Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Magnetismo
Neste Capítulo, vamos explorar as diferentes manifestações do magnetismo em
materiais. Assim como no Capítulo anterior, que tratou dos materiais semicondutores,
vamos descrever uma área que têm não só uma física básica muito rica e interessante,
mas também enormes impactos na sociedade devido às mais diversas aplicações.
Veremos que há vários tipos de fenômenos magnéticos e estudaremos, em
particular, o diamagnetismo, o paramagnetismo e o ferromagnetismo. Para o estudo
destes fenômenos, mais uma vez é fundamental a abordagem da Mecânica Quântica.
Assim, nosso ponto de partida é a análise dos efeitos introduzidos por um campo
magnético externo no Hamiltoniana atômica.
1 Ne 2
T0 = pi ,
2m i =1
(9.1)
1 Ne
T= (p i + eA )2 . (9.2)
2m i =1
Por conveniência, vamos usar o calibre (gauge) de Coulomb, no qual A = 0 . Desta
1
forma podemos escrever o potencial vetor como A = − r B . Escolhendo-se o campo
2
uniforme B orientado na direção z ( B = B zˆ ), pode-se verificar que esta definição satisfaz
⃗ .𝐀 = 0 e ∇
simultaneamente ∇ ⃗ × 𝐀 = 𝐁. Assim, o potencial vetor torna-se:
1
Pode parecer estranho que a energia cinética seja modificada pela presença de um campo magnético, mas
isso é necessário para que o Hamiltoniano seja consistente com a força de Lorentz para uma partícula
carregada. A demonstração deste resultado está no Apêndice G do Kittel (cuidado apenas com o uso de
unidades c.g.s. nesse livro, enquanto aqui adotamos o SI).
175
A=−
B
( yxˆ − xyˆ ) . (9.3)
2
T=
1 Ne
2m i =1
(
− i i + eA
2
)
(9.4)
=
1 Ne
2m i =1
(
)
− 2 i2 − ie i A + A i + e 2 A 2
Sabendo que, no calibre de Coulomb, o operador comuta com A (veja aqui2) e
substituindo em (9.4) a expressão (9.3), obtemos:
1 Ne 2 2 e2 B2 2
T= − + i eB
y − x + xi + yi2 . ( ) (9.5)
xi yi
i i i
2m i =1 4
l z ,i = xi p yi − yi p xi = −i xi − yi . (9.6)
y i x i
1 Ne 2 2
T=
2m i =1
− i + eBl z ,i +
e2 B2 2
(
xi + yi2 . ) (9.7)
4
O primeiro termo da expressão acima nada mais é do que a energia cinética na ausência
de campo (T0). Podemos escrever o segundo termo como:
e Ne
l i B = B L B , (9.8)
2m i =1
( )
2
(A ) = A + A = A
0
3
Por conveniência, vamos usar os operadores momento angular orbital e de spin adimensionais, em
unidades de ħ.
176
onde L é o momento angular total do conjunto de Ne elétrons e
e
B = = 0,579 10 −8 eV/G é o magneton de Bohr. Finalmente, escrevemos então a
2m
variação na energia cinética T = T − T0 causada pela aplicação do campo magnético:
(x )
Ne
e2 B2
T = B L B + 2
i + yi2 (9.9)
8m i =1
H spin = g 0 B S B , (9.10)
(x )
Ne
e2 B 2
H = B (L + g 0 S ) B + 2
i + yi2 . (9.11)
8m i =1
Note que o primeiro termo da Eq. (9.11) é linear em B, enquanto que o segundo
termo é quadrático. Desta forma, espera-se que, na medida em que o campo magnético
possa ser tratado como uma perturbação, o primeiro termo deve ser muito mais relevante
que o segundo. No entanto, em átomos ou íons de camada fechada, ou seja, aqueles em
que os números quânticos de momento angular total L e spin total S são nulos no estado
fundamental4, o primeiro termo se anula, e assim o segundo termo passa a ser relevante.
É precisamente este segundo termo que dá origem ao fenômeno do diamagnetismo.
