Você está na página 1de 12

Seminário: A República, Livro V

VII – Para dar início à segunda onda, Sócrates declara que, ao tratarem
da lei acerca das mulheres, eles foram exitosos, saindo ilesos de uma onda tão
potente como a do mar. A discussão realizada serviu, até então, para confirmar
que os guardiões devem cuidar de tudo em comunhão, apontando para a
possibilidade e a utilidade desse modelo. A onda que virá agora, no entanto,
será muito maior que a anterior, segundo Sócrates. Desse modo, ela já é
apresentada à discussão:

457, d - “Todas essas mulheres serão comuns a todos esses homens,


nenhuma coabitará com nenhum homem como esposa só dele, e também os
filhos serão comuns e nem o pai conhecerá o filho nem o filho o seu pai”

Gláucon argumenta que tal norma será alvo de descrédito, tanto pela
sua possibilidade quanto pela sua utilidade e, em razão disso, Sócrates
salienta que a questão mais controversa virá em relação à possibilidade. O
filósofo ainda manifesta interesse em não responder essas duas frentes da
questão, mas é interpelado pelo interlocutor com a exigência de que trate do
tema por completo. (458) - Ainda assim, ele pede para que a questão da
possibilidade seja prorrogada, para que possa tratar apenas da utilidade neste
primeiro momento. Portanto, supondo tais normas como possíveis, Sócrates
parte para o exame de como elas serão regulamentadas pelos governantes,
tentando provar que, quando postas em prática, serão mais vantajosas à
cidade.

A proposição inicial é a de que, sendo dignos de suas funções, os


auxiliares e os governantes terão o anseio uns de cumprir as ordens e outros
de exercer o comando, obedecendo as leis ou utilizando-as como modelo para
a criação de novas normas. Ao legislador, que escolhe os homens para os
encargos, também caberá escolher as mulheres, com parcimônia e distinção, a
fim de atribuir a cada um aquela que demonstre mais semelhança e afinidade
natural. Ao compartilharem habitações e refeições, mas sem possuir
propriedades privadas, estarão juntos em tudo e, por uma necessidade natural,
serão compelidos a unirem-se, não por uma urgência geométrica, mas pela
que surge do amor, que é considerada ainda mais persuasiva.
VIII – Sócrates alega que deixar os guardiões se unirem de modo
desordenado não estará de acordo com a religião da cidade e, portanto, não
será justo. Em face disso, propõe que os casamentos devem ser santificados,
seguindo um modelo ideal, baseado na relação entre Zeus e Hera. Tais uniões
serão reconhecidas como as mais vantajosas. Mencionando os animais de
raça de Gláucon, Sócrates busca entender como essas serão as uniões mais
vantajosas. (459) - Esse movimento se inicia com um questionamento acerca
da procriação entre os animais e, após uma série de indagações, os
interlocutores concluem que, dentro de uma raça, existem aqueles que são
“melhores”, que estes devem ser preferência para a procriação da espécie, e
que isso deve ocorrer enquanto tais indivíduos se encontram na “flor da idade”.
Acontecendo algo semelhante com os seres humanos, seria preciso gerar os
governantes da mais alta qualidade, pois estes podem precisar utilizar mentiras
e fraudes para servir à cidade. Tais “remédios”, como Sócrates os chama,
devem ser aplicados pelos “melhores médicos” (ou seja, os melhores
governantes), podendo ser muito úteis quando empregados pelas mãos
corretas.

Sócrates compreende que nos casamentos e na procriação, os melhores


devem se relacionar entre si, enquanto os medíocres devem se manter entre
os medíocres. Os filhos dos melhores devem ser criados, enquanto os dos
medíocres não. Para que tal norma possua efetividade, sem gerar atos de
rebeldia entre os guardiões, ela deve ser de conhecimento exclusivo dos
governantes. (460) - Estes ficarão no encargo de promover festas e eventos
para a reunião dos casais; deverão também cuidar da quantidade de
casamentos, a fim de manter um certo controle populacional, para que a cidade
não cresça nem diminua demasiadamente. Sócrates também propõe que os
sorteios para os casamentos devem ser previamente tramados, para que os
medíocres atribuam sua sorte ao acaso, sem desconfiar da ação deliberada
dos governantes.

