Você está na página 1de 9

I.

Uma ideologia que está sempre presente no debate público, e que frequentemente traz à tona
intensos sentimentos, sejam de amor ou ódio, é o conservadorismo. Todavia, muitas pessoas
parecem não saber o que esse termo de fato significa. Este texto procura fornecer uma
explicação curta e concisa sobre o assunto, se utilizando de fontes relevantes para isso. Andy
Hamilton (2019), em seu texto no Stanford Encyclopedia of Philosophy, explica que o
conservadorismo é uma das mais famosas ideologias do pós-Iluminismo, junto com o
liberalismo e o socialismo. Para os conservadores, escreve ele, falta aos seus adversários um
maior apego à realidade, à experiência concreta, e menos a utopias e ideias abstratas. Escreve
Hamilton: "Conservative prescriptions are based on what they regard as experience rather
than reason; for them, the ideal and the practical are inseparable." Certamente, uma das mais
importantes características de pessoas sábias é de não se deixarem seduzir por abstrações e
utopias. Diferentemente da ideia padrão entre as pessoas, de que o conservadorismo é
simplesmente a ideologia padrão da direita, os filósofos políticos possuem uma visão mais
refinada e complexa. Escreve Hamilton: "Many treat it as a standpoint that is sceptical of
abstract reasoning in politics, and that appeals instead to living tradition, allowing for the
possibility of limited political reform." Esse excerto demonstra que os conservadores buscam
sim mudanças e progressos, mas que estes devem limitados e cautelosamente planejados.
Outro aspecto que deve ser mencionado é que o conservadorismo é usualmente considerado
uma ideologia de direita, já que ele frequentemente se opõe às reduções na desigualdade
socioeconômica, principalmente se estas forem revolucionárias e prejudicarem a ordem
institucional vigente.

Antes do Iluminismo e, especialmente, da Revolução Francesa, existiram alguns autores com


pensamentos similares ao que seria o conservadorismo, mas nada muito refinado ou
completo. Escreve Hamilton: "The preceding thinkers are proto-conservatives; it is commonly
accepted that as a self-conscious standpoint, conservatism came into existence with or after
Burke’s critique of the French Revolution (Kirk 1954: 5; Honderich 2005: 6; Nisbet 1986; Claeys
2007: 11–34)." A Revolução Francesa é considerada, por muitos autores, como uma vitória da
razão contra a tradição dogmática, contra princípios sem qualquer justificativa lógica e/ou
empírica. A mentalidade dos pensadores iluministas era de que a história não era
simplesmente inevitável, uma obra divina que não poderia ser alterada; para eles, a história
poderia ser conduzida para determinados fins, principalmente se fosse dirigida por uma mente
iluminada. Seria Edmund Burke, o primeiro e maior pensador conservador, um oponente do
Iluminismo? Para alguns autores sim, para outros não; o autor deste texto coloca-se ao lado do
último grupo. Afinal, Burke não queria que a razão fosse colocada de lado, ele queria apenas
que suas limitações fossem enfatizadas; para ele, a razão teórica tem seus méritos, mas
também seus deméritos. Como escreve Hamilton: "Burke, as we will see the leading
conservative thinker, is often associated with what Isaiah Berlin called the “Counter-
Enlightenment”, but he has also been seen as “an Enlightened figure, who saw himself
defending Enlightened Europe against the gens de lettres and their revolutionary
successors”—it was “one Enlightenment in conflict with another” (Pocock 1999: 7); “Burke was
a lifelong student of the Enlightenment who saw in the French Revolution the ultimate threat
to…modern, rational, libertarian, enlightened Whig values” (Clark 2001: 108)."
Nessa última citação de Clark, assim como em outros pontos do texto de Hamilton, podemos
constatar que Burke defendia valores Whig, este que era o antigo partido liberal inglês. Burke
sempre foi um Whig, sempre se identificou com os valores democráticos e constitucionais do
liberalismo, mas quando a Revolução Francesa ocorreu, ele viu nela um grande perigo e
assumiu uma postura conservadora, de ceticismo em relação a essa sangrenta revolução. Um
pouco mais a frente, Hamilton cita, em seu texto, a definição de conservadorismo dada por
O'Hear: "approach to human affairs which mistrusts both a priori reasoning and revolution,
preferring to put its trust in experience and in the gradual improvement of tried and tested
arrangements. (O’Hear 1998)" Podemos constatar, nesse excerto sobre os conservadores, (1) a
importância do gradualismo como meio de se atingir os objetivos, (2) do ceticismo em relação
à razão pura e às revoluções e (3) da experiência empírica como meio de se analisar o mundo.
Hamilton escreve ainda, brilhantemente, sobre o conservadorismo de Burke: "Kekes argues
similarly that conservatism, with its defining scepticism and opposition to “rationalism” in
politics, contrasts with liberalism and socialism in rejecting a priori value-commitments (Kekes
1997: 368). This position was enunciated most trenchantly by Burke, conservatism’s “master
intellectual”, acknowledged by almost all subsequent conservatives. He rejected a priori
reasoning in politics, notably claims to abstract natural rights, manifested most dramatically in
the French Jacobin dream of destroying and rebuilding society. Burke holds that there is a
practical wisdom in institutions that is mostly not articulable theoretically, certainly not in
advance, but is passed down in culture and tradition." A partir deste trecho, é possível
constatar que, ao contrário dos autores liberais da tradição de John Locke e dos libertários
seguidores de Murray Rothbard, o conservadorismo rejeita as abstrações éticas dos direitos
naturais.