Vamos analisar em teoria de perturbação a variação causada na energia do estado
fundamental de um átomo ou íon de camada fechada devido ao termo diamagnético. Seja
0 o estado fundamental e E 0 a sua energia não-perturbada, de modo que:
H 0 0 = E0 0 . (9.12)
4
Como veremos em breve na nossa descrição das chamadas Regras de Hund.
177
Como dissemos, a perturbação diamagnética é o segundo termo da Eq. (9.11):
(x )
Ne
e2 B2
H dia = 2
i + yi2 . (9.13)
8m i =1
( )
Ne
e2 B2
E0 = 0 H dia 0 = 0 xi2 + yi2 0 . (9.14)
8m i =1
Esta expressão está escrita de maneira muito particular devido à escolha da direção z para
a orientação do campo magnético. Podemos torná-la mais geral se lembrarmos que
ri 2 = xi2 + yi2 + z i2 e, no caso de um átomo esfericamente simétrico,
ri 2
xi2 = y i2 = z i2 = . (9.15)
3
e2 B2 2
E 0 = N e 0 , (9.16)
12m
Ne
1
onde 02 = 0 ri 2 0 . Note que 02 é o raio médio quadrático átomo ou íon.
Ne i =1
𝐸 = ∑𝑖 𝜀𝑖 = − ∑𝑖 μ𝑖 ∙ 𝐁 = −𝑉𝐌 ∙ 𝐁, (9.16a)
onde
1
𝐌 = 𝑉 ∑𝑖 μ 𝑖 . (9.16b)
Neste curso, vamos tratar a magnetização como uma quantidade escalar, pois vamos
considerar apenas os casos em que ela está orientada na mesma direção do campo
(positiva no mesmo sentido, negativa do sentido oposto). A Eq. (9.16a) sugere que
podemos também obter a magnetização a partir de uma derivada da energia com relação
ao campo. A temperaturas finitas, a maneira correta de proceder, levando em conta a
178
entropia do arranjo de momentos magnéticos, é através da energia livre de Helmholtz
F = E − TS , de modo que
1 F
M =− . (9.17)
V B
M 2F
= 0 =− 0 (9.18)
B V B 2
1 (NE0 ) ne 2 N e 02 B
M =− =− , (9.19)
V B 6m
M ne 2 N e 02
= 0 =− 0 . (9.20)
B 6m
179
órbita. Não vamos nos preocupar com a justificativa das regras de Hund, mas apenas em
enunciá-las.
Vamos supor que um dado átomo ou íon tem a última camada com estados não-
preenchidos de momento angular orbital l. Desta forma, levando-se em conta as duas
orientações de spin e os (2l + 1) valores possíveis do número quântico lz, há um total de
2 (2l + 1) estados possíveis de 1 elétron para este sistema. Se estes níveis são semi-
preenchidos com um número n de elétrons, há uma enormidade de combinações possíveis
para se ocupar estes estados. Devido à interação elétron-elétron e ao acoplamento spin-
órbita, estas diferentes combinações têm energias diferentes. As regras de Hund
descrevem, para cada átomo, a combinação que resultará na menor energia. São elas:
1. Acoplamento de Russel-Saunders
Sejam L o momento angular orbital total, S o spin total e J = L + S o momento
angular total. Os operadores J, L e S aproximadamente comutam com H0, ou seja,
na ausência de campo magnético (J sempre comuta, mas L e S comutam apenas
se pudermos desprezar o acoplamento spin-órbita L.S, este sendo importante
apenas para átomos pesados). Desta forma, os diferentes estados eletrônicos serão
descritos pelos números quânticos quânticos: L, Lz, S, Sz, J, Jz, que correspondem
aos operadores mostrados na Tabela 9.1
Operadores Autovalores
L2 L(L+1)
Lz Lz
S2 S(S+1)
Sz Sz
J2 J(J+1)
Jz Jz
Tabela 9.1 – Operadores de momento angular relevantes para o magnetismo atômico e seus respectivos
autovalores.