IX – Adiante, Sócrates dispõe que os jovens mais valentes, tanto na


guerra como em outras atividades, devem ser honrados e receber a permissão
de se deitar com as mulheres, para que sob esse pretexto, sejam gerados os
seus filhos. Estes, quando nascerem, deverão ser entregues às autoridades
responsáveis, lotadas da função de criar e cuidar das crianças. Sócrates ainda
salienta que este encargo pode ser assumido por pessoas de ambos os sexos.
Os filhos dos bons serão levados ao redil (lugar afastado da cidade),
juntamente às amas, enquanto os filhos dos menos dotados e os que
apresentarem defeitos, serão escondidos e ignorados. As mães serão levadas
ao redil para amamentar as crianças, por um tempo determinado, sem que
possam reconhecer suas respectivas proles. As demais funções ficariam sob o
encargo das amas e das nutrizes.

Sócrates retoma a afirmação de que as crianças devem nascer de


pessoas na flor da idade e, no decorrer da discussão com seus interlocutores,
conclui que, para as mulheres, este período corresponde dos 20 aos 40 anos,
enquanto para os homens, corresponde dos 25 aos 55 anos.

(461) - Aqueles que forem gerados por pessoas fora dessas faixas
etárias serão considerados erros e atentados contra a piedade e a justiça e,
mesmo que ninguém saiba da gestação, nascerão sem passar pelos rituais da
cidade que rogam para que os filhos sejam melhores e mais úteis que seus
pais. “A criança será concebida sob trevas e terrível desregramento”.

A lei será a mesma caso a prole seja fruto de uma relação que não
tenha sido consentida pelas autoridades vigentes. Tais filhos serão
considerados ilegítimos, impuros e bastardos.

Em seguida, Sócrates lança a seguinte proposição: (461c): “Quando as


mulheres e os homens ultrapassarem a idade de gerar, deixaremos que os
homens estejam livres para manterem relações com quem quiserem, exceto
com a irmã, com a mãe e com as filhas das irmãs ou com as ascendentes da
mãe, e as mulheres, por sua vez, só não possam unir-se ao filho, ao pai e aos
ascendentes e descendentes dele”. O filósofo salienta que as pessoas deverão
ser exortadas a fim de se empenharem para que não tenham mais filhos e que
se, em algum caso, estes consigam nascer, devem ser privados do direito de
alimentação.

Em face da enunciação desse modelo, Gláucon questiona como os


guardiões se distinguiriam em parentesco, para que a norma fosse cumprida
corretamente. Sócrates então estabelece que eles não se distinguiriam de
modo algum, mas para os adultos, aqueles que que nascerem no 7º ou 10º
mês, a partir do dia que se tornarem noivos, serão considerados seus filhos, e
eles os considerarão como pais e, de semelhante maneira, os netos serão os
descendentes dos filhos. Aqueles que nascerem no período em que os seus
pais procriavam serão considerados irmãos. Estes, reitera Sócrates, não
devem tocar uns nos outros, exceto no caso dos irmãos, os quais a lei permitirá
que se unam, caso sejam sorteados e a Pítia (sacerdotisa do templo de Apolo)
avalizar.

X – Após definir aquilo que Sócrates denomina como a comunidade de


mulheres e filhos, partem agora para a confirmação, por meio do diálogo, de
que ela está de acordo com o restante da constituição (das normas propostas)
e que é excelente.

(462) O ponto de partida para este processo é questionar qual é o maior


bem e o maior mal para a organização da cidade. Só assim será possível
discernir se o caminho escolhido pelos guardiões está de acordo com este ou
aquele. Sócrates então lança as seguintes indagações: Existe mal maior para a
cidade do que aquilo que a divide? (GL: Não!); A comunhão no prazer e na dor não
une quando todos se alegram e sofrem igualmente com os mesmos ganhos e perdas?
(GL: Sim!); O individualismo não é o que mais divide os cidadãos, quando uns sofrem
muito e outros se alegram muito, em face das mesmas experiências que passa a
cidade? (GL: Sim!); Isso não vem do uso, na cidade, de expressões como: “Isso é
meu” e “Isso não é meu”? (GL: Sim!); A cidade em que o maior número de pessoas,
do mesmo ponto de vista, diz “meu”, “não meu”, não é a que tem melhor governo?
(GL: Sim!); E que cidade mais se aproxima de um indivíduo? (Para constituir a
questão, Sócrates levanta o exemplo do dedo e do resto do corpo – quando
uma parte sofre, o todo sofre e, quando ela melhora, tudo melhora, em
decorrência dessa comunhão entre as partes); (GL: Para tal questionamento,
Gláucon afirma que a cidade mais bem governada é a que mais se aproxima
do modelo do indivíduo).

