empatia com o outro quando não prestamos atenção nele? Quando estou percebendo em partes ou
dispersa do todo (todo esse que é a pessoa que se encontra na minha frente), perco a sintonia com o
outro, de modo que não terei uma experiência empática completa com essa pessoa. “Quando nossa
atenção está dividida, perdemos um pouco da sintonia e, por consequência, os detalhes cruciais –
sobretudo os emocionais. Ao olharmos outros nos olhos, abrimos caminho para a empatia”
(Goleman, 2006, p. 34).
A pessoa com autismo apresenta dificuldade de olhar nos olhos e quando olha nos dá a
sensação de um olhar que perpassa, sem entendimento de quem você é, o que dificulta a experiência
empática para ela. Caixeta e Caixeta (2005) apresentam que “para Baron-Cohen, o sistema de
atenção visual, olho-no-olho, é um dos componentes fundamentais da Teoria da Mente, e está
deficitário no autismo” (p. 65). Os problemas relacionados à atenção no autismo estão relacionados
a dificuldades de “processamento inter-pessoal-emocional” (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 9).
Sinto que quando saio do outro e presto atenção apenas em mim ou em objetos quaisquer,
perco o sentido do outro na nossa relação e perco a possibilidade de saber o que sente no momento,
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ou seja, passo a não compreendê-lo por inteiro. Esse mecanismo não é puramente automático, sinto
que exige esforço de mim para estar atento ao outro, sendo também reflexivo, “isto é, exige um
certo grau de reflexão e, para isso, o foco atencional tem de estar bem e especificamente dirigido
para um sistema ou área cerebral em particular” (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 9).
Percebendo essas nuances no processo de significação da realidade para uma pessoa com
autismo, podemos compreender quão amplo é entender a intenção das pessoas, pois envolve
atenção, sentidos, emoções e compreensão disso. Por outro lado, para compreender a
intencionalidade de movimentos de objetos e animais parece não haver muitas dificuldades
considerando que a compreensão de causa e efeito direta não é tão afetada neurologicamente, sendo
que os estímulos envolvidos são unimodais e menos complexos em relação aos sentimentos, às
pessoas. “Os autistas teriam mais facilidade na análise de causalidades mecânicas ou animais, dado
seu poder de segmentação do todo” (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 31-32).
Existem alguns pontos que nos ajudam a entender porque é tão difícil para uma pessoa com
autismo compreender a intenção de pessoas. Tonelli (2011) (p. 129) apresenta que existem três
funções cerebrais que são normalmente atribuídas “as origens da habilidade de detecção de
intencionalidade” (p. 129), percepção visual de movimento que significa uma informação sensorial
distinguida do movimento biológico ao não biológico; é a capacidade de atenção visual
compartilhada, referente a quando conseguimos acompanhar o movimento do olhar de terceiros em
direção à objetos; e a habilidade de representar ações objetivo-dirigidas, quando percebemos as
pessoas ou seres animados se relacionando subjetivamente com objetos
Caixeta e Caixeta (2005) baseados na psicologia cognitiva apresentam, referente à
intencionalidade, que existem três módulos que são praticamente independentes uns dos outros que
interagem para a função de leitura mental. O módulo da intencionalidade que interpreta “estímulos
móveis em termos de desejos e metas” (p. 16). O módulo direção do olhar que funciona em
paralelo:
Esses dois módulos mandariam informações para o terceiro módulo – mecanismo de
atenção compartilhada – o qual se encarregaria de formar relações entre o eu, outros agentes
e objetos. Esse módulo formularia a seguinte questão: ‘eu e você vemos a mesma coisa?’.
Finalmente, o quarto módulo – mecanismo da Teoria da Mente – seria o responsável pela
união das noções até então separadas, de atenção, desejo, intenção, crença dentro de um
aparato teórico coerente para o entendimento do comportamento em termos mentalistas, isto
é, dentro de um contexto de representações. (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 16)
Ao pensarmos em uma pessoa com autismo e suas características já citadas, reconhecemos
que, por muitas vezes, nas funções cerebrais da origem da intencionalidade podem existir falhas, e
dessa forma, dificuldade de reconhecer a intencionalidade. Característica importante quando
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pensamos em empatia, sendo que, se apresentamos dificuldade em reconhecer a intenção de


alguém, se torna difícil compreendê-la. Estar com uma pessoa com autismo, significa talvez facilitar
o estar conosco sabendo dessas condições para que quiçá possamos auxiliar a reconhecer as partes e
fazer a conexão com o todo.