Historicamente, o primeiro e maior opositor do conservadorismo foi o jacobinismo da


Revolução Francesa, que deu início ao período chamado de Terror Revolucionário.
Conservadores, como Burke, costumam mencionar a Revolução Gloriosa, que ocorreu na
Inglaterra em 1688, como uma transição pacífica e gradual, respeitando o histórico de
tradições e instituições da sociedade, em oposição a uma tentativa de remodelar a sociedade
com base em utopias abstratas. No jacobinismo há ainda a arrogante presunção de que
pessoas hoje podem ser sacrificadas por um suposto futuro ideal amanhã; tamanha arrogância
sempre foi alvo de penetrantes críticas dos conservadores, que sabem da importância das
vidas humanas e sabem do perigo criado por esse tipo de atitude. Escreve Hamilton:
"Conservatives view society not as a machine but as a highly complex organism, and hold
therefore that “without the aid of experience, reason cannot prescribe political ideals that can
be realised in practice” (Beiser 1992: 283)." Para Burke, a sociedade não é composta apenas
das pessoas que vivem hoje, mas também das pessoas que já viveram e das que ainda viverão;
é necessário, para ele, que a sociedade saiba respeitar as tradições do passado, aprimorando-
as com vistas a uma melhor sociedade no futuro. O conservadorismo não visa um dogmático
apego à tradição, mas sim um respeito a algo que foi gradualmente construído pelas gerações
passadas. Hamilton ainda cita, em seu texto, esse excelente excerto de Burke: "I cannot [praise
or blame] human actions…on a simple view of the object, as it stands stripped of every
relation, in all the nakedness and solitude of metaphysical abstraction; (Burke, WS III: 58)"

Os conservadores não acreditam que proposições abstratas podem simplesmente ser


aplicadas a situações concretas, como se estivéssemos seguindo um manual. Ao contrário de
seus adversários liberais e socialistas, os conservadores não escolhem medidas universais para
serem adotadas em quaisquer circunstâncias. A análise dos contextos e da experiência em
casos semelhantes é fundamental para esses pensadores, apesar deles acreditarem que não é
possível, racionalmente, desenhar a sociedade para se chegar a determinados objetivos. O
ceticismo é chave na perspectiva deles. Como escreve Hamilton: "political conservatives do not
deny that there are general principles, as Dancy does, they just deny that one should apply
them. Their position is an essentially epistemic one—that one cannot know the general
principles whose implementation would benefit the operation of society." Os conservadores
acreditam que os valores de liberdade, igualdade e justiça devem ser avaliados e buscados
pela sociedade, mas apenas em uma esfera concreta, adaptada às circunstâncias do momento;
a adoção de reformas baseadas em valores abstratos, sem a contrapartida empírica, é
totalmente rechaçada pelos conservadores. Completando, Hamilton escreve: "As we have
seen, it is generally recognised that conservatism is not dogmatic reaction. It advocates
piecemeal, moderate reform, which follows from its scepticism concerning reason, and its
valuing of experience concerning human affairs."