Sócrates chega então à seguinte conclusão no item 462e: “Se apenas


um único cidadão, creio eu, estiver sendo afetado por algo de bom ou de mau,
será principalmente uma cidade como essa que afirmará que também ela
passa por essa experiência e estará toda ela com ele no prazer e na dor”.
XI – Retornando a discussão à cidade postulada, Sócrates agora propõe
que eles analisem se ela será mesmo a que apresenta maior concordância
com o que acabaram de deliberar e, em uma série de novos questionamentos,
levanta um debate acerca da disposição das pessoas na cidade, (463)
determinando que nela haverá governantes e cidadãos; que os governantes,
além de cidadãos, também serão denominados Salvadores e Auxiliares (em
contraposição aos governantes de outras cidades, que ganham a alcunha de
senhores, e aos regimes democráticos, em que são chamados de governantes
mesmo); que para eles, o povo é quem os paga e alimenta (enquanto nas
outras cidades o povo é chamado de escravo); e que entre si, os governantes
se denominarão Colegas de guarda.

Sócrates então questiona se, entre os governantes, haveria aqueles que


consideram o Colega de Guarda como estranho ou o trate dessa maneira, uma
vez que isso ocorre nas outras cidades. A resposta de Gláucon remete às
normas recentemente apresentadas, e nela afirma que isso não seria possível,
pois todos eles estarão entrelaçados por uma certa comunhão familiar, que fará
com que se reconheçam em algum grau de parentesco. Em face dessa
resposta, Sócrates indaga se seriam impostos aos governantes apenas os
nomes de família, ou se as ações deveriam corresponder a estes, preservando
aquilo que já se conhece acerca do respeito e cuidados devidos aos pais e a
exigência da obediência aos genitores, não recebendo nada de bom dos
deuses ou dos homens aqueles que agirem de modo contrário a tais normas,
aviltando contra a justiça e a religião. Indaga também se estas recomendações
deveriam ser aquelas apresentadas por todos os cidadãos às crianças, do
modo como elas devem tratar seus pais e parentes. Gláucon assente toda a
proposição feita por Sócrates e, ainda julga que seria ridículo se apenas os
nomes de família fossem valorizados, sem a necessária correspondência com
os atos.

Sócrates conclui que esta será, portanto, a cidade em que, se uma


pessoa estiver bem ou mal, todos os cidadãos dirão em uníssono o que foi
estipulado: “o que é meu vai bem, ou o que é meu vai mal”.

(464) Por conseguinte, assumem que a consequência dessa forma de


pensar e se expressar será a comunhão de prazeres e dores, que o que os
cidadãos terão mais em comum será aquilo que denominam como “meu”, e
que a causa disso será, além da constituição das normas, a comunidade de
mulheres e filhos entre os guardiões.

XII – Sócrates reafirma que, portanto, o bem maior de uma cidade ocorre
quando ela funciona como um corpo, de forma unitária. Tal comparação tem
como fundamento a análise das reações desse corpo ao prazer e à dor, feita
anteriormente. Concordando entre si, os interlocutores compreendem que a
causa maior do bem da cidade é a comunidade de mulheres e filhos entre os
guardiões. Reiteram também o acordo de que estes não deverão possuir casas
próprias, terras ou quaisquer outros bens, recebendo dos outros a alimentação
como salário pela vigilância e consumindo-a de forma comunitária, se quiserem
ser verdadeiros guardiões.

Sócrates indaga se o estabelecimento de tais normas tornará essa


classe uma de autênticos guardiões, impedindo que dividam a cidade em
pequenas propriedades privadas (inclusive de mulheres e filhos). Questiona
também se, tendo a mesma opinião sobre o que lhes pertence, na medida do
possível, serão afetados por prazeres e dores equivalentes. Gláucon garante
que isso ocorreria.