3 O QUE SOU A PARTIR DE QUEM VOCÊ É

“Na verdade conhecemos primeiro o Outro, para então nos conhecermos como um Outro
que está dentro de nós. A atenção que prestamos ao Outro, portanto, é a mesma atenção que
devemos prestar ao nosso mundo interior” (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 66).
De tudo que estudei nesse tempo de pesquisa me senti encantada por conseguir conhecer
mais sobre um mundo de percepção diferente do meu (e às vezes muito semelhante) que me ajudou
a perceber que o que pode ser óbvio para muitas pessoas não é nem percebido por muitas outras.
Quando falo isso, estou pensando em compreender as relações, sejam as relações com os outros,
seja a relação que tenho comigo mesma.
Quando falo da noção de mim, compreendo hoje, que preciso considerar a noção que tenho
do outro, pois é a partir do outro que construo a noção de mim. Isso porque a referência do que
somos e do que sentimos se da na relação com outra pessoa. Relação essa que promove sentimentos
e a partir deles a compreensão de uma realidade. A sua realidade, a minha realidade e a realidade
situacional.
Conforme tenho comentado durante o presente ensaio, alguns estudos de acordo com
Caixeta e Caixeta (2005) têm demonstrado que um dos importantes focos de problemas no autismo
é um déficit na Teoria da Mente, “um problema de empatização, dificuldade em reconhecer os
sentimentos e a mente do outro, assim como uma dificuldade em apresentar reações emocionais
congruentes com o contexto” (p. 31).
A partir da Teoria da Mente, podemos entender qual o processo da compreensão do outro, e
por isso da compreensão de nós mesmos. Conforme Goleman (2001) a teoria da mente refere-se a
tais habilidades que fazem a distinção entre eu e o outro: estabelecer uma distinção entre nós e os
outros, entender que as outras pessoas podem pensar de maneira diferente da nossa, perceber as
situações do ponto de vista dos outros e entender que os objetivos deles podem não estar acordo
com nossos interesses.
Consid erando que pessoas com autismo apresentam falhas no processo da Teoria da Mente,
reconheço que existe dificuldade de diferenciação do outro em relação a si mesmo, por isso uma
dificuldade de subjetivação de si, compreensão do que sente e compreende do mundo. Sem
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compreender o que acontece com o mundo do outro, não existe compreensão do outro, nem mesmo
da sua própria emocionalidade.
Sem saber bem o que está recebendo do mundo exterior, o autista não pode organizar sua
própria emocionalidade, pois, como nos mostra mais uma vez Wallon, é o Outro que
organiza o conhecimento que temos de nossas próprias emoções e nossas próprias
cognições. (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 36)
Organizamo-nos a partir do outro e depois de compreender que existe outro diferente de
mim, consigo perceber que existe um outro chamado eu, que sente diferente e é em si com suas
características e sentimentos distintos.
Em primeiro lugar, em nosso desenvolvimento, em nossa ontogênese, sentimos o Outro,
entramos em contato com o Outro, só para depois entrarmos em contato conosco mesmos e
compreendermos a nós mesmos, nosso mundo emocional. . . . Ou seja, emocionalmente,
saímos do Outro, entramos em nós mesmos e voltamos para o Outro (Caixeta; Caixeta,
2005, p. 8).
Considerando a dificuldade de reconhecimento de aspectos subjetivos das relações, podemos
assinalar que existirão diferenças na linguagem da pessoa com autismo em relação a quem não
possui falha no processo da Teoria da Mente, sendo que nossa comunicação humana, de maneira
geral, é repleta de elementos subjetivos, implícitos que nem sempre são ditos concretamente. Por
isso a comunicação de autistas, quando existe, é mecânica e concreta. “Sem essa capacidade de
juntar o que é mecânico-vivencial com o que é emotivo, nota-se que o próprio discurso, a própria
comunicação fica prejudicada, pois nossa comunicação humana não é uma linguagem binária
computacional, puramente lógica” (Caixeta; Caixeta, 2005, p. 71). A comunicação com eles precisa
ser algo em que as pessoas que estão em relação precisem reconhecer que eles compreendem
diferente do que estão acostumados a comunicar para promover comunicação e relação
considerando as diferenças.