180
Mecânica Quântica, o valor de J pode variar entre o valor mínimo de L − S e o
valor máximo de L + S . De fato, a Terceira Regra de Hund, que é consequência
do acoplamento spin-órbita, determina que J seja igual a um dos valores
extremos, dependendo do preenchimento da última camada:
L − S , se n 2l + 1
J = (9.21)
L + S , se n 2l + 1
Exemplos:
lz = 2 1 0 -1 -2
S = 2
L = l z = 2
J = 0
lz = 3 2 1 0 -1 -2 -3
S = 3 / 2
L = 6
J = 15 / 2
Termo: 4I15/2.
181
A Tabela 9.1 ilustra a aplicação das regras de Hund para todos os átomos ou íons
com camada d ou f :
Tabela 9.1 – Termos espectroscópicos para várias configurações eletrônicas dos átomos com camada d ou f
(Ashcroft-Mermin).
5
Se J = 0, como ocorre em sistemas em que a camada atômica está com um elétron a menos de ser semi-
preenchida (veja a Tabela 9.1), a correção em 1ª ordem na energia é nula na Eq. (9.11) mas a teoria de
perturbação de 2ª ordem dá origem ao paramagnetismo de van Vleck, que não discutiremos em detalhe.
182
na direção z irá quebrar esta degenerescência. A perturbação agora é o primeiro termo da
Eq. (9.11). Lembrando da teoria de perturbação degenerada, para encontrarmos os níveis
de energia com o campo magnético aplicado teremos que diagonalizar a seguinte matriz:
J ( J + 1) + S ( S + 1) − L( L + 1)
g ( J , L, S ) = 1 + . (9.24)
2 J ( J + 1)
Como Jz pode assumir 2J+1 valores: -J, -J+1, ..., J-1, J, os níveis de energia com
o campo aplicado têm os valores g B J z B , como mostra a Fig. 9.1. Este é o efeito
Zeeman anômalo.
B≠0
Jz = J
B=0
2J + 1 níveis
degenerados Jz = - J
Figura 9.1 – Esquema dos níveis de energia de um átomo com momento angular total J, com e sem campo
magnético aplicado.
6
Veja por exemplo o livro de Mecânica Quântica de Cohen-Tannoudji, p. 1055. Tomamos a aproximação
g0 ≈ 2.
7
Aschroft, Apêndice P.
183
J
Z= exp(− g
J Z =− J
B BJ z ) , (9.24a)
Podemos resolver o caso mais geral (9.24a). Para isso, verificamos que trata-se da
soma de uma progressão geométrica com razão exp(− g B B ) , de modo que o resultado
é:
g B JBJ (g B JB ) ,
N
M= (9.26)
V
onde
2J +1 2J +1 1 x
BJ ( x) = coth x − coth (9.27)
2J 2J 2J 2J
184
Podemos interpretar esse resultado da seguinte maneira: Para valores altos de
g B JB
x= , ou seja, campos magnéticos altos ou temperaturas baixas, a magnetização
k BT
N N
atinge o seu valor máximo, ou magnetização de saturação: M sat = g B J =
V V
(lembre-se que o momento magnético é μ = − g B J ). Isso corresponde à situação em que
todos os momentos magnéticos estão orientados na mesma direção. No limite oposto, ou
seja, para valores pequenos de x (campos magnéticos baixos ou temperaturas altas), os
momentos magnéticos tendem a se orientar aleatoriamente e a magnetização vai
gradualmente a zero. No paramagnetismo, existe portanto uma competição entre dois
efeitos: o campo magnético, que tenta orientar todos os momentos magnéticos na mesma
direção, e a temperatura, que tenta torná-los com orientação desordenada. Isto está
ilustrado na Fig. 9.2a:
Figura 9.2a – Ilustração do paramagnetismo. A campo baixo ou temperaturas altas, os spins estão
orientados aleatóriamente (magnetização muito pequena), enquanto que na situação oposto surge uma
magnetização no mesmo sentido que o campo.
