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ECONOMIA NO

SETOR PÚBLICO
Autoria: Nelson Chalfun Homsy

Dados Pessoais

Nome:__________________________________________________________

Turma:____________ Matrícula:__________ Curso: ___________________

Endereço:______________________________________________________

Cidade: _____________________________________ UF:________________

CEP: ________________ Telefone:__________________________________

E-mail:_________________________________________________________

Programa de Pós-Graduação EAD

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI


Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro
Benedito - Cx. P. 191 - 89.130-000
INDAIAL/SC - Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-
9090 - www.uniasselvipos.com.br
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Tathyane Lucas Simão
Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa
Prof. Ivan Tesck

Revisão Gramatical: Equipe de Produção de Materiais


Revisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz

Equipe Pedagógica do IBAM: Prof. Heraldo da Costa Reis


Profª. Márcia Costa Alves da Silva
Profª. Tereza Cristina Baratta

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2017
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

330
H763e Homsy; Nelson Chalfun
Economia no setor público/ Nelson Chalfun Homsy.
Indaial : UNIASSELVI, 2017.

124 p. : il.

ISBN 978-85-69910-50-3

1. Economia.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
PARCERIA ENTRE
IBAM E UNIASSELVI
No momento atual, em todos os países, em qualquer instância de governo,
observa-se um movimento de revisão do papel do Estado, somado à exigência
das populações por atuação governamental de qualidade. Esta tendência conduz
à demanda expressiva para que se consolide a existência e o funcionamento de
um sistema qualificado de Gestão para a implementação de políticas públicas.

A institucionalização dos processos de gestão e a profissionalização dos


servidores públicos passam a ser instrumentos estratégicos para alavancar
condições de melhor execução de atividades e projetos, bem como dos meios de
controle necessários para avaliação de resultados da atuação governamental.

Inúmeras iniciativas são implementadas para dar consistência a este modelo de


gestão governamental que se apoia na valorização da transparência, da participação
e do controle social, que não podem existir sem instrumentos adequados e pessoas
qualificadas. É neste contexto que se forma a parceria do IBAM com a UNIASSELVI.

Aprimorar o sistema de gestão pública, apoiar a formação de profissionais que


queiram ser ou já são do quadro do setor público e ampliar a informação para o
cidadão sobre como deve funcionar o governo são os propósitos iniciais do MBA em
Gestão Pública que passa a integrar o programa de pós-graduação da UNIASSELVI.
A equipe de Professores Autores que o compõe se destaca pelo desempenho
profissional em projetos da Administração Pública e como docentes universitários.

A experiência da UNIASSELVI em processos educacionais em nível superior,


aliada à do IBAM, que há 60 anos atua, em nível nacional e internacional, para
o aprimoramento da administração pública, é composição de excelência para
enriquecer o cenário que se quer alcançar.

O IBAM e a UNIASSELVI desejam a todos os participantes uma boa jornada


de estudos. Aos que se dirigem ao setor público, que consolidem sua formação;
e, aos demais, que ampliem o nível de informação sobre governo e aprendam a
articular-se com ele como cidadãos.

Paulo Timm
Superintendente Geral do Instituto
Brasileiro de Administração Municipal – IBAM

Prof. Carlos Fabiano Fistarol


Pró-Reitor de Pós-Graduação a Distância
Grupo UNIASSELVI
Me. Nelson Chalfun Homsy

Doutor em Políticas Públicas, Estratégias


e Desenvolvimento (IE/UFRJ), Mestre em
Planejamento Urbano e Regional (UCLA) e Graduado
em Economia (I E/UFRJ). Sua carreira profissional
inclui importantes posições de administração, gerência e
supervisão em departamentos de planejamento, mercado
de capitais, pesquisa, sistemas de informação e finanças,
nas áreas de habitação e infraestrutura. Como consultor
atua nas áreas de políticas tributária e fiscal, provisão e
distribuição de serviços públicos, gestão do crescimento
econômico, política habitacional e análise e avaliação de
projetos. É professor de Economia do Setor Público e de
Matemática Financeira no Instituto de Economia da UFRJ.
Seus principais temas de pesquisa, além das questões
acadêmicas, são Economia Urbana e Regional e
Finanças Públicas e Empresariais.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
Introdução à Economia no Setor Público............................9

CAPÍTULO 2
A Alocação e a Distribuição de Bens
Privados e de Bens Públicos................................................17

CAPÍTULO 3
As Funções Econômicas do Estado.....................................39

CAPÍTULO 4
As Políticas Tributária e Fiscal...........................................55

CAPÍTULO 5
Endividamento Público..........................................................73

CAPÍTULO 6
A Economia do Setor Público Aplicada
ao Caso Brasileiro.................................................................95
APRESENTAÇÃO
Caro pós-graduando!

O conhecimento de Economia do Setor Público é fundamental para o


desenvolvimento das atividades de planejamento e gestão de assuntos relativos à
Política Tributária, Política Fiscal e de Endividamento dos governos.

A aplicação do seu conhecimento é feita, principalmente, pelos profissionais que


já possuem esta formação, em função do próprio ofício (trabalham na Secretaria da
Fazenda, na Secretaria de Orçamento, na Secretaria do Tesouro etc.), e por pessoas
que desempenham suas funções nas áreas de ensino, saúde, assistência social,
mas que necessitam dialogar com profissionais das áreas econômica, financeira,
orçamentária e contábil dos governos.

Para tanto, este livro trata da disciplina Economia do Setor Público e apresenta
as Funções Econômicas do Estado, explicitando as Razões da Intervenção do
Estado na Economia. Em seguida, são apresentados e comparados os conceitos de
Bens Públicos e Bens Privados, explicitados os Arranjos Institucionais na Provisão
de Bens Públicos. Apresentam-se também os conceitos complementares referentes
aos bens meritórios e bens de clube, casos particulares dos bens públicos. Tais
assuntos constam nos cinco primeiros capítulos deste livro e são fundamentais para
o entendimento dos processos que envolvem as Políticas Fiscal e Tributária e de
Endividamento público.

No Capítulo 6 é introduzido o estudo dos conceitos de Estado Unitário e


Federalista, de Federalismo Político e Econômico e dos aspectos referentes à
execução das Políticas Fiscal e Tributária e de Endividamento público sob as visões
centralizada e descentralizada. É no Capítulo 6 que o conhecimento dos conceitos e
dos processos adquiridos ao longo do Módulo é aplicado ao Brasil, país que adota o
sistema federativo de governo. Dessa forma, o Capítulo 6, portanto, oferecerá a você
a oportunidade de verificar como os conceitos e processos econômicos que foram
apresentados podem ser úteis para o entendimento do funcionamento conjunto das
políticas tributária, fiscal e de endividamento, do ponto de vista da realidade brasileira,
e de como eles se relacionam com a execução das políticas públicas em um ambiente
descentralizado.

Esperamos que este livro faça com que você goste do assunto e se interesse
cada vez mais por ele, seja por curiosidade, seja por necessidade. Quanto mais
você aprende e ganha segurança sobre um determinado assunto, mais aumenta o
seu grau de “amizade” com esse assunto e maior a sua curiosidade em aprender o
assunto mais detalhadamente, e assim desempenhará suas atividades profissionais
de maneira mais eficiente. Desejamos, pois, que ao ler este livro, você inicie ou
fortaleça a sua amizade com a Economia do Setor Público.

Bom trabalho! Bons estudos!


C APÍTULO 1
Introdução à Economia no
Setor Público

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Entender o campo de estudo da disciplina Economia do Setor Público.


Conhecer outras abordagens complementares à da Economia do Setor Público,



que tratam da intervenção do Estado na economia e saber aplicá-las em função
da natureza do problema a ser solucionado.
Economia no Setor Público

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Capítulo 1 Introdução à Economia no Setor Público

Contextualização
O que estuda a disciplina Economia do Setor Público?

A disciplina Economia do Setor Público estuda a intervenção do Estado


na economia de um país e se insere na grande área de conhecimento das
Ciências Econômicas ou simplesmente Economia. A Economia é uma ciência
social preocupada com as formas pelas quais uma sociedade escolhe empregar
seus recursos escassos, recursos estes que possuem usos alternativos para a
produção de bens e serviços para o consumo presente e futuro.

Caracterização da Economia do
Setor Público
A Economia é, muitas vezes, também chamada de Economia Política. "Polis"
em grego significa Estado. E os primeiros escritores usaram o termo "Economia
Política" para a gestão do Estado. Da mesma forma que se espera que a pessoa
chefe de uma família faça o melhor uso dos rendimentos do conjunto familiar,
espera-se que o governante obtenha o máximo benefício para a sociedade.

Entretanto, a Economia é também uma ciência que lida com os desejos. E,


como no mundo real, os meios que satisfazem nossos desejos são limitados,
ocorre uma escassez relativa de meios existentes no sentido da satisfação dos
nossos desejos. Tempo e dinheiro são limitados; a terra, o trabalho e o capital
utilizados na produção são limitados. Embora o desenvolvimento científico
e tecnológico tenha aumentado a possibilidade da utilização dos recursos
existentes, nossas necessidades também aumentaram e nossas vontades são,
por definição, ilimitadas. Devemos, então, considerar que a Economia é a ciência
que trata da escassez.

Nossos desejos ilimitados em um contexto de meios limitados nos obrigam


a efetuar escolhas. Mas tudo que queremos não é de igual importância. Então,
satisfazemos os desejos mais importantes e as necessidades mais urgentes.
Assim, a escolha é a essência da atividade econômica. Podemos também dizer
que a Economia é a ciência da escolha.

Muitas coisas que queremos são escassas e temos que pagar um preço por
elas. Então, a Economia estuda como os preços de bens e serviços diferentes são
determinados. Podemos também dizer que a Economia é uma ciência que lida
com preços.

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Economia no Setor Público

A Economia moderna é uma economia monetária. Os preços são pagos em


dinheiro. O dinheiro desempenha um papel importante na vida econômica das
sociedades modernas. É usado para a produção e a compra de mercadorias e
serviços, para pagamento de aluguéis, de salários, de juros e assim por diante.
Podemos também dizer que a Economia é a ciência do dinheiro.

Como a Economia estuda a produção, a troca, a distribuição e o consumo


dos produtos e serviços, produzidos para promover o bem-estar da sociedade, ela
é também chamada de Ciência do Bem-Estar Social.

A Economia do Setor Público incorpora vários aspectos inseridos


nas definições da Economia, mas especialmente o estudo das
funções econômicas do Estado, isto é, a alocação, a distribuição de
bens e serviços e a estabilização da economia, definindo os recursos
necessários para a execução dessas funções por meio da máquina
pública.

Abordagens à Intervenção do
Estado na Economia
A expressão Economia do Setor Público pode sugerir ao leitor a ideia de que
o Setor Público só pode ser analisado a partir da visão econômica. Entretanto,
a visão econômica não é a única a abordar a intervenção do Estado. A visão
econômica como método de análise representa, entretanto, apenas uma das
várias abordagens aplicáveis ao estudo da intervenção do Estado na Economia.
Outras abordagens podem ser aplicadas, dentre as quais, a da Administração
Pública e a da Ciência do Direito, embora também sejam aplicáveis as visões da
Sociologia, da Ciência Política e a da Contabilidade Pública.

a) Como a Ciência Econômica aborda a Intervenção do Estado na


Economia

As correntes de interpretação da visão econômica do Estado se preocupam


com os aspectos associados à eficiência do funcionamento da sua estrutura
organizacional enquanto elaborador e executor das políticas macroeconômicas.

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Capítulo 1 Introdução à Economia no Setor Público

Além disso, a visão econômica estuda os efeitos das ações do Estado


enquanto formulador e executor de políticas públicas não macroeconômicas, isto
é, como provedor de serviços tais como, saúde, ensino, justiça, dentre outros, sob
os critérios de eficiência e equidade. Sob esta ótica, a visão econômica indaga se
o crescimento econômico e a distribuição dos resultados do crescimento resultam
na melhoria das condições das famílias e dos setores produtivos, do ponto de
vista local, regional e nacional. Isto é, se o resultado do esforço despendido pela
sociedade reverte em seu benefício ou se é apropriado de maneira não equitativa.

O conceito de eficiência pode ter dois significados:

1. Eficiência produtiva - a utilização do método de produção


mais eficiente tecnologicamente dentre os métodos disponíveis, com
o objetivo de alcançar um determinado nível de produção utilizando
uma quantidade mínima de recursos.

2. Eficiência econômica - expressa a adoção de métodos


produtivos que permitem a obtenção de maior nível de produção com
o menor custo.

O conceito de equidade se refere ao reconhecimento das


diferenças que existem entre as pessoas e que demandam ações no
sentido de eliminar ou, no mínimo, reduzir tais diferenças ao longo
do tempo. As diferenças se expressam sob as formas de gênero, de
renda, de raça e de escolaridade, dentre outras formas. O conceito de
equidade prescreve a necessidade de se oferecer mais e melhores
oportunidades às pessoas em situação desvantajosa em relação ao
acesso aos bens e serviços essenciais, como a saúde, o ensino e a
nutrição.

b) Como a Ciência da Administração Pública aborda a Intervenção do


Estado na Economia

De acordo com correntes de interpretação da Administração Pública, o


Estado se estrutura a partir de núcleos ou setores específicos responsáveis pela
execução dos seguintes tipos de funções:

13
Economia no Setor Público

• Estratégicas (Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público e, no


Poder Executivo, o Presidente da República, os Ministros e seus assessores
diretos).
• Exclusivas (Polícia, forças armadas, órgãos de fiscalização e tributação,
dentre outros).
• Não exclusivas (hospitais, universidades, museus, centros de pesquisa
etc.).
• De produção de bens e serviços para o mercado (empresas com
atividades econômicas voltadas para o lucro, algumas ainda pertencentes ao
Estado, outras em privatização).

c) Como a Ciência do Direito aborda a Intervenção do Estado na


economia

Segundo a Ciência do Direito, uma vez constituído, o Estado realiza os seus


fins através de três funções, as quais estruturam a organização e o funcionamento
das atividades do Estado: legislação, administração e jurisdição.

Uma questão relevante que decorre da abordagem da Ciência do Direito


diz respeito ao planejamento e à gestão governamental quando os associamos
à forma pela qual as várias unidades territoriais de um país se reúnem em um
único Estado nacional e a cujo poder se submetem e sob o qual estabelecem
suas relações.

A forma pela qual as unidades territoriais se reúnem pode ser mais ou menos
centralizada. Quando ocorre maior centralização, diz-se que se está diante de
um Estado Unitário. Quanto menor a centralização, ocorre o chamado Estado
Federalista. Com efeito, o modelo de planejamento econômico do país espelha a
estrutura do Estado Federalista ou Unitário.

Estes assuntos serão objeto de estudo detalhado no Capítulo 5.

As visões do Direito, da Administração Pública e da Economia anteriormente


mencionadas apresentam relações complementares, o que demanda esforços dos
gestores públicos e de pesquisadores de cada uma das respectivas abordagens
no sentido de propor soluções voltadas para a minimização dos conflitos e para o
aumento da sinergia dos resultados da sua aplicação.

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Capítulo 1 Introdução à Economia no Setor Público

Atividades de Estudos:

1) Cite outras áreas de conhecimento, além da Ciência do


Direito, da Administração Pública e da Economia, que podem
complementar as abordagens ao estudo da intervenção do
Estado na economia.
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2) Agora que você já adicionou outras áreas de conhecimento,


qual é a que você julga como a mais importante para a gestão do
desenvolvimento? Por quê? Quais os elementos mais relevantes
e como eles se articulam com esta área e com as demais?
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Algumas Considerações
A disciplina Economia do Setor Público estuda a intervenção do Estado na
economia de um país e se preocupa em analisar a gestão do setor público e
de que maneira as políticas públicas afetam o comportamento das firmas e das
pessoas.

Os efeitos econômicos das políticas públicas na economia envolvem aspectos


normativos, sendo necessário confrontar as questões que envolvem eficiência
e equidade. Envolvem também aspectos positivos, estes associados à visão de
como se processam os fenômenos econômicos de forma geral, isto é, sem levar
em conta as especificidades de cada país e o estágio de seu desenvolvimento
econômico e social.

15
Economia no Setor Público

O estabelecimento de uma visão específica e parcial na análise dos


fenômenos econômicos e sociais tende a produzir diagnósticos imperfeitos, sendo
necessário adicionar outras abordagens, como a do Direito e a da Administração
Pública, além das outras abordagens já referidas.

Referências
HOMSY, N. C. Introdução à economia. Indaial: Uniasselvi, 2017.

MANKIW, N. G. Introdução à economia. São Paulo: Campus, 2005.

MUSGRAVE, R. A.; MUSGRAVE, P. B. Finanças públicas: teoria e


prática. São Paulo: Campus, 1980.

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C APÍTULO 2
A Alocação e a Distribuição de Bens
Privados e de Bens Públicos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Diferenciar dois conjuntos de bens e serviços: os bens denominados “bens


privados” ou “bens de consumo privado” e “bens públicos” ou “bens de consumo
coletivo”.

� Saber que o mecanismo de mercado aloca e distribui de maneira eficiente os


bens de consumo privado, mas que cabe ao Estado coordenar a alocação e a
distribuição dos bens públicos, por meio de sua intervenção na economia do
país.
Economia no Setor Público

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A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

Contextualização
No capítulo anterior você teve a oportunidade de conhecer Os diferentes
o campo de estudo da disciplina Economia do Setor Público e de objetos de análise
utilizados por
distinguir os diferentes objetos de análise utilizados por abordagens abordagens
alternativas à abordagem econômica, tais como a da ciência do direito alternativas
à abordagem
e a da administração pública, dentre outras abordagens que tratam da econômica, tais
intervenção do Estado na economia. como a da ciência
do direito e a da
administração
Neste capítulo você irá aprender sobre as razões da intervenção pública
do Estado na Economia, como ocorre esta intervenção e como ela afeta
a organização da produção de bens e serviços.

Mercado é o local (físico ou virtual) onde vendedores e


compradores se relacionam para realizar a troca de mercadorias
e serviços, com a observância de regras específicas previamente
definidas sob as quais são efetuadas as transações. Exemplos de
mercado físico são: a feira de frutas, legumes e verduras (espaço
físico onde ocorrem as transações) e as bolsas de valores e títulos
de dívida (espaço não físico ou virtual onde ocorrem as transações,
como a internet).

A Alocação de Bens Privados Pelo


Mecanismo de Preços de Mercado
No mercado de produção e de consumo de bens privados (camisas,
refrigerantes, por exemplo), ao produzir a quantidade de um produto A que
satisfaça plenamente os consumidores, obtém-se a eficiência na produção e no
consumo, pois não há carência nem ociosidade dos recursos empregados na sua
fabricação e na quantidade fabricada e consumida.

Caso os consumidores desejem outro produto, o B, e estejam dispostos a


pagar mais por esse produto, os recursos (no todo ou em parte) que estavam
alocados na produção de A migrarão para a fabricação do produto B, procurando
capturar aquela demanda.

19
Economia no Setor Público

Nesse caso, temos:

Preço = Custo Marginal, significando que o preço do produto reflete a


vantagem de produzir este outro produto B, em vez de produzir A.

Custo Marginal é o custo de se produzir uma unidade adicional


de um produto ou serviço. Com base nesse conceito, se o preço de
venda de uma unidade de um produto for maior do que o custo de
produzi-la, o produtor obterá lucro. Caso contrário, ele terá prejuízo.

EXEMPLO PRÁTICO DA APLICAÇÃO DO CÁLCULO MARGINAL

O Emprego do Cálculo Marginal (ou Cálculo segundo a


abordagem Marginalista)

Suponha que você produza um produto a ser vendido por $120


e que o custo para produzi-lo é de $100, por unidade, caso você
produza 50 unidades. Isso resultará em um custo total de “$100
x 50” ou $5.000 e um faturamento total de “$120 x 50” ou $6.000.
Suponha agora que você examine a possibilidade de produzir a 51ª
unidade deste produto. Sua receita total irá ser de “$ 120 x 51” ou $
6.120. Entretanto, tendo em vista a necessidade de contratar mais
um empregado para produzir esta unidade adicional, o custo para
produzi-lo será acrescido em $ 150, passando a ser de $ 5.150. Neste
caso, a decisão de produzir a unidade de número 51 seria um mau
negócio, porque o custo de produção unitário aumenta para $100,98
por unidade. Seu benefício líquido sobe em $120, enquanto o custo
total aumenta em $150, significando que o custo supera o benefício
e que a produção da unidade adicional não compensa o custo extra.

Fonte: O autor.

20
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

As Regras e as Falhas do Mecanismo


de Preços de Mercado
A Economia examina os problemas que as sociedades enfrentam porque
os indivíduos desejam consumir mais bens e serviços do que estão disponíveis,
criando uma condição de escassez relativa. Desejos são geralmente ilimitados
e aparentemente insaciáveis, enquanto recursos – terra, trabalho, capital e
empreendedorismo – são limitados. Para atender ao problema da escassez,
um processo social é necessário para alocar recursos limitados e alternativas
ilimitadas e suas combinações.

Em uma economia ideal não há um coordenador central orientando seu


funcionamento. A auto-organização emerge do funcionamento do mercado, onde
as forças de demanda e oferta determinam o preço pelo qual ocorrem as trocas.
O fornecimento de bens e serviços na sociedade é feito pelos compradores e
vendedores privados atuando em regime de livre concorrência.

Entretanto, na prática, o mecanismo de mercado para ser eficiente deve


atender a determinadas regras internas ao próprio sistema. Entretanto, as regras
que, caso respeitadas, podem garantir a eficiência, nem sempre podem ser
aplicadas na prática. Esta situação é caracterizada como falhas de mercado.

As Regras do Mecanismo de
Mercado
Com base no exemplo prático da aplicação do cálculo marginal, pode-se
concluir que se o preço de venda do produto é maior do que o seu custo
marginal, mais recursos deverão estar disponíveis para a sua fabricação. Ao
afetar os preços dos produtos, as mudanças nas preferências dos consumidores
afetam a expansão e a contração de indústrias e negócios. Estes processos
ocorrem sem que seja necessário qualquer tipo de intervenção de um órgão
central de planejamento ou qualquer outro mecanismo de condução. Dizemos,
então, que o mecanismo de mercado é o responsável pela obtenção da eficiência
na alocação e distribuição dos recursos, muito embora essa eficiência apresente
consequências danosas para firmas ou negócios que, porventura, venham a
perder uma parcela dos seus clientes ou que mesmo vão à falência. Estas são as
regras do mecanismo de mercado.

21
Economia no Setor Público

Há, entretanto, exceções a estas regras. Há situações nas quais os mercados


não funcionam de maneira apropriada em razão de uma série de aspectos,
ao que chamamos “falhas de mercado”. A fim de reduzir as consequências
deletérias destas falhas, o conjunto de agentes que operam sob o mecanismo do
mercado passa a requerer a intervenção de um órgão central capaz de regular,
supervisionar e controlar as ações: os governos.

As Falhas do Mecanismo de Preços


de Mercado

Quando e por que o mercado falha?