Usamos da nossa compreensão do outro para nos comunicarmos e entendermos nossos
estados interiores, ou seja, também usamos dessa compreensão interior de nós mesmos. Como a
pessoa com autismo não faz esse processo naturalmente, sua comunicação é ligada ao concreto, não
manifesta claramente seu estado interior.
Sobre os estados interiores da pessoa com autismo Caixeta e Caixeta (2005) dizem que
ele vive então como que reflexologicamente; evidentemente, tem amor, ódio, frustração,
alegria, mas tudo isso de modo direto, cru, sem reflexividade. Sua linguagem, se existir, só
poderá ser um reflexo de estados instintivos, será puramente nominativa de coisas que o
autista não consegue ter: o eu e a descrição dos estados interiores (p. 40).
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De acordo com Souza (2006) estudos de “Judy Dunn, Brown e Beardsall (1991), indicando
que as conversas familiares sobre emoções no início da vida estão correlacionadas com a habilidade
das crianças em reconhecer emoções aos 6 anos de idade” (p. 389), demonstram característica
importante no desenvolvimento da Teoria da Mente. Considerando a limitação da habilidade de
percepção do estado emocional dos outros e próprio, é considerável que exista pouco em seu
diálogo conversas sobre emoções. A partir desses estudos, estar com uma pessoa com autismo, não
significa não conversar sobre emoções, pelo contrário, promover conversas sobre estados
emocionais pode promover desenvolvimento em habilidades consideradas na Teoria da Mente.
Usar da empatia com pessoas com autismo pode possibilitar estimulação em questões do
desenvolvimento que eles apresentam grandes limitações.
Conforme a teoria do neurologista Damásio, conforme apresentam Caixeta e Caixeta (2005)
usamos das nossas “próprias reações emocionais como indicadoras do estado mental de uma outra
pessoa” (p. 25). Dessa forma, prestar atenção no que sentimos com o outro nos ajuda a compreendê-
lo. A compreensão do outro e a compreensão de mim mesmo, parece um eterno vai e vem, entre as
emoções do outro e as minhas emoções. Nesse aspecto consigo perceber quanto uma falha
perceptiva leva a outra e entendo o que significa o termo cegueira mental (outro nome dado à
Teoria da Mente), pois é exatamente essa a sensação, estar cego em relação ao que acontece na
mente do outro e por isso estar cego em relação a mim mesmo.
Goleman (2006) diz que nossos cérebros existem para serem interligados uns com os outros,
pois nos afetamos diretamente com as vivências dos outros, com suas emoções, através da empatia.
Por isso estar com uma pessoa com autismo, parece estar com uma pessoa isolada do mundo, como
se ela não pudesse se conectar a você? Será? E quando estou com ela e ela me afeta diretamente
através da minha empatia? Quando estou tão próxima e ligada à ela que posso sentir o que ela está
sentindo? “Quanto mais forte é nosso relacionamento com uma pessoa, mais abertos e atentos a ela
seremos. Quanto mais tivermos compartilhado nossa história pessoal, mais prontamente sentiremos
como ela e mais igualmente pensaremos e reagiremos a toda e qualquer situação” (Goleman, 2001,
p. 125).
Essa questão me remete ao livro de Erskine (2013), em que uma menina com autismo leve
perde o irmão em um massacre a uma escola. Ao refletir sobre o irmão e elaborar o processo de luto
ela é capaz de conseguir compreender o outro empaticamente, no caso o irmão, e por isso sentir que
pode tentar compreender mais pessoas, como o pai e quem sabe amigos da escola. O irmão era
alguém realmente próximo e importante emocionalmente para a menina, era uma pessoa que estava
próxima de si em um relacionamento forte. Um bom exemplo que demonstra como nos
organizamos a partir do outro, mesmo pessoas com autismo, não importa o nome do seu jeito de ser.
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4 NEURÔNIOS ESPELHO

Enquanto escrevo esse ensaio me vejo tomando cuidado para que fique um pouco mais
compreensível como funciona uma pessoa com autismo e como ela percebe a realidade, numa
tentativa de que, quanto mais nós compreendermos como alguém percebe o mundo, mais poderei
compreendê-la. Essa questão me faz pensar que não é somente compreendendo a pessoa
neuropsicológicamente que importa para nosso encontro empático, é preciso uma disponibilidade da
minha parte de estar com a pessoa como ela é. Independente das suas condições. Preciso estar
inteiramente disponível para viver o momento com ela.