De acordo com os conservadores, uma sociedade que não muda, gradualmente, não pode
conservar suas boas características; gradualmente porque a razão humana é limitada, o
conhecimento humano é imperfeito e as consequências da ação humana são muitas vezes
desconhecidas. As instituições evoluem com o tempo, sendo suas falhas descobertas e
gradualmente corrigidas, enquanto os aspectos mais antigos das instituições podem ser
mudados, mas devem sempre ser respeitados, dado sua tácita sabedoria. As reformas
justamente corrigem aqueles aspectos institucionais que não mais cabem no presente, dado as
necessidades sociais de hoje. Hamilton cita um fundamental trecho de Burke sobre as
mudanças na sociedade: "I must see with my own eyes…touch with my own hands not only
the fixed but the momentary circumstances, before I could venture to suggest any political
project whatsoever…I must see the means of correcting the plan…I must see the things; I must
see the men. (Burke, WS III: 326)" Conservadores, por serem céticos com o planejamento
racional da sociedade, são também céticos com a centralização do poder nas mãos do Estado.
Eles usualmente preferem que as pessoas da própria comunidade resolvam seus problemas,
ao invés de distantes burocratas, já que os últimos não possuem tanto conhecimento do
contexto quanto os próprios indivíduos da comunidade.

Em seu artigo intitulado Edmund Burke e a gênese conservadorismo (2016), Jamerson M. A. de


Souza estuda as raízes do pensamento conservador e identifica em Burke o fundamento dessa
ideologia que influenciou profundamente o pensamento político brasileiro na década de 2010.
O autor explica que “[...] o conservadorismo geralmente é associado às variadas posições
contrárias aos avanços das pautas da esquerda.” Para de Souza, o conservadorismo costuma
ser associado à oposição da “universalização dos direitos” e da “radicalização da democracia”.
Apesar de talvez ser verdade para boa parte da opinião pública, essa associação entre
conservadorismo e elitismo é completamente enganosa, como deve ter ficado claro a partir
das contribuições de Andy Hamilton. Jamerson de Souza também ressalta que essa posição
costuma estar associada à defesa da economia de mercado, o que é frequentemente verdade,
apesar de que essa defesa possa envolver certas intervenções, como ficará claro
posteriormente com a explicação de Milton Friedman sobre o Partido Republicano americano.
Um aspecto bem relevante e interessante destacado pelo autor é sobre a similaridade, em boa
parte das opiniões pública e acadêmica, entre o liberalismo e o conservadorismo: “O conteúdo
político, teórico e social dessa corrente de pensamento e ação com frequência aparece
fundido ao pensamento liberal. Liberalismo e conservadorismo são tomados,
corriqueiramente, como sinônimos.” O autor destaca que, apesar dessa frequente associação,
ambas as ideologias possuem teorias e desenvolvimentos próprios, tendo evoluído
diferentemente dados desafios que enfrentaram em países e contextos diferentes. Para de
Souza, sobre Reflexões sobre a revolução na França (2014 [1790]), a principal obra de Burke:
“Manifesto dos interesses políticos e econômicos aristocráticos, as Reflexões se estabelecem
como o marco da tradição conservadora. Nelas, estão condensados também os ideais culturais
e simbólicos das classes sociais golpeadas pela Revolução Francesa, com destaque para a
aristocracia feudal.” O autor deste texto não poderia ser mais contrário a essa análise, tendo
em vista que, como foi demonstrado anteriormente neste texto, o conservadorismo não é
sobre classes ou sobre a defesa de classes específicas, mas sobre o ceticismo em relação à
razão pura, em relação às ideias abstratas e em relação às revoluções. Para os conservadores,
o gradualismo é fundamental para se estabelecerem mudanças duradouras, para se
preservarem as boas instituições e para não incorrerem em mortes desnecessárias, como foi o
caso da Revolução Francesa, que foi tão criticada por Burke.

