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Peter Burke
Testemunha ocular
O uso de imagens como evidência histórica
Tradução: Vera Maria Xavier dos Santos
Prefácio à brasdileira (p. 11)
Prefácio e agradecimentos (p. 15)
Introdução: O testemunho das imagens (p. 17)
A invisibilidade do visual? (p. 18)
No que se refere a Huizinga, proferia a conferência inaugural na Universidade de
Groningen em 1905 sobre o tema “O elemento estético no pensamento histórico” comparando
a compreensão histórica à “visão” ou “sensação” (incluindo o sentido de contato direto com o
passado), e declarando que “o que o estudo da História e a criação artística têm em comum é
um modo de formar imagens”. Mais tarde, ele descreveu o método da história cultural em
termos visuais como “o método do mosaico”. Huizinga confessou em sua autobiografia que o
seu interesse por História foi estimulado pelo hábito de colecionar moedas na infância, e que
foi atraído pela Idade Média porque visualizava o período como “repleto de nobres cavaleiros
usando elmos enfeitados de plumas”, e que sua troca de interesse dos estudos orientais para a
história da Holanda foi estimulada por uma exibição de pinturas flamengas em Bruges, no ano
de 1902. Huizinga também foi um entusiasmado defensor dos museus históricos. [nota 5]
Outro estudioso da geração de Huizinga, Aby Warburg (1866-1926), que começou
como um historiador da arte no estilo de Burckhardt, terminou a carreira tentando produzir
uma história cultural baseada tanto em imagens quanto em textos. O Instituto Warburg, que se
desenvolveu a partir da biblioteca de Warburg e foi trazido de Hamburgo para Londres após a
scenção de Hitler ao poder, continuar a estimular esse enfoque. Assim, a historiadora
renascentista Frances Yates (1899-1891), que começou a frequentar o Instituto no final da
década de 1930, descreveu-se como sendo “iniciada na técnica Warburg, que utiliza evidência
visual como evidência histórica”. [nota 6] (pp. 20-21)
Fontes e indícios (p. 23)
É desnecessário dizer que o uso de testemunho de imagens levanta muitos problemas
incômodos. Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras o seu
testemunho. Elas podem ter sido citadas para comunicar uma mensagem própria, mas
historiadores não raramente ignoram essa mensagem a fim de ler as pinturas nas “entrelinhas”
e aprender algo que os artistas desconheciam estar ensinando. Há perigos evidentes nesse
procedimento. Para utilizar a evidência de imagem de forma segura, e de modo eficaz, é
necessário, como no caso de outros tipos de fonte, estar consciente das suas fragilidades. A
“crítica da fonte” de documentos escritos há muito tempo tornou-se parte essencial da
qualificação dos historiadores. Em comparação, a crítica de evidência visual permanece pouco
desenvolvida, embora o testemunho de imagens, como o dos textos, suscite problemas de
contexto, função, retórica, recordação (se exercida pouco, ou muito, tempo depois do
acontecimento), testemunho de segunda mão etc. Daí porque certas imagens oferecem mais
evidência confiável do que outras. (...) (p. 26)
Em que medida e de que formas as imagens oferecem evidência confiável do passado?
Seria insensato tentar produzir uma única resposta geral a tal questão. Um ícone da Virgem
Maria datado do século XVI e um pôster de Stalin datado do século XX dizem aos historiadores
algo sobre a cultura russa. No entanto, a despeito de algumas semelhanças intrigantes,
existem, é claro, enormes diferenças tanto com relação ao que essas imagens deixam
transparecer quanto ao que elas omitem. Nós ignoramos – e isto é um perigo – a variedade de
imagens, artistas, usos de imagens e atitudes para com as mesmas em diferentes períodos da
história. (p. 27)
Variedades de imagem (p. 28)
(...) Dúvidas podem existir e foram levantadas a respeito dessa tese. O dono de uma
gravura em madeira, por exemplo, pode trata-la com o respeito devido a uma imagem
individual, em vez de considerá-la uma cópia entre várias. Existe evidência visual de pinturas
holandesas de casas e estalagens do século XVII, por exemplo, mostrando que gravuras em
madeira e entalhes eram colocados em exposição enas paredes, da mesma forma que as
pinturas. Mais recentemente, na era da fotografia, como Michael Camille apontou, a
reprodução de uma imagem pode realmente aumentar a sua aura, da mesma forma que séries
de fotografias aumentam o encanto de um astro de cinema em vez de diminuí-lo. Se nós
consideramos imagens individuais com menos seriedade do que o fizeram nossos
antepassados – um aspecto que ainda deve ser provado -, isto pode ser um resultado não da
própria reprodução, mas sim da saturação da nossa experiência de mundo por uma quantidade
de imagens. [nota 18] (pp. 30-31)
2. Fotografias e retratos (p. 35)
Realismo fotográfico (p. 35)
O retrato, espelho ou forma simbólica? (p. 41)
Reflexões sobre reflexões (p. 49)
O primeiro ponto é bastante óbvio, mas o segundo e o terceiro demandam um pouco
mais de elaboração. De modo bastante paradoxal, a vidada dos historiadores para a imagem
ocorreu momento de debate, quando pressuposições triviais sobre a relação entre “realidade”
e representações (sejam elas literárias ou visuais) foram desafiadas, um momento no qual o
termo “realidade” está cada vez mais usado entre aspas. Nesse debate, os inovadores
levantaram alguns pontos importantes em detrimento dos “realistas” ou “positivistas”. Por
exemplo, eles enfatizaram a importância das convenções artísticas e observaram que mesmo o
estilo artístico conhecido como “realismo” tem sua própria retórica. Eles apontaram para a
importância do “ponto de vista” em fotografias e pinturas tanto no sentido literal quanto no
metafórico da expressão, referindo-se ao ponto de vista físico e também ao que pode ser
chamado de “ponto de vista mental” do artista.