Diz-se que o mecanismo de mercado falha diante de algumas situações


nas quais o sistema de formação de preços não é capaz de sinalizar a alocação
eficiente dos recursos. As situações em que ocorrem as falhas de mercado
são: Distribuição Automática de Renda, Externalidades, Monopólio Natural,
Instabilidade dos Mercados e Bens Públicos (ou Bens de Consumo Coletivo).
Estas situações serão explicadas adiante.

a) Distribuição Automática de Renda

A existência do mercado não garante que todos disponham de recursos


para, por exemplo, se alimentar, vestir, morar etc. Muitos não possuem o
talento ou a habilidade, nem herdaram fortunas de forma a possibilitar um nível
de vida razoável. Outros são muito jovens, ou muito velhos, ou incapacitados
para trabalhar etc. Muitas dessas pessoas são incapazes de se sustentar sem
que haja alguma forma de redistribuição de renda, realizada através da ação
governamental.

b) Externalidades

O conceito de externalidade diz respeito aos efeitos (positivos e negativos)


que ocorrem na economia em decorrência de ações tomadas de forma isolada ou
em conjunto pelos indivíduos, empresas e pelo Estado. Veja no Léo a seguir, dois
exemplos de externalidades.

22
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

EXEMPLOS PRÁTICOS DE EXTERNALIDADES

Situação 1

A vacinação pública, por exemplo, tem a capacidade de proteger


as pessoas que tomam as vacinas e aqueles que não as tomam, em
razão da diminuição do risco de contágio. Este é o exemplo de uma
externalidade positiva. Dependendo do nível da sua abrangência,
os benefícios que decorrem da vacinação para a sociedade como um
todo são superiores aos custos do seu desenvolvimento e aplicação.

Situação 2

Imagine, porém, a emissão de fumaça carregada de partículas


em suspensão, que provocam poluição atmosférica. Eis aí um
exemplo de externalidade negativa. Um aspecto importante da
externalidade negativa, entretanto, é que, em geral, os danos por ela
causados à sociedade como um todo são superiores aos benefícios
que são obtidos por quem a provoca. No caso de uma usina de
asfalto, por exemplo, o custo da produção do asfalto é menor sem
a existência de filtros capazes de reduzir a poluição e maior com o
dispêndio da colocação de filtro.

Fonte: O autor.

Tendo em vista a incapacidade de se estimar o preço que a sociedade paga


pelas externalidades, tanto positivas quanto negativas, a lógica do mercado
também não funciona nesse caso.

O derramamento de óleo provocado pela má operação de uma plataforma de


petróleo tem sua multa estimada, de forma objetiva, a partir do custo da limpeza
da área, do pagamento de renda aos pescadores locais que ficam sem poder
pescar durante um determinado período, por exemplo. Mas, o que dizer (ou pagar
pelos) dos danos à fauna e à flora, cuja recuperação leva milhares de anos para
se concretizar? Nesse caso, uma agência reguladora ou um tribunal irá estimar o
valor monetário dos danos e estipular o ressarcimento à sociedade pelo poluidor.

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Economia no Setor Público

c) Monopólio Natural

Em algumas indústrias o custo de produção pode ser substancialmente menor


quando se trata de grandes firmas. Isso é comum ocorrer, por exemplo, com os
Serviços de Utilidade Pública, tais como saneamento, eletricidade etc., situações
em que uma firma apenas possui a capacidade de produzir a um preço menor
do que duas, em função das economias de escala (uma distribuidora de energia
elétrica, por exemplo). Nesses casos o governo sempre intervém, exercendo forte
regulação, a fim de garantir que não haja a cobrança pelo monopolista de preços
em níveis acima do razoável no seu mercado cativo.

O monopólio natural é um caso particular do monopólio. É assim denominado


por não ser possível a existência de concorrência, dado que o setor exige custos
fixos elevados aliados a uma função de produção geradora de economias de
escala, ou seja, as curvas de custo médio e custo marginal são decrescentes para
qualquer nível de produção relevante de mercado.

No caso dos serviços de saneamento, as operações de captação, tratamento


e distribuição de água ocorrem em uma bacia hidrográfica, que tem como usuários
dos serviços várias cidades situadas no raio de influência da bacia. O nível de
eficiência mais elevado depende de economias de escala e de escopo, o que é
facilitado quando a operação é desenvolvida por uma única empresa.

Economias de escala são economias que surgem por meio


da redução no custo de produção em decorrência do aumento
da quantidade produzida, utilizando-se o mesmo conjunto de
equipamentos, instalações e tecnologia.

Ocorrem quando a empresa aumenta a quantidade produzida


e obtém ganhos de produtividade, pois o custo fixo dividido pela
quantidade produzida decresce. Exemplo: o custo do aluguel de
um galpão é o mesmo para produzir mil ou duas mil unidades de
um produto. Se o aluguel é igual a $ 10.000,00 por mês, o custo
do aluguel ao se produzir mil unidades é $ 10,00 por unidade; se a
produção for de duas mil unidades o custo é $ 5,00 por unidade, isto
é, a metade em relação à produção de mil unidades.

Além das economias de escala, há também economias de


escopo. No setor de saneamento básico, por exemplo, ocorrem
economias de escopo, pois a oferta conjunta de água (A) e

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A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

esgotamento sanitário (E) pela empresa A custa menos do que


ofertar água pela empresa A e esgotamento por uma outra empresa
B, ou seja, não há viabilidade econômica na desintegração vertical
com vistas à elevação da concorrência e da eficiência econômica.

Ocorre quando a firma obtém maior eficiência ao passar a operar


em mais de um segmento de negócio, especialmente de natureza
complementar. Exemplo: uma siderúrgica instala uma empresa
metalúrgica em um mesmo galpão, utilizando sobras da produção de
perfis de aço. Com isso, a empresa incorre em menores custos para
transportar as sobras da área de produtos siderúrgicos para o local
de produção de produtos metalúrgicos; pode utilizar mão de obra
porventura ociosa em uma determinada etapa da produção de aço
na produção de produtos metalúrgicos; pode promover programas
de capacitação conjunta para empregados das distintas divisões da
empresa etc.

O aumento da produtividade significa maior produção (saída) com a mesma


(ou inferior) quantidade de fatores de produção (entrada). Significa um processo
de produção em que o valor agregado aos produtos pode efetivamente elevar
os padrões de vida da sociedade em função da diminuição do investimento
monetário exigido, tornando os consumidores mais ricos (em um sentido relativo)
e as empresas mais rentáveis.

Numa perspectiva mais ampla, o crescimento da produtividade dos diversos


setores produtivos afeta positivamente o crescimento econômico e satisfaz as
necessidades humanas com menos recursos. Como resultado, as economias
irão se beneficiar de maior volume de receitas tributárias destinadas a financiar
serviços sociais tais como a saúde, a educação, a assistência social e o transporte
público, entre outros.

No Brasil, várias companhias de saneamento são operadas pelo instrumento


da concessão pública, e, por isso, estão sujeitas às influências de cunho político,
o que afeta os aspectos de caráter econômico de eficiência na gestão, em
situações que envolvem a tomada de decisões de investimento, fixação de tarifas
e expansão dos serviços.

Atualmente, a discussão acerca da titularidade dos serviços de saneamento,


a dificuldade em desenvolver planos de desenvolvimento de longo prazo e
a instituição de regras estáveis afetam de maneira negativa os resultados
esperados.

25
Economia no Setor Público

Uma importante questão institucional diz respeito à interpretação quanto ao


poder concedente dos serviços de água e esgoto, se municipal ou estadual. Esta
incerteza está evidenciada no polêmico processo de privatização da Companhia
Estadual de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro, que tem como usuários
dos serviços vários municípios fluminenses e que tem gerado manifestações
públicas interessadas em influenciar o processo de venda da participação estatal
na empresa.

d) Instabilidade dos Mercados

Os governos são responsáveis pela existência da infraestrutura de serviços


básicos necessária para assegurar o funcionamento mais eficiente possível
do mercado. Os governos também devem garantir a propriedade e regular os
contratos. Os governos desempenham também um importante papel ao buscar
garantir a estabilidade do nível de emprego, instituindo, por exemplo, condições
especiais para empréstimos destinados à execução de projetos capazes de
absorver grandes quantidades de trabalhadores, mesmo que tais projetos sejam
menos eficientes do que outros, tendo em vista os objetivos de desenvolvimento
social.

e) Bens Públicos (ou Bens de Consumo Coletivo)

Há várias classificações aplicáveis ao conjunto de bens e serviços,


dependendo do tipo de análise que se queira desenvolver. Quando estudamos
as cadeias produtivas ou os aspectos mercadológicos de um setor produtivo,
estamos interessados em saber se o bem é de consumo final (uma camisa) ou
de consumo intermediário (um botão da camisa, a linha de costura etc.), se é
perecível (alimentos in natura), se é um bem de capital (um forno industrial), se
é complementar a outros (locomotivas e vagões), se é concorrente com outros
(refrigerantes e sucos industrializados) etc.

As Falhas de Mercado e a
Intervenção do Estado na Economia
O Estado intervém na Economia a fim de corrigir problemas que afetam
a alocação e a distribuição adequadas de determinados tipos de bens, cuja
característica principal é o seu consumo coletivo, o que impossibilita a definição
do seu preço e a determinação de quantidades individualizadas. Um exemplo
comum a todos nós é a defesa do território nacional.

Nosso “consumo” de defesa nacional é conjunto, não individualizado, assim


como o que pagamos para tê-la.

26
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

A alocação governamental de recursos é o ato pelo qual


o governo define uma quantidade e um valor monetário a ela
correspondente, destinados à produção de bens e serviços de
consumo coletivo.

A distribuição governamental de recursos é o ato pelo


qual o governo redireciona recursos entre determinados setores
econômicos, regiões e segmentos da sociedade, visando a maior
eficiência e equidade no consumo de bens públicos e no recebimento
das rendas do trabalho (salários) e do capital (juros, aluguéis e
royalties).

O termo “bem público” popularmente sugere a existência da


“propriedade pública do bem”, quando na realidade o seu caráter
“público” se associa ao seu uso coletivo, daí a denominação “bem
de consumo coletivo”, muito embora sua propriedade possa ser
privada. Uma frota de ônibus urbanos, por exemplo, pode ser de
propriedade privada, mas o serviço concedido é “transporte coletivo”.
Neste curso, interessa conhecer de perto o gerenciamento da
provisão, da produção e da demanda dos bens de consumo coletivo,
já que os bens de consumo privado possuem como instrumento de
“gerenciamento” o próprio mecanismo do mercado.

O termo provisão, sob a perspectiva da Economia do Setor


Público, significa a responsabilidade do Estado pela existência
da oferta do bem ou do serviço. A produção do bem ou serviço
pode ser estatal ou privada. Por exemplo: até a década de 1980
os serviços de telefonia apresentavam provisão e produção pelo
Estado. Atualmente, apenas a responsabilidade da provisão é estatal
(ANATEL), enquanto que a produção é privada (Claro e Vivo, por
exemplo).

Como distinguir na prática um bem público de um bem privado?

27
Economia no Setor Público

A distinção exata entre bem público e bem privado não é tão simples. Para
tanto, dois conceitos são utilizados para diferenciá-los: rivalidade no consumo
e exclusão do consumo. Quanto maior a rivalidade e a exclusão, mais privado
será o bem. Quanto menor a rivalidade e a exclusão, mais público ele o será.

Os exemplos a seguir nos ajudam a entender como o Estado desempenha


as funções alocativa e distributiva ao intervir na provisão dos bens públicos.

EXEMPLOS PRÁTICOS DA DISTINÇÃO ENTRE


BENS PÚBLICOS E BENS PRIVADOS

Situação 1. Atravessando uma ponte (um bem de consumo


coletivo)

Imagine que vários veículos estejam engarrafados em uma


ponte congestionada onde não haja a cobrança de pedágio. Há
rivalidade, pois os veículos disputam a vez de atravessar o mais
rapidamente possível. Mas não há exclusão, pois todos os veículos,
mais cedo ou mais tarde, irão concluir o percurso.

Imagine agora que haja a cobrança de pedágio. Continua


a haver rivalidade, pois todos os veículos que lá se encontram
disputam a vez de atravessar o mais rapidamente possível. Nesse
caso, porém, há exclusão no consumo da ponte, pois alguns veículos
“fugiram da cobrança do pedágio” (foram excluídos do seu consumo)
e procuraram outro percurso.

Situação 2. Matriculando o filho na escola pública

Você cadastrou seu filho para a matrícula do próximo ano


em uma escola pública do seu bairro. Por escassez de vagas, a
Secretaria de Educação o matriculou em escola de outro bairro mais
distante.

Nesse caso, a rivalidade existe – entre o seu filho e o de outra


família -, mas não há exclusão, pois seu filho foi matriculado.

Situação 3. Matriculando o filho na escola privada

Você quer matricular seu filho, no próximo ano, em uma


escola privada. Ao consultar a mensalidade, você constata que

28
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

ela ultrapassa a sua capacidade de pagamento. Nesse caso há


rivalidade e há exclusão.

Situação 4. Obtendo uma Bolsa de Estudo

Você quer matricular seu filho, no próximo ano, em uma


escola privada. Ao consultar a mensalidade, você constata que
ela ultrapassa a sua capacidade de pagamento. Seu filho, seja por
apresentar bom rendimento escolar, seja por sorteio, obtém uma
bolsa de estudos integral. Nesse caso há rivalidade e há a redução
da exclusão no consumo de um bem privado.

Situação 5. Comprando peras (um bem de consumo privado)

Imagine que os últimos três quilos de peras estão à venda na


feira ao preço de R$ 3,50 p/Kg. Suponha, ainda, que você esteja
disposto a gastar o máximo de R$ 7,00 com peras, enquanto que o
comprador ao seu lado (rival) está disposto a gastar o máximo de R$
10,50 com peras.

Se você resolver comprar antes do seu rival, levará 2 Kg (2


x 3,50 = 7,00) e ele levará o quilo restante. Nesse caso ele ficará
excluído parcialmente de adquirir os 2 Kg que ainda estaria disposto
a comprar.

Mas se ele se antecipar, você será excluído totalmente do


consumo das peras.

Situação 6. O ar atmosférico e a defesa nacional (bens


públicos puros)

Há situações, entretanto, nas quais é impossível haver rivalidade


e exclusão no consumo. É o caso dos chamados “bens públicos
puros”. Os exemplos tradicionalmente utilizados são o ar atmosférico
e a defesa nacional.

Nesses casos, nenhum indivíduo se sente disputando o
consumo do ar e da defesa nacional, uma vez que a sua “produção”
é abundante e indivisível. Da mesma maneira, é impossível cobrar-
se de maneira individualizada pelo seu consumo. Não há como
individualizar o meu consumo de defesa nacional, pois todos nós,
indistintamente, estamos cobertos pelo serviço, mesmo que não o
desejemos. O mesmo raciocínio se aplica ao ar atmosférico.

29
Economia no Setor Público

Com isso, temos a seguinte importante relação entre preço e


quantidade de um bem ou serviço:

Preço Igual e Quantidades Diferentes => Bem Privado

Ao consumir peras, paga-se um preço definido pelo mercado,


preço esse baseado no conjunto de “lances” que são dados para
que sejam adquiridas as peras. Se não há “lances” de compra ao
preço desejado pelo vendedor, ele provavelmente irá baixar o preço
e aguardar pelos novos lances. Ao preço de R$ 3,50 p/Kg de peras
você adquiriu 2 Kg, a quantidade que “cabia em seu bolso”.

O outro consumidor, rival, pagou o mesmo preço (R$ 3,50 p/


Kg), mas consumiu uma quantidade diferente do outro consumidor.

Com isso, temos outra importante relação entre preço e


quantidade de um bem ou serviço:

Preços Diferentes e Quantidade Igual => Bem Público

Ao consumir “ensino público”, a família do aluno não pagou


uma mensalidade, nem um preço por hora/aula. Entretanto, o seu
filho consumiu a mesma quantidade de “ensino público” que foi
dispensada aos seus colegas de sala.

Podemos resumir, dizendo que:

> consumimos a mesma quantidade de bens públicos e


“pagamos preços diferentes” pelo seu consumo; e
> consumimos diferentes quantidades de bens privados e
pagamos o mesmo preço pelo seu consumo.

Fonte: O autor.

Características do Consumo de
Bens Públicos
Nos exemplos anteriores podemos verificar que nós não revelamos o grau
de importância que atribuímos ao consumirmos bens públicos. Ao consumirmos

30
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

bens privados essa revelação ocorre de maneira explícita, uma vez que pagamos
um preço por eles. Ao adquirirmos certa quantidade de bens privados, estamos
compatibilizando a quantidade de dinheiro de que dispomos com as nossas
vontades de consumo.

Assim, embora o consumo de bens públicos e privados apresente satisfação


diferenciada (indivíduos têm satisfação diferenciada em relação ao consumo)
e tributação diferenciada (indivíduos pagam impostos, taxas e contribuições
públicas em valores diferentes), somente os bens públicos apresentam
impossibilidade de exclusão no consumo. Com isso, mesmo as famílias que
têm seus filhos nas escolas privadas e aquelas que nem filhos têm, estarão
consumindo “ensino público” na mesma quantidade que as demais famílias.

No mercado de bens privados, a existência do preço exclui alguns


consumidores, enquanto que a característica do consumo rival garante que nem
todos aqueles que podem pagar o preço realmente adquirem o bem privado.

No mercado de bens públicos, o atributo da não rivalidade no consumo faz


com que a provisão do bem para o consumidor A garanta a provisão do consumo
para o consumidor B.

Da mesma forma, no mercado de bens públicos, o atributo da não exclusão


faz com que não seja possível excluir o consumidor B dos benefícios do consumo
do bem público. O consumidor B pega carona na provisão do bem público
oferecido ao consumidor A, usufruindo do seu consumo, sem pagar por ele, pois
não há qualquer incentivo que faça o consumidor B pagar pelos custos da sua
provisão.

Um exemplo clássico de um bem público puro é o farol marítimo, situação em


que a provisão é ao mesmo tempo não rival e não excludente.

Já a programação de peças de teatro ou eventos esportivos não


televisionados são exemplos de bens públicos com características de consumo
local, nos quais o consumo é não rival mas é excludente.

Há um determinado grupo de bens denominados bens meritórios,


que são os ofertados pelo sistema de mercado, mas, certamente, em
quantidades inferiores ao desejado. Isto ocorre porque o mercado
leva em consideração apenas os custos e benefícios privados.

31
Economia no Setor Público

São chamados de meritórios os (bens) serviços aos quais temos


direito ou merecemos (daí o termo), simplesmente pelo fato de
vivermos em sociedade, independentemente de nossa capacidade
de pagamento. Isso não significa que esses serviços devam ser
grátis para todos, mas sim apenas para as pessoas que não possuem
capacidade de pagar por eles.

Tomemos, por exemplo, o caso dos serviços de ensino. Se


não houvesse ensino público, existiriam escolas privadas para as
pessoas com capacidade de pagamento e, com isso, várias novas
escolas particulares iriam surgir. Entretanto, não existiriam vagas
na quantidade necessária para absorver todos os alunos em idade
escolar, já que muitas famílias não disporiam de recursos para pagar.

O mercado não considera, por exemplo, os benefícios adicionais


decorrentes do maior nível de escolaridade da população, que afetam
positivamente toda a sociedade. Por essa razão, os bens meritórios
serão sempre sub-ofertados pelo sistema de mercado.

Fonte: O autor.

Subsídio ao Setor Privado ou


Participação Direta do Estado?
Uma vez que o setor privado, segundo a lógica da internalização dos
benefícios, não ofertará tais serviços na quantidade necessária, duas situações
devem, necessariamente, ocorrer: ou o governo incentiva o setor privado a ofertar
mais desse serviço (através de subsídio) ou ele próprio (o governo) oferta de
maneira direta.

Na realidade, uma grande parcela dos gastos dos governos se associa à


oferta de bens e serviços de caráter meritório pelo setor privado: educação e
saúde, principalmente. Não por acaso, os retornos dos investimentos nessas
áreas apresentam longo perfil temporal, baixa rentabilidade e estão associados à
agregação de valor ao chamado capital humano, isto é, ao fator trabalho.

O papel do setor público no financiamento desse tipo de serviço é, portanto,


de grande relevância. Devemos considerar a dimensão dos benefícios derivados
do consumo desses serviços pela sociedade quando questionamos o volume

32
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

de recursos destinados ao gasto público nessas áreas e os impactos sobre o


resultado nas contas públicas.

O consumo de bens meritórios é considerado como “socialmente desejável”,


independentemente das preferências individuais dos consumidores. O incentivo
à maior produção desses bens significa a suspensão da chamada “soberania do
consumidor”.

Os bens meritórios estão incluídos no conjunto dos bens públicos ou de


consumo coletivo, mas diferem, por exemplo, dos bens públicos “puros”, como
a defesa nacional, o rastreamento do espaço aéreo, e o conjunto dos Serviços
de Utilidade Pública. Estes demandam altos investimentos iniciais, apresentam
graus elevados de indivisibilidade, custo marginal tendendo a zero (atributos
característicos dos monopólios naturais) etc.

O entendimento da diferenciação relativa à formação de preços e de arranjo


produtivo é que orienta o poder público a adotar conformações institucionais
diversas com vistas à oferta.

Implicações da Existência dos Bens


Meritórios para a Elaboração das
Políticas Tributária e Fiscal
Já que deve haver intervenção do Estado na formação da oferta de bens
meritórios, como, então, estabelecer políticas voltadas para esse fim?

De maneira objetiva, temos três questões principais a serem enfrentadas:

1. O que deve ser considerado como bem meritório?


2. Como devemos pagar pelo seu consumo?
3. Devem ser produzidos diretamente pelo setor público? Ou pelo setor privado,
contando com recursos públicos para a sua produção?

As possíveis respostas são:

1. O que deve ser considerado como bem meritório?

Tomemos o exemplo da saúde. Parece razoável admitir que todo cidadão


deva ter direito aos serviços básicos de saúde. Entretanto, discordâncias surgem
quanto aos tipos de serviços que devem ser incluídos no “pacote básico”, e como

33
Economia no Setor Público

cada um deve pagar pelo serviço. Outro ponto de forte discordância surge quando
se trata de definir o papel que o Estado deve desempenhar, enquanto provedor e
supervisor da prestação de tais serviços.

Se a distribuição dos bens meritórios pelo setor público tende a aumentar, o


espaço ocupado pelo setor privado tende a diminuir, sendo necessário alocar-se
um volume maior de recursos oriundos de tributos para fazer face à cobertura dos
custos dessa oferta.

2. Como devemos pagar pelo seu consumo?

Devemos refletir sobre essa questão, pois só porque um serviço é definido


como meritório não significa que toda sua oferta deva ser custeada por meio de
tributos e deva estar disponível para toda a sociedade.

Imaginemos a alimentação, por exemplo. Se considerarmos a garantia aos


cidadãos de um mínimo acesso aos gêneros alimentícios, estaremos definindo a
alimentação como um bem meritório. Mas será que todos os cidadãos devem ter
acesso ao Vale Refeição? Ou apenas aqueles trabalhadores com salário até um
determinado valor? Excluindo os assalariados com renda mais elevada, podem
ser utilizados recursos tributários que possibilitem a instalação de restaurantes
populares capazes de garantir a alimentação daqueles cidadãos que não estão
empregados e que, como tal, não recebem Vale Refeição.

3. Devem ser produzidos diretamente pelo setor público? Ou pelo setor privado,
contando com recursos públicos para a sua produção?

Devem ser buscadas maneiras de encarar a provisão de bens meritórios de


modo a permitir a manutenção do peso dos tributos sobre a renda pessoal em
patamares mais baixos, mantendo o setor privado comprometido com os objetivos
sociais e, de maneira objetiva, garantindo o acesso aos serviços de educação,
saúde, alimentação etc., não interessando se a produção é executada pelo setor
público ou pelo setor privado.