II.

O neoliberalismo é outro termo frequente no debate público, principalmente nos países da


América Latina, muitos destes que já necessitaram de empréstimos do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e/ou do Banco Mundial. É um conceito que também estimula os mais
intensos sentimentos e que frequentemente se refere ao retorno, no final do século XX, das
ideias e teses do liberalismo dos séculos XVIII e XIX, sendo mais associado com a defesa de um
capitalismo de livre mercado. Políticas públicas de caráter liberalizante, como privatizações,
câmbio flutuante, abertura comercial, metas de inflação, austeridade fiscal, isonomia tributária
e desregulação de setores produtivos são frequentemente consideradas neoliberais. Com a
estagflação da década de 1970 nos Estados Unidos, a dominância do pensamento
intervencionista de influência keynesiana foi se reduzindo no debate público, junto com o
crescimento de pensadores neoliberais nesse âmbito, como os economistas vencedores do
Prêmio Nobel de Ciências Econômicas Milton Friedman, F.A. Hayek e James Buchanan. O
termo neoliberal, entretanto, costuma ser mais usado por seus críticos do que por seus
defensores – com algumas exceções –, com seus defensores usualmente preferindo termos
como conservador, liberal ou libertário. Nas palavras de Andrew Vincent, em seu Modern
Political Ideologies (2009), o neoliberalismo é “a revivified version of classical liberalism [...] It
also has close intelectual affinities with libertarianism. The ideology has, since the 1980’s to
the present, permeated an enormous amount of policy debates, on a global scale. [...] It
embodies a number of internal doctrinal diferences, but the basic tenet is to identify the
unregulated free-market capitalist order as the crucial ground for all efficient resource
allocation.” Vincent escreve ainda que o neoliberalismo é considerado a corrente majoritária
no FMI e no Banco Mundial, duas das principais entidades especializadas em economia do
mundo. Contudo, o autor deste texto acredita que, atualmente, as teses neoliberais perderam
força dentro dessas duas entidades.
Sem dúvidas, uma importante associação de pensadores neoliberais é a famosa Mont Pelerin
Society (MPS) que, em seu website, na seção Statement of Aims, escreve: “A group of
economists, historians, philosophers, and other students of public affairs from Europe and the
United States met at Mont Pelerin, Switzerland, from April 1st to 10th, 1947, to discuss the
crisis of our times.” Além disso, no mesmo website, na seção About The Mont Pelerin Society,
está escrito: “Though not necessarily sharing a common interpretation, either of causes or
consequences, they see danger in the expansion of government, not least in state welfare, in
the power of trade unions and business monopoly, and in the continuing threat and reality of
inflation.” Dentre seus membros notáveis, muitos são vencedores do Prêmio Nobel de Ciências
Econômicas, como F. A. Hayek, Milton Friedman, James Buchanan, George Stigler, Maurice
Allais, Ronald Coase, Gary Becker e Vernon Smith. Outro notável membro é Mario Vargas
Llosa, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. Essa associação e seus membros apresentam
uma preocupação com as condições de dignidade e liberdade das pessoas ao redor do mundo,
acreditando que estas já haviam desaparecido em grande parte dele. Eles ainda afirmam que
“Even that most precious possession of Western Man, freedom of thought and expression, is
threatened by the spread of creeds which, claiming the privilege of tolerance when in the
position of a minority, seek only to establish a position of power in which they can suppress
and obliterate all views but their own.” Certamente uma visão um pouco alarmista, como ficou
claro com o passar das décadas, mas que mostra a preocupação dos neoliberais em defender o
livre mercado e a liberdade de expressão. Além disso, o neoliberalismo é frequentemente
considerado uma ideologia de centro-direita, dada sua frequente oposição em combater a
desigualdade socioeconômica por meio de instrumentos públicos do Estado de bem-estar
social, preferindo, geralmente, que o próprio mercado estabeleça a alocação ótima de renda e
riqueza, exceto em alguns casos específicos, como quando Friedman defendeu o imposto de
renda negativo.

