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Uma ideologia que está sempre presente no debate público, e que frequentemente traz à tona
intensos sentimentos, sejam de amor ou ódio, é o conservadorismo. Todavia, muitas pessoas
parecem não saber o que esse termo de fato significa. Este texto procura fornecer uma
explicação curta e concisa sobre o assunto, se utilizando de fontes relevantes para isso. Andy
Hamilton (2019), em seu texto no Stanford Encyclopedia of Philosophy, explica que o
conservadorismo é uma das mais famosas ideologias do pós-Iluminismo, junto com o
liberalismo e o socialismo. Para os conservadores, escreve ele, falta aos seus adversários um
maior apego à realidade, à experiência concreta, e menos a utopias e ideias abstratas. Escreve
Hamilton: "Conservative prescriptions are based on what they regard as experience rather
than reason; for them, the ideal and the practical are inseparable." Certamente, uma das mais
importantes características de pessoas sábias é de não se deixarem seduzir por abstrações e
utopias. Diferentemente da ideia padrão entre as pessoas, de que o conservadorismo é
simplesmente a ideologia padrão da direita, os filósofos políticos possuem uma visão mais
refinada e complexa. Escreve Hamilton: "Many treat it as a standpoint that is sceptical of
abstract reasoning in politics, and that appeals instead to living tradition, allowing for the
possibility of limited political reform." Esse excerto demonstra que os conservadores buscam
sim mudanças e progressos, mas que estes devem limitados e cautelosamente planejados.
Outro aspecto que deve ser mencionado é que o conservadorismo é usualmente considerado
uma ideologia de direita, já que ele frequentemente se opõe às reduções na desigualdade
socioeconômica, principalmente se estas forem revolucionárias e prejudicarem a ordem
institucional vigente.
De acordo com os conservadores, uma sociedade que não muda, gradualmente, não pode
conservar suas boas características; gradualmente porque a razão humana é limitada, o
conhecimento humano é imperfeito e as consequências da ação humana são muitas vezes
desconhecidas. As instituições evoluem com o tempo, sendo suas falhas descobertas e
gradualmente corrigidas, enquanto os aspectos mais antigos das instituições podem ser
mudados, mas devem sempre ser respeitados, dado sua tácita sabedoria. As reformas
justamente corrigem aqueles aspectos institucionais que não mais cabem no presente, dado as
necessidades sociais de hoje. Hamilton cita um fundamental trecho de Burke sobre as
mudanças na sociedade: "I must see with my own eyes…touch with my own hands not only
the fixed but the momentary circumstances, before I could venture to suggest any political
project whatsoever…I must see the means of correcting the plan…I must see the things; I must
see the men. (Burke, WS III: 326)" Conservadores, por serem céticos com o planejamento
racional da sociedade, são também céticos com a centralização do poder nas mãos do Estado.
Eles usualmente preferem que as pessoas da própria comunidade resolvam seus problemas,
ao invés de distantes burocratas, já que os últimos não possuem tanto conhecimento do
contexto quanto os próprios indivíduos da comunidade.
II.
Um aspecto interessante acerca de Friedman, um dos principais nomes dessa corrente, é sua
opinião, nos anos 1950, sobre a dominância do pensamento coletivista na opinião pública, até
mesmo entre as pessoas dos partidos conservadores, que teoricamente defendiam a livre
iniciativa empreendedora. Para o autor, raramente os conservadores adotavam uma filosofia
completamente diferente da de seus adversários de esquerda, de forma que suas
discordâncias eram apenas pontuais, e não intrínsecas. Escreve Friedman em seu Neo-
Liberalism and its Prospects (1951) que "By the standards of nineteenth century individualism,
we are all of us collectivists in smaller or greater measure." Ainda no mesmo ensaio, o autor
mostra que esse fenômeno afetou também os conservadores americanos, membros do
Partido Republicano, que, apesar de dizerem defender o livre mercado e a livre iniciativa
empreendedora, eram árduos defensores de subsídios agrícolas e tarifas alfandegárias, "as
well as a number of other measures that can fairly be termed collectivist in their implications."
Nesse texto, o autor demonstra que o termo neoliberalismo pode sim ser aceito pelos
defensores da liberdade econômica, da liberdade política e da democracia liberal. Alguns
aspectos enfatizados por ele: "Neo-liberalism would accept the nineteenth century liberal
emphasis on the fundamental importance of the individual, but it would substitute for the
nineteenth century goal of laissez-faire as a means to this end, the goal of the competitive
order. It would seek to use competition among producers to protect consumers from
exploitation, competition among employers to protect workers and owners of property, and
competition among consumers to protect the enterprises themselves. The state would police
the system, establish conditions favorable to competition and prevent monopoly, provide a
stable monetary framework, and relieve acute misery and distress.” Essa descrição do
neoliberalismo e do liberalismo clássico evidencia que, pelo menos para Friedman, as duas
correntes são bem similares, tanto em aspectos econômicos quanto políticos.
