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Sobre a nova proposta para as re-

lações filogenéticas dos principais


grupos de dinossauros e as impli-
cações em sua origem e diversifi-
cação

Esqueletos montados dos dinossauros mais popularmente conhecidos, o Triceratops horridus, um ornitísquio
e o Tyrannosaurus rex, um terópode, no museu de história natural de Los Angeles. Os dois grupos de dinos-
sauros foram unidos na nova proposta filogenética, formando o grupo Ornithoscelida.
Em março deste ano de 2017 foi publicado na renomada revista científica Nature um
novo trabalho sobre a filogenia dos principais grupos de dinossauros com base nas
formas mais primitivas. Os resultados dos estudos realizados pelos pesquisadores
Matthew G. Baron, David B. Norman e Paul M. Barrett (afiliados à University of
Cambridge e ao Natural History Museum em Londres) modificam de forma signifi-
cativa as relações de parentesco conhecidas para os principais grupos de dinossauros
há mais de um século.

Explicando de modo geral, filogenia é um método de análise evolutiva que visa agru-
par os organismos de acordo com características em comum, estabelecendo relações
de parentesco e encontrando os chamados grupos naturais, clados ou táxons, que são
agrupamentos de organismos semelhantes de acordo com ancestralidade comum. Pa-
ra isso, sistemática filogenética utiliza uma série de ferramentas e áreas de estudo pa-
ra basear os seus resultados, são algumas delas: a cladística, taxonomia, embriologia,
genética, entre outras.

Em análises filogenéticas, os pesquisadores buscam ao máximo os grupos naturais


ou monofiléticos (fig. 1), formados por organismos que compartilham um mesmo an-
cestral em comum. Caso contrário, o grupo é considerado artificial e geralmente é
descartado ou alvo de novas análises, uma vez que o mesmo provavelmente não de-
monstra de forma acurada a evolução do grupo de organismos foco do estudo. Exis-
tem dois tipos de grupos artificiais: os parafiléticos e os polifiléticos. Grupos parafi-
léticos são aqueles que não incluem todos os descendentes a partir do ancestral co-
mum que se está estudando. Já um grupo polifilético é formado por descendentes de
mais de um ancestral comum.

Figura 1: Esquema demonstrando como são formados os grupos monofiléticos, parafiléticos e polifiléticos.
A classe “Reptilia” da maneira como foi proposta por Linnaeus (fig. 2), por exemplo,
era considerada parafilética (por isso representada entre aspas), uma vez que não in-
cluía as aves (e nem os mamíferos dependendo da definição de réptil), que consen-
sualmente deveriam pertencer a este clado. Nestes casos o que pode ser feito é inclu-
ir os descendentes que estão faltando ou diminuir a inclusão do grupo, mudando sua
definição, para evitar que algum descendente se encontre fora do mesmo.

Figura 2: Cladograma simplificado dos principais grupos de tetrápodes (basicamente os vertebrados terres-
tres com quatro membros, com exceções), demonstrando como era formada a classe “Reptilia” antes do em-
prego dos conceitos atuais de cladística e filogenia.
Até então, o grupo Dinosauria (fig. 3) era dividido em outros dois grupos, de acordo
com o formato e arranjo dos ossos relacionados à cintura pélvica dos animais (fig. 4)
Ornithischia e Saurischia. Sendo assim, Ornithischia compreendia os dinossauros
com cintura pélvica parecida com o padrão das aves atuais e era composto em sua es-
magadora maioria por dinossauros herbívoros dos grupos principais: Thyreophora
(estegossauros e anquilossauros), Ornithopoda (iguanodontes, lambeossauros e ha-
drossauros) e Marginocephalia (paquicefalossauros e ceratopsídeos).