Essa questão me fez voltar a lembrar de outra questão neuropsicológica. Parece
contraditório, mas a intenção é integrar a vivência com o organismo. E assim, lembro-me dos
neurônios espelho. Segundo Lameira, Gawryszewski e Pereira (2006),
Os neurônios espelhos foram associados a várias modalidades do comportamento humano:
imitação, teoria da mente, aprendizado de novas habilidades e leitura da intenção em outros
humanos (Gallese, 2005; Rizzolatti, Fogassi & Gallese, 2006) e a sua disfunção poderia
estar envolvida com a gênese do autismo (Ramachandran & Oberman, 2006). (p. 125)
Com a descoberta dos neurônios espelhos algumas questões antes entendidas apenas
psicologicamente foram possíveis de serem explicadas a partir da neurociência. Conforme Goleman
(2006), a partir dos neurônios espelhos é possível compreender diversas questões da teoria da
mente, inclusive a capacidade empática. Com experimentos com crianças autistas, por exemplo, foi
possível perceber uma “deficiência na atividade dos neurônios-espelho do córtex pré-frontal durante
a leitura e a imitação de expressões faciais” (Goleman, 2006, p. 156). Além disso é por meio desses
neurônios que compreendemos emoções, como afirmam Lameira, Gawryszewski e Pereira (2006)
as emoções “também podem ser espelhadas pois,” quando vemos alguém expressar um
comportamento “nossas células refletem a expressão do sentimento que pode estar por trás” do
comportamento observado (p. 129).
Inferiu-se também que a partir da função dos neurônios espelhos, é possível entender o
processo de tomada de decisão do ser humano. Tonelli (2011) descreve o processo dizendo que
através dos sentidos captamos “cópias” do mundo geradas a partir da nossa percepção. Essas
“cópias” envolvem uma parcela subjetiva que individualiza e torna única nossas percepções. A
principal finalidade desse mecanismo cerebral é planejar um comportamento a partir da “simulação
do ambiente” (Tonelli, 2011, p. 128). Sendo o cérebro o processador das percepções do ambiente,
reconhecendo intencionalidade e simulando possibilidades de ações, é reconhecida que a principal
função do cérebro é tomar decisões (Passos-Ferreira, 2011).
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Quando uma pessoa apresenta falha nesse sistema cerebral não só sua percepção da
realidade pode ter falhas, mas também seu comportamento pode não ser compatível com a situação.
É o que acontece com uma pessoa com autismo, que não consegue compreender subjetivamente
situações sociais e por isso seus comportamentos parecem muitas vezes inadequados com o que
vivem com outras pessoas.
Depois de apresentar o que são os neurônios espelhos e um pouco das suas funções e suas
decorrências, consigo explicar porque me lembrei deles ao perceber que o que mais importa é estar
com a pessoa com autismo, com suas características do jeito que ela é, independente da teoria.
Reflito que se os neurônios espelhos tem função fundamental na empatia, o espelhamento que
acontece organismicamente em nós na hora que acontece o evento é fundamental para que ela
ocorra, pois segundo Lameira, Gawryszewski e Pereira (2006) os “neurônios espelhos são
independentes da memória” (p. 129). Se eles são independentes da memória, me parece que não
importa, num primeiro momento, o que nos lembramos de uma teoria, mas o que estamos vivendo
com a pessoa que se apresenta, afim de existir o espelhamento.
De acordo com Mendes, Cardoso e Sacomori (2008, p. 97) “os NE só são ativados quando
há um objeto real e uma ação acontecendo simultaneamente”, ou seja, são diretamente ligados ao
que acontece na realidade. Segundo Rizzolatti acredita que, “os NE permitem que nós entremos na
mente de outras pessoas não com o raciocínio conceitual, mas com a simulação direta” (Mendes;
Cardoso e Sacomori, 2008, p. 95). Se existir disponibilidade integral de estar com uma pessoa é a
partir dos neurônios espelho que podemos ter empatia. O processamento neurológico seguinte que
envolve compreensão dos sentimentos e da situação, usa a memória em relação ao que estamos
vivendo, juntamos assim a experiência com a teoria para estar com a pessoa empaticamente.

5 EMPATIA

“A empatia é uma maneira de ser complexa, exigente e intensa, ainda que sutil e suave”
(Rogers, 1977, p. 74).