Um aspecto interessante acerca de Friedman, um dos principais nomes dessa corrente, é sua
opinião, nos anos 1950, sobre a dominância do pensamento coletivista na opinião pública, até
mesmo entre as pessoas dos partidos conservadores, que teoricamente defendiam a livre
iniciativa empreendedora. Para o autor, raramente os conservadores adotavam uma filosofia
completamente diferente da de seus adversários de esquerda, de forma que suas
discordâncias eram apenas pontuais, e não intrínsecas. Escreve Friedman em seu Neo-
Liberalism and its Prospects (1951) que "By the standards of nineteenth century individualism,
we are all of us collectivists in smaller or greater measure." Ainda no mesmo ensaio, o autor
mostra que esse fenômeno afetou também os conservadores americanos, membros do
Partido Republicano, que, apesar de dizerem defender o livre mercado e a livre iniciativa
empreendedora, eram árduos defensores de subsídios agrícolas e tarifas alfandegárias, "as
well as a number of other measures that can fairly be termed collectivist in their implications."
Nesse texto, o autor demonstra que o termo neoliberalismo pode sim ser aceito pelos
defensores da liberdade econômica, da liberdade política e da democracia liberal. Alguns
aspectos enfatizados por ele: "Neo-liberalism would accept the nineteenth century liberal
emphasis on the fundamental importance of the individual, but it would substitute for the
nineteenth century goal of laissez-faire as a means to this end, the goal of the competitive
order. It would seek to use competition among producers to protect consumers from
exploitation, competition among employers to protect workers and owners of property, and
competition among consumers to protect the enterprises themselves. The state would police
the system, establish conditions favorable to competition and prevent monopoly, provide a
stable monetary framework, and relieve acute misery and distress.” Essa descrição do
neoliberalismo e do liberalismo clássico evidencia que, pelo menos para Friedman, as duas
correntes são bem similares, tanto em aspectos econômicos quanto políticos.

De acordo com Kevin Vallier (2021), no website do Stanford Encyclopedia of Philosophy, há


muitas discordâncias sobre o significado do termo neoliberalismo, mas que os acadêmicos,
hoje, costumam concordar que o termo se refere às pessoas que defendem instituições
liberais, em um regime capitalista, com um Estado constitucional e democrático, com leves
características de bem-estar social. Escreve o autor: "Recent work on neoliberalism, thus
understood, shows this to be a coherent and distinctive political philosophy. This entry
explicates neoliberalism by examining the political concepts, principles, and policies shared by
F. A. Hayek, Milton Friedman, and James Buchanan, all of whom play leading roles in the new
historical research on neoliberalism, and all of whom wrote in political philosophy as well as
political economy." Mais abaixo nesse texto, argumenta o autor que a defesa de livre mercado
e direitos individuais, por parte dos neoliberais, busca promover a prosperidade da maioria das
pessoas na sociedade e a proteger a liberdade constitucionalmente adquirida. Enfatiza Vallier:
"Neoliberals are broadly democratic, but stress the limitations of democracy as much as its
necessity.” O temor de que o governo democrático se torne uma ditadura da maioria é, para
esses autores, tão grande quanto o temor de que uma minoria tome o poder e estabeleça
instituições extrativistas, que tomem recursos das mãos da grande maioria da população e os
entregue nas mãos da elite, seja essa elite presente diretamente no aparato estatal ou
presente em empresas que desfrutam de privilégios monopolísticos. Escreve o autor: “And
while neoliberals typically think government should provide social insurance and public goods,
they are skeptical of the regulatory state, extensive government spending, and government-
led countercyclical policy. Thus, neoliberalism is no mere economic doctrine." Seguindo com
seu texto, o autor argumenta, sobre a crítica de que os neoliberais valorizam mais a vida
consumista que os outros modos de viver, que os "[...] neoliberals instead advance a view
about the design of social institutions, and not a particular ethos of social life. In fact, they
have rather little to say about how to live the good life. [...] It is true that they think certain
attitudes and values, such as an excessive focus on social justice, equality of outcomes,
hostility to all pursuit of profit, can undermine the foundations of a free society. But that does
not imply that they embrace a consumerist ethos." O neoliberalismo, como herdeiro
ideológico do liberalismo dos economistas clássicos dos séculos XVIII e XIX, está preocupado
em aumentar a riqueza e renda das pessoas, em expandir a produtividade e em garantir os
direitos individuais dos cidadãos; como esses cidadãos decidirão viver sua vida, em que
profissão e com que grau de consumo, pouco importa a eles, desde que os cidadãos respeitem
os limites constitucionais.