M=
N
(g B )2 J ( J + 1) B , (9.28)
V 3k BT
M N 2 J ( J + 1)
= 0 = 0 ( g B ) . (9.29)
B V 3k B T
185
9.5- Paramagnetismo de Pauli em metais
Até o momento, analisamos apenas a resposta magnética de sistemas que podem ser
aproximados por uma coleção de átomos que interagem fracamente. No entanto, há
sólidos em que esta aproximação não pode ser feita. Em particular, a resposta magnética
dos elétrons quase livres em metais (nos quais a função de onda apresenta natureza
deslocalizada), não pode ser encaixada neste perfil.
Vamos analisar agora a resposta magnética destes elétrons deslocalizados em metais
através de um modelo de elétrons livres. Na Fig. 9.3, mostramos a densidade de estados
como função da energia separada por spin, onde a parte superior do gráfico ilustra a
densidade dos spins paralelos ao campo B (+1/2), enquanto que a parte inferior ilustra os
spins -1/2. A linha tracejada indica a situação onde o campo é nulo, e portanto os estados
+1/2 e -1/2 são degenerados em energia.
Ao ligarmos o campo magnético, as energias dos estados com spin +1/2 e -1/2 são
modificadas em direções opostas8:
Assim, toda a densidade de estados dos elétrons com spin +1/2 é deslocada para energias
mais altas, e vice-versa para os elétrons com spin -1/2, como ilustra a figura. Desta
forma, uma certo número de elétrons com spin +1/2 em uma faixa de energias B B
ficaria acima do nível de Fermi (região cinza), e o oposto ocorreria para alguns elétrons
com spin -1/2. Mas isso de fato não acontece, pois para igualar o nível de Fermi entre as
duas orientações de spin (o que significa minimizar a energia do sistema), esta mesma
fração de elétrons inverte o spin. Desta forma, o número de elétrons com spin +1/2 fica
menor que o número de elétrons com spin -1/2: N N . Note que, para campo
magnético nulo, temos a condição N = N .
D(ε)
Figura 9.3 – Densidade de estados para as duas orientações de spin, para campos magnéticos nulo e não
nulo. Para manter o nível de Fermi igual entre os dois spins, surge uma polarização magnética no sistema.
Esta é a origem física do paramagnetismo de Pauli.
8
Aqui é importante não confundir o momento angular de spin com o momento magnético de spin. Como o
elétron tem carga negativa, eles estão em sentidos opostos. Estamos sempre nos referindo ao momento
angular.
186
Desta forma a magnetização é dada por:
M = B
(N
− N )
= B (2 B B )
D( F )
= B2 D( F )B . (9.31)
V 2
Repare que usamos o fato de que a densidade de estados para uma das orientações de spin
é metade da densidade de estados total (aquela dada pela Eq. (5.18)). Utilizamos em
(9.31) a densidade de estados por unidade de volume. A partir da magnetização, podemos
obter a susceptibilidade de Pauli:
M
Pauli = 0 = 0 B2 D( F ) , (9.32)
B
1
Landau = − Pauli . (9.33)
3
A Fig. (9.3a) ilustra alguns resultados para a susceptibilidade magnética que estudamos
até agora, e outros que ainda vamos estudar.
9
R. E. Peierls, Quantum Theory of Solids, Oxford (1955).
187
9.6 - Origens da interação magnética
μ1 μ2
r
Figura 9.4 – A interação dipolar magnética entre dois momentos magnéticos a uma distância r é
1 2
U .
r3
Denominação Auto-estado S Sz
Singleto 1
2
(
− ) 0 0
1 1
Tripleto
1
2
( + ) 1 0
1 -1
Tabela 9.2 – Autoestados de spin de 2 elétrons, com seus respectivos números quânticos.