A partir da leitura de Rogers (1992), penso que para que eu possa estar com qualquer pessoa
empaticamente é preciso que eu tenha um profundo respeito por ela, respeito esse que nos ajuda a
não sermos diretivos, mas sim, confiar na potência da pessoa para dirigir a si mesmo. Partindo da
confiança pela potência da pessoa, o movimento psicológico do terapeuta é compreender a forma
que essa pessoa vive suas compreensões e percebe o seu mundo.
Em termos psicológicos, a meta do orientador é perceber, da forma mais sensível e acurada
possível, todo o campo de percepção do cliente, da maneira como ele o experimenta, com as
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mesmas relações de figura e plano de fundo, até o ponto máximo que o cliente estiver
disposto a comunicar; e, tendo assim percebido a estrutura de referência interna do outro tão
completamente quanto possível, indicar para o cliente em que medida está vendo através
dos olhos dele. (Rogers, 1992, p. 44).
Em contexto clínico, quando penso em uma pessoa com autismo, compreendo que por vezes
posso estar diante de uma pessoa que tenha dificuldade de reconhecer a sua realidade e como a
compreende. Dessa forma, é possível perceber o quanto é preciso estar atento ao seu jeito de ser e
estar na vida, considerando que para ela mesma é difícil visualizar-se. Para além de respeitá-la,
preciso estar com o seu jeito de perceber, para poder facilitar seu desenvolvimento, sem dar direção,
mas ajudando a quebrar barreiras até onde puder ir.
Para estar com alguém empaticamente é preciso ir além do sentido externo da pessoa, para
além do conhecimento prévio feito dela, estando assim atento ao que ela apresenta naquele
momento sobre si mesma. Podemos pensar quanto a compreensão interna é complexa, sendo um
processo incessante e mutável. Segundo Buys (2012):
O sentido externo situa o homem no mundo
O sentido interno situa o homem diante de si mesmo
O conhecimento, no sentido externo, se contém
A compreensão, no sentido interno, sempre aponta para além
O conhecimento (sentido externo) se re-pete
A compreensão (sentido interno) pro-segue (p. 11).
Ter conhecimento sobre alguém significa algo que não muda, algo que se repete e por isso
foi possível construir um conhecimento sobre. Dessa forma, as características do autismo são
conhecimentos, conceitos formados a partir de uma constância. Segundo Buys (2012), conceito
“não se refere à experiência vivida, mas a significados gerais os quais se distanciam da vivência.
Não há, pois compreensão pessoal profunda, através ou por meio de conceitos” (p. 1).
Pessoas não são estáticas, pessoas mudam, o jeito de ser muda, por isso não é através de
conceitos que compreendemos profundamente alguém, é compreender é um processo. Para estar
empaticamente com alguém, precisamos considera-la um processo, considerar uma pessoa com
autismo, por exemplo, como um processo que se apresentará diferente a cada encontro diferente de
qualquer outra pessoa com o mesmo diagnóstico. “A empatia proporciona esta confirmação
necessária de que existimos como pessoa individual, valorizada e possuidora de uma identidade”
(Rogers, 1977, p. 83).
Nesse sentido, envolve que o terapeuta esteja no movimento contínuo da pessoa, sem que
seja preciso torná-la estática para ser compreendida. “O terapeuta empatiza com um processo de
mudança contínuo e este processo não deve ser paralisado para que o terapeuta o entenda; ele deve
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ser entendido em seu movimento” (Buys, 2006, p. 5). Para isso é preciso que o diagnóstico não seja
figura estática no encontro, “a verdadeira empatia jamais abrange qualquer característica avaliativa
ou diagnóstica. . . . Assim, a possibilidade de autoaceitação aumenta gradativamente” (Rogers,
1977, p. 82).
Inspirada por Rogers (1977) reflito que, quando uma pessoa se sente compreendida, é capaz
de promover interesse por si mesma e talvez um conforto jamais sentido nas relações. Parece difícil
para as pessoas se compreenderem hoje em dia. Encontrar alguém que possa compreendê-la sem
agir como se estivesse errada ou se comportando mal, mas sim compreendendo suas ações, pode
promover espaço para conseguir desenvolver-se, em um ambiente de entendimento do seu
movimento no seu jeito ser.
Quando uma pessoa é compreendida de maneira perceptiva, ela entra em contato mais
próximo com uma variedade maior de suas vivências. Este fato lhe propicia um referencial
mais amplo ao qual recorre para compreender a si mesma e nortear seu comportamento.