Com o objetivo de nos provar que assim pensam os neoliberais, Vallier argumenta que, para
Friedman, um dos aspectos mais valiosos da liberdade é que não temos conhecimento de que
valores, crenças e filosofias as pessoas aceitarão como válidas, já que as pessoas interpretam a
felicidade de formas diferentes. Escreve o autor: “[...] no one really knows what the good life
consists in; a free society is good because it allows people to experiment with different forms
of life to answer those questions for themselves (Friedman 1987 [2017: 185]).” Enquanto as
empresas possuem um dever quase sagrado, que é lucrar atendendo aos anseios dos
consumidores, e que o governo democrático tem também o dever de garantir que essa busca
de lucro não vá contra os objetivos sociais gerais da sociedade, Friedman argumenta que as
pessoas, individualmente, não necessitam ter um dever imperativo como esses; elas devem
apenas viver suas vidas da forma que lhes convém. Agora sobre a relação do neoliberalismo
com o libertarianismo, o autor escreve: "Neoliberals are much friendlier to the nation-state
than libertarians. Second, libertarians often argue for institutional structures directly from a
moral theory and a theory of justice, an approach taken by Robert Nozick (1974). In contrast,
neoliberals seldom appeal to fleshed out theories of justice, such as a theory of natural rights,
even if they appeal to the language of justice at various point.” O foco para os neoliberais é na
realidade, no mundo concreto e nas pessoas concretas, em como garantir a felicidade e
prosperidade dessas pessoas; para isso eles defendem o liberalismo que, em sua visão, é o
melhor caminho para alcançar esses valorosos objetivos. Escreve Vallier: “To focus on the case
of natural rights theories of justice, Buchanan does not believe in them. He begins his treatise
on political philosophy, The Limits of Liberty, with the insistence that there is no morality
beyond what we agree to (Buchanan 1975: 1). Hayek barely comments on natural rights, and
Friedman discusses them primarily rhetorically. [...] Neoliberals instead focus on the
consequence-based arguments for liberalism without adopting consequentialism. They simply
rationalize liberalism in part based on the claim that liberalism has good consequences.”

III.

O social-liberalismo, ou novo liberalismo, é a filosofia política que nasceu para conciliar o