Com o objetivo de nos provar que assim pensam os neoliberais, Vallier argumenta que, para
Friedman, um dos aspectos mais valiosos da liberdade é que não temos conhecimento de que
valores, crenças e filosofias as pessoas aceitarão como válidas, já que as pessoas interpretam a
felicidade de formas diferentes. Escreve o autor: “[...] no one really knows what the good life
consists in; a free society is good because it allows people to experiment with different forms
of life to answer those questions for themselves (Friedman 1987 [2017: 185]).” Enquanto as
empresas possuem um dever quase sagrado, que é lucrar atendendo aos anseios dos
consumidores, e que o governo democrático tem também o dever de garantir que essa busca
de lucro não vá contra os objetivos sociais gerais da sociedade, Friedman argumenta que as
pessoas, individualmente, não necessitam ter um dever imperativo como esses; elas devem
apenas viver suas vidas da forma que lhes convém. Agora sobre a relação do neoliberalismo
com o libertarianismo, o autor escreve: "Neoliberals are much friendlier to the nation-state
than libertarians. Second, libertarians often argue for institutional structures directly from a
moral theory and a theory of justice, an approach taken by Robert Nozick (1974). In contrast,
neoliberals seldom appeal to fleshed out theories of justice, such as a theory of natural rights,
even if they appeal to the language of justice at various point.” O foco para os neoliberais é na
realidade, no mundo concreto e nas pessoas concretas, em como garantir a felicidade e
prosperidade dessas pessoas; para isso eles defendem o liberalismo que, em sua visão, é o
melhor caminho para alcançar esses valorosos objetivos. Escreve Vallier: “To focus on the case
of natural rights theories of justice, Buchanan does not believe in them. He begins his treatise
on political philosophy, The Limits of Liberty, with the insistence that there is no morality
beyond what we agree to (Buchanan 1975: 1). Hayek barely comments on natural rights, and
Friedman discusses them primarily rhetorically. [...] Neoliberals instead focus on the
consequence-based arguments for liberalism without adopting consequentialism. They simply
rationalize liberalism in part based on the claim that liberalism has good consequences.”
III.
Em seu artigo L. T. Hobhouse and the Theory of "Social Liberalism" (1978), John Seaman
argumenta que um dos aspectos centrais do liberalismo de Hobhouse, famoso sociólogo da
corrente social-liberal, é rejeitar o dogmatismo do laissez-faire e adotar uma economia com
mercados mais regulados, de forma atender melhor ao bem-comum, principalmente com
programas de bem-estar social. Esse liberalismo pode, corretamente, ser associado com a
moderna teoria da social-democracia, que busca justamente uma união de dois mundos – do
capitalismo e do socialismo; do primeiro foi adotado o inerente processo empreendedor e
alocador do mercado e, do segundo, foi adotado o extenso escopo de medidas de bem-estar
social para mitigar os problemas públicos. Escreve Seaman: "Formulated by Hobhouse as a
synthesis of the individualism of liberalism and the cooperative morals of socialism, this
doctrine was meant to provide, among other things, an appropriate justifying motif for the
"collectivist" economic reforms advanced by the New Liberalism. Both these features of
Hobhouse's political theory, its progressivist economic programme and its ethics of social
harmony, have prompted many observers to find in his writings an embryonic theory of
"liberal socialism," or, at the very least, a theory of "social liberalism." On their view,
Hobhouse's reputation is quite secure: he is to be regarded not only as na important
contributor to a new variety of liberalism, but also as the author of that elusive reconciliation
of liberalism and socialism.” Um pouco mais adiante, Seaman argumenta que Hobhouse estava
convencido de que, para resolver os problemas da sociedade inglesa de seu tempo, haveria a
necessidade de uma teoria moral que unisse a visão de bem comum do socialismo com o
compromisso de liberdade do liberalismo. Escreve Seaman, citando alguns trechos de
Hobhouse: “Liberalism and socialism, he proclaimed, "represent complementary and mutually
necessary aspects of the social ideal," and their respective values, freedom and mutual aid, are
"the twin foundations of social life." [...] he nonetheless recognized that the unrestrained
exercise of some of these rights, particularly economic rights, had engendered serious social
divisions and antagonisms—divisions between the powerful propertied and the dependent
propertyless [...]” Os amplos direitos garantidos nas sociedades liberais foram, para Hobhouse,
avanços fundamentais e deveriam ser valorizados; no entanto, o excessivo foco em direitos
econômicos criou desigualdades excessivas e uma ausência de consciência coletiva inaceitáveis
para uma sociedade socialmente justa.