Ademais, os processos e acusações desaparecerão de seu meio, pois


como tudo será comum a todos, não haverá nenhuma querela pela posse de
bens, filhos e parentes, bem como não haverá legitimamente entre eles
processos por violência ou maus tratos, pois serão previamente instruídos que
é belo e justo que uma pessoa se defenda de uma igual, obrigando-os a
manter a sua integridade física. (465) Logo, se algum cidadão, enraivecido com
o outro, satisfizer sua cólera por essas vias, a tendência de que ele procure
discórdias maiores será diminuída. Os mais velhos ficarão na incumbência de
comandar e castigar os mais jovens, enquanto os mais jovens não tentarão,
exceto por ordem dos governantes, cometer qualquer violência contra os mais
velhos. Para impedir que cometam tais atos, existirão duas forças sempre
presentes: o respeito, que os impedirá de atacar alguém como seus pais; e o
temor de que outras pessoas venham socorrer a vítima, em decorrência de seu
parentesco. Uma vez que essas leis forem estipuladas, os homens gozarão de
muita paz e, não havendo desavenças dentre os guardiões, também não
haverá risco de o resto da cidade entrar em desacordo com eles ou entre si. De
tal maneira, estarão livres também de diversos problemas menores, “evidentes
até para cegos”, que consomem e muito a vida dos homens. Por exemplo:
Sendo pobres, não precisariam bajular os ricos; estariam livres das dificuldades
que se apresentam na criação dos filhos, da busca incessante pelo dinheiro
para manter determinados padrões de vida etc.

XIII – Para enfatizar sua proposição, o filósofo salienta que, livres de


todos estes esforços, os guardiões viverão uma vida melhor que a dos
vencedores dos jogos olímpicos, pois a vitória deles será mais bela, e o
sustento que lhes fornecerá o estado será mais completo. A vitória por eles
alcançada será a salvação de toda a cidade, e a coroa recebida por eles e seus
filhos será a própria alimentação e as demais coisas necessárias para a vida.
Receberão honrarias da cidade enquanto vivos e, depois de mortos, sepulturas
dignas de suas grandezas.

(466) Na sequência, Sócrates anuncia uma nova questão, que dialoga


com uma intervenção anterior de Adimanto, em que discutiram acerca da
infelicidade dos guardiões em, podendo ter tudo, nada possuírem. A resposta
naquele momento foi que o tema seria tratado em outra oportunidade, pois
buscavam fazer os guardiões verdadeiros guardiões, e tornar a cidade o mais
feliz possível, sem limitar-se a moldar o contentamento geral a partir dos
interesses de uma única classe. Agora, no entanto, com a vida dos guardiões
parecendo mais bela que a dos vencedores em Olímpia, Sócrates indaga se
ela, de algum modo, se assemelha à dos cidadãos comuns, ao passo que
Gláucon replica que tais modos de vida não coincidem.

Aqui, Sócrates sustenta que se o guardião não se contentar com sua


situação, tentando ser feliz de um modo que não seja mais considerado
guardião, se não lhe for suficiente uma vida moderada e segura, considerada
melhor, como exposto anteriormente e, sob uma visão diferente de felicidade,
tentar se apoderar das coisas da cidade utilizando o poder que lhe fora
atribuído, ele reconhecerá a astúcia de Hesíodo ao afirmar que a “metade é
maior que o todo”. Neste momento, Gláucon afirma que, sendo ele mesmo o
conselheiro, o guardião permaneceria fiel à vida que lhe fora designada.
Propondo o encerramento da questão da utilidade, Sócrates pergunta
para Gláucon se este concorda que exista uma comunidade entre homens e
mulheres como a que fora descrita por eles, que as mulheres devem ter parte
na educação dos filhos e na guarda da cidade, que devem participar em tudo e,
na medida do possível, ter tudo em comum com eles, e que essa será a melhor
forma de agir, sem opor a natureza do sexo masculino com a do sexo feminino
na realização daquilo que ambos comungam. Gláucon assente e, portanto, eles
passam a tratar sobre a possibilidade desta cidade.

XIV – Sócrates segue o diálogo propondo que resta apenas tratar sobre
a possibilidade da existência de tal comunidade entre os homens e, assim
sendo, começa a dispor este assunto ao tratar acerca do modo como serão
realizadas as guerras.