liberalismo dos séculos XVIII e XIX com um maior escopo de ação estatal para mitigar
problemas sociais, fornecendo saúde, educação, previdência pública, infraestrutura, renda
mínima, combatendo a pobreza e desigualdade, dentre outras ações. Para os social-liberais, o
mercado possui certa importância no bem-estar da comunidade e, por isso, deve existir;
entretanto, sua regulação é fundamental, de forma a atender melhor ao bem-estar dos
consumidores e dos trabalhadores. Além disso, para esses autores, a liberdade individual
pregada pelo liberalismo é vista como harmoniosa com uma maior interferência do Estado na
vida social para atingir o bem-comum; o foco central, a maior prosperidade para o maior
número possível de pessoas, consegue facilmente conciliar esses dois aspectos. Para o autor
deste texto, o social-liberalismo pode, em muitos casos, ser considerado um sinônimo da
social-democracia europeia. Uma grande parte do mundo hoje, no século XXI, adota políticas
de cunho social-liberal, apesar dos países divergirem no grau e no escopo em que adotam tais
políticas; os países da Europa Ocidental são constantemente considerados como berços do
Estado mais socialmente ativo, mais preocupado em fornecer serviços essenciais aos seus
cidadãos. O social-liberalismo é frequentemente considerado uma ideologia de centro-
esquerda, dada sua preocupação com a desigualdade socioeconômica. Seus principais
expoentes são Jeremy Bentham, John S. Mill, Thomas H. Green, John Maynard Keynes, John
Rawls, Leonard T. Hobhouse, Paul Krugman, Amartya Sen, dentre outros.

Em seu artigo L. T. Hobhouse and the Theory of "Social Liberalism" (1978), John Seaman
argumenta que um dos aspectos centrais do liberalismo de Hobhouse, famoso sociólogo da
corrente social-liberal, é rejeitar o dogmatismo do laissez-faire e adotar uma economia com
mercados mais regulados, de forma atender melhor ao bem-comum, principalmente com
programas de bem-estar social. Esse liberalismo pode, corretamente, ser associado com a
moderna teoria da social-democracia, que busca justamente uma união de dois mundos – do
capitalismo e do socialismo; do primeiro foi adotado o inerente processo empreendedor e
alocador do mercado e, do segundo, foi adotado o extenso escopo de medidas de bem-estar
social para mitigar os problemas públicos. Escreve Seaman: "Formulated by Hobhouse as a
synthesis of the individualism of liberalism and the cooperative morals of socialism, this
doctrine was meant to provide, among other things, an appropriate justifying motif for the
"collectivist" economic reforms advanced by the New Liberalism. Both these features of
Hobhouse's political theory, its progressivist economic programme and its ethics of social
harmony, have prompted many observers to find in his writings an embryonic theory of
"liberal socialism," or, at the very least, a theory of "social liberalism." On their view,
Hobhouse's reputation is quite secure: he is to be regarded not only as na important
contributor to a new variety of liberalism, but also as the author of that elusive reconciliation
of liberalism and socialism.” Um pouco mais adiante, Seaman argumenta que Hobhouse estava
convencido de que, para resolver os problemas da sociedade inglesa de seu tempo, haveria a
necessidade de uma teoria moral que unisse a visão de bem comum do socialismo com o
compromisso de liberdade do liberalismo. Escreve Seaman, citando alguns trechos de
Hobhouse: “Liberalism and socialism, he proclaimed, "represent complementary and mutually
necessary aspects of the social ideal," and their respective values, freedom and mutual aid, are
"the twin foundations of social life." [...] he nonetheless recognized that the unrestrained
exercise of some of these rights, particularly economic rights, had engendered serious social
divisions and antagonisms—divisions between the powerful propertied and the dependent
propertyless [...]” Os amplos direitos garantidos nas sociedades liberais foram, para Hobhouse,
avanços fundamentais e deveriam ser valorizados; no entanto, o excessivo foco em direitos
econômicos criou desigualdades excessivas e uma ausência de consciência coletiva inaceitáveis
para uma sociedade socialmente justa.