Bens de Clube
Uma das razões básicas do não funcionamento eficiente do mercado dos
bens não rivais, mas excludentes, é a incapacidade dos cidadãos em agir de
forma cooperativa, de maneira a eliminar a exclusão. Essa falta de cooperação
é motivo para que o governo desempenhe a sua função de alocar recursos. Um
bem cujo consumo é coletivo, mas que é sujeito à exclusão, caracteriza-se como

34
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

um “bem de clube”. Podemos pensar nos bens de clube como bens públicos sem
exclusão, com economias de escala resultantes do aumento de consumidores e
derivadas da redução do custo médio da sua provisão. Entretanto, a entrada de
consumidores adicionais leva ao congestionamento, o que, a longo prazo, cria
uma situação de consumo rival.

Nesses casos as soluções envolvem a provisão dos serviços por meio de


“clubes pequenos” e “clubes grandes”.

Clubes Pequenos: quando o tamanho do clube é pequeno,


relativamente ao total de usuários, novos clubes surgirão, até se
atingir uma quantidade suficiente de clubes pequenos, de tal forma
que todas as pessoas serão sócias de clubes de tamanho adequado.
Neste caso, a solução é eficiente e a taxa de admissão torna os
usuários indiferentes entre os clubes, já que todos terão o mesmo
número de sócios e oferecerão a mesma quantidade de serviços.
Nesses casos, deve-se levar em conta que as economias de escala
e de escopo serão menores do que uma situação na qual os clubes
grandes prestariam os serviços.

Clubes Grandes: no caso dos clubes grandes, isto é, quando


o dimensionamento do espaço é determinado para receber um
número elevado de sócios ou assistentes, mas em situações
pouco frequentes, o custo de manutenção se torna elevado e exige
o aumento da contribuição dos sócios ou do preço do ingresso.
Nesta situação é possível adotar-se soluções tais como um grande
equipamento contando com participação de grande número de
sócios ou assistentes, um único clube com participação de parte
da população; dois equipamentos de tamanhos semelhantes ou a
setorização de um equipamento. Esta última situação começou a
ser enfrentada pelo Estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, após a
realização da Copa do Mundo de 2014.

35
Economia no Setor Público

Atividades de Estudos

1) Dê um exemplo de bem público puro, além dos dois citados no


texto (ar atmosférico e defesa nacional).
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2) O que significa a expressão “rivalidade no consumo”?


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3) Analise a situação a seguir:



Um industrial emprega 500 funcionários. 90% dos funcionários
ganham três salários mínimos e têm, em média, dois filhos entre
5 e 15 anos de idade.

O industrial é solteiro, não possui filhos e despende mensalmente


10 salários mínimos com seu plano de saúde.

Quanto o industrial consome de ensino público e de saúde


pública?

Quanto o industrial deveria pagar de tributos para que houvesse


equivalência entre o seu consumo de bens públicos e o que ele
realmente paga? Ou qual a alternativa que poderia ser aplicada
aos salários pagos a fim de que o industrial tivesse o seu
pagamento de tributos reduzido?
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____________________________________________________
____________________________________________________

36
A Alocação e a Distribuição de Bens
Capítulo 2
Privados e de Bens Públicos

____________________________________________________
__________________________________________________

Algumas Considerações
Você observou neste capítulo que, em uma economia ideal, não há um
coordenador central orientando seu funcionamento. A auto-organização advém do
funcionamento do mercado, onde as forças de demanda e oferta determinam o
preço pelo qual ocorrem as trocas, em regime de livre concorrência.

Na prática, o mecanismo de mercado, para ser eficiente, deve atender a


determinadas regras internas ao próprio sistema. Entretanto, as regras que, caso
respeitadas, podem garantir a eficiência, nem sempre podem ser aplicadas na
prática. Esta situação é caracterizada como falhas de mercado.

A fim de minimizar os efeitos destas falhas, o conjunto de agentes que


operam sob o mecanismo do mercado passa a requerer a intervenção do governo,
capaz de formalmente regular, supervisionar e controlar as ações: os governos.
De maneira geral, cabe ao Estado coordenar a alocação e a distribuição dos bens
públicos, por meio de sua intervenção na economia do país.

Referências
ARVATE, P., BIDERMAN, C. (Ed.). Economia do setor público no Brasil. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004.

MUSGRAVE, R.; MUSGRAVE, P. Finanças públicas: teoria e prática. Campus.


1980.

PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 6. ed. São Paulo: Pearson,


2007.

37
Economia no Setor Público

38
C APÍTULO 3
As Funções Econômicas do Estado

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Conhecer quais as funções econômicas do Estado.

� Compreender os limites da intervenção do Estado na Economia.

� Reconhecer a relação entre a Economia do Setor Público e as Políticas


Macroeconômicas.
Economia no Setor Público

40
Capítulo 3 As Funções Econômicas do Estado

Contextualização
Agora que já sabe diferenciar “bens públicos” de “bens privados” e sabe que
o mecanismo de mercado, quando falha, entrega ao Estado a tarefa de coordenar
a alocação e a distribuição dos bens públicos, você estudará neste Capítulo 2 as
funções econômicas desempenhadas pelo Estado.

As Funções Alocativa, Distributiva e


Estabilizadora
A provisão de bens públicos e a elaboração e execução das A função alocativa,
políticas macroeconômicas são desempenhadas através das três pela qual é
complementado
funções econômicas do Estado: as funções alocativa, distributiva e ou regulado o
estabilizadora. fornecimento de
bens e serviços
não oferecidos
A primeira é a função alocativa, pela qual é complementado adequadamente
ou regulado o fornecimento de bens e serviços não oferecidos pelo sistema de
mercado.
adequadamente pelo sistema de mercado.

Reveja quais são as falhas de mercado apresentadas no


Capítulo 2.

Conforme já foi visto no Capítulo 1, os bens públicos têm por principal


característica a impossibilidade de excluir as pessoas de seu consumo (princípio da
não exclusão).

A segunda é a função distributiva, pela qual o governo, através da tributação,


retira recursos de determinados setores econômicos e de segmentos da
A função
sociedade e, pela via do gasto público, os transfere para outros grupos, distributiva,
visando a maior eficiência e equidade na distribuição das rendas do visando a maior
trabalho e do capital. eficiência e
equidade na
distribuição das
rendas do trabalho e
do capital.

41
Economia no Setor Público

Reveja quais são as rendas do trabalho e do capital no Capítulo 1.

As duas primeiras funções possuem conotação microeconômica, pois


procuram corrigir falhas que afetam determinados setores produtivos, parcelas
específicas da população com renda ou necessidades definidas, determinadas
regiões etc.

A terceira é a função estabilizadora, que trata todos os segmentos da


população, todo o território e todos os setores produtivos como um grande
“agregado” macroeconômico.

Esta, por sua vez, é de caráter macroeconômico, pela qual o governo


interfere com o objetivo de reduzir os efeitos de bruscas e consideráveis oscilações
que ocorrem na economia, seja nos níveis dos preços ou do emprego.

As ações referentes às funções acima descritas são executadas por meio


da Política Econômica maior do governo, representada pelas Políticas Monetária,
Cambial, Tributária e Fiscal. As duas primeiras são de competência exclusiva do
Governo Federal. As duas últimas apresentam competência dividida entre os três
níveis de governo.

Atividades de Estudos:

1) Quais as três funções econômicas do Estado?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
__________________________________________________

2) Quais são as quatro subdivisões da Política Econômica do


Governo?
____________________________________________________
____________________________________________________

42
Capítulo 3 As Funções Econômicas do Estado

____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
__________________________________________________

3) Preencha as lacunas da sentença abaixo.


As Políticas Monetária e Cambial são de competência única
do Governo _____________________. Já as Políticas
Tributária e Fiscal são de competência dos Governos
____________________, _____________________ e
______________________.

Limites da Ação do Estado na


Execução das Funções Alocativa e
Distributiva
O exercício mais ou menos intenso e frequente das funções alocativa e
distributiva pelo Estado é que define o sistema econômico adotado, tendo como
polos o liberalismo total até a regulação mais extremada. Na prática, encontramos
sistemas intermediários, apresentando maior ou menor ênfase nas funções
mencionadas.

O diagrama a seguir nos ajuda a entender esse raciocínio. Ele é baseado


em trabalhos do economista Paul Samuelson (1915-2009), Prêmio Nobel de
Economia de 1952, que desenvolveu estudos relativos à alocação e distribuição
de bens públicos e privados.

Esse diagrama se refere às possibilidades da produção de bens e serviços


públicos e privados. O eixo vertical (OA) representa a situação na qual todos os
bens e serviços produzidos na sociedade são privados. Já o eixo horizontal (OB)
representa a situação na qual todos os bens e serviços produzidos na sociedade
são públicos.

Estas são “situações-limite”, que não encontram respaldo na realidade (rever


a distinção entre bens públicos e bens privados). Portanto, na prática, o que ocorre
são as situações intermediárias, que dependem de vários fatores institucionais,
sociais, culturais, políticos e, sobretudo, econômicos.

43
Economia no Setor Público

Figura 1 – Possibilidades da produção de bens e serviços públicos e privados


A

C X

bens privados
D Y

O E F B
bens públicos
Fonte: O autor.

Examine os pontos X e Y do diagrama. Eles representam as diferentes


combinações da produção de bens privados e bens públicos em uma sociedade.
No ponto X o montante dos recursos alocados para a produção de bens privados
é superior à de bens públicos (OC > OE). Já o ponto Y representa uma situação
na qual o montante dos recursos destinados à produção de bens públicos supera
o de bens privados (OF > OD).

Portanto, o que devemos ter em mente é que quanto maior a parcela de


recursos destinada à produção de bens públicos, menor será a parcela de
recursos destinada à produção de bens privados. E vice-versa.

Por que isto acontece? Porque grande parte da produção de bens


públicos (ensino e saúde, por exemplo) é financiada com tributos. E os tributos
representam a parcela da renda das pessoas e das firmas que é apropriada
pelo Estado, sendo, portanto, desviada do consumo de bens privados para a
produção de bens públicos. Mas estes recursos retornam ao fluxo econômico,
sob a forma de pagamento de salários aos professores e médicos, com a compra
de livros didáticos e mobiliário utilizados nas escolas públicas, no pagamento de
merendeiras etc.

Utilizamos novamente o estudo de Samuelson para criar a tabela a seguir.


Ela serve para que possamos delimitar o papel das funções alocativa e distributiva
do Estado e, por consequência, definir o volume de recursos destinados ao
financiamento da provisão de bens públicos.

44
Capítulo 3 As Funções Econômicas do Estado

O estudo de Samuelson reconhece que existem pobres e ricos na sociedade


e que o Estado deve alocar e distribuir bens e serviços públicos e privados com
o objetivo de atender às necessidades de consumo dos pobres, uma vez que os
ricos podem satisfazer as suas necessidades através do mecanismo do mercado.

Nas colunas A e B da tabela estão assinaladas as possibilidades de produção


de bens públicos e de bens privados, apontando para uma produção máxima de
bens privados ($ 160), superior à produção máxima de bens públicos ($ 120), por
razões de eficiência de natureza tecnológica, que surgem naturalmente a partir do
processo da concorrência no mercado. Isso significa que, se todos os recursos
fossem utilizados para produzir bens públicos, a sociedade teria “$ 120 em bens
públicos”. Se todos os recursos fossem utilizados para produzir bens privados, a
sociedade teria “$ 160 em bens privados”.

As colunas C e D apresentam a combinação de gastos em bens públicos


e privados pela população pobre. Já as colunas E e F apresentam a combinação
de gastos em bens públicos e privados pela população rica.

Tabela 1 – Equilíbrio geral no mercado de bens públicos e bens privados

Fonte: O autor.

De acordo com o processo de formação de preços nos mercados de bens


públicos e privados, ambos, ricos e pobres, consomem, direta ou indiretamente, a
mesma quantidade de bens públicos, tendo em vista a impossibilidade de rejeição
(exclusão voluntária) do seu consumo, ao passo que ambos, ricos e pobres,

45
Economia no Setor Público

aceitam preços iguais e consomem quantidades diferenciadas de bens privados,


o rico consumindo uma parcela maior do estoque de bens privados.

Toda pessoa, independentemente do fato de ser rica ou pobre,


atribui “seus próprios preços” aos bens públicos. Isto é, umas
pessoas atribuem alto valor ao que recebem do governo, enquanto
outras atribuem baixo valor aos mesmos serviços prestados pelo
governo.

Com isso, a situação de equilíbrio se dá no ponto no qual o pobre consome


a maior parcela de bens privados possível (45,1 na coluna J), que corresponde à
diferença (isto é, o que sobra!) entre a produção total de bens privados e a parcela
de bens privados consumida pelo rico (132,2 - 109,1 = 45,1). Esta combinação
aparece na linha destacada em cinza na tabela. A combinação de equilíbrio
de bens públicos e privados se dá no ponto onde bens públicos é igual a 50
(consumidos indistintamente por pobres e ricos) e bens privados é igual a 132,2
(soma das colunas F e J).

Esse é ponto no qual o Estado pode encontrar o limite da sua intervenção no


desempenho das suas funções alocativa e distributiva.

Qualquer outro ponto acima ou abaixo da linha de possibilidades de


produção denota ineficiência. Por exemplo, a soma das colunas G e H produz
pontos que se situam fora da zona de possibilidades de produção.

Atividade de Estudos:

1) Faça um gráfico (em uma planilha eletrônica ou em papel


milimetrado) utilizando os dados da Tabela “Equilíbrio geral no
mercado de bens públicos e bens privados”.

Os dados de Bens Públicos devem ser marcados no eixo


horizontal e os dados de Bens Privados devem ser marcados no
eixo vertical.

46
Capítulo 3 As Funções Econômicas do Estado

Você irá obter quatro curvas que expressam os valores


constantes das seguintes colunas da Tabela Equilíbrio Geral no
mercado de Bens Públicos e Bens Privados: “Possibilidades de
Produção”, “Consumo de Bens Privados do Pobre”, “Consumo de
Bens Privados do Rico” e “Possibilidades de Consumo do Pobre”.

A Competição por Recursos para


a Produção de Bens Públicos e
Privados
Após tratarmos dos limites das funções alocativa e distributiva, trataremos
agora da disputa por recursos que se dá entre o Estado e os agentes autônomos
(pessoas e empresas privadas).

O diagrama a seguir apresenta a situação de um país onde existem dois


grandes grupos de bens e serviços. Os de “consumo coletivo” e os de “consumo
privado”.

Em função da limitação natural de recursos financeiros, humanos,


tecnológicos etc., a quantidade de bens de consumo coletivo possível de ser
produzida se reduz de maneira automática ao aumentarmos a quantidade de bens
de consumo privado, e vice-versa. Ou seja, não podemos produzir a quantidade
“desejada” de um e de outro. Só podemos produzir a quantidade possível de um
ou de outro. Ou seja, temos que efetuar escolhas.

O diagrama a seguir apresenta três situações diferenciadas, considerando


agora o montante de recursos disponíveis para a provisão de bens de consumo
coletivo do país que esteja sendo analisado. Um país que possua baixo nível
de renda tenderá a apresentar uma proporção maior de recursos destinada à
provisão de bens de consumo coletivo em relação aos bens de consumo privado,
maior intervenção do Estado na provisão de bens e serviços públicos e maiores
necessidades da implementação de políticas de cunho social.

Conforme o conceito já apresentado de “possibilidades de produção”, as


curvas que delineiam as áreas azul, verde e cinza apontam como se divide a
alocação de recursos destinados à provisão e à produção de bens de consumo
coletivo e de bens de consumo privado.

47
Economia no Setor Público

Gráfico 1 – Ambiente Macroeconômico: função alocativa do Estado


e competição por recursos para gastos públicos e privados

% de Bens e Serviços Privados


País de Alta Renda

País de Renda Média

País de Baixa Renda

% de Bens e Serviços Públicos

Fonte: O autor.

Atividade de Estudos:

1) Explique em cerca de 50 palavras porque dizemos que: quanto


maior a produção de bens públicos, menor será a parcela de
recursos destinada à produção de bens privados?
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________

Economia do Setor Público e


Políticas Macroeconômicas
A Macroeconomia é o estudo do comportamento econômico agregado dos
setores familiar, empresarial, governamental e externo. Já a Microeconomia
analisa o comportamento desses setores e de seus componentes de forma
isolada.

48
Capítulo 3 As Funções Econômicas do Estado

O quadro analítico da Economia do Setor Público aborda a intervenção do


Estado na economia do ponto de vista microeconômico, isto é, se preocupa com
as questões referentes à alocação e à distribuição de recursos entre as famílias e
as empresas, tomadas de maneira individual, bem como as finanças dos governos
estaduais, municipais e o Governo Federal, enquanto agentes responsáveis pela
provisão de bens e serviços públicos. Mas seu quadro analítico deve levar em
conta a projeção das unidades individuais no contexto macroeconômico, bem
como as restrições de caráter macroeconômico associadas à estabilização.

Dessa forma, os setores Famílias e Empresas, o setor Externo e o setor


Governo, e seus respectivos indicadores agregados macroeconômicos, passam a
incorporar as denominações do quadro a seguir.

Quadro 1 – Setores e Agregados Macroeconômicos


Setor Macroeconômico Agregado Macroeconômico
Setor Famílias e Empresas Consumo, Investimento e Poupança
Setor Externo Exportações e Importações
Setor Governo Tributos e Gastos do Governo
Fonte: O autor.

As Políticas Macroeconômicas
As Políticas Macroeconômicas são: Política Monetária, Política Cambial,
Política Tributária e Política Fiscal.

Todas as quatro políticas possuem impactos de natureza macroeconômica.


No entanto, as políticas monetária e cambial apresentam algumas características
peculiares:

• São exclusivas do Governo Federal;


• São nacionais – a taxa de juros básica e a taxa de câmbio oficial são as
mesmas em todo o território;
• As decisões de alteração nas taxas de juros e de câmbio ocorrem no âmbito
da área econômica do Executivo Federal, sem qualquer interferência formal
de outros setores do Executivo e do Legislativo;
• Possuem vigência imediata;
• Os efeitos da variação das taxas de câmbio e de juros são imediatos e se
propagam por todos os setores da economia;
• Em função da abrangência nacional e da intensidade da propagação dos
efeitos da sua aplicação, os resultados – positivos ou negativos – são de
grande magnitude;

49
Economia no Setor Público

• Os instrumentos de política econômica destinados à estabilização de preços


frequentemente geram efeitos perversos e assimétricos sobre o emprego, o
meio ambiente, a acessibilidade da população à infraestrutura habitacional,
de saúde, saneamento, educação e lazer;
• Em função das disparidades de renda, de estrutura econômica, de tamanho
da população, dentre alguns aspectos, seus efeitos de assimetria em âmbito
setorial, social, regional e local são de grande impacto.

a) Objetivos das Políticas Macroeconômicas

Os objetivos das Políticas Macroeconômicas são os de prever, controlar e


alterar o comportamento do conjunto dos agentes econômicos privados e públicos,
visando o crescimento econômico estável, o qual pode ser aferido com base nos
indicadores de emprego dos fatores de produção; nível de preços e inflação;
resultado da Balança Comercial e política de câmbio; Balanço de Pagamentos e
Déficit e Dívida Pública.

Observe que as Políticas Macroeconômicas têm como foco o “conjunto


dos agentes econômicos privados e públicos, visando o crescimento econômico
estável”, em contraposição à abordagem da Economia do Setor Público que
prioriza a redução das desigualdades de toda ordem entre pessoas, setores,
regiões etc.

O Produto Interno Bruto e sua


Repartição
A produção total de bens e serviços de um país, em um determinado
exercício, medida em moeda (reais, dólares etc.), é expressa pelo Produto Interno
Bruto (PIB). O PIB representa a soma dos pagamentos efetuados pela utilização
dos quatro grupos de fatores utilizados na produção (o trabalho – sob a forma de
salários, o capital físico – sob a forma de aluguéis, o capital financeiro – sob a
forma de juros e o capital tecnológico – sob a forma de royalties), contabilizados
de 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano.

Os bens e serviços que compõem o PIB resultam das atividades produtivas


executadas tanto pelo setor privado (profissionais liberais e empresas) quanto
pelas atividades produtivas do setor público, nos âmbitos federal, estadual e
municipal (Executivo, Legislativo e Judiciário).

O PIB considera o valor adicionado dos bens produzidos e serviços prestados


dentro do território econômico do país, independentemente da nacionalidade dos

50
Capítulo 3 As Funções Econômicas do Estado

proprietários das unidades produtoras desses bens e serviços. Por considerar


apenas o valor adicionado, seu cálculo exclui as transações intermediárias. Além
disso, o PIB é calculado a preços de mercado, podendo ser calculado de acordo
com três óticas:

a) PIB sob a ótica do produto – soma dos valores agregados líquidos dos
setores primário, secundário e terciário da economia, mais os impostos indiretos,
mais a depreciação do capital, menos os subsídios governamentais.

Produto Final Agregado: soma do valor dos bens e serviços


finais produzidos pelas firmas (não contabiliza o valor dos bens
intermediários).

Ex.: Automóvel = R$ XX.XXX,00

Não confundir com valor bruto da produção, que é a soma


do valor de todos os bens e serviços (inclusive dos que entram na
produção de outros bens e serviços).

b) PIB sob a ótica da renda – remunerações pagas dentro do território


econômico do país, sob a forma de salários, juros, aluguéis e lucros distribuídos;
somam-se a isso os lucros não distribuídos, os impostos indiretos e a depreciação
do capital e, finalmente, subtraem-se os subsídios.

Quadro 2 – Renda agregada: soma das rendas pagas aos fatores de produção
FATOR DE PRODUÇÃO RENDA
Capital Físico = aluguel, leasing (R$)
Capital financeiro = juro (R$)
Capital Tecnológico = royalties (R$)
Capital Humano/Trabalho = salário (R$)
TOTAL DA RENDA = (aluguel + juro + royalty + salário)
Fonte: O autor.

c) PIB sob a Ótica da despesa – dispêndios em consumo das unidades


familiares e do governo, mais as variações de estoques, menos as importações
de mercadorias e serviços e mais as exportações. Sob essa ótica, o PIB também
se denomina Despesa Interna Bruta.

51
Economia no Setor Público

Despesa agregada (soma da demanda agregada): Consumo + Poupança* +


(Tributos - Gastos do governo) + (Exportações - Importações)
* Poupança = Investimento

Equação de equilíbrio da renda agregada: Renda = Produto = Despesa Y


= (C+I (S)) + (T-G) + (X-M), onde:

Y = Renda, Produto, Despesa


C = Consumo
I = Investimento
S = Poupança
T = Tributos
G = Gasto Público
X = Exportações
I = Importações

Atividades de Estudos:

1) Quais são os objetivos das Políticas Macroeconômicas?


____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

2) Quais são os indicadores que medem os resultados das


Políticas Macroeconômicas?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

3) Quais os indicadores agregados que medem os resultados do


Setor Externo da Economia?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

52
Capítulo 3 As Funções Econômicas do Estado

Algumas Considerações
Neste capítulo foi apresentado material de estudo destinado a oferecer a
você a oportunidade de conhecer quais as funções econômicas do Estado, de
compreender os limites da intervenção do Estado na Economia e de reconhecer a
relação entre a Economia do Setor Público e as Políticas Macroeconômicas.