Então, em um determinado nível, imagens são fontes não confiáveis, distorcendo
espelhos. Contudo, elas compensam essa desvantagem ao oferecer substancial evidência em
outro nível, de tal forma que historiadores possam transformar um defeito numa qualidade.
Por exemplo, imagens são ao mesmo tempo essenciais e traiçoeiras porque a arte tem suas
próprias convenções, segue uma curva tanto de desenvolvimento interno como de reação ao
mundo exterior. (...) (p. 50)
As orelhas de Morelli (p. 53)
3. Iconografia e iconologia (p. 55)
A escola de Warburg (p. 57)
O terceiro e principal nível, o da interpretação iconológica, distinguia-se da iconografia
pelo fato de se voltar para o “significado intrínseco”, ou seja, “os princípios subjacentes que
revelam a atitude básica de uma nação, um período, uma classe, uma crença religiosa ou
filosófica/’. ´/e nesse nível que as imagens oferecem evidência útil, e de fato indispensável,
para os historiadores culturais. Panofsky estava e3specialmente interessado no nível
iconológico em seu ensaio Arquitetura gótica e escolástica, de 1951, no qual explorava
homologias entre os sistemas filosófico e arquitetônico dos séculos XII e XIII.
Esses níveis pictóricos de Panofsky correspondem aos três níveis literários distinguidos
pelo estudioso clássico Friedrich Ast (1778-1841), pioneiro na arte de interpretação de textos
(“hermenêutica”): o nível literal ou gramatical, o nível histórico (preocupado com o significado)
e o nível cultural, voltado para a captação do “espírito” (Geist) da Antiguidade ou outros
períodos. Em outras palavras, Panofsky e seus colegas estavam aplicando ou adaptando para as
imagens uma tradição especificamente alemã de interpretação de textos.
Os leitores devem saber que, mais tarde, historiadores da arte que adotaram o termo
“iconologia” empregaram-no de formas distintas de Panofsky. Para ernest Gombrich, por
exemplo, trata-se da reconstrução de um programa pictórico, um afunilamento significativo do
projeto ligado à suspeita de Gombrich de que a iconologia de Panofsky era simplesmente outro
nome para a tentativa de ler imagens como expressões do “espírito da época” (Zeingeist). Para
o estudioso holandês Eddy de Jongh, iconologia é uma “tentativa de replicar? representações
no seu contexto histórico, em sua relação com outros fenômenos culturais”. [nota 3]
Por seu lado, Panofsky insistia na ideia de que imagens são parte de toda uma cultura e
não podem ser compreendidas sem um conhecimento daquela cultura, de tal forma que,
citando seu próprio e expressivo exemplo, um nativo australiano “não poderia rconhecer o
tema da Última Ceia; para ele essa cena apenas evocaria a ideia de um alegre jantar”. A
maioria dos leitores pode se deparar com a mesma situação ao se confrontar com imagens
religiosas hindus ou budistas (Capítulo 3). Para interpretar a mensagem, é necessário
familiarizar-se com os códigos culturais.
Da mesma forma, sem um conhecimento razoável da cultura clássica nós não
conseguimos ler um grande número de pinturas ocidentais, reconhecer referências a
incidentes da mitologia grega ou, digamos, da história romana. Se, por exemplo, não
soubermos que o jovem de sandálias e chapéu pontudo no quadro Primavera (figura 10) de
Botticelli representa o deus Hermes (ou Mercúrio) ou que as três jovens dançando são as Três
Graças, é bem provável que não consigamos decifrar o significado da pintura (mesmo com esse
conhecimento, outras dificuldades permanecem). (pp. 58-59)