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Introdução

A síndrome de Angelman é uma doença genética e neurológica que se caracteriza por convulsões,
movimentos desconexos, atraso intelectual, ausência da fala e riso excessivo. Crianças com esta
síndrome geralmente apresentam boca, língua e maxilar grandes, uma testa pequena e têm
tendência para ser loiros e de os olhos azuis. As causas da síndrome de Angelman são genéticas e
estão relacionadas com a ausência ou mutação no cromossomo 15 herdado da mãe. Apesar de ser
considerada uma doença rara, a síndrome de angelman começou a ter uma maior presença na
literatura científica nos últimos três a cinco anos. Em parte, tal fenómeno deve-se ao facto de haver
uma crescente evidência de que o tratamento para esta síndrome não só é possível, como provável.

Ao contrário do que se verifica noutras doenças do neuro-desenvolvimento, o SA é uma doença


monogénica onde não existe neurodegeneração e a anatomia cerebral dos doentes encontra-se
intacta. Grande maioria dos sintomas deve-se à diminuição da atividade e plasticidade sináptica. Isto
significa que, em teoria, bastaria reativar a expressão do gene em falta para melhorar grande parte,
se não todos, os sintomas.
Desenvolvimento

História e fisiopatologia

Descrita pela primeira vez em 1965, pelo pediatra inglês Harry Angelman. Ele identificou, na época,
três crianças com características incomuns, tais como rigidez, dificuldades para andar, ausência de
fala, riso excessivo e crises convulsivas. Mas apenas na década de 1980, com os avanços na medicina
genética, foi possível diagnosticar um número crescente de casos e também começar a identificar a
causa da Síndrome e as formas de tratamento. a síndrome que atualmente leva seu sobrenome se
caracteriza por retardo mental severo, acompanhado por incapacidade de falar palavras ou frases,
andar atáxico desequilibrado e convulsões e pelo fato de seus portadores rirem excessivamente
sempre que há um estímulo de qualquer natureza. Essas risadas inapropriadas, que ocorrem
independentemente de um fato alegre, quase como um reflexo, além do andar vacilante, levou à
denominação de “happy puppet syndrome” (síndrome da marionete feliz). Posteriormente,
considerada pejorativa, foi renomeada de síndrome de Angelman (AS).

Etiologia
O ser humano possui 23 pares de cromossomas, ou seja 46 cromossomas no total. Todos os genes
do corpo se encontram contidos nesses 46 cromossomas.
Dois desses cromossomas, o X e o Y, são designados de cromossomas sexuais. As mulheres possuem
2 cromossomas X e os homens um cromossoma X e um cromossoma Y.
Os restantes 44 cromossomas são definidos como cromossomas autossómicos e estão numerados
pelos cientistas de 1 a 22. O 23o par são os cromossomas sexuais, X e Y.
Cada um dos progenitores contribui com metade de cada par dos 23 cromossomas aos filhos, ou seja
22 autossómicos e um sexual.
De acordo com Kauffman e Helito (2007), frequentemente adquirimos metade do material genético
da nossa mãe e metade do nosso pai.
No entanto, segundo os mesmos autores, poderão existir anomalias cromossómicas

Em 1997, a causa da síndrome de Angelman foi relacionada à perda da função de UBE3A. O gene
UBE3A, localizado no cromossomo 15, apresenta uma característica incomuns pois a transcrição
desse gene não ocorre do alelo herdado do pai nos neurônios de pessoas normais, um mecanismo
denominado de impressão genômica paterna (imprinting paterno), pois todas as pessoas dependem
do alelo herdado da mãe para expressar a proteína UBE3A nessas células. Em todos os outros
tecidos, a expressão de UBE3A ocorre de forma bialélica (dos alelos herdados de ambos os pais). A
síndrome de Angelman se deve a alterações genéticas que impedem a produção de UBE3A do alelo
materno, pois então não haverá a função dessa proteína nos neurônios. O produto do gene UBE3A
codifica uma ubiquitina ligase, que é responsável por direcionar certas proteínas para degradação.
Evidências recentes indicam que desbalanços na função de UBE3A com- prometem a função e a
plasticidade neuronal; quando não há atividade de UBE3A nos neurônios, desenvolve-se a síndrome
de Angelman; já sua expressão aumentada está relacionada com sintomas de autismo.

um modo de reorganizar o material genético ou podem mesmo ser fonte de perdas ou ganhos de
partes de um ou mais dos cromossomas envolvidos.”
No que se refere às anomalias derivadas de erros na estrutura do cromossoma, estas podem ser
principalmente as deleções, translocações, inversões. Cromossomas em anel e as duplicações.
Podem envolver tanto a região cromossómica definida de braço curto ou p (acima do centrómetro,
que é a região localizada num ponto relativamente central do cromossoma), como a região do braço
longo ou q (localizado abaixo de centrómetro). (Kauffman & Helito, 2007).
Epidemiologia

Estima-se que a sua incidência varie entre 1:15.000 e 1:20.000 nascimentos. No entanto, cerca de
10% dos indivíduos com fenótipo compatível com SA, não têm confirmação genética. O diagnóstico
diferencial dos casos “Angelman-like” inclui síndromes como Phelan-McDermid, Christianson,
Mowat-Wilson, Kleefstra e Rett, síndrome alfa-talassemia-atraso mental ligada ao X (ATR-X) e
síndrome da deleção 22q13.