Quando a empatia é adequada e profunda também pode desbloquear um fluxo de vivências
e permitir que ele siga seu curso normal (Rogers, 1977, p. 83).
Para que esse espaço de livre fluxo de vivências aconteça é preciso que exista permissão e
aceitação de qualquer caminho que a pessoa possa tomar. Rogers (1992) afirma que “para mim,
parece que só quando o terapeuta está totalmente disposto a admitir qualquer resultado, qualquer
direção, só então poderá perceber a força vital da capacidade e potencialidade do indivíduo para a
ação construtiva” (p. 61). Chegar a essa conclusão faz com que a permissividade seja a base para o
processo de avanço na terapia, considerando que é preciso que exista aceitação e entendimento por
parte do terapeuta (Rogers, 1992).
Em um ambiente estável e seguro de compreensão e permissão em que a pessoa possa ser o
que ela conseguir e quiser ser, dá espaço para uma organização do caos interno e por isso a
visualização mais clara de si mesmo.
Parece que, na experiência do cliente, particularmente se os problemas estiverem muito
arraigados, a única porção estável da experiência é hora infalível da aceitação pelo
terapeuta. Nesse sentido, a terapia centrada no cliente é experimentada como um apoio, uma
ilha de constância num mar de dificuldades caóticas (Rogers, 1992, p. 86).
Considerando que nesse espaço existe ainda a compreensão do que está sendo vivido e
sentido pela pessoa através da empatia, dando maior possibilidade de organização e compreensão de
si mesma para poder continuar no fluxo da sua vida. Podemos reconhecer e refletir a complexidade
do ambiente terapêutico, sendo um misto de atitudes que facilitam a possibilidade da pessoa crescer
do seu modo.
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É possível perceber a complexidade das atitudes considerando que podem existir vários
níveis e formas de viver a mesma atitude, sendo um processo de desenvolvimento da parte do
terapeuta. Cavalcante (2008) apresenta como Bowen, expõe sobre a empatia de forma detalhada,
exibindo que existem vários níveis. O primeiro, nível do relacionamento, começa pelos conteúdos e
sentimentos que envolvem a relação com o cliente, na qual o psicoterapeuta serve de espelho para
ele. Bowen (1992 apud Cavalcante, 2008), explica também que os terapeutas se preocupam com o
que dizem, fazem e com as técnicas, mas o que importa é a presença plena, na qual existe uma
escuta ativa, esse nível é chamado de nível da energia. Já no nível da unidade, “a empatia deixa de
ser uma ferramenta que o terapeuta utiliza com o cliente e passa a ser uma realidade compartilhada
que transcende a cada um, individualmente” (Cavalcante, 2008, p. 26). Bowen (1992 apud
Cavalcante, 2008), conclui que quanto mais elevado a grau de empatia entre terapeuta e cliente,
maior a compreensão entre eles sem a necessidade do cliente dar informações.
Quando está na sua melhor forma, o terapeuta pode entrar tão profundamente no mundo
interno do paciente que se torna capaz de esclarecer não só o significado daquilo que o
cliente está consciente como também do que se encontra abaixo do nível de consciência
(Rogers, 1983, p. 39).
Como afirma Sousa (2008), estar empaticamente em uma relação, significa estar na
experiência junto com o outro, participando de um momento comum de forma a promover
crescimento. Ao estar na experiência com o outro, percebemos que não somos nada sem nossas
relações. Viver com o outro me provoca experiência singular, me faz existir. Se o terapeuta existe
como pessoa, desperta no outro algo dele. Quanto mais presença na minha existência, mais eu
provoco a presença e a existência do outro. A existência do outro te faz acordar e estar junto. É um
movimento de via de mão dupla que gera crescimento às duas existências.
Para existir com alguém de forma empática é preciso reconhecer-se enquanto ser humano e
enquanto pessoa, considerando o quão próximos e iguais somos e ao mesmo tempo o quão
diferentes na nossa igualdade. Conforme afirma Buys (2006, p. 2), “o que possibilita a compreensão
verdadeira, a empatia profunda, é a relação muito sutil entre dois aspectos essenciais: a igualdade
entre os seres humanos enquanto humanos e a diversidade radical entre pessoas enquanto pessoas”.