(467) Determina que os Guardiões combaterão em conjunto e levarão


seus filhos mais robustos às guerras para que, tal como os filhos dos artífices,
contemplem as ações que deverão realizar no futuro e ajudem no que diz
respeito ao combate, além de prestarem assistência aos pais e às mães. Esta
medida servirá tanto como ferramenta educativa aos jovens quanto motivador
aos guardiões, haja vista que, segundo Sócrates “todo animal lutará de modo
diferente na presença daqueles que gerou”.

Gláucon aponta que uma medida como esta seria algo de altíssimo
risco, uma vez que, na derrota, morreriam todos, inclusive os filhos,
impossibilitando a recomposição da cidade. Em face desse entrave, Sócrates
realiza uma série de perguntas a fim de deliberar quais seriam as medidas
mais prudentes.

As seguintes proposições são então apresentadas, ao longo do item


467b,c,d,e e, a fim de dirimir este problema: aos pais, caberá discernir bem
quais campanhas deverão ou não levar seus filhos, a partir do perigo
apresentado em cada uma; Para guiar os jovens, serão destacados os chefes
que, devido à experiência e à idade, conseguem desempenhar um bom
comando, de modo pedagógico; Em face da imprevisibilidade dos
acontecimentos, os jovens deverão possuir meios para fugir da batalha, caso
haja a necessidade e, para que isso ocorra, deverão ser treinados, desde cedo,
a montar cavalos; Logo, os jovens deverão ser levados às guerras já sabendo
cavalgar, por animais dóceis e rápidos, para que possam contemplar o que, no
futuro, deverão fazer e, caso necessário, consigam se salvar com os chefes
mais idosos.

(468) – Em seguida, Sócrates busca saber mais acerca do


comportamento dos soldados entre si e com os inimigos. O percurso dos
argumentos apresentados desemboca nas seguintes conclusões: Aquele
soldado que demonstrar covardia durante a guerra deverá ser realocado para a
função de demiurgo ou agricultor; Aquele que for capturado será entregue
como presente aos adversários, para que façam com ele o que quiserem;
Aquele que se evidenciar pela valentia, alcançando uma boa reputação, deverá
ser coroado em campo de batalha pelos jovens e crianças que estiverem
também em campanha, um de cada vez, estendendo-lhe a mão e beijando e
sendo beijado por cada um. Gláucon ainda complementa essa última
proposição, estipulando que, enquanto em batalha, ninguém poderá recusar
ser beijado por ele, uma vez que, apaixonado por alguém, homem ou mulher,
lutará com mais ardor e destreza para vencer e, assim, arrebatar o prêmio.

Sócrates reitera que, ao guerreiro valente, estariam dispostos


casamentos mais frequentes que aos outros; que a seleção de homens deste
modelo seria mais frequente e que, para eles, seriam escolhidas mulheres
semelhantes, a fim de que tenham uma descendência numerosa.

XV – Evocando Homero, o filósofo declara que será justo prestar as


honras supracitadas a quantos jovens forem corajosos. Utilizando o exemplo
de Ajax, demonstra que as honras alimentícias garantidas seriam adequadas
aos jovens valentes, pois aumentaria o prestígio e o vigor físico deles. Nos
sacrifícios e cerimônias de semelhante natureza, os jovens valentes serão
honrados, na medida em que se mostrarem corajosos, com hinos, distinções,
lugares de honra, carnes e taças a transbordar (referência à Ilíada), a fim
forjar homens e mulheres valentes.

Quanto aos que morrerem em campanha mantendo boa reputação,


estes serão considerados da raça de ouro e, nas palavras de Hesíodo, quando
morrem:
(469) uns se tornam, aqui na terra, dêmones santos, nobres, protetores
contra o mal e guardiões dos homens mortais.

Será então realizada uma consulta ao deus (Apolo), com o objetivo de


saber como decorrerão as cerimônias fúnebres para tais dêmones, celebrando-
as de acordo com aquilo que for ordenado. Ademais, deverão prestar cultos
diante das sepulturas de tais dêmones, bem como farão isso diante da
sepultura de todos aqueles que forem reconhecidos como corajosos em vida.