As alterações gênicas que causam a síndrome de Angelman

Até à data existem quatro alterações distintas para esta síndrome, mas que apresentam variações
nos sintomas, sendo eles a deleção, a dissomiauniparental paterna (DUP), os defeitos de impressão
ou imprinting e as mutações pontuais ou pequenas deleções no gene UBE3A. (Williams et al, 2005).
A grande maioria dos casos da síndrome de Angelman é causada por quatro mecanismos genéticos
distintos, definidos como classes de mutação I a IV, todos resultando em uma ausência de expressão
do gene UBE3A materno, localizado na região 15q13.
A primeira classe de mutação
Representa 70%-75% dos casos de AS e envolve uma deleção na região 15q11-13 cujo tamanho
varia, mas a maioria é de 4 Mb e ocorre em pontos de quebra típicos, provavelmente por crossing-
over desigual devido à presença de sequências repetitivas nessa região. Essas deleções costumam
representar mutações novas, geradas na gametogênese da mãe, e resultam na ausência da
expressão de UBE3A do alelo materno. Quando a mesma deleção é herdada do pai, o indivíduo não
desenvolve a síndrome de Angelman, mas a síndrome de Prader-Willi (PW) que não está relacionada
ao gene UBE3A e seus portadores apresentam problemas mais leves.

A segunda classe de mutações


Representam 2%-3% dos afetados e são devidas à dissomia uniparental do cromossomo paterno. Os
mecanismos pelos quais essa dissomia ocorre são discutidos, havendo evidências de não disjunção
meiótica, porém a maioria parece se dever a eventos pós-zigóticos e tendem a envolver o
cromossomo inteiro. Nesse caso, ambos os cromossomos 15 apresentam padrão de imprinting
paterno e o gene UBE3A não é expresso.

A terceira classe de mutações, que representa 3%-5% dos casos de Angelman, é causada por
alterações no padrão de metilação do cromossomo 15 materno e se deve a alterações no centro de
imprinting envolvendo AC-SRO, de forma que resulta em um padrão de imprinting genômico
paterno para ambos os cromossomos 15 herdados.

A quarta classe
Se deve a mutações que envolvem somente o gene UBE3A, representando 5% a 10% dos casos
identificados. A grande maioria das mutações identificadas se deve a pequenas deleções ou
inserções que podem causar um deslocamento do quadro de leitura e geralmente levam a códons
de terminação precoces, trocando a porção carboxiterminal da proteína codificada, e algumas são
mutações de sentido trocado, que alteram apenas um ou dois aminoácidos da proteína codificada.
Esta mutação pode acontecer em qualquer lugar do comprimento do gene, mas mais
especificamente na região Exon9 e Exon16, zonas propensas a mutações. Para se identificar as
mutações que causam esta síndrome é necessário recorrer-se a um estudo molecular que envolva a
sequenciação do ADN do gene UBE3A.
Os indivíduos com mutações neste gene denotam frequentemente microcefalia e convulsões, mas a
hipopigmentação não ocorre. Podem apresentar também boas capacidades cognitivas e motoras de
acordo com o efeito de mutação (Williams et al., 2005).

A SA, assim como a síndrome de Prader-Willi (SPW), constitui um exemplo marcante que ilustra um
mecanismo do imprinting genômico, envolvendo uma deleção no braço longo do cromossomo 15
(15q11-q13). Quando a deleção for herdada do pai, a prole manifesta a SPW, na qual o genoma dos
pacientes possui informações genéticas em 15q11-q13, que provêm apenas da mãe. Ao contrário,
quando a mesma deleção for herdada da mãe, a prole desenvolverá a SA, cujo material genético é
apenas do pai. Essa circunstância demonstra claramente que a origem parental do material genético
pode influir profundamente na expressão clínica de um afetado.
Assim como para o imprinting genômico, os estudos da SA e da SPW contribuíram para o
conhecimento da dissomia uniparental, que ocorre quando as duas cópias do cromossoma 15 são
herdadas apenas do pai, o que sugere que o desenvolvimento humano normal exige que os genes da
região 15q11-q13 sejam herdados de ambos os genitores.