Uma consciência moral adequada, para Hobhouse, necessitaria reformas que se preocupassem
com a distribuição de riqueza e renda, já que, em nome da competição de mercado e de
incrementos na produção agregada, uma grande parcela desses recursos foi distribuída para as
mãos de uma elite abastada, enquanto o bem-estar dos cidadãos comuns ficou de lado. Dessa
forma, há a expectativa de que esse egoísmo criado nas sociedades liberais fosse
gradualmente substituído por uma forte consciência coletiva, preocupada com o
desenvolvimento de todos os membros da sociedade. Escreve Seaman: “Such reform required
as an ethical guide a social ideal wider and more "humanitarian" than one dedicated to liberty
alone; it required an infusion of a socialist concern for community. The "social liberal" doctrine
of social harmony was designed to supply this ideal.” Seaman ainda argumenta que outros
autores, como T.H. Green e J. S. Mill, também desenvolveram uma filosofia crítica à ganância
padrão das sociedades baseadas no capitalismo de laissez-faire, afirmando que, para esses
autores, os homens poderiam viver vidas muito mais proveitosas e valorosas ao deixar de
buscar os meros ganhos econômicos; eles viam com bons olhos uma combinação da liberdade,
esta enfatizada pelo liberalismo, com uma concepção mais dignificadora do homem,
colocando as faculdades elevadas no centro da discussão. Escreve Seaman: “So Hobhouse's
ideal of social harmony did not constitute a radically new departure from the moral views of
the two nineteenth-century liberal democrats. However, like their views, his ideal did
represent a break with the earlier, classical liberalism from Locke to Bentham, which had
established the defence par excellence of the institutions of the capitalist market economy on
an increasingly explicit concept of man as an infinitely desirous and largely self-seeking
appropriator of material utilities.” Os liberais clássicos, como Bentham e Locke, observaram
sociedades particulares – as sociedades capitalistas –, em momentos particulares, e assumiram
que aquele tipo de homem é o homem ideal e universal; para os social-liberais, como
Hobhouse e Mill, isso era apenas questão de como a sociedade funcionava e era organizada,
de forma que uma reforma em direção a uma sociedade mais preocupada com o bem-estar
dos cidadãos comuns provocaria, eventualmente, o florescer de uma sociedade composta de
pessoas mais altruístas e benevolentes.

Em seu texto Center-Left Liberalism (2012), Paul Starr escreve que o liberalismo nasceu através
da busca de um governo constitucional, com poderes limitados, que garantissem igualdade,
dignidade, prosperidade e liberdade aos cidadãos. As discordâncias sobre como chegar a esse
ideal e em que medida, e escopo, esses princípios devem ser adotados é motivo de muitas
controvérsias entre os defensores do liberalismo. Escreve Starr: “Since the early nineteenth
century, the general trend in liberal thought and politics has been toward a broader, more
inclusive conception of what an equal right to freedom means. In pursuit of that aim, liberals
have come to favor greater regulation of the economy while also supporting the deregulation
of private moral life and stronger protection of civil liberties.” O moderno social-liberalismo,
chamado por Starr de liberalismo de centro-esquerda, adota uma concepção mais igualitária
de liberdade do que aquela adotada pelos liberais, do século XIX, defensores do laissez-faire; o
governo se tornou um instrumento muito desejado para combater injustiças sociais e para
melhorar a vida dos cidadãos comuns. O autor argumenta que, desde o começo do século XX,
o liberalismo tomou conta do debate público como a principal ideologia de centro-esquerda,
principalmente por conta do sucesso inglês. Escreve Starr: “[...] when the Progressive Party
went into decline in 1916, some progressives began distinguishing themselves as liberals, a
term that had international cachet at the time because of the pre-World War I achievements
of Britain’s governing Liberal Party. By that point, under the leadership of David Lloyd George,
Britain’s Liberals had long abandoned laissez-faire and instead embraced an activist state in
line with the social reformism of what was then called the new liberalism (Hobhouse, 1911). It
was in this reformist sense that Franklin Roosevelt and the New Dealers claimed the term
liberal, though some conservatives as late as the 1950s insisted that they were, in fact, the true
liberals.” Ao mesmo tempo em que os defensores do intervencionismo de Roosevelt e da
social-democracia de D. L. George se denominavam liberais, os defensores do livre mercado e
da desregulamentação econômica também se denominavam liberais; de um lado Keynes e
Hobhouse, e do outro Friedman e Hayek.

Você também pode gostar