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Obituário
Maurice R. Hilleman (1919–2005)
Durante o século XX, a expectativa de
vida nos países industrializados quase dobrou.
As melhorias na nutrição e no saneamento
certamente desempenharam um papel
importante, mas o fator central responsável
foi o desenvolvimento de vacinas infantis. Um
nome específico pode ser atribuído a essa
conquista — o de Maurice R. Hilleman.
Hilleman está entre os mais brilhantes
e produtivos criadores de vacinas de todos
os tempos, com uma estatura comparável à de
Edward Jenner e Louis Pasteur. Mas sua carreira
dificilmente era previsível. Nascido na remota
Miles City, Montana, como o último de oito filhos
(sua mãe e irmã gêmea morreram durante o
parto), Hilleman cresceu na fazenda de seu tio,
“onde as coisas eram feitas” – como o próprio
Hilleman costumava dizer.
Mais tarde, ele ficou conhecido por trazer a
mesma atitude para o trabalho no laboratório. Ele
nunca voltava para casa antes que um experimento
terminasse e, sempre que possível, era
continuamente levado a traduzir os resultados da
pesquisa básica ou aplicada para fins práticos.
Crescendo em um rancho solitário,
Hilleman logo se interessou por biologia.
Ele conversou com os animais da fazenda,
tentando hipnotizá-los e treiná-los, mas acabou
descobrindo a Origem das Espécies de Charles
Darwin. Pego lendo este livro na igreja não fez
nada para aumentar sua popularidade em uma
comunidade de protestantes luteranos convictos.
De fato, a carreira de Hilleman quase nunca
começou. Quando ele se formou em 1937, sua
família não tinha planos para ele ir para a faculdade
e, em vez disso, ele conseguiu um emprego como
estoquista em uma loja local. No entanto, um de
seus irmãos mais velhos, voltando para casa no
verão, convenceu Hilleman de que seus talentos
estavam sendo desperdiçados e ele se matriculou
na Universidade Estadual de Montana com uma
bolsa de estudos. Lá, para terminar no meio do
semestre, ele costumava fazer um semestre inteiro
de experimentos de química orgânica simultaneamente. imunidade de rebanho em contínua evolução. Ele
Ele ganhou uma bolsa para a Universidade
de Chicago e terminou em 1944 com uma
tese de doutorado premiada sobre a bactéria
Chlamydia. Naquela época, não era possível
subtipar famílias bacterianas ou virais com precisão,
mas Hilleman desenvolveu as técnicas apropriadas
imunizando animais com diferentes isolados e
estudar o reconhecimento cruzado
antigênico pelos anticorpos resultantes.
Os sucessos científicos de Hilleman
continuou quando ele se juntou à
empresa farmacêutica ER Squibb em 1944. Por
causa do perigo de encefalite japonesa na
ofensiva do Pacífico durante
NATUREZA|VOL 434 | 28 DE ABRIL DE 2005 |www.nature.com/nature
Criador de vacinas que
continuam a prevenir mortes
e doenças em escala global
durante a Segunda Guerra Mundial, seu primeiro
desafio foi desenvolver uma vacina contra essa
doença viral. Ele completou a tarefa em poucos
meses, depois cooperou com o Prêmio Nobel
Wendell Stanley, da Universidade Rockefeller,
para desenvolver a primeira vacina contra a gripe
altamente imunogênica com baixa toxicidade.
Em 1948, Hilleman deixou a indústria para
concentrar-se na pesquisa básica no
Walter Reed Army Institute of Research em
Washington. Entre muitas outras conquistas,
ele descobriu a deriva antigênica nos vírus da
gripe, o fenômeno pelo qual mutações pontuais
permitem que o vírus escape de toda a força da
também descobriu a mudança antigênica, aquele
raro rearranjo genético que pode ocorrer durante
infecções duplas por influenza e que leva a cepas
de influenza contra as quais a imunidade de
rebanho ainda não existe.
Em 1957, esse conhecimento permitiu
a Hilleman alertar as autoridades norte-americanas e
a Organização Mundial da Saúde (OMS) que
uma pandemia de gripe estava prestes a surgir,
uma ameaça que havia sido negligenciada pela
OMS. Ele havia notado uma reportagem no The
New York Times sobre um grave surto de doença
respiratória em Hong Kong. Hilleman obteve
amostras, isolou uma nova gripe
©2005 NaturePublishing Group
cepa e convenceu os fabricantes a produzir
40 milhões de doses de uma vacina.
Quando, como previsto por Hilleman, o
novo vírus chegou aos Estados Unidos em
Em setembro de 1957, os de maior risco já
estavam sendo imunizados.
A produtividade de Hilleman realmente
mudou em alta velocidade depois de 1957,
quando ele ingressou na Merck Research
Laboratories em West Point, Pensilvânia. Ele
recebeu total responsabilidade de planejar e
dirigir a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas.
Durante os próximos 30 anos, Hilleman e seus
colaboradores produziram mais de 40 vacinas virais
e bacterianas. Eles desenvolveram o conceito de
vacinas combinadas de vírus vivos, que culminou
no marketing global da vacina contra sarampo-
caxumba-rubéola (MMR), que se estima salvar a
vida de quase dois milhões de crianças a cada ano.
Outras vacinas notáveis contra hepatite A e hepatite
B se seguiram. Sua vacina contra hepatite B
também foi a primeira vacina anticâncer, pois
previne o carcinoma hepatocelular, consequência
da infecção.
O episódio a seguir exemplifica a
dedicação de Hilleman à ciência. Uma noite
em 1963, ele foi acordado por sua filhinha Jeryl
Lynn que estava doente com dor de garganta. Ele
diagnosticou corretamente caxumba, fez um
cotonete na garganta e isolou o vírus.
Essa cepa de vírus foi então usada para
desenvolver uma vacina, e Hilleman, auxiliado
por sua esposa Lorraine, uma enfermeira treinada,
imunizou sua segunda filha Kirsten em um dos
primeiros ensaios clínicos bem-sucedidos.
As realizações de Hilleman em pesquisa
básica e aplicada foram de importância seminal
para a biologia médica e a saúde humana. Eles têm
recebido cada vez mais reconhecimento por sua
visão e engenhosidade – não é exagero afirmar
que eles mudaram o mundo. Juntamente com
antibióticos como a penicilina, os produtos do
trabalho árduo e da habilidade de Hilleman
impediram e continuam a prevenir o sofrimento de
bilhões e a morte de milhões. Em reconhecimento
ao seu trabalho, ele recebeu muitas honras e
prêmios, entre eles o Albert Lasker Public Service
Award e a US National Medal of Science.
Hilleman era um trabalhador incansável, ainda
publicando e dando seminários até algumas
semanas antes de sua morte em 11 de abril.
Ele foi nosso padrinho na comunidade
científica: geralmente quieto, mas interventivo
e criativo nas discussões, acessível para os
jovens e sempre prestativo, ele era nossa
referência. Seus muitos amigos se lembrarão
dele, assim como toda a humanidade.
Reinhard Kurth
Reinhard Kurth está no Robert-Koch-Institut,
Nordufer 20, 13353 Berlim, Alemanha. e-mail:
schwarzk@rki.de
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