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William Shakespeare com a obra “A megera domada” e sua relação com as teorias da
justiça aristotélicas.

Raquel Oliveira Santos

Na obra “A megera domada”, é demonstrado uma mulher diferente do estereótipo da


época. Ao contrário das demais mulheres, Catarina era uma mulher extremamente indomável,
sendo por esse fato, apelidada de megera. Entretanto, visto que estava inserida em uma
sociedade puramente patriarcal, Catarina sendo esperta, teve que se adaptar às normas de
conduta impostas.
A obra "A megera domada" trata de Catarina, uma mulher bonita, mas com um gênio
muito forte. Ela desperta pavor em todos os homens, pois é inquieta e feroz. Não é à toa que ela
é chamada de megera. Filha mais velha de Batista, tem uma irmã mais nova (Bianca) que, ao
contrário dela, tem vários pretendentes amorosos, que fariam de tudo para ter a sua mão.
Como Catarina não tem pretendentes, Batista promete que só irá dispor a mão de Bianca
se um cavalheiro tomar a mão de Catarina. Isso criou um alvoroço geral, pois ninguém no
momento estava disposto a viver um inferno eterno ao lado da megera. Porém, com a chegada
de Petruchio à cidade, milhonário disposto a aumentar sua fortuna, o escândalo é resolvido.
Seus amigos falam da megera e seu gênio terrível para ele, que fica ansioso para conhecê-la e
se casar com ela. Petruchio se dispõe de vários truques para conquistar e domar Catarina.
Logo no primeiro encontro, ele ignora as palavras rudes e as ofensas de Catarina,
recebendo-as como carícias. Pouco depois, a megera começa a se transformar e se casa com
Petruchio, mas jura não ceder a ele enquanto o mesmo não lhe agradar. Com essa condição, ele
começa a exigir dos criados o maior cuidado possível com Cata (assim chamada pelo marido),
mostrando sua carência para com ela. Catarina acaba cedendo à Petruchio, para espanto de
todos, e ao final, passa um sermão nas amigas, dizendo que as mulheres devem ser gratas e
servirem aos maridos, pois eles se arriscam para agradá-las.
Com base nesse cenário, será bem vindo abordar uma teoria de Aristóteles, chamada
“Justiça doméstica”, Aristóteles em seu livro Ética a Nicômaco explica que essa justiça é aquela
aplicável à sua esposa, filhos e escravos. Nela, quem possuía a soberania para regular o âmbito
doméstico era justamente o patriarca, assim, os indivíduos do âmbito doméstico eram
estritamente excluídos das tomadas de decisões da polis.
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A justiça doméstica se difere da justiça política, pelo fato desta última reger com base
nas leis apenas os cidadãos, e estando ciente disso, portanto, mulheres, filhos homens (antes da
maior idade) e escravos não eram considerados cidadãos. Sendo assim, as leis não lhe tinham
como foco principal, mas sim o homem da relação. Com esse fato, os indivíduos do âmbito
doméstico eram afetados apenas indiretamente por elas.
Ademais, Aristóteles acredita que não existe injustiça nesse tipo de justiça, pois como
as leis só valem para cidadãos, não tem como o patriarca cometer injustiça contra si mesmo e
sua propriedade. Ainda, o tratamento do patriarca para com seus tutelados não eram
homogêneos, pois, no caso da mulher, em específico, seu ensinamento era voltado para assuntos
especificamente domésticos.
Além dessa educação, a mulher era criada para ser totalmente subjugada ao homem.
Dessa forma, não possuía uma autonomia plena para regular sua vida, nem mesmo para escolher
o seu futuro marido, tendo essa decisão passado para o patriarca. Desse modo, é sabido que o
casamento era formado em especial para manter o “status quo”, visto que o noivo a partir desse
momento, iria adquirir sua noiva, e com ela, suas posses, seladas por um determinado dote.
Historicamente, o casamento não era como o atual, no qual consiste numa relação
discricionária, no qual são mais movidas por sentimentos de ambos os lados. O papel do
matrimônio era basicamente manter a estabilidade social. Assim, os meninos eram educados