Figura 3: Árvore filogenética ilustrando as divisões tradicionais do clado Dinosauria, com seus principais
representantes e ramos evolutivos.
Figura 4: Esquema demonstrando a posição e formato dos ossos da pelve ilustrando a famosa dicotomia en-
tre os principais grupos de dinossauros.
Já o grupo Saurischia, onde a cintura pélvica é parecida com a de “répteis”, era com-
posto majoritariamente por dois grandes grupos de dinossauros: Sauropodomorpha
(“prossaurópodes” e saurópodes) e Theropoda (formado por quase todos os dinos-
sauros carnívoros conhecidos e pelas aves). Há ainda um terceiro grupo de dinos,
chamado de Herrerasauridae (Herrerasaurus, Staurikosaurus e outros), que constan-
temente tem suas relações filogenéticas atualizadas, sendo posicionado como basal
em Saurischia ou em Theropoda ou até mesmo fora de Dinosauria, mas aqui vamos
considerar as duas primeiras opções.

É importante ressaltar também que o formato da cintura pélvica separando dicotomi-


camente Saurischia e Ornithischia não denota intuitivamente a evolução dos grupos,
uma vez que os dinossauros avianos, ou seja, as aves viventes são pertencentes ao
grupo Saurischia.

O novo estudo propõe novas relações entre os grupos já citados, posiciona no grupo
Saurischia apenas os Sauropodomorpha e os Herrerasauridae. Por outro lado, os The-
ropoda são posicionados como grupo irmão de Ornithischia, dando origem à um cla-
do que já havia sido proposto anos atrás e que agora foi recuperado novamente por
Baron e colegas, o clado Ornithoscelida (fig. 5).

Figura 5: Cladogramas demonstrando a configuração do grupo Dinosauria antes da nova proposta feita por
Baron e colegas (à esquerda) e a nova proposta filogenética para o grupo (à direita).
Este artigo também sugere que o hábito de carnivoria estrita foi adquirido separada-
mente por herrerasaurídeos e terópodes, enquanto características, que antes eram
consideradas convergências entre terópodes e ornitísquios basais ou primitivos, são
tidas como estruturas homólogas entre os dois grupos, ou seja, estruturas que são re-
sultado de um mesmo ancestral comum e que tem a mesma origem embriológica.

Vale lembrar que conforme os terópodes tornaram-se mais diversos, alguns grupos
adquiram hábitos alimentares variados como insetivoria (alvarezssaurídeos e alguns
manirraptores), piscivoria (Masiakasaurus e espinossaurídeos), herbivoria (Chilesau-
rus e Therizinosaurus) e onivoria (ovirraptores e ornitomimossauros), mas primitiva-
mente e majoritariamente estes dinossauros eram carnívoros, considerando é claro
apenas as linhagens não-avianas.

Outros dados relevantes recuperados neste artigo mostram uma relação mais íntima
entre os dinossauros mais basais e grupos irmãos Laurasianos, ou seja, que foram en-
contrados em rochas da Laurásia (fig. 6), que compreende, grosso modo, os conti-
nentes do hemisfério norte. Até então as origens dos dinossauros eram firmemente
traçadas para o antigo continente Gondwana ou mais especificamente o sul do Brasil
e a Argentina. Os achados com os dinossauros mais antigos do mundo, tais como Eo-
raptor e Buriolestes, ajudam a evidenciar essa origem austral do grupo. Conforme di-
to pelos autores do trabalho, mais descobertas do Triássico devem ser realizadas para
que afirmações com um grau mais alto de confirmação possam ser feitas.

Figura 6: figura ilustrando o supercontinente Pangeia com a silhueta dos continentes para melhor entendi-
mento de sua posição durante o período Triássico.
A obtenção destes resultados tem um impacto significativo no entendimento da hist-
ória evolutiva dos dinossauros, principalmente no que tange a origem, diversificação
e evolução inicial dos principais grupos, questão que está sempre em voga por conta
de novas descobertas realizadas em depósitos fossilíferos triássicos, principalmente
do Rio Grande do Sul e da Argentina, que contém os registros de dinossauros mais
antigos do mundo e que estão sempre nos brindando com descobertas ilustres e de
grande relevância jogando luz ao surgimento e evolução dos primeiros dinossauros.

É claro que não é apenas um estudo que vai estabelecer de forma fixa estas novas re-
lações, e é esperado que a replicação dos resultados e novas descobertas gerem res-
postas do meio acadêmico, tanto apoiando a nova proposta como tentando refutá-la,
até que se chegue a um consenso sólido acerca desta nova possibilidade.

Autoria do texto: Maurício Garcia


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