Quando conseguimos estar com as pessoas, sejam quais forem, por exemplo, as pessoas com
autismo que por muitas vezes são consideradas isoladas das relações, considerando que são iguais, e
pessoas completamente diferentes e por isso na mesma condição, podemos estar com qualquer
pessoa em suas diferenças/igualdades. Porque a partir disso, estaremos com um profundo respeito,
ligação necessária e ao mesmo tempo a percepção das individualidades para compreender
profundamente alguém.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sinto que inicialmente tive muita sede de dizer quem é a pessoa com autismo e como é
difícil para ela ter empatia e por isso compreender o outro. Sinto que assim podemos estar com
pessoas com autismo as compreendendo e suspendendo os pré-julgamentos, compreendendo como
é para ela estar no mundo, para poder ajudá-la a interagir com ele. Contudo, não posso esquecer
dois aspectos:
- As pessoas com autismo são pessoas, diferentes entre si; suas características e condições
neuropsicológicas não garantem que eu a compreenda por completo. Para compreendê-la, preciso ir
até ela e estar disponível para estar junto independente do que a teoria, os conceitos dizem.
Considerando que teoria é conhecimento e a pessoa é um processo a ser compreendido.
- Por isso, é fundamental que eu esteja interessada em saber quem é a pessoa com quem
estou na relação, independente do que a teoria diz sobre os conceitos em relação à ela, dando assim
liberdade para ela ser quem quiser.
Relembrando meu primeiro capítulo e a história da pedra que precisava pular, sinto que se
alguém estivesse comigo me permitindo sentir e ser alguém com medo compreendendo como eu
estava me sentindo, o desespero iria embora, o julgamento do que eu estava vivendo também.
Diminuiria minha ansiedade e aumentaria a possibilidade de ficar mais clara qual a saída a ser
tomada. Assim, penso que pode ser com uma pessoa com autismo, alguém que a entenda e dê
liberdade para ser o que puder e conseguir, quem sabe facilite, inclusive, a encontrar saídas quando
necessárias.
Para estar subjetivamente com uma pessoa com ou sem autismo parece ser preciso estar com
ela dando espaço para ela ser e também ser pessoa junto com ela, a auxiliando a me perceber, em
um espaço de existência para as duas pessoas. Para que exista compreensão empática duas pessoas
precisam existir ativamente.
A vivência e o jeito de ser são únicos para cada um, o que significa que mesmo que eu
compreenda como uma pessoa com autismo funcione neuropsicológicamente, ela será única em sua
forma de viver suas questões neurológicas e no seu jeito de estar na vida. Talvez tudo que eu tenha
estudado tenha me ajudado a entender como funciona a experiência empática para uma pessoa com
autismo e mais que isso, tenha me feito sentir mais aberta para conhecer o outro para além do que
sou ou já conheci ser.
Essas questões me lembram do que vivi. Estudo autismo desde os primeiros anos da
faculdade, ainda mais, lá no ensino médio já me interessava e fazia pesquisas. Pois bem, hoje
psicóloga, recebi na clínica uma pessoa com características clássicas de autismo... Seria de se
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esperar que eu percebesse de primeira, certo? Errado. Atendi por diversas sessões e não percebia
que ela estava em um dos espectros autistas. O que aprendi com essa história? Que a teoria não me
ensina nada enquanto não é ligada à minha vivência. E por mais que eu saiba como ela funcione
neuropsicológicamente, sinto que meu desejo de estar com ela do jeito que ela se apresentava,
mesmo sem saber o que significava teoricamente, me fez a primeira psicóloga que ela tinha contato
que ela não havia batido.
Por isso, acho importante compreender alguém teoricamente, como fiz nessa pesquisa,
ponderando em como pode ampliar a ajuda clínica pensando em maiores possibilidades de
intervenção dentro da psicologia. Porém, somente estarei empaticamente compreendendo ela,
pessoalmente vivendo com ela e dando espaço para que ela me mostre quem ela é, sendo a teoria
um complemento do meu trabalho, me auxiliando a compreendê-la de outros modos. Quem sabe
assim posso estar junto com seu crescimento pessoal a partir do seu jeito de ser?!
Dessa forma, finalizo percebendo que a partir da experiência vivida entregue à empatia
profunda, pode-se buscar compreensão teórica e orientação de experiências, porém como pano de
fundo o tempo inteiro o profundo respeito e consideração positiva incondicional da pessoa que se
apresenta. Reconheço assim o alcance dos meus objetivos em que reflito e relaciono o jeito de ser
autista, caracterizando a dificuldade empática e relacionando com a empatia à luz da Abordagem
Centrada na Pessoa, promovendo reflexões para o contexto das relações humanas.

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