Foi ressaltado o fato da existência de diferentes combinações possíveis


da produção de bens privados e bens públicos em uma sociedade, o que gera
uma disputa por recursos que ocorre entre o Estado e os agentes autônomos
(pessoas e empresas privadas). Em seguida foram apresentadas as Políticas
Macroeconômicas, que são: Política Monetária, Política Cambial, Política
Tributária e Política Fiscal e o conceito de Produto Interno Bruto, bem como os
mecanismos pelos quais se dá a sua repartição.

Referências
HOMSY, N. C. Introdução à economia. Indaial: Uniasselvi, 2017.

MANKIW, N. G. Introdução à economia. São Paulo: Campus, 2005.

MUSGRAVE, R.; MUSGRAVE, P. Finanças públicas: teoria e prática. Campus,


1980.

PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 6. ed. São Paulo: Pearson,


2007.

53
Economia no Setor Público

54
C APÍTULO 4
As Políticas Tributária e Fiscal

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Distinguir os Princípios Teóricos de Tributação dos Princípios do Sistema


Tributário Nacional.

� Compreender as Funções do Orçamento como instrumento da Política Fiscal.


Economia no Setor Público

56
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

Contextualização
Nos Estados Nacionais Modernos, as estruturas de funcionamento dos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são sustentadas pela contribuição do
valor correspondente a uma parcela da produção de bens e serviços gerados pela
sociedade.

Em paralelo às atribuições de gestão e controle, o Estado desempenha a


função de induzir e planejar o desenvolvimento econômico, executando parcial
ou integralmente os investimentos em infraestrutura física e social de caráter
coletivo, especialmente em relação aos projetos que demandam grande volume
de recursos, longo prazo de recuperação e taxa de retorno comparativamente
inferior à das atividades privadas.

O crescente comprometimento da arrecadação de tributos com o custeio


das atividades de gestão requer a obtenção adicional de recursos por meio do
endividamento público.

Estes são os assuntos a serem tratados no presente capítulo. Serão


destacadas a importância da tributação e a forma pela qual o Estado intervém no
processo do desenvolvimento econômico.

Agora que você já sabe quais as funções econômicas do Estado, quais os


limites da intervenção do Estado na Economia e qual a relação entre a Economia
do Setor Público e as Políticas Macroeconômicas, você estudará neste Capítulo 3
a Política Tributária e a Política Fiscal, duas das Políticas Macroeconômicas.

Observação importante!

Você poderá observar que, neste Capítulo 3, serão abordados


alguns aspectos complementares das Políticas Tributária e Fiscal,
temas já tratados nas disciplinas Planejamento Governamental e
Controle, Direito Tributário e Gestão Tributária. Os aspectos agora
tratados nos permitem melhor entender a complementaridade
existente entre a abordagem econômica utilizadas nos livros do
curso.

57
Economia no Setor Público

A Política Tributária
A política tributária pode ser conceituada, de forma simples e objetiva, como
o conjunto de ações necessárias para reduzir os desequilíbrios de renda entre
pessoas, setores produtivos e regiões geográficas e para arrecadar recursos
destinados ao financiamento do gasto público (funções alocativa e distributiva),
levando em consideração as regras de neutralidade, equidade, simplicidade,
flexibilidade, produtividade e responsabilidade política.

A política tributária também compõe o elenco de instrumentos de que o


governo se utiliza para a execução da função estabilizadora, que busca equilibrar
o comportamento dos níveis de preços e do emprego.

A Política Tributária pode ter como referência teórica dois


conjuntos de princípios: Princípios Teóricos de Tributação de
Natureza Econômica e Princípios Teóricos de Tributação de Natureza
Jurídica.

a) Princípios Teóricos de Tributação de Natureza Econômica

Há dois princípios teóricos de tributação de natureza econômica: a) o princípio


do benefício recebido, baseado na quantidade e tipo de bens e serviços públicos
consumidos individualmente pelos contribuintes; e b) o princípio da capacidade
de pagamento, associado ao nível da renda e da riqueza dos contribuintes.

b) Princípios Teóricos de Tributação de Natureza Jurídica

A fundamentação de caráter econômico, entretanto, requer a imposição e a


cobrança de tributos pelo Estado por meio de normas jurídicas e administrativas
legalmente constituídas e apoiadas em Princípios Teóricos de Tributação.
As normas jurídicas e administrativas, no Brasil, se inserem no conjunto dos
Princípios do Sistema Tributário Nacional.

Os Princípios do Sistema Tributário Nacional tratam das regras jurídicas


de subordinação dos contribuintes em relação ao Estado no que respeita às
obrigações tributárias. Tratam também das regras da observância da limitação do
poder de tributar do Estado.

58
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

Estes princípios devem observar, portanto, os Princípios Constitucionais,


representados pelos Princípios Fundamentais do Estado: República, Federação,
Separação de Poderes e Estado Democrático de Direito; os Princípios Gerais
de: Legalidade, Isonomia, Liberdade, Dignidade, dentre outros; e os Princípios
da Administração Pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade,
Eficiência.

O quadro-resumo contendo as abordagens econômica e jurídica e os


Princípios do Sistema Tributário Nacional é apresentado a seguir:

Quadro 3 – As abordagens econômica e jurídica da política


tributária e os princípios do Sistema Tributário Nacional
ABORDAGEM ECONÔMICA ABORDAGEM JURÍDICA
Princípios Teóricos de
Princípios Constitucionais
Tributação
Princípios Fundamentais do Estado: República,
Federação, Separação de Poderes e Estado
Democrático de Direito.
Princípio da Capacidade de Pagamento Princípios Gerais: Legalidade, Isonomia, Liberda-
Princípio do Benefício Recebido de, Dignidade, entre outros.
Princípios da Administração Pública: Legalidade,
Impessoalidade, Moralidade, Publicidade, Eficiên-
cia, entre outros.
Princípios do Sistema Tributário Nacional
a) Princípio da Legalidade – (CF/88, art. 150, I)
O estabelecimento do conjunto de regras de tributação aprovadas por lei constitui um dos princí-
pios do Sistema Tributário: o Princípio da Legalidade (CF/88, art. 150, inc. I), ou seja, a garantia
dada a todos os cidadãos de que os atos da Administração Pública somente serão válidos se
respaldados em lei, assim evitando o abuso de poder por parte do Estado.
b) Princípio da Anterioridade – (art. 150, III, b)
Uma lei instituindo ou alterando um tributo, ao entrar em vigor, tem sua eficácia suspensa até o
início do exercício financeiro seguinte, quando, então, produzirá todos os efeitos jurídicos.
c) Princípio da Igualdade – (art. 145, § 1° da CF/88)
O Sistema Tributário deve observar o princípio constitucional da igualdade, pelo qual todos são
iguais perante a lei.
d) Princípio da Competência
Cada ente tributante deve observar os limites da parcela de poder impositivo que lhe foi atribuída.
Assim, a divisão das áreas dentro das quais a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí-
pios podem instituir e cobrar tributos não permite a invasão de uns pelos outros.
e) Princípio da Capacidade de Pagamento
Necessidade de graduação dos tributos segundo a capacidade de pagamento dos contribuintes.
A este princípio vincula-se a progressividade dos impostos (CF/88 art. 145 § 1º).

59
Economia no Setor Público

f) Princípio da Vedação do Confisco


A tributação não pode ser excessivamente onerosa, pois através dela o Estado obtém os meios
financeiros para desempenhar suas atividades, e não para transformar em público o patrimônio
ou a renda privada.
g) Princípio da Liberdade de Tráfego (de Pessoas ou Bens)

Este princípio atende ao prescrito no art. 5° XV da CF/88, que assegura a liberdade de locomo-
ção no território nacional. O artigo 150, V da CF/88 veda a cobrança de tributos com a finalidade
de limitar o tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais.

Fonte: Brasil (1988).

Leia o texto a seguir e atente para as inúmeras situações em que as pessoas


e as empresas estão sujeitas em razão da obrigação do pagamento de tributos.

ILUSÃO TRIBUTÁRIA

A expressão ilusão tributária significa que as pessoas físicas se


enganam ao imaginar que pagam somente os tributos que incidem
sobre os seus rendimentos (juros, aluguéis e salários). Algumas
vezes, nem ilusão é, pois alguns custos bancados pelos cidadãos
não podem sequer ser determinados e quantificados, tornando-se
invisíveis. Vejamos a seguir as maneiras que o Estado utiliza para
impor tributos.

Em primeiro lugar, devemos nos lembrar dos pagamentos


que fazemos por conta de serviços prestados pelos governos
federal, estaduais e municipais. Passivamente pagamos taxas de
exames de vestibular público, exames de habilitação para direção
e licenciamento de veículos, exames para acesso às carreiras do
serviço público etc.

Não nos esqueçamos das imposições relativas às certidões dos


registros de pessoas (nascimentos, identidade, casamentos, óbitos),
de propriedades (imóveis e veículos) e sobre a transferência destas.

E a Justiça, é um bem público? O Judiciário, poder público


cujos gastos já estão incluídos no Orçamento Fiscal da União e dos
Estados, mas que impõe o pagamento de custas e emolumentos.

60
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

Tudo pago pelos cidadãos, muito embora essas obrigações derivem


de necessidades do Estado para exercer seu controle sobre nós
mesmos.

As pessoas físicas também são forçadas a prestar serviços aos


governos sem serem remuneradas. Todo ano, mais de 20 milhões
de cidadãos elaboram a declaração do Imposto de Renda, outros
milhões são obrigados a comparecer às repartições públicas, a
preencher formulários e a pagar taxas para se defender ou reclamar
sobre erros cometidos pelos órgãos públicos (multas de trânsito e
lançamentos de tributos indevidos ou enviados para cobrança fora do
prazo etc.).

E, em muitos desses casos devem inclusive contratar


despachantes, advogados e contadores, às expensas dos próprios
cidadãos, para destrinchar os liames técnicos que aumentam o valor
dos tributos invisíveis, valor este não incluído na carga tributária
medida pelas Contas Nacionais.

Lembremo-nos, ainda, das imposições que incidem sobre


a propriedade de imóveis e de veículos automotores e sobre a
transferência destes.

Por último, a categoria de tributos que pagamos quando, por


exemplo, compramos um litro de leite ou uma camisa. Como o
consumidor, pessoa física, se posiciona ao final da cadeia de tributos
que incidem sobre a produção de mercadorias e serviços, todos os
encargos recaem sobre ele.

Já que falamos sobre o leite, vejamos a seguir uma lista não


exaustiva dos tributos que incidem sobre uma empresa produtora
de leite longa vida e que para nós são transferidos no preço que
pagamos:

1. Sobre equipamentos e instalações: IPTU, IPVA e registros


cartoriais.
2. Sobre a produção: Imposto de Importação, IPI, Encargos
sociais (férias, 13° salário, auxílios etc.), Imposto sobre Serviços
a ela prestados, Salário Família, Previdência Oficial, SENAI,
SESI, SEBRAE.
3. Sobre Vendas: ICMS – sem crédito tributário, pois o leite in
natura inicia a cadeia.
4. Sobre o Faturamento: PIS, COFINS.

61
Economia no Setor Público

5. Sobre a Renda e o Lucro: IRPF e CSLL, após abatidas as


despesas.

Fonte: O autor.

O IMPOSTO DE RENDA NO BRASIL É REALMENTE


O MAIS JUSTO DOS TRIBUTOS?

O Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas – IRPF é


universalmente considerado o tributo mais justo, pelo menos em
teoria. Tal fato se baseia na aplicação dos princípios da equidade
horizontal (mesma alíquota para pessoas de mesma classe de renda)
e da equidade vertical (diferentes alíquotas para pessoas de classes
de renda diferentes).

O IRPF é considerado mais justo, pois os tributos que incidem


sobre o consumo final – ou que não geram crédito – são tidos como
injustos, pois não distinguem a condição econômica do indivíduo.

Mas como a prática está sempre desafiando a teoria, resulta


que, embora seja o mais equitativo dos tributos, o IRPF no Brasil
se revela ainda iníquo. Para ilustrar esta injustiça tributária, são
apresentados dois exemplos bastante convincentes:

Primeiro exemplo:

A tabela do Imposto de Renda na fonte sobre a renda tributável


dos assalariados em vigor apresenta cinco alíquotas progressivas:

a) 0,0%; b) 7,5%; c) 15,0%; d) 22,5% e f) 27,5%.

A atual estrutura, vigente a partir de 1º de janeiro de 2009, é


mais equitativa do que a anterior, já que introduziu dois novos
intervalos de classe de renda sujeitos à incidência das alíquotas de
7,5% e 22,5%. Todavia, manteve a alíquota máxima, anteriormente
existente, de 27,5%.

Se observarmos bem, a diferença entre as duas últimas alíquotas


– de 5% - é inferior às diferenças entre cada uma das anteriores

62
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

– 7,5%. Ou seja, a atual estrutura de alíquotas e de intervalos de


classe do IRPF é injusta.

Segundo exemplo:

Pessoas com renda total mais elevada possuem maiores


chances de poupar e investir em ativos financeiros e em ações, ou
seja, em investimentos de capital.

Assim, dependendo do rendimento auferido, uma pessoa física


que vive somente de investimentos paga menos imposto do que uma
pessoa que vive somente do trabalho assalariado.

As alíquotas que incidem sobre os rendimentos do trabalho


assalariado aumentam em função da classe de renda, enquanto
que as incidentes sobre os ganhos de renda fixa independem do
rendimento auferido, decrescendo em função do tempo em que
o capital permanece investido. Já os ganhos com renda variável
(ações) estão sujeitos a uma única alíquota, isto é, o imposto pago
não obedece ao critério de progressividade.

A tabela a seguir possui a intenção de ilustrar esta injustiça.


Embora os valores disponíveis se refiram a anos passados, eles
deixam evidente a diferença de tratamento que é dada à tributação
sobre o rendimento do trabalho em relação ao rendimento do capital.
Enquanto o Imposto de Renda Retido na Fonte incidente sobre o
rendimento do trabalho cresceu na média 6,9% no período 2004 a
2008, o recolhimento referente ao rendimento do capital apresentou
aumento médio de 3,3%.

Arrecadação do IRPF Retido na Fonte R$ milhões


Ano Rendimento do Rendimento do
trabalho Capital
2004 38.858 21.347
2005 41.703 23.215
2006 44.866 23.963
2007 46.256 23.314
2008 50.814 24.307
Cresc. Médio (%) 6,9 3,3
Obs.: Valores a preços de maio de 2010 (IGP-DI).
Fonte: Secretaria da Receita Federal do Brasil.

63
Economia no Setor Público

Mas será que este comportamento reflete o crescimento da


massa de salários em valores superiores ao da renda do capital?
Não.

A injustiça é mais grave ainda, pois o valor referente aos salários


passou de 84% dos rendimentos totais em 1992 para 75% dos
rendimentos totais no ano de 2008. Ou seja, o valor da renda derivada
das aplicações financeiras aumentou mais do que o correspondente
à renda do trabalho.

Um argumento comumente utilizado em defesa do favorecimento


da tributação do capital em detrimento da tributação dos salários
é o da “fuga do capital”, decorrente da maior mobilidade e da sua
financeirização. Tal argumento é falacioso, pois o que importa ao
investidor é o rendimento líquido real auferido, ou seja, o pagamento
da renda, descontada do Imposto de Renda da Pessoa Física e do
Imposto sobre Operações Financeiras, da inflação e da diferença
cambial.

E, ao longo dos últimos anos, o Brasil está sempre entre os


primeiros dentre os países que oferecem as maiores benesses aos
detentores do capital.

A alíquota que incide sobre o lucro nas operações de renda


variável é de 15% para operações normais e de 20% para operações
de compra e venda em um mesmo dia, deduzidas as despesas de
corretagem.

Além disto, estão isentos do Imposto de Renda os ganhos


líquidos de pessoas físicas que tenham realizado no mês, vendas de
ações no mercado, à vista igual ou inferior a R$ 20.000,00.

Após a apresentação dos exemplos acima, você acha que a


combinação de alíquotas e base de cálculo do Imposto de Renda da
Pessoa Física demanda alterações no sentido de tornar este tributo
menos injusto no Brasil?

Fonte: O autor.

64
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

REFORMA TRIBUTÁRIA. QUAL A SUA?

Quando se fala em reforma tributária, acontece o seguinte: ou


o governo quer aumentar os tributos que já existem ou a sociedade
quer acabar com os tributos. Na realidade, os dois desejos ocorrem
simultaneamente. Como o governo saiu na frente e dispõe de
prerrogativas para continuar criando novos tributos, fica difícil propor
a sua extinção.

Muito embora saibamos que as duas coisas certas na vida são


a morte e os tributos, há sempre o desejo da busca de uma forma
de nos tornarmos imortais – para valer, e não como membro da
Academia Brasileira de Letras – e de extinguirmos de uma só penada
todos os tributos.

O senso comum indica que “algum tributo” deve existir, mas não
se sabe quantos, qual a sua incidência – se sobre a renda, sobre
o consumo ou sobre o patrimônio -, nem sobre o quanto deve ser
arrecadado. Não se sabe, também, para qual governo pagá-los, se o
federal, o estadual ou o municipal.

Uma coisa é certa: ninguém quer pagar tributo algum, mas todos
acham que alguém deve pagar. Uns acham que os ricos devem
pagar, simplesmente porque são ricos. Outros acham que os pobres
devem pagar, porque são eles que se beneficiam do transporte
coletivo subsidiado, dos hospitais públicos, das escolas públicas,
da previdência social sem terem contribuído, dos programas sociais
endereçados aos excluídos, desprovidos etc.

Enquanto isso, os governos são eficientes, entrando no circuito


da renda, retirando de “alguns” e redistribuindo para “outros”. Essa
indefinição de quem paga e quem recebe só existe na cabeça de
alguns. Todos, todos mesmo, possuem CPF. Não é CNPJ. É CPF
mesmo, pois um CNPJ nada mais é do que um conjunto de CPFs.

Proponho, então, lutar pela extinção dos tributos que incidem


sobre a renda, o consumo e o patrimônio do nosso CPF, tributando
o dos nossos semelhantes. Assim sobra mais para gastarmos da
maneira que mais nos aprouver, com aumento do emprego e da
renda e de oportunidades para o resto da sociedade. Faz sentido?

65
Economia no Setor Público

Se você discorda, diga, então, enquanto é tempo: qual a sua


reforma tributária?

Fonte: O autor.

A Política Fiscal
A política fiscal representa o conjunto de instrumentos destinados à execução
do gasto público, cujo objetivo é o de reduzir as disparidades entre pessoas,
setores econômicos e regiões e o de prover a demanda de bens públicos pela
sociedade.

A política fiscal também compõe o elenco de instrumentos de que o governo


se utiliza para a execução da função estabilizadora, com o objetivo de afetar o
comportamento dos níveis de preços e do emprego.

A formulação e a execução da Política Fiscal são de competência dos


governos da União, estados e municípios.

Os principais Instrumentos de Política Fiscal são: o Plano Plurianual de


Aplicações (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária
Anual (LOA). Estes instrumentos compõem o Sistema de Planejamento
Governamental e Controle.

O orçamento anual do setor público não é um documento secreto. É um


documento público capaz de ser acessado pelo público de forma transparente
e até mesmo permitir aos cidadãos participar e oferecer sugestões, criticar e
debater.

O orçamento público é, portanto, participativo. Significa o envolvimento


da sociedade na sua elaboração (através de audiências públicas), para que as
necessidades públicas e as aspirações possam ser acomodadas no orçamento.

O orçamento descreve o plano anual de trabalho a ser realizado e faz parte


do plano de desenvolvimento de longo prazo, a ser realizado (de acordo com o
plano estratégico – o PPA).

66
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

As Funções do Orçamento
O orçamento do setor público assume o formato de diversos tipos de
ferramentas utilizadas para atender a diferentes objetivos:

1. Ferramenta de planejamento

O orçamento é uma ferramenta de planejamento destinada a atingir objetivos


organizacionais. O orçamento do setor público planeja quais medidas serão
tomadas pelo governo, qual o custo dessas medidas, e quais serão os resultados
esperados dos gastos do governo. O orçamento funciona como uma ferramenta
de planejamento usada, dentre outros objetivos, para:

• Determinar o nível de realização, estratégias e indicadores de desempenho.


• Formular metas e objetivos de política.
• Planejar programas e atividades para atingir objetivos organizacionais, assim
como uma fonte alternativa de financiamento.
• Alocar fundos para os vários programas e atividades que tenham sido
autorizados.

2. Ferramenta de controle

Como um meio de controle, o orçamento prevê um plano detalhado para


receitas e despesas. Sem um orçamento, o governo não pode controlar os seus
gastos.

3. Ferramenta de política fiscal

O orçamento como instrumento de política fiscal do governo é usado


para estabilizar a economia e promover o crescimento econômico. Através
do orçamento público podemos identificar as direções de política fiscal do
governo, para que as empresas possam fazer previsões necessárias e estimar o
crescimento econômico.

4. Ferramenta política

O orçamento é usado para decidir as prioridades e necessidades financeiras


para cumprir essas prioridades. No setor público, o orçamento é um documento
político, que representa um compromisso entre o Executivo e o Legislativo na
utilização dos fundos públicos para fins de bem-estar público.

67
Economia no Setor Público

5. Ferramenta de coordenação e comunicação

Cada unidade do governo deve estar envolvida no processo de orçamentação.


O orçamento público é um meio de coordenação entre as partes (unidades de
trabalho) no governo. Um orçamento público bem elaborado é capaz de detectar
a inconsistência (conflito objetivo) de uma unidade de trabalho para alcançar
objetivos organizacionais (congruência de meta).

6. Ferramenta de avaliação de desempenho

O orçamento é uma forma de compromisso do titular do orçamento


(Executivo) à autoridade (Legislativo). O desempenho do Executivo será avaliado
com base na realização dos objetivos do orçamento e a eficiência da execução do
orçamento.

O desempenho dos gestores públicos é medido pelo sucesso que alcançaram


no cumprimento das metas e programas e sua relação com o uso do orçamento.

7. Ferramenta motivacional

O orçamento pode ser usado como uma ferramenta para motivar os gerentes
e funcionários a trabalhar de forma eficaz e eficiente para atingir objetivos
organizacionais e objetivos que foram determinados.

AFINAL, É TRIBUTÁRIO OU É FISCAL?

Costuma-se nomear o resultado entre a receita e a despesa


pública de Resultado Fiscal. De forma análoga, emprega-se o termo
Política Fiscal como o conjunto de ações que envolvem a arrecadação
de tributos, o gasto público e o endividamento público. Infelizmente, o
termo fiscal, ao mesmo tempo em que simplifica, mascara e distorce
o que realmente ocorre nas relações entre o governo, a economia e
a sociedade.

O Dicionário Aurélio define o termo fiscal como “relativo ao fisco;


tributário”. O mesmo Aurélio define o termo fisco como o conjunto
de órgãos da administração pública encarregados da arrecadação de
tributos e da fiscalização dos contribuintes.

Mas, para entendermos o real significado do termo fiscal,


devemos nos transportar à Inglaterra do ano 1215, quando o

68
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

Parlamento passou a fiscalizar o gasto do rei, com a introdução de


cláusula específica na Carta Magna.

É por essa razão que nas economias democráticas o volume de


recursos alocados para o gasto público é votado, bem como a sua
execução é controlada e fiscalizada pelo Congresso.