Características físicas e comportamentais da síndrome de angelman

Características físicas
Tendo em conta Brun & Artigas (2005), os indivíduos com síndrome de Angelman podem ser
identificados facilmente por volta dos 3 ou 4 anos devido às suas características físicas e
comportamentais.
De acordo com os mesmos autores, as características físicas mais comuns são:
Microcefalia;
Baixa estatura;
Hipoplasia medio-facial;
Achatamento occipital;
Macroglossia (Protusão da língua)
Boca grande;
Separação entre os dentes;
Estrabismo;
Hipopigmentação cutânea;
Escoliose;
Cabelos e olhos claros;

Características comportamentais

Os indivíduos com síndrome de Angelman são indivíduos sociáveis e afetuosos que gostam de
companhia de outras pessoas, embora por vezes evitem o contacto direto com elas. De acordo com
Brun & Artigas (2005) os comportamentos mais característicos desta síndrome são:

Riso fácil;
Aparência feliz;
Personalidade excitável;
Movimentação repetitiva e anormal das mãos;
Défice de atenção;
Ansiedade;
Agressividade;
 Sensibilidade ao calor;
Fascinação pela água;
Baixa sensibilidade à dor.

Diagnóstico

Geralmente, o diagnóstico desta síndrome é feito, por um pediatra, um geneticista clínico ou por um
neurologista, a partir dos primeiros anos de vida da criança. Quando existem características
suspeitas de síndrome de Angelman deverá ser feito um estudo genético. De acordo com Williams et
al (2005), os testes genéticos para a identificação da síndrome de Angelman são:

Análise cromossómica de alta resolução: revela a deleção do cr 15q11-13. Como existem muitas
probabilidades deste teste resultar num falso-positivo ou em falsos negativos, este teste não deve
ser utilizado isoladamente, mas confirmado pelo método de FISH (Kuwano et al, 1992);

Fluorescence in situ hybridization (FISH): demonstra uma deleção de sequências do ADN clonadas do
15q11-q13 que estão incluídas na região de deleção da síndrome de Angelman;

Análise do polimorfismo do ADN: exibe ausência de alelos maternos no loci 15q11-q13, resultante
de uma deleção do cromossoma materno ou de uma dissomiauniparental;

Análise do padrão de metilação do ADN: (somente padrão paterno) de sequências de ADN clonadas
do 15q11-q13;

Análise da mutação do gene UBE3A:deteta mutações no 15q11-13. Após realizar todos os testes
anteriores, em cada 15 a 20% desses testes não se encontram as provas necessárias para o
diagnóstico da síndrome de Angelman. Assim sendo, é necessário recorrer à análise molecular do
gene UBE3A e da mutação de imprinting.

Tratamento

Não existe ainda tratamento para a síndrome de Angelman, no entanto existem alguns tratamentos
para os seus sintomas.
Os sujeitos com esta patologia devem ser introduzidos o mais precocemente possível em programas
de estimulação.
No que se refere à epilepsia, esta pode ser controlada através do uso de medicação. Da mesma
forma, para melhorar as alterações do comportamento e as perturbações do sono, poderão ser
utilizados alguns medicamentos. (Brun & Artigas, 2005)
Para além disso, o tratamento para esta síndrome passa também pela combinação de terapias que
auxiliem na diminuição dos sintomas, nomeadamente:

Terapia ocupacional: desenvolver a sua autonomia, nomeadamente em situações do quotidiano,


como lavar os dentes, pentear-se, lavar as mãos, vestir- se, entre outras;

Terapia da fala: ajudar no desenvolvimento da linguagem, pois estas crianças apresentam muitas
dificuldades ao nível da comunicação;

Hidroterapia: tonificar a musculatura e relaxar os indivíduos, diminuindo os sintomas de


hiperatividade, distúrbios do sono e défice de atenção;
Musicoterapia: utilizar a música como instrumento terapêutico para diminuir a ansiedade e a
hiperatividade;

Hipoterapia: proporcionar a tonificação dos músculos e a melhoria do equilíbrio e da coordenação


motora;

Aromaterapia: ajudar no relaxamento, na cooperação e audição.


CONCLUSÃO

Após as pesquisas feitas, conclui-se que a síndrome de Angelman está se revelando como uma
patologia incurável e neurofisiológica que se caracteriza por retardo mental severo, acompanhado
por incapacidade de falar palavras ou frases, andar atáxico desequilibrado e convulsões e pelo fato
de seus portadores rirem excessivamente sempre que há um estímulo de qualquer natureza. A
utilização de modelos terapêuticos para cultivar células deficientes na expressão materna de UBE3A
estão levando ao reconhecimento de proteínas cuja degradação é comprometida nessas células,
permitindo estudar sua expressão, localização e função, assim como as alterações apresentadas
pelos neurônios afetados. Apesar de o conhecimento da fisiopatologia molecular da síndrome de
Angelman ser muito recente, e seu entendimento estar apenas começando a ser desvendado, seu
estudo está fornecendo uma visão extraordinária sobre os mecanismos que regem o funcionamento
cerebral.
Bibliografia

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