para suceder as obrigações do pai e as meninas eram ensinadas habilidades para ajudar a
gerenciar as suas próprias famílias e agradar seus maridos
Por ser no século XVI, pode ser entendido como algo mais compreensível a submissão
feminina, já que eram costumes antigos, da época, pode-se pensar. Entretanto, mesmo no século
XX, no código civil brasileiro de 1916 é possível encontrar sinais de uma falta de autonomia
da mulher mantida pelo direito. Como por exemplo o Artigo 2º no qual colocava que “Todo
homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil.”
Por ter a palavra “Homem”, abria margem para uma possível interpretação de que
apenas eles poderiam adquirir direitos e contrair deveres na ordem civil. Por esse fato, no código
de 2002, foi alterada essa palavra para “Pessoa”. Assim, enfatizando que qualquer pessoa possui
personalidade jurídica, não se restringindo a um único sexo.
É mostrado na obra que após o casamento, Catarina parte para a casa do seu marido,
mesmo contra a sua vontade, visto que queria aproveitar a festa. No entanto, isso se torna
irrelevante, pois é pega no colo e levada a força. Isso é respaldado no códico civil de 1916, no
artigo 36° alegando que os incapazes têm por domicílio o do seus representantes, logo a mulher
casada tem por domicílio o do marido.
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Ainda, para se casar, a mulher teria que ter a permissão do pai. E isso não era
simplesmente uma tradição. Pois, foi até mesmo positivado no artigo 178. § 4°, no qual o pai,
tutor ou curador poderia anular o casamento do filho, se esse foi contrário sem o seu
consentimento. Não somente em decisão ao seu casamento poderia ser anulado, pois após
casada, §7° sua tutela passava pro marido, e portanto, este também poderia anular suas decisões
se praticado sem o seu consentimento.
Art. 274. A administração dos bens do casal compete ao marido, e as dívidas por este
contraídas obrigam, não só os bens comuns, senão ainda, em falta destes, os particulares de um
e outro cônjuge, na razão do proveito que cada qual houver lucrado.
Art. 274. A administração dos bens do casal compete ao marido, e as dívidas por este
contraídas obrigam, não só os bens comuns, senão ainda, em falta destes, os particulares de um
e outro cônjuge, na razão do proveito que cada qual houver lucrado.
Art. 290. Salvo cláusula expressa em contrário, presumir-se-á transferido ao marido o
domínio dos bens, sobre que recair o dote, se forem móveis, e não transferido, se forem imóveis.
Art. 252. A falta, não suprida pelo juiz, de autorização do marido, quando necessária,
invalidará o ato da mulher, podendo esta nulidade ser alegada pelo outro cônjuge, até dois anos
depois de terminada a sociedade conjugal.
Art. 247. Presume-se a mulher autorizada pelo marido: I – para a compra, ainda a
crédito, das coisas necessárias à economia doméstica; II – para obter, por empréstimo, as
quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir; III – para contrair as obrigações
concernentes à indústria, ou profissão que exercer com autorização do marido, ou suprimento
do juiz. Parágrafo único. Considerar-se-á sempre autorizada pelo marido a mulher que ocupar
cargo público, ou, por mais de seis meses, se entregar a profissão exercida fora do lar conjugal.
Art. 240. A mulher, com o casamento, assume a condição de companheira, consorte e
colaboradora do marido nos encargos de família, cumprindo-lhe velar pela direção material e
moral desta.
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a
colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos.
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REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES, Busto de. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2008. p 89-90.

KRAMER, Heinrich e SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro:


BestBolso, 2015. p

SHAKESPEARE, William. A megera domada. São Paulo: Martin Claret, 2007. p 7-78.
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