O próprio termo latino “fiscu” se referia aos recursos próprios


do imperador, enquanto que os recursos públicos (do Tesouro) eram
denominados “aerarium”.

É fácil verificarmos que a estrutura e o processo tributário


diferem substancialmente da estrutura e do processo do gasto
(fiscal) no que diz respeito à dinâmica da sua mudança, de forma
a se adequar às necessidades do dia a dia da nossa economia.
Existe uma rigidez institucional fortíssima ao falarmos em tributação.
A criação ou a extinção de um imposto, por exemplo, requer a
introdução de emenda à Constituição, enquanto que os orçamentos
são aprovados a cada ano.

A preocupação em se tratar de maneira diferenciada as questões


envolvendo tributos, gastos e endividamento público permite a melhor
compreensão dos assuntos que envolvem as finanças públicas.

A dimensão política, sem dúvida, prevalece sobre a dimensão


técnica. Podemos até justificar a “criação de dificuldades técnicas”
com o objetivo de os cidadãos serem excluídos da sua compreensão
e, por consequência, da possibilidade de melhor interferirem na
discussão e nas decisões sobre tributação, gasto e endividamento.

A simplificação das questões envolvendo as políticas tributária


e fiscal e o endividamento faz com que muitos economistas com
exposição na mídia repitam frases como “não se pode gastar mais
do que se arrecada”. Ora, todos sabem que podemos gastar além do
que ganhamos. A questão está em saber hierarquizar o destino dos
recursos.

Fonte: O autor.

69
Economia no Setor Público

Atividades de Estudos:

1) Quais são os dois Princípios Teóricos de Tributação?


____________________________________________________
____________________________________________________
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____________________________________________________
____________________________________________________

2) Qual o significado de cada um deles?


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____________________________________________________
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3) Sobre o que versam os Princípios do Sistema Tributário


Nacional?
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____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

4) Quais os principais instrumentos da Política Fiscal?


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____________________________________________________
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____________________________________________________
____________________________________________________

5) Cite e defina duas funções do Orçamento Público:


_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________

70
Capítulo 4 As Políticas Tributária e Fiscal

Considerações Finais
Neste capítulo vimos as estruturas de arrecadação de tributos e de gasto
destinadas a possibilitar ao Estado oferecer as condições para o desenvolvimento
econômico com justiça social por meio da elaboração e execução de políticas
capazes de: oferecer aos cidadãos e às empresas os meios para que estes
possam contribuir de maneira plena para o crescimento econômico e garantir à
sociedade a justa repartição dos frutos deste crescimento, com distribuição da
renda, geração de emprego e provisão dos serviços sociais.

Estas estruturas associam-se às funções alocativa e distributiva, conforme


descritas no capítulo. As funções alocativa e distributiva procuram corrigir as
falhas de mercado que afetam de maneira negativa determinados setores
produtivos, parcelas específicas da população e determinadas regiões ou locais
que apresentam insuficiência de recursos em relação às suas necessidades.

Pela função alocativa é complementado ou regulado o fornecimento de bens e


serviços privados não oferecidos adequadamente pelo sistema de mercado, além
dos bens públicos. O instrumento representativo dessa função é o orçamento.

Já pela função distributiva, através da tributação o governo retira recursos


de determinados setores econômicos e de segmentos da sociedade e os
transfere para outros, visando maior eficiência e equidade na distribuição das
rendas do trabalho e do capital. Exemplo: além do orçamento, outro instrumento
representativo é a tributação.

Referências
ARVATE, P.; BIDERMAN, C. (Ed.). Economia do setor público no Brasil. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 3 abr. 2017.

BRASIL. (Código Tributário Nacional). Lei nº 5. 172, de 25 de outubro de 1966.

MACHADO, H. B. Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Malheiros,


2000.

71
Economia no Setor Público

MUSGRAVE, R.; MUSGRAVE, P. Finanças públicas – teoria e prática.


Campus, 1980.

VARSANO, R. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do


século:
anotações e reflexões para futuras reformas. IPEA. TD Nº 405. 1996.

VIOL, A. O processo de reforma tributária no Brasil: mitos e verdades. V


Prêmio de Monografia da Secretaria do Tesouro Nacional. Tópicos Especiais de
Finanças Públicas. 2000.

72
C APÍTULO 5
Endividamento Público

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Fazer a distinção entre razões, causas e condições para o endividamento



público.

Entender o processo de administração da dívida pública e as diferenças



conceituais entre Montante, Perfil e Estrutura da Dívida Pública.

Destacar a importância do endividamento público como instrumento de gestão



administrativa e financeira.

Enfatizar a necessidade da observância de princípios básicos de finanças



gerenciais para a regularização do fluxo de recursos destinados à administração
da dívida.

Discutir a relevância do processo de renegociação de dívidas como forma de



obter equilíbrio nos fluxos de receitas e de despesas.
Economia no Setor Público

74
Capítulo 5 Endividamento Público

Contextualização
Agora que você já conhece a distinção entre os Princípios Teóricos de
Tributação e os Princípios do Sistema Tributário Nacional e possui a compreensão
das Funções do Orçamento como instrumento da Política Fiscal, neste Capítulo 5
você estudará as noções sobre o Endividamento Público.

O tema do endividamento passou a ter relevância em função da ampla


difusão dos seus efeitos de recuperação econômica, após as contribuições de
Keynes, no contexto da Grande Depressão, e também com suas visões sobre
como a autoridade de política econômica deveria agir nos diversos contextos de
crise econômica.

As principais justificativas para a emissão de dívida pelos países se referem


ao fato de que o endividamento garante graus equilibrados de investimento e
custeio dos serviços prestados à sociedade, o que, no longo prazo, leva a maiores
níveis de eficiência e equidade.

No Brasil, a dívida interna em dezembro de 2016, de acordo com os dados


do Banco Central, era de aproximadamente 2,9 trilhões de reais e representava
a quase totalidade da dívida pública federal, enquanto que a dívida externa
alcançava 127 bilhões de reais.

Por que o governo se endivida?

Dentre outras razões, para realizar gastos correntes inadiáveis;


para pagar dívidas contraídas e não pagas; para realizar novos
investimentos etc.

A dívida pública federal representa uma obrigação de pagamento de débitos


do Governo Federal com entidades empresariais e/ou a sociedade em geral. Ela
é contraída pelo Tesouro Nacional para financiar gastos públicos que excedam
a arrecadação (déficits orçamentários), em certo período, e admite diferentes
caracterizações.

Um contrato de dívida consiste na obrigação do pagamento de todas as


amortizações contraídas, além do serviço da própria, ou seja, a taxa de juros
pactuada para cada contrato ou emissão de títulos públicos. Geralmente, a dívida

75
Economia no Setor Público

assume a forma mobiliária, ou seja, é composta por ativos financeiros de renda


fixa emitidos via oferta pública.

Quanto à forma de financiamento, diz respeito a qual origem dos recursos


que foram utilizados para financiar a dívida (exemplo: moeda, contratos de
empréstimos e títulos).

Quanto à moeda utilizada no fluxo de pagamentos, diz-se que a dívida é


interna ou externa. A dívida é denominada interna se foi emitida na moeda do país
e é dita externa se foi emitida em moeda de outros países.

Como as receitas e as despesas dos governos passam por ciclos de


expansão e retração, seria plausível aceitar-se em certos momentos a ocorrência
de déficits correntes. Nesses casos, na ausência de crédito público, a introdução
de cortes em gastos e aumento da tributação poderiam levar a um novo equilíbrio
nas contas públicas. Entretanto, este processo ocasionaria um menor crescimento
econômico e maior oscilação nos saldos da dívida e grande desconfiança por
parte dos cidadãos, além de penalizar demasiadamente as gerações futuras.

Uma boa demonstração da importância da capacidade de poder contrair
dívidas é a de fazer face às despesas emergenciais, como no caso de desastres
naturais, pois apenas com receitas de política fiscal não se poderia contornar
satisfatoriamente a situação.

O endividamento pode exercer outras funções importantes para a economia,


como na condução de política monetária, através da emissão de títulos, e no
funcionamento regular do sistema financeiro por controlar a liquidez, manter a
estabilidade monetária e servir como fornecedor de títulos ao mercado.

O governo pode se endividar emitindo títulos a fim de reduzir a quantidade de


dinheiro vivo em circulação e para oferecer aos investidores meios de aplicar seus
recursos quando não há oportunidades de investimentos em atividades produtivas
e comerciais.

A dívida pública pode ser mantida por investidores privados, como empresas
públicas e pessoas físicas, e também por agências governamentais, fundos de
investimento e bancos da reserva federal.

Alguns indicadores de endividamento são utilizados para se ter uma


perspectiva conjuntural da dívida existente, isto é, em prazos curtos de três anos.
Dentre eles, estão o controle da relação da dívida com o Produto Interno Bruto
(PIB), e como objetivo intermediário, a evolução de resultados primários, e da
porcentagem da dívida mantida por agentes privados.

76
Capítulo 5 Endividamento Público

Conceito de Circularidade de
Estoque da Dívida e Fluxos de
Pagamentos e Recebimentos
Uma importante questão a ser levada em consideração quando analisamos
o endividamento é o argumento sobre a circularidade entre as variáveis dívida
(estoque) e produto (fluxo). Este argumento aponta para o fato de que, como em
uma caixa d’água, o saldo da dívida é dado pelo nível da água no reservatório;
os volumes de água que entram e saem representam, respectivamente, novas
emissões de dívida e pagamentos de dívida. Se o governo reduz mais a dívida do
que toma emprestado em um ano, por exemplo, o volume de água no reservatório
(isto é, o saldo da dívida) se reduz.

Entretanto, como mudanças em uma variável podem afetar diretamente a


outra (uma redução no saldo da dívida pode ocorrer concomitante a um resultado
ruim entre receitas e despesas), nem sempre fica tão claro quais serão os
efeitos de certas políticas públicas que pretendem atuar diretamente sobre estes
indicadores.

Contrair dívidas para realizar projetos de investimentos sociais que redundem


em aumento do crescimento da renda, do emprego etc., pode não ser “um bom
negócio” caso os investimentos fracassem. No caso de sucesso, porém, o impacto
positivo pode reduzir o saldo da dívida no futuro.

Ou seja, o estoque da dívida pode variar para mais ou para menos quando
o período de observação é longo (dez, vinte anos) sem que esta variação tenha
como causa uma piora ou uma melhora nas condições das contas públicas.

Exemplo de Relações Entre Fluxo e


Estoque da Dívida Pública
Em uma tentativa de melhora do indicador de relação entre as variáveis
(dívida/PIB), um governo poderia aplicar política econômica de restrição fiscal,
diminuindo gastos públicos e subsídios, e aumentando os tributos. Essa política
objetivaria uma melhor situação corrente líquida, através de maiores receitas e
menores gastos. Porém, o resultado final não é previsível como possa aparentar.

77
Economia no Setor Público

Certamente, essas políticas atingiriam o produto do país de forma traumática, por


contingenciar importantes variáveis de demanda, como gastos governamentais,
consumo e investimento. Com isso, não saberíamos qual o efeito final de tal
medida, já que o produto estaria diminuindo e a arrecadação (em porcentagem)
aumentando.

As Razões e as Condições Para o


Endividamento Público
O endividamento público caracteriza o processo pelo qual o governo recebe
recursos financeiros destinados à realização de gastos correntes ou de capital,
em situações de escassez de recursos no tempo. O endividamento pode se
dar mediante a assinatura de contrato de empréstimo ou pela emissão de título
de crédito representativo da obrigação de devolver ao emprestador o principal
acrescido de juros e de atualização nominal dos recursos durante o tempo de
amortização do principal.

Estoque da Dívida Pública


O estoque da dívida pública é a soma dos saldos monetários dos contratos
de empréstimos efetuados (dívida contratual) e do estoque de títulos de crédito
emitidos ainda não vencidos, acrescido do total de títulos vencidos e não pagos
(dívida mobiliária).

O endividamento, entretanto, deve ser utilizado de forma eficiente, isto é,


ele deve, de maneira objetiva, levar em consideração as razões e as condições
para o endividamento.

a) As razões para o endividamento dizem respeito aos motivos ou aos fins


que deverão ser atingidos e que levarão o ente público a se endividar.

b) As causas do endividamento, por sua vez, se referem às ações, meios e


instrumentos que foram adotados e que redundaram no endividamento.
As causas do endividamento estão, pois, associadas às características
contratuais específicas e ao ambiente político, administrativo, financeiro, e
até mesmo cultural nos quais o governo se insere.

No caso da realização de novos investimentos, devemos questionar quais


os tipos de investimentos. São investimentos que irão produzir receitas futuras

78
Capítulo 5 Endividamento Público

em volume capaz de permitir o pagamento das dívidas contraídas? Ou vão criar


problemas de endividamento sem solução no futuro?

Ao tentarmos explicar experiências de endividamento crônico e que redundam


em programas de recuperação econômica e financeira do governo, analisamos as
causas que levaram a tal situação. Essas causas estão relacionadas a aspectos
de natureza administrativa e financeira, tais como o descontrole das contas
públicas, empréstimos com cláusulas de juros e prazos inadequados, falta de
compromisso dos gestores públicos com a sociedade, ou ainda a realização de
estudos de viabilidade dos investimentos que apresentam falhas técnicas.

Diferenças Entre Razões e Causas


Para o Endividamento
Cabe, entretanto, uma distinção entre razões para o endividamento e as
causas do endividamento.

Em qualquer situação, os motivos devem ser justificados e as ações, meios


e instrumentos adotados devem produzir resultados positivos, não só no curto
prazo de uma legislatura, como também para as administrações futuras.

Há situações nas quais existem razões justificadas para o endividamento, mas


os instrumentos utilizados para a realização de empréstimos são inadequados, o
que acarreta problemas quanto ao seu pagamento no futuro.

Entretanto, tendo em vista que as decisões envolvidas no processo de


endividamento apresentam efeitos presentes e futuros, afetando a vida dos
cidadãos e de suas futuras gerações, mesmo que os motivos sejam justificados
e as ações destinadas à realização de empréstimos sejam executadas de
maneira eficiente, o gestor público deve, ainda, refletir sobre as condições
para o endividamento, que incluem a capacidade de pagamento da dívida e a
administração da dívida.

a) As condições para o endividamento

Se o ente público apresenta crescimento de sua base econômica e sua


administração é ativa na obtenção de receitas, é de se esperar que o volume
de recursos financeiros próprios irá aumentar, propiciando maior capacidade de
pagamento.

79
Economia no Setor Público

Uma ressalva deve ser feita. O crescimento das atividades econômicas


comerciais, industriais ou de serviços no território de um governo poderá
ocasionar o acréscimo da demanda por serviços de infraestrutura física – mais
estradas e ruas asfaltadas, melhor pavimentação, melhor iluminação pública, por
exemplo – e de infraestrutura social – mais vagas nas escolas, maior número de
leitos hospitalares, por exemplo –, o que significa aumento das necessidades de
recursos financeiros próprios ou oriundos de transferências.

Outro aspecto de profunda relevância é a natureza do crescimento. O


crescimento não pode dar-se de forma desordenada, desrespeitando, por
exemplo, as normas urbanísticas e ambientais, com a degradação dos recursos
naturais e da qualidade de vida de seus residentes.

Pode-se imaginar que investimentos em infraestrutura física e social irão


atrair, de maneira cumulativa, um maior número de atividades econômicas,
aumentando a base econômica, com reflexos positivos na obtenção de receitas,
possibilitando assim maior capacidade de endividamento.

Este pensamento, entretanto, não é correto do ponto de vista estratégico,


pois se todos os governos agirem da mesma forma, praticando um "leilão de
vantagens", pode ocorrer um excesso de oferta de "bons lugares", tornando seus
esforços nulos, pois os agentes se tornariam indiferentes em se localizar em
territórios homogêneos, e passariam a exigir cada vez mais e melhores condições
para decidir sobre sua melhor localização.

b) A capacidade de pagamento da dívida

A capacidade de pagamento de uma dívida é medida pela diferença entre


os recursos financeiros disponíveis e os compromissos a serem saldados
no curto prazo, mais as expectativas de recursos financeiros adicionais, não
comprometidos no orçamento, a serem obtidos durante o período do pagamento
da dívida que se quer contrair.

A capacidade de pagamento de uma dívida deve levar em conta os seguintes


aspectos:

• A base econômica – as atividades comerciais, industriais e de serviços de


âmbito privado e público existentes no território.
• A capacidade de arrecadar as receitas, incluindo os tributos, de sua
competência.
• A expectativa de recursos financeiros sob a forma de transferências
constitucionais e negociadas.

80
Capítulo 5 Endividamento Público

Se os empréstimos obtidos são utilizados para investimento em atividades


que, apesar de aumentarem o bem-estar da população, não geram receita,
deve-se efetuar a previsão de recursos financeiros de transferências para os
pagamentos dos compromissos a serem assumidos. Ou seja, o gestor deve
efetuar o dimensionamento prévio do volume dos recursos financeiros a serem
despendidos nos seguintes tipos de atividades:

• Nas atividades que geram receitas através da cobrança de taxas e de


contribuições e de outras receitas.
• Nas atividades que, por não gerarem receitas, deverão ser cobertas por
recursos financeiros de outras fontes, tais como receitas de impostos e das
oriundas de transferências. O gestor público deve atentar para as condições
da operação de crédito (prazos de carência e retorno, taxas de juros).

Estas condições definem os valores das prestações que deverão ser pagas
durante o período de amortização da dívida. Se há certeza da existência de
recursos financeiros excedentes para fazer face aos compromissos, os seguintes
aspectos referentes aos aspectos institucionais e organizacionais do governo e à
dinâmica do ambiente econômico local, regional e nacional devem, também, ser
objeto de análise previamente à contratação de dívida pelo gestor:

• A eficiência no gerenciamento da estrutura administrativa (condicionantes


legais, sistemas gerenciais e de controle e as relações trabalhistas, a fim de
evitar passivo a descoberto, por exemplo).
• A solidez da estrutura produtiva, capaz de garantir a regularidade na obtenção
de receitas de tributos e de outras receitas próprias.
• As possibilidades de crescimento (características demográficas, a
infraestrutura existente, a disponibilidade de recursos naturais, a composição
do emprego e o crescimento econômico do estado e da região).
• A regularidade no equilíbrio das finanças públicas (os níveis das despesas
correntes e de capital e a composição da receita e da carga tributária).
• A existência de receitas originadas de outras fontes, tais como transferências
constitucionais e negociadas.
• O ambiente macroeconômico no contexto do desenvolvimento econômico
sustentável.

c) A administração da dívida

Uma vez contraída, a dívida passa a compor o conjunto de obrigações


financeiras assumidas, devendo ser administrada não de forma isolada e
independente, mas de acordo com o conjunto de obrigações já contraídas e
levando em conta a execução financeira e orçamentária governamental.

81
Economia no Setor Público

Dívida Soberana
A administração da dívida pública, entretanto, não está restrita a
considerações de caráter eminentemente técnicos, visto que pode ser influenciada
por decisões políticas tomadas pelo governo, que detém poderes soberanos –
daí ser chamada dívida soberana – de administrá-la, verificando o interesse do
conjunto da sociedade.

Ver o conceito de soberania no Capítulo 6.

a) Montante da Dívida

O montante da dívida pública é a soma dos saldos monetários dos contratos


de empréstimos efetuados (dívida contratual) e do estoque de títulos de crédito
emitidos ainda não vencidos acrescido do total de títulos vencidos e não pagos
(dívida mobiliária).

b) Perfil da Dívida

O perfil da dívida é representado pelas características associadas a cada


tipo de contrato de empréstimo assinado e de título emitido, conforme as datas de
vencimento do pagamento de amortizações e de juros.

c) Estrutura da Dívida

A estrutura da dívida é representada pelas características associadas a cada


tipo de contrato de empréstimo assinado e de título emitido; conforme as taxas de
juros, a periodicidade do pagamento das prestações, os indexadores utilizados
para a atualização do valor nominal determinam o regime de cálculo de juros,
dentre outras condições.

Ao analisarmos o perfil da dívida, quanto mais imediatos os vencimentos


e maiores forem os valores das respectivas prestações, maior deverá ser a
disponibilidade presente de recursos para saldar os compromissos.

82
Capítulo 5 Endividamento Público

c) Renegociação de Dívida

Uma vez contratada a dívida, dentro dos termos contratuais estabelecidos,


caberá à Administração Pública gerir seus recursos de forma a atender seus
compromissos, incluindo-se aí o pagamento da dívida. No entanto, nem sempre
a Administração consegue atender a todas as obrigações financeiras assumidas,
gerando a necessidade de se rever a forma de pagamento das dívidas já vencidas
e a vencer. Este ato corresponde à renegociação de dívida.

O cálculo de prestações usualmente empregado nas operações


de empréstimo envolve a aplicação de instrumentos de matemática
financeira, matéria de conhecimento necessário dos gestores
financeiros.

Para uma melhor compreensão do tema, é apresentado a seguir um exemplo


prático, que considera uma dívida já vencida, cujo montante (principal mais
encargos devidos) equivale a R$ 420,00, a ser paga com taxa de juro de 5%
a.a., em 10 ou em 15 anos. Para o pagamento deste montante são apresentadas
três opções, sob a forma de planos de amortização mediante pagamentos
postecipados. Nos dois primeiros planos a dívida será extinta pagando-se R$
543,92, enquanto que no terceiro o somatório das prestações atinge R$ 606,96.

O método convencional utilizado para o cálculo dos planos de


pagamento de dívidas é o de prestações constantes, conhecido
como Tabela Price (utilizado nos Planos 1 e 3 do exemplo). O Plano
2 utiliza o critério do Valor Atual das prestações.

83
Economia no Setor Público

Tabela 2 – Apresentação dos três planos de pagamento

Fonte: O autor.

Repare que no Plano I os valores das prestações se repetem (R$ 54,39). Este
perfil pode ser o mais adequado para uma Administração Pública que apresente
uma regularidade nos recebimentos e pagamentos, incluindo o pagamento das
prestações da dívida.

O Plano II, com um prazo de amortização igual ao Plano I, já apresenta um


esquema de pagamentos no qual os valores de prestação variam a cada ano, o
que se adéqua a um fluxo de caixa mais oscilante na Administração Pública.

No Plano III se observa um aumento no prazo de pagamento e uma redução


no valor das prestações, refletindo um processo de renegociação no qual o
gestor terá uma folga em seus compromissos financeiros. Este perfil também
apresenta valores de prestações constantes no tempo, o que sinaliza às futuras
administrações uma regularidade nos compromissos. O ideal é que as finanças
públicas apresentem regularidade nos compromissos, a fim de que o esforço
voltado para a obtenção de receitas seja melhor dimensionado, de maneira a
manter as contas equilibradas.

84
Capítulo 5 Endividamento Público

O gráfico a seguir nos permite uma melhor comparação entre os planos.

Gráfico 2 – Comparação entre Planos de Financiamento

Fonte: O autor.