Logo após instituir tais determinações, Sócrates passa a discutir sobre


como os soldados dessa cidade agiriam com seus inimigos. O primeiro tópico
trata acerca da escravidão. Os interlocutores concebem que os gregos
deverão impedir, o quanto for possível, que outras cidades escravizem seus
povos concidadãos, constituindo assim o hábito de poupar a sua raça, como
meio de prevenir que sejam subjugados pelos bárbaros. Por conseguinte, os
gregos não deverão possuir escravos gregos, e essa prática deverá ser
difundida, a fim de que eles se voltem de preferência contra os bárbaros,
abstendo-se dos seus.

O segundo ponto tratado nesse item dispõe sobre a pilhagem de


cadáveres em batalha. Sócrates indaga se seria correto saquear algo além
das armas dos mortos, após a vitória. Seu questionamento sugere que isso, na
verdade, seria uma desculpa dos covardes para, fingindo cumprir uma
atribuição legítima, fugirem ao combate. Neste sentido, consideram que
despojar os cadáveres é na verdade um ato dos vis e cúpidos, bem como é
próprio da mulher de pouco conhecimento considerar o corpo do adversário
morto como inimigo. Fica definido então que o correto seria abandonar a
prática da pilhagem de cadáveres e revogar a proibição de que seus corpos
sejam recolhidos pelos inimigos.

XVI – (470) Em seguida, Sócrates também propõe que as armas não


deverão ser levadas aos templos para a consagração, sobretudo aquelas dos
outros povos gregos, pois há uma enorme preocupação em zelar e manter a
benevolência entre eles. Tal ato seria considerado, na verdade, um sacrilégio,
a menos que essa fosse a decisão do deus (Apolo).
Ao finalizar a segunda onda, Sócrates trata também da devastação
do território grego e do incêndio de residências durante a guerra. Para o
filósofo, não seria correto fazer nenhum dos dois, mas apenas tomar dos
vencidos as colheitas do ano. Sua resposta é justificada pela seguinte
argumentação: Aos conflitos bélicos são cabíveis dois nomes, guerra e
sublevação. A sublevação marca a querela que se dá na mesma família e
estirpe, enquanto a guerra tem a ver com o que é estrangeiro e alheio. Os
povos gregos têm entre si afinidade de família e origem, enquanto os povos
bárbaros lhes são estrangeiros e alheios. Logo, os combates entre gregos e
bárbaros serão denominados guerras, enquanto as dissensões entre gregos,
que são amigos por natureza, serão consideradas sublevações.

Em uma sublevação, se há uma discordância capaz de dividir a cidade,


fazendo com que uma das partes comece a devastar os campos e incendiar as
casas da outra, ela será considerada criminosa, haja vista que as partes não
estão se demonstrando como amigas da cidade. O razoável será, portanto, que
os vencedores tomem a colheita do ano dos derrotados, mas já pensando em
formar de reconciliação futura, não de permanência da discórdia.

Sendo grega a cidade pensada na discussão, os cidadãos dela deverão


ser bons e civilizados, ser amigos dos outros gregos, considerar a Grécia como
que unida por um laço familiar, bem como deverão participar das cerimônias
religiosas dos outros gregos, pois os santuários também serão seus. A querela
entre povos gregos, portanto, será denominada sublevação, não guerra e, por
isso, os conflitos serão tratados já com vista na reconciliação entre eles.

De modo benevolente, segundo Sócrates, “Os chamarão à razão, sem


castigá-los com a servidão ou com a morte, como pessoas que querem fazê-
los voltar à razão, mas não são inimigos”.

Enfim, por serem gregos, não incendiarão nem saquearão as casas dos
outros gregos. Sempre serão comedidos ao acusar quem causa a dissensão,
sem declararem todos como inimigos, mas apenas poucos, aqueles que
realmente são culpados. Em face das razões supracitadas, não terão vontade
de infligir mal algum às cidades, pois considerarão a maioria das pessoas como
amigas, mantendo a dissensão até que os verdadeiros culpados sejam
obrigados a prestar reparação pelos que sofrem. Tais atitudes devem ser
voltadas contra os adversários, mas contra os bárbaros, deverá ser mantido
aquilo que, segundo Gláucon, os gregos mantém entre si em seu tempo
histórico (provavelmente algo que se assemelhe à guerra). Por fim, define-se
que deverá ser estabelecida uma lei que proíba os guardiões de devastar as
terras e incendiar as casas.

Você também pode gostar