188
Para o estado singleto, o estado de spin é anti-simétrico pela permutação dos
elétrons, enquanto que para o tripleto o estado de spin é simétrico. Como elétrons são
férmions, a função de onda total deve ser anti-simétrica. Isso implica em que a parte
espacial deve ser simétrica (ligante) para o singleto e anti-simétrica (antiligante) para o
tripleto, como ilustrado na Fig. 9.5.
s =
1
a (r1 )b (r2 ) a (r2 )b (r1 ) , (9.34)
t 2
onde r1 e r2 são as posições dos dois elétrons e a e b são orbitais atômicos localizados
nos dois prótons a e b. Assim, os dois estados de spin distintos dão origem a partes
espaciais distintas, que consequentemente terão energias diferentes (ainda que a
Hamiltoniana não dependa explicitamente das coordenadas de spin!):
s H s = E s (energia do singleto)
(9.35)
t H t = Et (energia do tripleto)
Para uma hamiltoniana de apenas dois elétrons, como a da molécula de H2, pode-se
mostrar que a energia do singleto é sempre mais baixa que a energia do tripleto11. Mas no
caso geral, com mais elétrons, isso não ocorrerá necessariamente. Tipicamente podemos
ter diferenças de energia entre singleto e tripleto da ordem de 0,1 a 1 eV. Essa é a
chamada energia de troca, que é a energia primordialmente responsável pela ordem
magnética na maioria dos materiais.
10
W. Heitler and F. London, Zeitschrift für Physik, 44, 455 (1927).
11
Problema 2 do Capítulo 32 do Ashcroft, que sugerimos como exercício extra.
189
Ainda que a Hamiltoniana não dependa das coordenadas de spin, a discussão
acima nos permite escrever uma Hamiltoniana efetiva de dois spins, que reproduz as
energias dos estados singleto e tripleto. Consideremos os operadores de spins para os dois
elétrons, s1 e s 2 , e o spin total S = s1 + s 2 . Sabemos que
11 3
s12 = s 22 = + 1 = . (9.36)
22 4
2 0, para S = 0
S 2 = (s1 + s 2 ) = s12 + s 22 + 2s1 s 2 = + 2s1 s 2 =
3
. (9.37)
2 2, para S = 1
Assim, os valores possíveis para s1 s 2 são
− 3 4 , (singleto)
s1 s 2 = . (9.38)
1 4 , ( tripleto)
H spin =
1
(Es + 3Et ) − (Es − Et )s1 s2 . (9.39)
4
onde o somatório é sobre todos os pares de spin ij . Note que o caso de J > 0 favorece um
alinhamento entre os spins, o que chamamos de estado ferromagnético. Por outro lado,
J < 0 favorece spins anti-paralelos, o chamado estado antiferromagnético. A Fig. 9.5a
ilustra esquematicamente o estado fundamental (a campo nulo) dos sistemas
paramagnético (que já estudamos), ferromagnético, antiferromagnético e ferrimagnético.
190
Neste último caso, o alinhamento entre spins vizinhos é antiparalelo, mas spins em
subrredes diferentes têm magnitudes diferentes, de modo que a magnetização é não-nula
mesmo a temperatura zero.
Vamos considerar em mais detalhe o caso ferromagnético (J > 0), que vai dar
origem a um sistema de spins alinhados mesmo com campo nulo. Note que a temperatura
pode desalinhar os spins, de modo que devemos esperar que a magnetização como função
da temperatura (no caso de B = 0) apresente um comportamento qualitativo como o
mostrado na figura abaixo.
M
M(0)
191
De fato, como veremos, a magnetização vai rigorosamente a zero para uma certa
temperatura TC . Este comportamento exemplifica uma transição de fase que ocorre a
uma temperatura crítica TC (neste caso conhecida como temperatura de Curie). Para T <
TC temos a fase ferromagnética, na qual o spins apresentam algum alinhamento e
portanto magnetização finita, enquanto que para T > TC temos a fase paramagnética,
com spins desalinhados e magnetização nula a campo zero.
Vamos descrever este comportamento através de uma teoria de campo médio
para spins 1/2. Lembramos que, nos nossos estudos do paramagnetismo, obtivemos a
magnetização como função do campo magnético que (no caso de J = 1/2) era dada por:
B
M = B tanh B . (9.42)
k BT
Esta é a magnetização média por íon, e não por volume. Um gráfico esquemático da
magnetização como função do campo foi mostrado na Fig. 9.2.