Do ponto de vista financeiro (do emprestador e do devedor), os perfis de


pagamento das prestações são equivalentes, sem prejuízo para qualquer uma das
partes, isto é, o valor presente das prestações é igual a R$ 420,00. Ou seja, não
há dívida que não possa ser renegociada. O que é necessário que se perceba,
no entanto, é que em um processo de renegociação o devedor deve optar por um
plano mais adequado ao seu fluxo de receitas, de maneira a gerar um excedente
de recursos, seja ele destinado ao pagamento da dívida ou para a realização de
investimentos voltados para o bem-estar dos cidadãos.

d) Amortização e Juros

O valor de cada prestação engloba duas parcelas:

• A primeira, denominada amortização, que é a parcela da prestação


responsável pelo pagamento do montante original tomado por empréstimo
(no caso, R$ 420,00), ou seja, o principal.
• A segunda, denominada juros, que é a parcela da prestação responsável
pela remuneração do capital tomado por empréstimo (receita) paga ao
emprestador.

No exemplo, o somatório das amortizações em qualquer um dos três planos


é igual a R$ 420,00, sendo o valor total dos juros igual a R$ 123,92, para os

85
Economia no Setor Público

financiamentos de 10 anos, e de R$ 186,96 no financiamento de 15 anos. Neste


último caso os juros são maiores, pois o tomador do empréstimo utilizou o principal
por um período maior, antes de devolvê-lo totalmente ao emprestador.

Teorias do Endividamento: a
Abordagem da Equivalência
Ricardiana e a Abordagem
Keynesiana da Dívida
A necessidade de gestão racional da dívida estimulou a ciência econômica
a estudar o fenômeno da dívida pública, suas causas e consequências, para
definir os níveis ideais e limites sustentáveis da dívida. Independentemente dos
resultados dos estudos realizados, os efeitos das análises do endividamento
permitem aos técnicos ligados à área de gestão da dívida pública a maior
compreensão dos problemas relacionados com a dívida, sem fornecer exclusivas
orientações para a condução da política de endividamento, a qual representa um
misto de capacidade gerencial e decisão política.

A influência de caráter político deriva do fato de a dívida poder ser


renegociada sob vários aspectos, associados ao prazo da dívida, às condições de
taxa de juro, de indexador do valor nominal e de situações conjunturais relativas
aos indicadores de curto prazo das contas públicas.

Duas abordagens teóricas aplicáveis ao processo de endividamento


deixam claro como o tema do endividamento pode ser tratado de maneira não
exclusivamente técnica, sofrendo interferência de caráter político: A Teoria da
Equivalência Ricardiana e A Abordagem Keynesiana da Dívida.

A Teoria da Equivalência Ricardiana


A teoria da Equivalência Ricardiana (expressão derivada da proposição de
David Ricardo) postula que não haveria diferença para a atividade econômica
entre financiar o gasto público com emissão de dívida ou com uso de tributação,
pois, desse modo, estaríamos em uma situação de equivalência.

Para que isso ocorra, os agentes definem sua composição de consumo


e poupança visando manter um padrão de consumo constante durante a vida,
independentemente das variações correntes de sua renda disponível.

86
Capítulo 5 Endividamento Público

Assim, os agentes reagiriam a um aumento da dívida pública antecipando a


futura necessidade de aumento nos impostos, de forma tal que o governo teria,
em certo momento do tempo, o montante para seu financiamento.

Desse modo, aumentos de renda disponível e de consumo no presente


levariam a diminuições das mesmas variáveis, no futuro.

Por isso, para que a redução no consumo futuro deixasse de ocorrer, os


agentes tenderiam a reter como poupança todo aumento de gasto do governo, e
no futuro, com tal estoque, pagariam o aumento de tributos para o equilíbrio das
contas públicas.

A Abordagem Keynesiana da Dívida


A teoria keynesiana (formulada por John Maynard Keynes) está relacionada a
uma revolução de ideias, ocorrida após a Grande Depressão nos Estados Unidos.

Com base nas proposições keynesianas, o Estado deveria adotar políticas


anticíclicas na economia. Por isso, os gastos governamentais e seus déficits
seriam instrumentos potentes que, aliados a outras políticas econômicas, poderiam
reverter situações de insolvência, desemprego e iliquidez. A administração da
dívida, em conjunto com a execução das políticas fiscal e tributária, seria mais
eficiente por atuar em vias diretas sobre o produto agregado e suas variáveis-
chave.

Em momentos recessivos, o aumento dos gastos do governo, e a consequente


ocorrência de déficits, levariam a expansões da demanda agregada com aumento
do investimento, emprego e renda. Dois canais distintos poderiam levar à reversão
de recessões, através de déficits públicos, diminuição de tributações e aumento
dos gastos públicos. Os déficits levariam ao aumento do endividamento público
através de títulos, moeda ou empréstimos.

A grande importância do governo seria tornar a dívida menos custosa


financeiramente, através da alocação eficiente entre emissão de moeda e
maturidade de títulos e empréstimos, sem causar instabilidades. Para isso, um
mercado financeiro institucionalizado para absorção da dívida de curto ou longo
prazo seria fundamental.

Ao contrário das ideias ricardianas, o uso de dívida poderia ser benéfico


em momentos recessivos, por acelerar a economia, e em momentos de rápido
crescimento econômico financiar os gastos realizados. O Estado estaria atuando

87
Economia no Setor Público

como estabilizador da economia, não permitindo que a recessão incontornável


acometesse a sociedade e que os momentos de rápido crescimento causassem
instabilidade. Para que isso ocorresse, o país deveria conhecer seu fluxo de
receitas líquidas e ter boa capacidade de refinanciamento, com a manutenção de
liquidez.

A dívida pública é um importante instrumento em poder do governo, pois


permite que a oferta de bens públicos demandados pela sociedade não fique
sempre restrita à capacidade de arrecadação de tributos.

A dívida resulta de acúmulos de déficits públicos (receitas menos despesas)


passados, incluídos nas despesas os próprios juros devidos.

Além de gastos de consumo, o governo pode também utilizar os recursos


arrecadados com tributos ou com endividamento para realizar investimentos, por
meio dos quais acumula ativos, tais como imóveis, ativos financeiros e créditos.

Nesse caso, há que se distinguir a dívida bruta e a dívida líquida do governo:


a dívida líquida é igual à dívida bruta menos o ativo do governo. Assim, na
presença de ativos, a dívida líquida é menor que a dívida bruta. Como qualquer
outro agente econômico, um governo com dívida de 100 reais e crédito na praça
(ativo) de 60 reais terá dívida líquida de 40 reais e dívida bruta de 100 reais.

Tratamento similar deve ser dado aos juros que o governo paga sobre a sua
dívida e aos juros que ele recebe, em função do ativo que detém. Se o governo
paga 30 reais de juros sobre o que deve e recebe 10 reais a título de juros do
ativo, os juros líquidos devidos são de 20 reais.

Em que medida deve-se analisar a dívida bruta e o ativo separadamente e


não apenas a dívida líquida? A resposta depende de quão similares são a dívida
bruta e o ativo em termos de montante, taxa de juros, vencimento, liquidez, risco
de adimplência, moeda em que estão denominados, índices de preços a que estão
indexados etc. Quanto mais distintos, mais importante é a análise individualizada
da dívida bruta e do ativo, pois menos eficiente é o ativo como hedge para a
dívida bruta.

Atividades de Estudos:

1) Faça a distinção entre os conceitos de Montante, Perfil e


Estrutura da Dívida Pública.

88
Capítulo 5 Endividamento Público

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2) Qual a relevância do conceito de Perfil da Dívida para a Política


Fiscal do governo?
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3) Mesmo considerando a existência de excesso de recursos


financeiros para fazer face ao pagamento da dívida pública,
cite duas considerações a respeito dos aspectos institucionais
e organizacionais do governo e da dinâmica do ambiente
econômico local, regional e nacional que devem ser levados em
conta previamente à contratação de dívida pelo gestor.
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4) Considerando os termos e expressões a seguir, escreva


uma carta para o prefeito da sua cidade, criticando o volume
insuficiente de recursos para a provisão dos serviços de educação
e saúde em seu município, e faça sugestões ao governo local
para a solução desses problemas.

Termos e expressões obrigatórios: competência tributária


municipal; receitas de tributos; receitas próprias; exclusão no
consumo; externalidades positivas; educação; regras de mercado;
bens públicos; preço, custo, bens privados; bens públicos, consumo
coletivo, rivalidade no consumo, emissão de dívida, alocação,
distribuição, Produto Interno Bruto, Políticas Macroeconômicas,
estabilização, Política Tributária, Política Fiscal, Política Monetária
e a Política Cambial, royalties, Receitas Próprias Municipais.

89
Economia no Setor Público

Requisitos:
A carta deverá ser escrita em Word e conter entre 650 e 700
palavras.
Para justificar os argumentos e sugestões, o texto deverá citar
necessariamente todas as palavras e expressões, pelo menos
uma vez.
A estrutura do texto da carta é a seguinte:
Introdução – apresentação do problema – 100 a 150 palavras.
Desenvolvimento – texto de análise e argumentação – 550 a 600
palavras.

Introdução do texto:

Sr.(a) Prefeito(a)

Venho pela presente carta manifestar o meu desagrado com a


situação dos serviços de educação e saúde em nosso município.
Apesar da probidade e da eficiência das administrações atuais e
passadas, é sabido que a rede pública escolar e hospitalar não
atende às mínimas necessidades da população carente.

Convivemos com filas intermináveis nos hospitais e na espera da


matrícula dos filhos em escolas próximas às residências, além
do atendimento de baixa qualidade e dos resultados abaixo da
média de outros países de mesma renda.

Sou, porém, um(a) cidadão(ã) consciente da limitação de recursos


existentes em nosso país, muito embora acredite que mais e
melhor deva ainda ser feito a fim de que possamos minorar os
problemas referentes à provisão de bens e serviços públicos.

Permita-me, pois, apresentar, junto com as críticas, uma análise


do problema.
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90
Capítulo 5 Endividamento Público

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Algumas Considerações
Neste capítulo você teve a oportunidade de rever e obter o conhecimento
mais aprofundado das razões do endividamento público, maior compreensão
da necessidade de limites ao endividamento público e da maior eficiência na
administração do endividamento público.

Com efeito, o administrador público deve, dentre outros aspectos, sempre


observar o perfil da dívida existente antes da realização de um novo contrato
de empréstimo, a fim de determinar quais as datas de vencimento e os valores
das novas prestações, distribuindo-os de forma pulverizada ao longo do tempo,
em níveis compatíveis com o volume de recebimentos esperados e em época
posterior próxima às datas esperadas de ingresso de receitas, de forma a efetuar
os pagamentos em dia e de não permanecer com recursos ociosos em caixa.

A diferença na taxa de juros é particularmente importante para o caso


brasileiro. Se a aquisição do ativo é financiada com o aumento da dívida pública
e o rendimento do ativo é inferior ao custo da dívida pública, em um primeiro
momento não há aumento da dívida líquida, apenas da dívida bruta e do ativo.
Entretanto, o aumento do déficit público, a partir do momento da operação, é
uma consequência inevitável, pois os juros líquidos devidos (juros pagos menos
recebidos) pelo governo aumentam.

Se o governo se endivida por meio da emissão de títulos públicos no valor


de 100 reais, sobre os quais incidem juros de 12% ao ano, para comprar ativos
no mesmo valor, mas sobre os quais recebe juros de 1% ao ano, é evidente que,
no momento da transação, não há alteração da dívida líquida (dívida bruta e ativo
subiram no mesmo valor). Mas é fácil perceber que, ao longo dos anos, essa
transação implicará em pagamento de juros líquidos de aproximadamente 11
reais ao ano, o que eleva o déficit público em montante equivalente.

91
Economia no Setor Público

A única forma de compensar o aumento da despesa com juros líquidos é


o aumento do superávit primário (receita menos gasto, exclusive juros). Na
ausência de compensação, o déficit mais alto terá que ser financiado por aumento
da dívida bruta e, dado que, nesse caso, não houve aumento de ativo, ocorrerá
consequente aumento da dívida líquida.

Assim fazendo, a dívida poderá ser administrada sem provocar pressões


sobre os recursos financeiros necessários para o pagamento dos compromissos
de natureza contínua, intimamente relacionados com o funcionamento da máquina
administrativa.

As dívidas devem ser pagas de acordo com os prazos e condições


financeiras constantes das cláusulas contratuais. Entretanto, o esforço voltado
para o pagamento da dívida deve levar em consideração a manutenção do
equilíbrio entre as receitas e despesas, a fim de que o gestor possa efetivamente
desincumbir-se das suas funções, possibilitando a alocação e a distribuição
eficiente dos bens e serviços públicos.

No caso de o governo apresentar montante de compromissos assumidos


superiores à sua capacidade de pagamento que implique a pressão sobre os
recursos disponíveis para os pagamentos de despesas de natureza continuada,
ou situação financeira de insolvência, o gestor deve buscar renegociar (isto é,
reestruturar) a dívida, em novas condições de prazo e taxas de juros, ajustadas à
sua real capacidade de pagamento.

Referências
CHALFUN, N. Lei de Responsabilidade Fiscal. Estudo em Grupos de
Aprendizagem. Unidade de Estudo 4. Controlando e Avaliando a Execução do
Orçamento. Seção 4 — O Endividamento Público. MPOG, MDIC, BNDES,
2001. p. 31-46.

HOMSY, N. C. Finanças e gestão tributária. Indaial: Uniasselvi, 2011.

HOMSY, N. C. Introdução à economia. Indaial: Uniasselvi, 2017.

HOMSY, N. C. Fundamentos de matemática financeira. 6. ed. Funenseg, 2007.


153 p.

HERMANN, J. Ascensão e queda da política fiscal: de Keynes ao “autismo fiscal”


dos anos 1990-2000. XXXIV Encontro Nacional de Economia, 2006.

92
Capítulo 5 Endividamento Público

HERMANN, J. A macroeconomia da dívida pública: notas sobre o debate teórico


e a experiência brasileira recente (1999-2002). Cadernos Adenauer, 2002.

KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo:


Nova Cultural, 1985.

MAURO, E.; CHALFUN, N. Controlando e avaliando a execução do


orçamento. Coordenação de Heraldo da Costa Reis, Tereza Cristina Baratta,
Gleisi Heisler Neves. Rio de Janeiro: IBAM/BNDES, 2001.

MINSKY, P. H. John Maynard Keynes. New York: Columbia University Press,


1975.

MINSKY, P. H. The Financial Fragility Hypothesis: an Interpretation of Keynes


and an Alternative to ‘Standard’ Theory. In: MINSKY, P. H. Can It Happen Again?
Essays on Stability and Finance. New York: M. E. Sharpe, Inc., p. 59-70. 1982.

MUSGRAVE, R. A.; MUSGRAVE, P. B. Finanças públicas: teoria e prática. São


Paulo: Campus, 1980. Capítulos 1, 3, 4, 5, 7, 9, 28 e 29.

SILVA, A. C.; CARVALHO, L. O.; MEDEIROS, O. L. (Organizadores). Dívida


pública: a experiência brasileira. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional: Banco
Mundial, 2009. 502 p.

93
Economia no Setor Público

94
C APÍTULO 6
A Economia do Setor Público
Aplicada ao Caso Brasileiro

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Compreender a distinção entre Estados com estrutura política unitária e



estrutura política federativa.

Reconhecer que os processos e os efeitos da aplicação das Políticas Tributária,



Fiscal e de Endividamento podem ser diferenciados, dependendo da estrutura
política do país (unitária ou federativa).
Economia no Setor Público

96
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

Contextualização
Nos capítulos 3, 4 e 5 foram analisadas as Políticas Tributária e Fiscal e
de Endividamento Público como as principais políticas de intervenção do Setor
Público na economia. Neste capítulo você verá a aplicação destas políticas no
contexto da descentralização.

No início desse livro, a Economia do Setor Público foi definida como o estudo
das funções econômicas do Estado, isto é, a alocação, a distribuição de bens e
serviços e a estabilização da economia, definindo os recursos necessários para a
execução dessas funções por meio da máquina pública.

Um aspecto relevante no planejamento e na gestão governamental está


associado à forma pela qual as várias unidades territoriais de um país se
reúnem em um único Estado nacional e a cujo poder se submetem e sob o qual
estabelecem suas relações.

As normas e decisões elaboradas pelo Estado prevalecem sobre as normas


e decisões oriundas de outras entidades externas, o que confere ao Estado
Nacional o atributo da soberania.

Nesse sentido, no âmbito interno, a soberania estatal traduz a superioridade


de suas diretrizes sobre os grupos sociais intermediários, tais como as famílias
e as empresas. No âmbito externo, a soberania traduz, por sua vez, a ideia
de igualdade de todos os Estados na comunidade internacional, associada à
independência nacional. Assim, as unidades territoriais que compõem o Estado
nacional são denominadas sub-soberanos.

Estado Unitário e Estado


Federalista
As formas pelas quais as unidades territoriais se reúnem podem ser mais
ou menos centralizadas. Quando ocorre maior centralização, diz-se que se está
diante de um país com Estado Unitário. Quanto menor a centralização, diz-se
que o país possui um Estado Federalista. A organização política também está
expressa nas constituições dos países, que assumem as formas de Constituição
Unitária e de Constituição Federalista.

97
Economia no Setor Público

Federalismo Político
Segundo Anderson (2009), o federalismo é uma forma de Estado e tipo de
sistema político no qual o poder é dividido entre um governo central e unidades
políticas caracterizadas por estados (podendo também ser denominadas
província, cantão, região, comunidade, território, dentre outras denominações,
dependendo do país). No caso brasileiro, além do nível do estado, há o município,
definido como ente político na Constituição.

De acordo com esta conceituação, temos como alguns exemplos de Estados


Unitários os seguintes países: França, Portugal, Bélgica, Holanda, Uruguai,
Panamá e Peru.

De maneira análoga, os seguintes países são alguns exemplos de Estado


Federal: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Estados
Unidos da América, Índia, Rússia, Suíça e Venezuela.

Há ainda outras formas intermediárias de Estados, tais como o Estado Unitário


Descentralizado (Chile e Paraguai, por exemplo) e o Estado Constitucionalmente
Descentralizado ou Estado Regional (Itália, por exemplo).

Federalismo Econômico
O Federalismo Econômico pode ser conceituado, de maneira concisa, como
o conjunto de regras que estabelece, no contexto das relações políticas entre os
entes da federação, como são arrecadados os tributos e como é executado o
gasto público.

As naturais disparidades de renda e riqueza no interior das federações


demandam correções em relação ao desequilíbrio fiscal, a fim de promover a
busca da equalização entre a oferta de bens e serviços e os recursos disponíveis.

As transferências não condicionadas figuram como importantes instrumentos,


por meio das quais o governo central devolve às jurisdições valores que são
arrecadados através de tributos federais. Além disso, o poder de gasto exercido
pelo governo central influencia programas e atividades nas unidades da federação,
especialmente por meio de transferências condicionadas e de programas de custo
compartilhado.

Deve-se considerar que, na forma federativa de organização política,


existe uma combinação entre competências centralizadas e competências

98
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

descentralizadas em um modelo onde as responsabilidades fiscais são


compartilhadas entre os diferentes níveis de governo e suas respectivas unidades
federativas.

A Evolução do Federalismo
Econômico no Brasil
No Brasil, a Constituição Federal promulgada em 18/09/1946 estabeleceu
a descentralização das atividades públicas, tendo os municípios como alvo
privilegiado destas mudanças. Para resolver o problema das disparidades, no
campo tributário foram inseridas as cláusulas de transferências de receitas para
os governos sub-nacionais e a garantia de destinação de parcela do orçamento
federal para aplicação nas áreas menos desenvolvidas do país. Este dispositivo
vigora até hoje, fazendo com que a União opere como arrecadadora substitutiva
para estados e municípios, bem como os estados para os seus municípios.

A partir dos anos 1960, foi introduzido um modelo que contribuiu para que
os recursos repartidos entre as esferas governamentais fossem prioritariamente
destinados a viabilizar os objetivos do crescimento (Emenda Constitucional nº 18
(EC18/65), de 01/12/1965, e Código Tributário Nacional (CTN) - Lei nº 5.172, de
25/10/1966).

As modificações introduzidas na Constituição de 1988 impuseram aos estados


e municípios, principalmente a estes últimos, uma carga de responsabilidades não
condizente com a estrutura de suas receitas próprias.

Na prática, entretanto, a divisão das competências não se traduz


automaticamente em uma divisão dos tributos em montante equivalente.

O tipo de federalismo vigente no Brasil revela a predominância de poder


por parte da União, oposto ao federalismo, que permite aos entes subnacionais
(estados e municípios) maior autonomia financeira, administrativa, política e
jurídica.

Desta forma, além das transferências inseridas na Constituição, há as que se


processam da União para estados e municípios e dos estados para os municípios,
com o objetivo de ampliar a capacidade de gasto dos governos subnacionais para
que estes possam viabilizar o atendimento de seus encargos.

Por meio das transferências devolutivas, também chamadas de devolução


tributária, o nível de governo superior arrecada e devolve para o nível inferior os

99
Economia no Setor Público

recursos que poderiam ser arrecadados, caso tivessem competência legal para
tal, ou seja, a receita é entregue onde ela foi gerada.

As transferências redistributivas, por sua vez, visam reduzir as


desigualdades e não têm qualquer relação com o que os entes poderiam ter
arrecadado a partir de suas bases tributárias. Nesse caso, parte da arrecadação
pode ser reservada, por algum princípio legal, para diminuir as diferenças de
capacidade de prestação de serviços entre entes do mesmo nível (estados ou
municípios).

As transferências voluntárias são fluxos discricionários de receita que não


estão previstos em leis e são estabelecidos no âmbito da elaboração do orçamento
anual, a partir de negociações políticas, geralmente partindo de instâncias
superiores para níveis inferiores de governo. São exemplos de transferências
voluntárias os convênios, através dos quais se transferem recursos da União aos
estados e/ou municípios no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento
– PAC.

O Federalismo e as Estruturas
Tributária e Fiscal
As receitas de tributos e demais entradas de recursos nos cofres públicos
dependem, em grande extensão, do comportamento dos fluxos de alguns
fatores (faturamento, circulação de mercadorias, rendas derivadas do capital e
do trabalho, por exemplo), os quais tendem a apresentar maior variabilidade do
que a arrecadação decorrente da tributação sobre patrimônio, caracterizada como
estoque.

A manutenção de níveis de receita compatíveis com o gasto exige,


portanto, que os governos se dediquem de forma concentrada nas atividades de
planejamento, acompanhamento e gestão das contas públicas, especialmente
quanto às tarefas de lançamento de tributos, cobrança de débitos, redução da
sonegação, dentre outros itens, como forma de garantir recursos em volume
capaz de reduzir as carências no atendimento das demandas sociais de toda
ordem.

A atribuição de receitas e encargos entre diferentes níveis de governo


resulta em concentração de receitas nos níveis de governo superiores ou centrais
(Governo Federal e governos estaduais) e de encargos, ou do atendimento
das demandas da população, nos níveis de governo sub-nacionais (governos
municipais).

100
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

O Conflito Entre Centralistas e


Descentralistas
O descompasso entre a competência de tributar e os compromissos com
gastos públicos observada no Brasil espelha o conflito existente nos países com
estrutura federativa. Tal conflito assume várias dimensões, todas elas associadas
à autonomia dos níveis de governo em relação aos tributos e ao gasto público.

Dessa forma, o gasto público, em um contexto federativo, envolve muito mais


do que a observância de princípios de eficiência e eficácia como referências para
o planejamento, a avaliação e a execução de programas e projetos incluídos na
Política Fiscal dos governos sub-soberanos.