Uma consciência moral adequada, para Hobhouse, necessitaria reformas que se preocupassem
com a distribuição de riqueza e renda, já que, em nome da competição de mercado e de
incrementos na produção agregada, uma grande parcela desses recursos foi distribuída para as
mãos de uma elite abastada, enquanto o bem-estar dos cidadãos comuns ficou de lado. Dessa
forma, há a expectativa de que esse egoísmo criado nas sociedades liberais fosse
gradualmente substituído por uma forte consciência coletiva, preocupada com o
desenvolvimento de todos os membros da sociedade. Escreve Seaman: “Such reform required
as an ethical guide a social ideal wider and more "humanitarian" than one dedicated to liberty
alone; it required an infusion of a socialist concern for community. The "social liberal" doctrine
of social harmony was designed to supply this ideal.” Seaman ainda argumenta que outros
autores, como T.H. Green e J. S. Mill, também desenvolveram uma filosofia crítica à ganância
padrão das sociedades baseadas no capitalismo de laissez-faire, afirmando que, para esses
autores, os homens poderiam viver vidas muito mais proveitosas e valorosas ao deixar de
buscar os meros ganhos econômicos; eles viam com bons olhos uma combinação da liberdade,
esta enfatizada pelo liberalismo, com uma concepção mais dignificadora do homem,
colocando as faculdades elevadas no centro da discussão. Escreve Seaman: “So Hobhouse's
ideal of social harmony did not constitute a radically new departure from the moral views of
the two nineteenth-century liberal democrats. However, like their views, his ideal did
represent a break with the earlier, classical liberalism from Locke to Bentham, which had
established the defence par excellence of the institutions of the capitalist market economy on
an increasingly explicit concept of man as an infinitely desirous and largely self-seeking
appropriator of material utilities.” Os liberais clássicos, como Bentham e Locke, observaram
sociedades particulares – as sociedades capitalistas –, em momentos particulares, e assumiram
que aquele tipo de homem é o homem ideal e universal; para os social-liberais, como
Hobhouse e Mill, isso era apenas questão de como a sociedade funcionava e era organizada,
de forma que uma reforma em direção a uma sociedade mais preocupada com o bem-estar
dos cidadãos comuns provocaria, eventualmente, o florescer de uma sociedade composta de
pessoas mais altruístas e benevolentes.
Em seu texto Center-Left Liberalism (2012), Paul Starr escreve que o liberalismo nasceu através
da busca de um governo constitucional, com poderes limitados, que garantissem igualdade,
dignidade, prosperidade e liberdade aos cidadãos. As discordâncias sobre como chegar a esse
ideal e em que medida, e escopo, esses princípios devem ser adotados é motivo de muitas
controvérsias entre os defensores do liberalismo. Escreve Starr: “Since the early nineteenth
century, the general trend in liberal thought and politics has been toward a broader, more
inclusive conception of what an equal right to freedom means. In pursuit of that aim, liberals
have come to favor greater regulation of the economy while also supporting the deregulation
of private moral life and stronger protection of civil liberties.” O moderno social-liberalismo,
chamado por Starr de liberalismo de centro-esquerda, adota uma concepção mais igualitária
de liberdade do que aquela adotada pelos liberais, do século XIX, defensores do laissez-faire; o
governo se tornou um instrumento muito desejado para combater injustiças sociais e para
melhorar a vida dos cidadãos comuns. O autor argumenta que, desde o começo do século XX,
o liberalismo tomou conta do debate público como a principal ideologia de centro-esquerda,
principalmente por conta do sucesso inglês. Escreve Starr: “[...] when the Progressive Party
went into decline in 1916, some progressives began distinguishing themselves as liberals, a
term that had international cachet at the time because of the pre-World War I achievements
of Britain’s governing Liberal Party. By that point, under the leadership of David Lloyd George,
Britain’s Liberals had long abandoned laissez-faire and instead embraced an activist state in
line with the social reformism of what was then called the new liberalism (Hobhouse, 1911). It
was in this reformist sense that Franklin Roosevelt and the New Dealers claimed the term
liberal, though some conservatives as late as the 1950s insisted that they were, in fact, the true
liberals.” Ao mesmo tempo em que os defensores do intervencionismo de Roosevelt e da
social-democracia de D. L. George se denominavam liberais, os defensores do livre mercado e
da desregulamentação econômica também se denominavam liberais; de um lado Keynes e
Hobhouse, e do outro Friedman e Hayek.