Podemos utilizar este resultado para descrever um ferromagneto, supondo que a
interação entre os spins possa ser representada por um campo magnético interno efetivo
Bint. A teoria de campo médio consiste em supor que esse campo magnético é a soma do
campo magnético externo B e este campo interno, que seria proporcional à magnetização
média do sistema M. Ou seja, perde-se informação sobre as correlações locais entre os
spins, mas descreve-se de forma aproximada a interação de troca entre um spin e seus
vizinhos. Desta forma, o campo magnético total que atual sobre um dado spin seria:
( B + M )
M = B tanh B (9.44)
k B T
B (B + M )
Fazemos agora a substituição de variáveis m = , de modo que a equação se
k BT
torna:
= tanh (m )
k BT B
m− (9.45)
2
B B
192
T = Tc
T < Tc
m
Figura 9.7 – Soluções gráficas da Eq.(9.45) com B = 0.
B2
Tc = (9.46)
kB
No estudo das transições de fase, é importante analisar de que forma a magnetização vai a
zero em Tc. Tipicamente, isto ocorre de modo que 𝑀(𝑇 ≲ 𝑇𝑐 ) ∝ |𝑇 − 𝑇𝑐 |𝛽 , onde β é um
dos chamados “expoentes críticos” que descrevem a transição de fase. A análise dos
expoentes críticos é importante porque muitas vezes revela comportamentos “universais”,
ou seja, diferentes sistemas físicos podem apresentar os mesmos expoentes críticos,
pertencendo então à mesma “classe de universalidade”. Veremos na lista de Problemas
que o expoente β é igual a ½ na aproximação de campo médio. Este valor difere do que é
encontrado experimentalmente nos ferromagnetos, evidenciando assim uma das
limitações desta abordagem teórica.
Usando a teoria de campo médio, podemos encontrar também o desvio da
magnetização de saturação para baixas temperaturas, M = M (0) − M (T ) . Para isso,
basta expandir a tangente hiperbólica: lim tanh x 1 − 2e −2 x . Deste modo, e sabendo que
x →
M (0) = B , obtemos:
M (T 0) = M (0) − 2 B e −2 BM ( 0) k BT
M (9.47)
= 2e −2 B = 2e −2TC
2
k BT T
M (0)
193
Portanto, a teoria de campo médio prevê uma dependência exponencial do desvio da
−E k BT
magnetização de saturação a baixas temperaturas: e , o que sugere um gap de
energia E = 2 B no espectro de excitações do sistema.
2
194
tanh (m)
Figura 9.9 – Solução gráfica da Eq. (9.45) para campo magnético não-nulo.
B>0
B=0
TC T
Figura 9.10 – Análise comparativa da magnetização como função da temperatura para campo magnético
externo nulo e não-nulo. Note que, na ausência de campo, a magnetização vai abruptamente a zero em uma
temperatura crítica TC, indicando uma transição de fase de 2ª ordem (o parâmetro de ordem vai
continuamente a zero). Por outro lado, na presença de um campo magnético externo, o parâmetro de ordem
nunca é zero, mas se aproxima deste valor assintoticamente no limite de temperaturas altas.
9.8 - Mágnons
= Sz R
. (9.48)
R
195
0 = S R
. (9.49)
R
J (R − R )S(R ) S(R ) ,
1
H =− (9.50)
2 R ,R
onde
S (R ) = S x (R ) iS y (R ) , (9.52)
H 0 = E0 0 . (9.54)
S z (R ) S z R
= Sz Sz R
(9.55)
S (R ) S z R
= (S S z )(S + 1 S z ) S z 1 R
H 0 = − S 2 J (R − R ) 0 ,
1
(9.56)
2 R ,R
196
E0 = − S 2 J (R − R ) ,
1
(9.57)
2 R ,R
E0 = − NS 2 J (R ) = −3 NJS 2 .