A estrita observância dos limites consignados no orçamento anual, ainda


que este seja apenas indicativo – não impositivo – dos gastos, é insuficiente para
que se atinja o equilíbrio financeiro das contas públicas. Em outras palavras, as
disponibilidades de caixa é que verdadeiramente condicionam a execução do
gasto, não obstante o fato de o orçamento constituir-se em lei aprovada pelo
Poder Legislativo. Tal realidade corrobora a expressão atribuída ao orçamento, de
uma mera “lei de meios”, ou “peça de ficção”.

Por esse motivo, a concentração da atenção sobre o gasto público, a variável


que permite maior controle, constitui a ênfase das autoridades do governo central
responsáveis sobre as finanças públicas em nível nacional. Ou seja, já que o que
é relevante é o equilíbrio financeiro, “não se gasta mais do que se arrecada”.

Ocorre que a delimitação do gasto fixada em lei obedece a um processo


longo, de natureza não apenas econômico-financeira, mas também política, social
e institucional, e envolve considerações de alocação e (re)distribuição de recursos,
com objetivos de redução das disparidades pessoais, setoriais e regionais de
renda e de oportunidades.

Razões Para a Descentralização


Nos países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos, o período
posterior às duas guerras do século XX apresentou tendência à descentralização.
Já nos países asiáticos, africanos e latino-americanos e países do leste europeu,
que experimentaram a implementação de políticas desenvolvimentistas, a
concentração dos recursos na esfera federal permaneceu sólida até meados da
década de 1980. Há, porém, uma clara diferenciação em relação aos motivos,

101
Economia no Setor Público

argumentações, processos e resultados da descentralização, que redundam em


modelos bastante específicos, que foram ou vêm sendo aplicados a diferentes
grupos de países. A descentralização também assume formas bastante peculiares,
dependendo do estágio de desenvolvimento e de aspectos históricos, políticos e
culturais relativos aos países onde esse processo tem sido observado.

Os países desenvolvidos iniciaram suas reformas com o objetivo de conferir


maior eficácia na oferta de bens e serviços públicos em uma era “pós-Estado
do Bem-Estar”. Com relação aos países em desenvolvimento, argumenta-se
que as razões da descentralização estão inseridas nas políticas voltadas para a
estabilização macroeconômica e, em menor intensidade, às pressões políticas
por maior grau de participação popular.

O chamado Estado do Bem-Estar Social surgiu na Europa


após a Segunda Guerra Mundial e tem sua origem no pensamento
keynesiano. É estruturado segundo um modelo de organização
estatal que provê bens e serviços públicos a toda a sociedade de
maneira perene, tendo como referência a instituição e o respeito aos
direitos sociais, tais como serviços de educação, saúde, seguridade
e lazer.

No que se refere aos países pertencentes à antiga União Soviética e a


alguns países europeus, as dimensões da descentralização assumiram a forma
de mudanças profundas em termos de alocação de recursos, de participação
popular, de reforma institucional (passagem de uma organização unitária de
Estado para a de Estado Federado; de economia planejada para economia de
mercado e a construção de um novo setor público). Deve-se acrescentar ainda
o fato da necessidade de profundas adaptações de ordem macroeconômica,
que sejam capazes de adequar as antigas estruturas desses países visando seu
eventual ingresso na União Europeia.

O Que Defendem os Centralistas


Os que se posicionam contra a descentralização tributária e fiscal
argumentam que tal estrutura é sugerida apenas para os países industrializados,
não se aplicando aos países em desenvolvimento. Há, ainda, alguns autores

102
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

que defendem um posicionamento bastante cauteloso da sua adoção, inclusive


pelos países desenvolvidos. Com efeito, mesmo países como os Estados Unidos
experimentaram, a partir de meados da década de 1980, a imposição de medidas
de responsabilidade fiscal, com vistas à obtenção de equilíbrio das contas
públicas.

Para a corrente centralista, as razões se baseiam, principalmente, na


necessidade da satisfação de critérios de eficiência e eficácia associados à
manutenção da estabilidade macroeconômica, de crescimento econômico e
do tamanho adequado do Estado. Ademais, a manutenção de uma política de
crescimento de longo prazo depende da consistência da política macroeconômica
perante o conjunto das variáveis de natureza agregada (taxas de poupança,
formação bruta de capital fixo etc.).

Argumentos Pró-Centralização
Três conjuntos de problemas são comumente utilizados em defesa da tese
contrária à descentralização:

a) a descentralização pode produzir efeitos nocivos na busca pela estabilização;


b) a descentralização pode reduzir o ritmo do crescimento econômico; e
c) a descentralização pode afetar de maneira negativa a convergência em
âmbito regional.

Tais problemas se manifestam através de uma série de processos, a saber:

Quanto às competências tributárias, admitem que a cobrança do imposto


sobre a renda e o gerenciamento dos recursos da seguridade social, realizados
de forma descentralizada, possuem a capacidade de provocar riscos de quebra
das relações entre os instrumentos de estabilização automática e de controle
das flutuações cíclicas da estrutura econômica. Os centralistas defendem o
gerenciamento dos mecanismos de tributação sobre a renda e a gestão dos
fundos de previdência pública preponderantemente no governo central.

Analogamente, sustentam que o descontrole do endividamento e a


incapacidade no pagamento das dívidas, por parte dos entes subnacionais,
podem ameaçar a posição fiscal do Tesouro Nacional, na medida em que
provocam o aumento do déficit e redução do poder de administração da execução
orçamentária, ambos pela ótica consolidada, o que provoca o surgimento de
pressões de natureza inflacionária.

103
Economia no Setor Público

Coerente com a manutenção dos níveis adequados de investimento de


capital, reconhecidamente escasso nos países em desenvolvimento, e a fim de
maximizar retornos e evitar a competição entre os níveis subnacionais e nacionais
por recursos – via endividamento e/ou via aumento de tributos –, os defensores
da corrente centralista prescrevem ainda que os governos centrais devem exercer
controle rígido sobre os recursos destinados ao investimento público local.

Argumentam que a centralização oferece a vantagem de reduzir os


desequilíbrios econômicos entre regiões e as disparidades fiscais, o que não
ocorre em situações nas quais os governos subnacionais dispõem de vasto
arsenal tributário. Disparidades de riqueza e renda podem vir a se acentuar com
a descentralização, tendo em vista que localidades apresentando situação de
prosperidade possuem maiores alíquotas e maiores bases de tributação, o que
permite a criação de um federalismo “à la mercado”, podendo gerar consequências
negativas para a obtenção do idealizado federalismo de equilíbrio.

Assinalam que um importante custo decorrente da descentralização é


a competição entre entes subnacionais em busca de mão de obra, oferta de
empregos e investimento, cuja visão não coincide necessariamente com os
interesses nacionais, principalmente no que diz respeito às metas de estabilização
e de convergência regional.

A linha de argumentação dos centralistas é, portanto, a de enfraquecer a


noção da existência de uma relação direta entre descentralização e crescimento
econômico. Ademais, essa relação pode ser ofuscada pela interação de outras
variáveis que, em seu conjunto, apresentam maior robustez com o nível de
crescimento.

Centralistas Rejeitam o
Endividamento de Estados e
Municípios
O endividamento em nível subnacional é rebatido pelos centralistas, de
acordo com os seguintes argumentos:

a) os custos decorrentes da emissão de dívida em nível local são, em tese,


suportados pelos residentes da jurisdição, enquanto os benefícios são
transbordados para fora da área ou região, representando ineficiência pela
ótica microeconômica e, por conseguinte, produzindo fracos resultados em
termos de estabilização;

104
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

b) a monetização da dívida local (isto é, o aumento de dinheiro em circulação


em um município, por exemplo) cria pressões inflacionárias e ameaça a
estabilidade de preços;

c) a estabilidade monetária requer que as políticas monetária e fiscal sejam


levadas a efeito apenas pelo governo central; e

d) choques cíclicos apresentam escopo nacional (simétricos do ponto de


vista inter-regional) e, portanto, demandam respostas de natureza nacional
(federal).

A visão cética da descentralização sustenta ainda que, dado o baixo custo


de mobilidade entre localidades de um estado federativo, os fatores de produção
(trabalho e capital) tendem a se localizar onde a carga tributária local for menor.
Tal realidade se assemelha a um leilão pelo menor preço. O processo de menores
lances força a geração de déficits. Sua cobertura demanda um conjunto de
medidas que afetam a carga tributária local, impactam negativamente o rating
sub-soberano e requerem o aumento de transferências voluntárias. A agregação
desses fatores termina por afetar de maneira negativa o crescimento da renda
local.

Centralistas Argumentam Que a


Descentralização Gera Competição
Entre Estados e Municípios
Os centralistas defendem ainda que a descentralização apresenta riscos
relacionados à competição entre as jurisdições (municípios e estados), na qual
cada nível procura se apropriar dos recursos do outro ou na qual cada governo
procura evitar incorrer em custos na provisão dos serviços à população. A
estratégia no uso de incentivos fiscais destinados à atração de empresas e a
recusa na prestação de serviços são exemplos típicos de tais situações.

Por último, mas não menos importante e de forma não exaustiva, a corrente
contrária à descentralização agrega ao seu conjunto de proposições a afirmativa
de que a descentralização tende a criar padrões de segregação de renda bastante
homogêneos, impedindo a redistribuição de renda intralocalidades.

105
Economia no Setor Público

O Que Defendem os Descentralistas


Os que defendem a descentralização afirmam que esta funciona como uma
resposta direta à ineficiência dos governos centrais em prover, em quantidade e
qualidade, bens e serviços públicos que apresentam maior conformidade com os
padrões de renda e preferências dos cidadãos. Em linguagem microeconômica,
significa uma melhor aproximação à condição de equilíbrio entre custos e
benefícios marginais.

O conceito de conformidade na provisão de serviços públicos


se refere à possibilidade de adaptar suas características aos
padrões específicos da população de uma localidade. Ex.: ensino de
meteorologia para crianças residentes em municípios agrícolas.

O processo de descentralização pode, assim, apresentar respostas


positivas a certos problemas concretos impostos pela necessidade da oferta de
bens e serviços públicos, admitindo-se que os governos centrais encontram-se
impossibilitados de atender a essas demandas.

O próprio objetivo da estabilização pode ser mais eficientemente perseguido


em uma formatação descentralizada, em comparação a uma estrutura federativa
centralizada.

Enfoques Teóricos Pró-


Descentralização
Há vários enfoques teóricos na tradição econômica do federalismo que
explicitam a relação entre a descentralização tributária e fiscal e o crescimento.
Esses enfoques se baseiam em uma análise de quatro grupos de fenômenos
observados na realidade: a equivalência fiscal vertical e horizontal, a teoria dos
bens de clube, a migração entre cidades e a participação política.

a) Equivalência Fiscal Vertical e Horizontal

- Equivalência Fiscal Vertical: de acordo com o princípio da equivalência

106
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

fiscal vertical, os residentes de uma localidade devem pagar tributos a cada


um dos governos (municipal, estadual e federal) em valor equivalente à
respectiva quantidade ofertada de bens e serviços. Ainda de acordo com
esse princípio, transferências intergovernamentais (positivas) devem ser
realizadas para restaurar a equivalência, por exemplo, no caso de ocorrer
a cobrança de impostos por uma jurisdição fiscal (o município, por exemplo)
sendo o serviço provido por outra (o estado ou o governo federal, por
exemplo).

- Equivalência Fiscal Horizontal: a equivalência fiscal horizontal trata


do equilíbrio entre jurisdições fiscais de mesmo nível (entre municípios
ou entre estados). Nesse contexto, busca-se verificar a ocorrência de
transbordamentos de benefícios que ultrapassam os limites geográficos
de uma localidade (um município contíguo a outro de mesmo estado ou de
estados diferentes).

A descentralização favorece o crescimento econômico:


a corrente de pensamento descentralista associa de maneira
indireta a descentralização com o crescimento pela via da eficiência
econômica. Ressalta que o principal impacto da descentralização se
reflete nos ganhos de eficiência passíveis de serem obtidos, uma
vez que os governos locais: a) identificam mais eficientemente as
necessidades das populações, dada a proximidade entre provedores
e beneficiários; e b) mobilizam recursos para o pagamento de bens e
serviços que apresentam impacto unicamente local.

b) Teoria dos Bens de Clubes

O segundo grupo se baseia na denominada Teoria dos Bens de Clube ou


simplesmente Teoria dos Clubes. De acordo com essa linha de investigação, o
tamanho ótimo do “mercado” para um determinado tipo de bem público – bem de
clube – é atingido quando o benefício marginal experimentado no consumo iguala
o custo marginal gerado por um consumidor adicional. Esse conceito implica a
delimitação de uma extensão espacial.

Bens de clube diferem dos bens públicos puros, pois apesar de se


caracterizarem pelo consumo coletivo, permitem a exclusão, baseada na
cobrança de algum tipo de taxa ou tarifa, dependendo do tipo de provisão (direta

107
Economia no Setor Público

ou concedida, respectivamente). Ocorrem economias de escala na sua produção,


na medida em que usuários (membros do clube) adicionais permitem a redução
do custo médio. Mas a inclusão de usuários adicionais provoca congestionamento
e, consequentemente, rivalidade. Assim, no limite, podem se transformar em bens
tipicamente privados.

Os Bens de Clube foram analisados no Capítulo 1.

c) Migração entre cidades

O terceiro grupo se baseia na máxima “indivíduos votam com os pés”. A


impossibilidade da determinação de um nível eficiente de gasto público, de acordo
com regras aplicadas ao mecanismo de mercado, só é válida para o gasto em
nível federal, o mesmo não ocorrendo em nível local.

Quando residentes de uma localidade “votam com os pés”, entende-se que


a combinação da quantidade e da qualidade no consumo da cesta de bens e
serviços públicos determina a localização da população. Um município, ou um
bairro em um município, cuja oferta não atenda aos desejos da população, forçará
a migração (ou o emprego do transporte) da população em direção às áreas que
melhor atendam às suas necessidades. Tal raciocínio não se aplica aos bens
caracteristicamente “nacionais”, como os clássicos exemplos de defesa aérea e
de construção de infraestrutura regional.

A hipótese central dessa argumentação é a da perfeita mobilidade da


população, ou seja, de que não existem custos de relocalização (fixos, tais como
aluguel de moradia, ou variáveis, tais como de transporte). De qualquer maneira,
mesmo existindo custos de relocalização e de transporte, os residentes irão
confrontar benefícios e custos e decidirão “racionalmente” qualquer mudança em
sua localização.

Além disso, pressupõe-se não haver transbordamentos horizontais e que


cada localidade atinge um tamanho ótimo de população para o qual o custo médio
da produção da cesta de serviços é mínimo. Da mesma forma, os impostos locais
baseiam-se no princípio do benefício recebido e não no princípio da capacidade
de pagamento e não ocorre qualquer mecanismo de redistribuição de renda.

108
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

d) Participação Política Local e Crescimento

O quarto grupo de temas da literatura sobre a descentralização é conhecido


pela máxima “Saída (Fuga) e Voz” ou “Exit and Voice”.

Hirschman (1970) acrescenta à oportunidade da escolha residencial o fato de


os residentes poderem participar politicamente das decisões em uma localidade
(jurisdição fiscal) à qual pertencem, através do voto.

O voto é um elemento-chave no que tange à accountability dos governantes,


os quais possuem melhor conhecimento sobre o custo da provisão dos serviços
do que os clientes (eleitores ou residentes). Estes últimos usam a informação
sobre o total de tributos pagos e o comparam com a quantidade/qualidade dos
serviços recebidos em sua localidade. Comparam, ainda, com os benefícios
recebidos em localidades vizinhas. Esse é o critério utilizado para o julgamento
sobre a decisão de uma possível “saída” ou emigração. Um “migrante contumaz”
será provavelmente um mau “votante”, ou um mau indutor de mudanças locais,
capazes de conferir maior eficiência à provisão dos serviços públicos.

Teorema da Descentralização: Quais


Serviços Cada Esfera de Governo
Deve Prover?
O Teorema da Descentralização trata da relação entre descentralização
e crescimento. De forma objetiva, ele busca apontar quais serviços devem ser
consignados como de responsabilidade de cada ente (nacional ou subnacional) e,
em havendo oferta conjunta, qual parcela de responsabilidade deve ser assinalada
a cada nível de governo.

De acordo com essa abordagem, cada serviço público deve ter sua provisão
efetuada pelo nível de governo que possui controle e supervisão sobre o território
cuja delimitação corresponde ao espaço onde os custos e benefícios dessa
provisão são totalmente internalizados.

Assim, levando-se em conta as restrições impostas pela corrente da migração


entre cidades, a regra básica do teorema da descentralização pode ser reescrita
da seguinte maneira: a centralização é justificada somente quando ocorrem, ao
mesmo tempo:

109
Economia no Setor Público

1) fortes impedimentos à mobilidade dos residentes entre localidades;


2) transbordamentos significativos;
3) economias de escala; e
4) custos administrativos e de adequação, segmentação e de conformidade
excessivamente altos em nível local.

Como corolário, temos que, do ponto de vista dos recursos necessários


ao custeio, governos locais devem legislar sobre alíquotas e bases de cálculo
e dispor (de fato e de direito) de fontes de recursos, sob limites definidos pela
federação, originadas da renda e do patrimônio de seus residentes.

O grau de independência das autoridades locais em alterar alíquotas e bases


de cálculo irá variar em função da eficiência econômica observada. Atribuir aos
governos locais a capacidade de alterar alíquotas, com a exceção dos impostos
sobre a propriedade, pode apresentar o efeito nocivo da exportação de tributos,
competição contraproducente e complexidade para os contribuintes.

Quanto aos efeitos no tamanho do setor público, Marlow (1988) e Ehdaie


(1994) sustentam que a descentralização tem o poder de, se não reduzir, limitar
o aumento do seu tamanho, enquanto Oates (1998) pondera não existir relação
significativa entre a descentralização fiscal e o tamanho do setor público.

O argumento de Oates (1998) se baseia no fato de que uma das razões
que tendem a promover o aumento do tamanho do setor público deriva do
desconhecimento das preferências dos contribuintes com relação à cesta ideal de
hiatos na oferta, seja pela existência de concorrência entre as esferas de governo
em prover certos tipos de bens, ou pela total ausência dessa provisão, em razão
da indefinição de natureza constitucional, ou por falhas de construção no desenho
operacional adotado.

A Descentralização da Execução do
Gasto Público no Brasil
No caso brasileiro, o processo de descentralização se aprofundou de
maneira clara nas atividades referentes ao gasto público, em especial às áreas
de educação e saúde. A razão se baseia exatamente no atendimento aos
preceitos de eficiência (menores custos de distribuição dos serviços) e equidade
(reconhecimento das diferenças existentes entre localidades). Com relação
ao aspecto político, a evolução se deu na criação de sistema de formulação de
políticas locais de educação e saúde e controle do gasto em nível local, através

110
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

da criação de conselhos locais que incorporam representantes dos diversos


grupos de interesse locais. Os critérios de dimensionamento dos valores alocados
no orçamento federal dessas áreas, entretanto, seguem ainda o modelo “de cima
para baixo”, condicionado à existência de recursos vinculados (FUNDEB e SUS).
A partir de 2003 foi instituído o Fundo Nacional de Segurança Pública, destinado a
financiar o aparelhamento dos estados.

Uma série de programas de fortalecimento da capacidade gerencial de


estados e municípios (esses programas atendem de forma genérica pela sigla
PNAFM) vem sendo desenvolvida, com o objetivo de permitir a execução mais
eficiente dos programas nacionais que foram municipalizados (educação –
FUNDEB – e saúde – SUS, por exemplo) e da capacidade de gestão, controle e
fiscalização da arrecadação e do gasto.

Não se pode dizer o mesmo com referência ao aumento da capacidade de


arrecadação dos entes sub-soberanos. As diversas tentativas da realização de
reforma tributária esbarram no temor do Governo Federal de perder o controle
sobre o elenco de receitas a seu dispor e de comprometer o processo de
estabilização. Dentre as propostas que não foram colocadas em discussão de
maneira mais consequente inclui-se a transferência da competência de tributar a
propriedade das áreas rurais, atualmente do Governo Federal, para os municípios.
Com a mudança, os governos municipais teriam a oportunidade de expandir sua
capacidade de arrecadação e, ao mesmo tempo, a obrigação de se estruturar
para efetivar a cobrança. Esses tipos de ação significariam a possibilidade de
caminharmos para uma realidade de uma “responsabilização consequente”,
contrária à “responsabilização cômoda” ensejada pela Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) - (LC 101/2000), qual seja, a de os chefes dos executivos municipais
receberem os méritos por simplesmente nada fazer, já que essas economias são
dependentes dos repasses de toda ordem efetuados pelos governos estadual e
federal.

A LRF corresponde ao BEA - Budget Enforcement Act dos


Estados Unidos, de 1990. Ou seja, mesmo países industrializados,
como os Estados Unidos, experimentaram, a partir de meados da
década de 1980, a imposição de medidas de responsabilidade
fiscal, com vistas à obtenção de equilíbrio das contas públicas. Tais
medidas foram adotadas como parte do quadro de restrições de
natureza fiscal impostas pelo FMI e Banco Mundial.

111
Economia no Setor Público

Quanto maior o volume de impostos federais, menor a renda disponível


local, e maior a tendência dos governos locais à redução do volume de impostos
locais. Com isso, ocorre maior demanda por recursos derivados dos fundos de
participação, os quais levam em consideração os critérios de repartição baseados
no tamanho da população e não nas condições específicas de renda e de
necessidades de gasto em infraestrutura e serviços públicos básicos demandados
por essas mesmas populações, muito mais bem avaliados pelos gestores públicos
locais.

Impactos Da LRF Sobre o


Crescimento Local
Em paralelo a esse processo de descentralização, ocorreu, como
contraponto, um fato extremamente marcante do ponto de vista da centralização
do controle do gasto: a Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa lei subtraiu poderes
de controle social sobre o gasto local, processo que se encontra ainda em fase de
consolidação no seio das populações locais. A LRF institui indicadores uniformes
(admitindo-se a proporcionalidade vertical) aplicáveis aos entes da federação,
ignorando as especificidades regionais e locais.

Cabe ressaltar que a LRF, cuja ideia mãe foi modelada pelos órgãos de
financiamento internacionais, não enseja qualquer vantagem didática do ponto de
vista do gerenciamento estratégico e da participação democrática nas finanças
públicas locais. Ela simplesmente estabelece coeficientes voltados para a
observância de metas de eficiência financeira, inibindo o investimento, mesmo em
situações de obtenção de resultado positivo nas contas públicas locais, pela ótica
das receitas e despesas correntes.

A Lei de Responsabilidade Fiscal espelha uma realidade na qual o papel que


o Governo Federal desempenha é o de juiz de primeira instância sobre os entes
subnacionais. Pressupõe-se que esse nível de governo dispõe de informações
em quantidade e qualidade necessárias (e de vontade política) para efetuar de
maneira correta as transferências intergovernamentais.

Com efeito, o Governo Federal está sujeito à mesma natureza de problemas


enfrentados em relação ao seu próprio funcionamento, quando tenta, em vão,
promover ajustamentos em suas contas. A própria incapacidade inata do governo
central contribui para a possibilidade da ocorrência de superávits primários
crescentes, na ótica da contabilidade federal. Ela se faz à custa da redução dos
resultados primários locais.

112
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

Como a LRF define restrições ao endividamento local, o resultado final


é a redução pura e simples do gasto público, especialmente o investimento
na infraestrutura física e social. Já o gasto voltado para o atendimento das
necessidades de saúde, educação e segurança da população está condicionado
à transferência de recursos pelo Governo Federal. Em função da precariedade
dos sistemas federais de controle e verificação do gasto, os recursos são muitas
vezes malversados pelos órgãos locais, o que fortalece a argumentação da
centralização.

Ademais, não há qualquer indicação na LRF que propicie ao administrador


público e às populações locais avaliar se o aumento da autonomia tributária local
é capaz de produzir resultados positivos do ponto de vista da eficiência alocativa
(atendimento das demandas de serviços localmente definidos) e da eficiência
produtiva (aumento da accountability dos governos locais, redução da burocracia
e melhor conhecimento dos custos referentes à provisão dos serviços).

Accountability é o termo utilizado para se referir à obrigação


de indivíduos ou agências de prover informação sobre ou justificativa
das suas ações aos demais agentes, além da imposição de sanções
decorrentes de omissões e falhas nas ações.

Países em Desenvolvimento e
Federalismo Econômico
Os exemplos utilizados neste livro referem-se ao caso brasileiro, devendo
ser ressaltada a diversidade inerente ao termo “países em desenvolvimento de
estrutura federalista”. Com efeito, dois pontos merecem ser destacados.

Em primeiro lugar, atenção especial deve ser tomada quando nos referimos
ao conjunto de países em desenvolvimento. Observam-se, entre países e,
internamente a eles, isto é, entre suas regiões, profundas assimetrias quanto
ao tamanho do território, à concentração do poder político, ao estágio do
desenvolvimento, à estrutura econômica, à abertura para o exterior e à própria
explicitação formal do tipo de federalismo existente.

Reconhecidas características comuns aos países em desenvolvimento


podem ser verificadas, especialmente com relação à carência da infraestrutura

113
Economia no Setor Público

física e social, aos baixos níveis de renda per capita, ao limitado acesso aos
mercados de capitais e empréstimos internacionais, aos problemas relativos
ao equilíbrio das contas públicas e das contas externas, aos altos índices de
urbanização, de metropolização, de pobreza e de concentração da renda.

Em segundo lugar, uma classificação de formas de Estado que esteja apoiada


apenas na divisão entre Estado Unitário e Estado Federal revela-se atualmente
inapropriada para determinar-se o grau de descentralização de um país, em
função da evolução natural das estruturas de organização territorial e de repartição
de competências. Observa-se em nível mundial, especialmente em relação à
execução do gasto público, a crescente implementação da descentralização em
bases territoriais, como forma de obter-se maior agilidade e eficiência na provisão
de bens e serviços considerados como de consumo coletivo.

Estados nacionais, do tipo unitário, vêm adotando esquemas de


desconcentração (divisão do território do Estado em diversas regiões, ou em
regiões e outras divisões territoriais menores, como departamentos ou províncias,
comunas ou municipalidades) e de descentralização (outorga às regiões territoriais
de personalidade jurídica própria, transferindo-se competências administrativas,
em geral por meio de mudança constitucional).

No modelo unitário desconcentrado, as unidades subnacionais não possuem


personalidade jurídica própria, sendo desprovidas de autonomia, enquanto no
modelo unitário descentralizado, os entes federados possuem personalidade
jurídica própria e capacidade de decisão em determinadas questões, sem a
interferência do poder central, o que os faz assemelhados, na prática, aos
países formalmente federalistas, porém, com uma importante diferença: os entes
territoriais autônomos detêm competência legislativa constitucional, podendo
inclusive instituir e arrecadar tributos.

Países em desenvolvimento enfrentam em maior ou menor grau a difícil


tarefa de estruturar e implementar sistemas de tributação que tenham como
base a renda pessoal e corporativa, o valor agregado e a propriedade. Muitos
países ainda apresentam economias apoiadas no setor agrícola, com cultura
marcadamente tradicional, e considerável contingente da população no setor
informal. Grande parcela da carga tributária é representada pela arrecadação
de tributos que incidem sobre a exportação de produtos primários. Sua maior
participação no fluxo do comércio internacional, entretanto, está condicionada
à aceitação de maior liberalização comercial, o que provoca consequências
negativas do ponto de vista da arrecadação de tributos.

Outro conjunto de países ainda depende da arrecadação de tributos que


incidem sobre o faturamento das empresas, muitos dos quais com características

114
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

de bitributação e de tributação em cascata. Países como o Brasil ainda


apresentam considerável contingente da população urbana na informalidade, com
reflexos negativos tanto na arrecadação tributária, quanto na gestão do sistema
de previdência oficial. No caso brasileiro, com exceção dos impostos sobre a
propriedade (que no nosso país representam menos de 1% do PIB), todos os
demais que incidem sobre a renda, sobre o faturamento, sobre a exportação,
além da contribuição previdenciária, são impostos federais.

Desses tributos e contribuições, apenas os que incidem de forma progressiva


sobre a renda possuem atributos de equidade, enquanto os demais tendem a
promover maior desigualdade, devido às suas características de regressividade.

O estágio atual do federalismo nos países em desenvolvimento, como o


Brasil, requer, portanto, uma definição clara do modelo de descentralização
que se deseja no campo das finanças públicas, pois alterações no grau de
descentralização da estrutura de competências têm a capacidade de modificar
substancialmente a estrutura de poder, através do redimensionamento do quadro
de vantagens e desvantagens experimentadas pelos representantes políticos,
pela burocracia e por grupos de interesse localizados em cada um dos níveis de
governo.

Proposição de Reformas Visando


Aumento da “Eficiência” Federativa
A imposição de limites ao endividamento dos entes federados com vistas
à obtenção de resultados positivos no balanço agregado das contas nacionais,
a redução dos valores referentes aos Fundos de Participação de Estados e
Municípios e a compensação desequilibrada da isenção dos créditos de ICMS
nas operações de exportação (Lei Kandir), conjugadas ao aumento constante da
necessidade de recursos destinados ao financiamento das políticas públicas em
nível local, fomentam e acirram a guerra tributária e provocam a disputa fiscal.

Tal situação de centralização exacerbada por parte do Governo Federal,


se, por um lado, aumenta suas receitas próprias e seu suporte eleitoral, por
outro, restringe a autonomia local. Maior autonomia local passa, assim, a ficar
dependente do apoio político oriundo do poder central.

Alguns primeiros passos já foram dados no processo de descentralização no


Brasil. Conforme visto anteriormente, os avanços vêm ocorrendo ainda apenas
pelo lado do gasto público, muito embora os recursos postos pelo Governo Federal

115
Economia no Setor Público

à disposição dos entes subnacionais para a implementação e desenvolvimento


das políticas públicas venham apresentando queda no conjunto do gasto.

Sugerem-se dois conjuntos de medidas visando, em primeiro lugar, à redução


do quadro de dependência de recursos dos governos locais em relação ao
governo central e, em segundo lugar, à criação de indicadores capazes de medir
e acompanhar, de forma desagregada, o planejamento e a gestão dos entes sub-
soberanos em relação às políticas tributária e fiscal.

No tocante à redução da dependência dos governos locais em relação ao


governo central, os resultados da capacitação e fortalecimento das estruturas
locais já permitem que, pelo menos nos municípios-sede das capitais, possa vir a
ser institucionalizada uma reestruturação tributária.

Como primeira etapa de uma reforma tributária que realmente objetive reduzir
a guerra fiscal entre municípios, entre estados, entre estes e entre municípios,
estados e o Governo Federal, deveriam ser observadas as competências de fixar
alíquotas e a arrecadação dos impostos locais e estaduais, que resultem em
montante equivalente ao atualmente obtido com as transferências constitucionais,
cujos recursos dependem da arrecadação de impostos sobre Produtos
Industrializados e sobre a Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas (base de cálculo
dos recursos atualmente transferidos por conta dos Fundos de Participação de
Estados e Municípios).

Essa medida, neutra do ponto de vista tributário, poderá permitir que as


diferenças entre regiões de uma mesma localidade (bairros de um mesmo
município, por exemplo), e entre municípios da federação, possam ser mais bem
enfrentadas, tendo em vista a proximidade do governante local na identificação
das necessidades e no conhecimento do valor e da natureza dos recursos postos
à sua disposição e dos recursos complementares.

Ademais, a competição não concorrencial entre governos locais pode reforçar


o processo de inovação institucional e organizacional, com a descentralização das
despesas e especialização na oferta de determinados bens e serviços públicos
específicos de uma pequena região, fomentando a especialização de funções
entre municípios (especialmente nas áreas metropolitanas).

Com efeito, a Lei de Responsabilidade Fiscal deveria sofrer modificações


capazes de medir inclusive a Responsabilidade Tributária, visando à obtenção
de resultados mais consistentes com o crescimento e o desenvolvimento local.
Dentre as modificações sugeridas podem ser incluídos os seguintes indicadores,
aplicáveis a estados e municípios das capitais:

116
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

– Relação Dívida/PIB (em substituição à Dívida/Receita Corrente Líquida);


– Necessidades de Financiamento/PIB;
– Arrecadação própria/PIB;
– Déficit em Conta Corrente/PIB.

Considerações Finais
Comumente denominado de maneira inapropriada “federalismo fiscal”,
o federalismo econômico deve necessariamente buscar a compatibilização
entre o limite possível de descentralização das políticas tributária e fiscal e
de endividamento de estados e municípios e suas relações (em sentidos e
integrações diversas) com as políticas monetária e cambial, estas a cargo do
governo central.

Essa impropriedade na denominação tem, como origem, a corrente do


supply-side economics, cuja tese é a de que o estímulo à oferta deve se originar a
partir da redução do gasto público (política fiscal rígida) via redução dos impostos
que oneram os custos de produção. Dessa forma, o aumento da produção passa
a contribuir para a redução do desemprego e do aumento de preços. Daí a ênfase
no controle do gasto em detrimento da busca de maiores níveis de eficiência na
condução da política tributária, esta de enfrentamento mais complexo, mas que é
crítica como suporte central a políticas de estabilização, com sustentabilidade, e
que não comprometem a distribuição eficiente de bens e serviços públicos.

A visão correntemente aceita é a de que a descentralização apresenta


vantagens quanto à alocação, mas pode gerar custos no que respeita à questão
distributiva e ao gerenciamento macroeconômico.

As estruturas tributária e fiscal no sistema federalista são importantes


elementos formais que espelham a real dimensão da descentralização política
das relações intergovernamentais. Enquanto as políticas monetária e cambial são
implementadas pelo Executivo federal de forma discricionária, a formulação e a
execução das políticas tributária e fiscal obedecem a um processo democrático
de negociação entre o Executivo e o Legislativo. No ambiente federalista essa
negociação vai mais além, o que permite tratar de maneira eficaz as diferenças
existentes entre regiões, estados e municípios, buscando atender com maior
aderência aos preceitos da democracia definidos em bases territoriais.

O ambiente da estabilização, entretanto, limita as chances de negociação


em termos de recursos financeiros disponíveis, pois apenas uma parcela do
orçamento não está contingenciada, ao mesmo tempo em que coíbe a perspectiva
de aumento da arrecadação de tributos nas esferas locais.

117
Economia no Setor Público

Estabilização, um conceito macroeconômico geral, se apoia em visões de


cunho geral e em indicadores igualmente gerais. Admitindo-se um país com
estrutura unitária de Estado, no qual a descentralização se dá em função das
vantagens decorrentes de princípios de Administração Pública e de Gestão do
Território, a formulação e a implementação de políticas tributárias e fiscais seguem
um modelo de comando centralizado, como é o caso de países como Portugal e
França.

Não se pode, por conseguinte, permanecer neutro em relação a questões


que partem de uma perspectiva eminentemente macroeconômica, mas que
envolvem aspectos de natureza política e ideológica, e que se tornam explícitas
ao se tomar os entes federados de maneira desagregada. Nesse sentido,
falar-se em adequação dos conceitos e critérios do federalismo aos países em
desenvolvimento significa buscar-se o fortalecimento das competências de tributar
e de alocar recursos por parte dos entes subnacionais.

Tal fortalecimento deve ser visto como decisivo para atender aos requisitos
democráticos na formulação, acompanhamento da execução e avaliação das
políticas públicas de forma participativa.

A descentralização tributária e fiscal pode se dar em maior ou menor


intensidade quanto à delegação de competências do gasto e da receita, e
qualquer uma das combinações possíveis entre essas duas competências (ou
responsabilidades), variando desde a delegação de natureza administrativa
ou gerencial, que ocorre no estágio da simples implementação de programas
nacionais, até a descentralização de natureza política, na qual se torna evidente a
delegação de autoridade, expressa na Constituição.

Por esse aspecto, o princípio da uniformidade em que se baseiam a


formulação e a execução de políticas públicas se revela contrário aos interesses
voltados para a redução das desigualdades, uma especial característica dos
países em desenvolvimento, devendo a busca da equidade estar baseada no
reconhecimento das diferenças entre indivíduos, localidades e regiões.

O conceito de uniformidade na provisão de serviços públicos se


refere à impossibilidade de adaptar suas características aos padrões
específicos da população de uma localidade. Ex.: distribuição de
energia elétrica e de água.

118
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

No limite máximo da autonomia dos governos locais, passam a surgir custos


de toda a natureza (políticos, administrativos, etc.) decorrentes da fricção entre
estes e entre os demais níveis de governo. Dadas as ligações existentes entre
a busca pela estabilização e a execução das políticas tributária e fiscal, torna-se
difícil esperar que o processo de descentralização da formulação e implementação
das políticas tributária e fiscal ganhe força a partir de iniciativas do Governo
Federal.

O principal desafio analítico posto aos defensores do federalismo econômico


equilibrado é o de definir de maneira apropriada práticas que possibilitem a
combinação da alocação eficiente de responsabilidades e de recursos em âmbito
local. Em paralelo, devem ser adotadas regras que permitam promover a gradual
descentralização da função distributiva, permanecendo centralizadas as políticas
relativas à função de estabilização.

O estágio atual do federalismo nos países em desenvolvimento, como o


Brasil, requer, portanto, que sejam buscadas soluções voltadas, principalmente,
para as seguintes questões:

a) Conceituação clara do modelo de descentralização que se deseja (com


autonomia e/ou com autarquia), com a determinação da esfera mais bem
capacitada a desempenhar esta ou aquela função, tendo em vista que,
geralmente, confere-se pouca ou quase nenhuma atenção à distinção entre
descentralização, devolução e desconcentração

b) Desenvolvimento de mecanismos voltados para a obtenção de economias de


escala e internalização de benefícios em âmbito local, uma vez que:

b.1) Em uma federação, capital e trabalho apresentam melhores


possibilidades de “saída” ou “fuga” do que em um sistema de estado centralizado.
Em consequência, os governos locais são forçados a conhecer melhor as
preferências da população e das empresas, se estiverem dispostos a barrar
as intenções de sua migração para outras jurisdições que ofereçam melhores
pacotes de tributos e serviços públicos. Esse efeito será tão maior quanto maior
for a capacidade de cidadãos e empresas em decidir sobre a carga tributária
e sobre a alocação dos recursos, ou seja, dependerá do grau de participação
direta da sociedade em propor subsídios à formulação de objetivos e metas à
administração pública.

b.2) Em uma federação, a intensidade da competição inter-jurisdicional


fomenta a introdução de inovações na estrutura político-institucional de
funcionamento dos entes públicos, especialmente nas jurisdições em que existam

119
Economia no Setor Público

demandas por maior participação direta da população e onde prevaleçam


condições favoráveis a essa maior participação.

b.3) Em uma federação, o tamanho do setor público será tão menor quanto
maior for o grau de descentralização das estruturas tributária e fiscal. O tamanho
do Estado depende, por sua vez, de uma estrutura de legislação constitucional e
infraconstitucional apropriadas para o desenvolvimento harmônico do federalismo,
além de definições claras sobre o comprometimento de cada unidade subnacional
no esforço conjunto do desenvolvimento das políticas macroeconômicas e dos
impactos dessas políticas no plano regional e local.

b.4) Em uma federação torna-se muito mais complexa e onerosa a realização


de estudos voltados para a melhor determinação dos custos da provisão de bens
e serviços públicos.

A cobertura mediante o pagamento de taxas pela prestação do serviço, já


que a utilização de impostos para a sua provisão contribui para a “exportação” de
serviços, ou seja, a atração de residentes de outras áreas provoca o surgimento
de subsídios cruzados entre municípios, de deseconomias de aglomeração no
local da prestação dos serviços e, o que é mais grave, o inchamento da estrutura
do poder público local.

Em outras palavras, a existência de um sistema tributário no qual os


encargos recaem somente sobre os residentes locais, conjugado a esquemas de
oferta local de bens e serviços públicos sem a ocorrência de custos ou benefícios
externos, faz com que a rede de governos locais esteja apta a prover tais serviços
de maneira mais eficiente, uma vez que a demanda por serviços públicos possui
características específicas intra e entre jurisdições.

b.5) Em uma federação é imprescindível determinar-se o nível adequado de


governo no qual os tributos devem permanecer, buscando-se definir uma estrutura
na qual exista competição fiscal (pelo lado do gasto), mas não competição
tributária (pelo lado da tributação). A concorrência tributária só é efetiva quando
existe um risco de distorção na localização da atividade econômica. A tributação
por benefício a cargo dos governos subnacionais não distorce a alocação de
recursos; na verdade, ela contribui para uma alocação econômica desses
recursos. Enquanto o governo central pode adequadamente usar um imposto
de renda progressivo voltado para a observância dos princípios de estabilização
e redistribuição, é mais conveniente para os governos subnacionais que se
utilizem de impostos com alíquota fixa, simplesmente para pagar os benefícios
generalizados dos serviços públicos.

120
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

A inclusão de impostos sobre a renda de residentes como fonte direta de


recursos nos governos subnacionais é conceitualmente inconsistente com o
princípio do benefício, já que as famílias de baixa renda, assim como aquelas com
alta renda, consomem serviços públicos. Em teoria, pagamentos de transferências
poderiam ser usados para compensar o ônus tributário de famílias de baixa renda.

b.6) A forma pela qual as disparidades na alocação do gasto devem ser


corrigidas.

c) A maneira pela qual os governos locais podem contribuir para o


crescimento econômico.

A literatura sobre o crescimento endógeno sob as formas teórica e empírica


confere atenção à economia em expandir seu estoque de capital, em treinar sua
força de trabalho e em desenvolver e implementar novas tecnologias. Em cada
caso, o mercado falha em encorajar o investimento em níveis adequados, quer em
razão do fato de os agentes não capturarem o retorno total das suas atividades
lucrativas ou por não sinalizar altos retornos futuros aos potenciais investidores.
Nessa perspectiva, os governos podem preencher tais espaços através dos
investimentos públicos, em educação e em pesquisa e desenvolvimento.

d) De maneira análoga, devem ser realizados estudos voltados para o melhor


dimensionamento do quanto o investimento em infraestrutura pública adiciona ao
aumento da produção privada, levando-se em conta que o aumento da oferta de
serviços locais funciona como força atrativa aos trabalhadores mais qualificados
e ao capital privado em suas decisões de localização. Os salários locais, aluguéis
e renda média aumentam nas regiões mais favorecidas e caem naquelas menos
favorecidas.

e) Com relação à observância dos objetivos e metas das políticas de


estabilização, deve-se analisar se a maior ou menor descentralização conduz
ao aumento da capacidade de governança macroeconômica, no sentido de se
verificar se as políticas monetária, cambial, tributária e fiscal, a cargo do Governo
Federal, sofrem impactos de natureza positiva, negativa, ou se a descentralização
não interfere em suas formulações e implementações. Conforme observa Shah
(1997), poderão existir vantagens admitindo-se a existência de uma estrutura
federalista no tocante à governança macroeconômica, desde que sejam instituídas
as formas adequadas de garantir o sucesso das políticas de descentralização.

Ao longo deste Capítulo procurou-se chamar a atenção do leitor para a


excessiva ênfase de caráter macroeconômico dada à estabilização pela corrente
centralista, em detrimento das questões econômicas de cunho federativo. E
a abordagem da Economia do Setor Público permite ao gestor verificar que a

121
Economia no Setor Público

implementação das políticas monetária e cambial discricionárias como forma de


alocar recursos, pode se dar em contexto de maior parcimônia, tratando como
iguais entes subnacionais em desigualdade de condições, e isto tanto mais quanto
maiores forem as desigualdades.

Como os governos subnacionais apresentam reações diferenciadas em


função de suas capacidades, suas ações individuais não podem ser agregadas
como forma de explicar “uma estabilização macroeconômica”, mas “várias
desestabilizações sub-macroeconômicas”. Tal falha se traduz na existência de um
federalismo coercitivo, míope em relação, por exemplo, aos custos crescentes de
congestionamento e deseconomias de aglomeração, de carência da infraestrutura
física e social, aos problemas relativos ao equilíbrio das contas públicas, de
pobreza e violência, visivelmente concentrados nas grandes metrópoles.

Já o aumento da autonomia tributária dos governos locais pode produzir


resultados positivos sob os critérios da eficiência alocativa (atendimento das
demandas de serviços localmente definidos) e da eficiência produtiva (aumento da
accountability dos governos locais, redução da burocracia, melhor conhecimento
dos custos referentes à provisão dos serviços, contribuindo, assim, com impactos
positivos do ponto de vista da estabilização).

Tais vantagens decorrem do maior controle social, das expressões da


população local com referência aos governantes; regras e limites a serem
observados na execução dos orçamentos locais, capazes de permitir a
obtenção de equilíbrio sustentado das contas públicas em nível agregado e
responsabilização dos governantes pela má utilização dos recursos públicos
postos à sua disposição.

E o que é mais importante: as complexas relações intergovernamentais


conflituosas que tendem a se exacerbar com o aprofundamento do processo de
autonomia política dos governos locais devem ser vistas como um fato de natureza
virtuosa e não como um entrave à busca pela estabilização e ao desenvolvimento.

A gradual adoção de mecanismos voltados para a tributação e alocação mais


eficiente de recursos funciona como incentivo ao “bom governo” e à consolidação
do ente local como importante agente estratégico do desenvolvimento, situação
expressa na máxima “fazer mais com menos”.

Conferir aos governos locais a responsabilidade pela formulação e


implementação de estratégias e políticas de crescimento e desenvolvimento, sob a
coordenação e supervisão do Governo Federal, constitui modelo de planejamento
“de baixo para cima”, representativo das diversas estruturas sociais, políticas,
econômicas e institucionais vigentes localmente, sem perda da consistência

122
A Economia do Setor Público Aplicada
Capítulo 6
ao Caso Brasileiro

macroeconômica das políticas monetária e cambial, formuladas e implementadas


pelo governo central, e necessárias ao atendimento dos objetivos de estabilidade.

O que se busca, portanto, como forma ideal de planejamento, é uma estrutura


de federalismo de equilíbrio, cooperativo, buscando priorizar a conciliação
entre integração e autonomia, entre os governos da União, dos estados e dos
municípios.

Não se deve descartar, entretanto, o papel desempenhado pelo governo


central enquanto coordenador das políticas tributária e fiscal praticadas pelas
unidades federadas. Ao tratarmos da descentralização das políticas tributária
e fiscal, os governos estaduais e municipais devem ser vistos como agentes
políticos do processo de desenvolvimento nacional, além de constituírem unidades
de produção com atributos de natureza administrativa, econômica e institucional,
com aspectos positivos e negativos peculiares, em função do contexto histórico,
cultural, econômico, etc. relativas às regiões em que se inserem e à rede de
cidades de que participam.

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