1
(9.58)
2 R
Vamos agora buscar os estados excitados, que são importantes para a descrição do
comportamento do sistema a temperaturas finitas. Inspirados pela nossa discussão da
seção anterior, poderíamos propor um estado em que (N – 1) spins estivessem no estado
S e apenas um no estado S − 1 , localizado na posição R0, como ilustrado
pictoricamente na Fig. 9.11.
S S S S (S-1) S S S S
Figura 9.11 – Ilustração da tentativa de formar um estado excitado de spin localizado em um sítio da rede.
De maneira mais rigorosa, este estado quântico pode ser construído da seguinte
forma12:
S − (R 0 ) 0 .
1
R0 = (9.59)
2S
Podemos agora atuar com a Hamiltoniana neste estado para tentar encontrar sua energia.
Vamos analisar cada um dos termos da Hamiltoniana separadamente. Atuando com o 2º
termo em |𝑹𝟎 ⟩, verificamos que sobreviverão apenas os termos com R = R0, resultando
na seguinte expressão:
1 1
− ∑ 𝐽(𝑹 − 𝑹′ )𝑆− (𝑹′ )𝑆+ (R 𝟎 )|R 𝟎 ⟩ = − ∑ 𝐽(𝑹 − 𝑹′ )𝑆− (𝑹′ )√2𝑆|0⟩
2 ′ 2 ′
𝑹 𝑹
1 ′ )2𝑆|R'⟩
=− 2 ∑𝑹′ 𝐽(𝑹 − 𝑹 . (9.59a)
12
Verifique que este estado está normalizado (desde que o estado fundamental também esteja).
197
1
− 2 𝑆 2 ∑𝑹≠𝐑𝟎 ,𝑹′≠𝐑𝟎 𝐽(𝑹 − 𝑹′ )|𝐑 𝟎 ⟩ . (9.59b)
H R 0 = E0 R 0 + S J (R 0 − R )( R 0 − R ), (9.60)
R
1
k =
N
e
R
ik R
R , (9.61)
S − (R ) 0 .
1
onde R =
2S
Vamos testar esta proposta. Atuando com a Hamiltoniana neste estado, obtemos:
1
𝐻|𝒌⟩ = ∑𝑹 𝑒 𝑖𝒌⋅𝑹 𝐻|𝑹⟩ . (9.61a)
√𝑁
1
𝐻|𝐤⟩ = ∑ 𝑒 𝑖𝐤.𝐑 [𝐸0 |𝐑⟩ + 𝑆 ∑ 𝐽(𝐑 − 𝑹′ )(|𝐑⟩ − |𝑹′ ⟩)]
√𝑁 𝐑 𝑹′
𝑆
= 𝐸0 |𝐤⟩ + ∑ 𝑒 𝑖𝐤.𝐑 𝐽(𝐑 − 𝑹′ )(|𝐑⟩ − |𝑹′ ⟩)
√𝑁 𝐑,𝐑′
𝑆
= 𝐸0 |𝐤⟩ + [∑ 𝑒 𝑖𝐤.𝐑 𝐽(𝐑 − 𝑹′ )|𝐑⟩ − ∑ 𝑒 𝑖𝐤.𝐑 𝐽(𝐑 − 𝑹′ ) |𝑹′ ⟩]
√𝑁 𝐑,𝐑′ 𝐑,𝐑′
198
Fazendo a mudança de coordenadas 𝐑′′ = 𝐑 − 𝐑′:
𝑆
𝐻|𝐤⟩ = 𝐸0 |𝐤⟩ + [∑ 𝐽(𝐑′′) ∑ 𝑒 𝑖𝐤.𝐑 |𝐑⟩ − ∑ 𝐽(𝐑′′)𝑒 𝑖𝐤.𝐑′′ ∑ 𝑒 𝑖𝐤.𝐑′ |𝑹′ ⟩]
√𝑁 𝐑′′ 𝐑 𝐑′′ 𝐑′
H k = E (k ) k , (9.62)
Com autovalor
E (k ) = E0 + S J (R )(1 − e ik R ) . (9.63)
R
k R
E (k ) = E 0 + 2 S J (R )sen 2 . (9.64)
R 2
𝑘𝑥 𝑎 𝑘𝑦 𝑎 𝑘𝑧 𝑎
𝐸(𝐤) = 𝐸0 + 4𝐽𝑆 [sen2 ( ) + sen2 ( ) + sen2 ( )] . (9.65)
2 2 2
Note que, neste limite, a relação de dipersão torna-se quadrática e isotrópica em torno de
k = 0, como ilustrado na Fig. 11a.
199
Figura 9.11a – Relação de dispersão para mágnons.
S┴
Figura 9.12 – Visão clássica dos spins da rede na qual se propaga um mágnon.
200
Vamos agora obter a dependência do desvio da magnetização em relação à
magnetização de saturação com a temperatura, no limite de baixas temperaturas, que
dissemos ser proporcional a T3/2, contrariando a dependência exponencial obtida na seção
anterior pela aproximação de campo médio.
Da mesma maneira que fizemos no caso de fônons, podemos obter o número de
mágnons no estado fundamental em equilíbrio térmico a temperatura T pela distribuição
de Planck:
1 1
nk = E ( k ) k BT
= , (9.68)
−1 −1
2
e e ak k BT
Δ𝑀 𝑉 1 𝑉 𝑘2
∝ (2𝜋)3 ∫𝐵𝑍 𝑑𝐤 2 = (2𝜋)3 4𝜋 ∫𝐵𝑍 𝑑𝑘 2 . (9.69)
𝑀(0) 𝑒 𝛼𝑘 ⁄𝑘𝐵 𝑇 −1 𝑒 𝛼𝑘 ⁄𝑘𝐵 𝑇 −1
Fazendo a substituição q = k (k BT )
12
Δ𝑀 𝑉 𝑞2
∝ 2𝜋2 (𝑘𝐵 𝑇)3⁄2 ∫𝐵𝑍 𝑑𝑞 2 . (9.70)
𝑀(0) 𝑒 𝛼𝑞 −1
201
Figura 9.13 – Ciclo de histerese em um material ferromagnético. Mr é a magnetização de remanência e Hc
é o campo coercitivo.
Figura 9.14 – Estrutura de domínios em um material ferromagnético, que surge por conta da interação
dipolar magnética.
202
por conta da reformação dos domínios, mas não vai a zero para campo nulo, mas sim
atinge a chamada magnetização de remanência, indicada na figura. Esta é a
magnetização usual em um ímã permanente.
O que ocorre quando tentamos inverter o sentido da magnetização, aplicando um
campo no sentido inverso a ela (valores negativos do eixo horizontal)? De fato, a
magnetização não inverte abruptamente, mas segue a curva mostrada no ciclo de
histerese. Para inverter o sentido da magnetização, é necessário um campo finito,
indicado na figura como campo coercitivo ou coercividade. A partir dele, a
magnetização segue aumentando (em módulo) no sentido oposto até saturar novamente
para campos altos. Depois disso, o ciclo se repete.
Figura 9.15 – Desenho esquemático de paredes de domínio. (a) Parede de Bloch; (b) Parede abrupta.
203
não correspondem aos eixos fáceis). Uma maneira experimental de identificar os eixos
fáceis de magnetização é através da curva de magnetização vs. campo em diferentes
direções cristalinas, como ilustrado para o caso do Fe bcc na Fig. 9.16. Note que, quando
o campo magnético é aplicado nas direções <100>, a magnetização atinge rapidamente o
valor de saturação, o que indica que estes são os eixos fáceis. O comportamento oposto
ocorre nas direções <111>, que portanto são os eixos difíceis. As direções <110>
apresentam comportamento intermediário.
Figura 9.16 – Magnetização em função do campo em diferentes direções cristalinas para o Fe bcc.
Referências:
- Ashcroft e Mermin, Capítulos 31 a 33.
- Kittel, Capítulos 14 e 15.
- Ibach e Lüth, Capítulo 8.
- Bransden & Joachain, Physics of Atoms and Molecules, Longman.
- Cohen-Tannoudji, Diu e Laloë, Quantum Mechanics, Wiley.
204