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OS ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL:

O INTERESSE PELA APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA

Elisama Cristina Santos Torres¹

Há muito temos refletido a respeito do processo de ensino e


aprendizagem de nossa língua materna, a Língua Portuguesa (LP), e sempre
circulamos entre vários temas cruciais até voltarmos para um tema ainda mais
constante: o interesse (ou a falta de interesse) pelo estudo da LP em sala de
aula. Muitos fatores são apresentados e revisitados como o papel do professor,
o papel do estudante, o entendimento da gramática normativa, recursos
diversos, entre outros, e muitos chegaram à conclusão de que o interesse pela
sala de aula de língua portuguesa é um combo com um pouco de cada um
desses fatores.

Conversando com minha mãe acerca do ensino de língua portuguesa


em sua época, há mais de quarenta anos, tentei buscar informações que me
ajudassem a elaborar esse texto partindo de um panorama historicamente
contextualizado sobre a sala de aula de língua portuguesa no ensino
fundamental e algumas coisas me chamaram atenção. Em seu relato, afirmou
que as aulas de português eram boas (abro aqui um parêntese para informar
que ela foi uma aluna muito dedicada, sempre com notas máximas mesmo na
universidade, jamais declararia desgosto por alguma classe), mas não
lembrava muito bem da sua professora, por outro lado, tinha memórias vívidas
do professor de história. Questionei o motivo e a resposta que obtive foi
“porque ele era inspirador”, perguntei então qual a diferença entre as aulas dos
dois e ela prontamente respondeu que a professora de português apresentava

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¹Graduanda em Letras - Licenciatura em Língua Portuguesa e Inglesa


bem os conteúdos, usava muito o quadro para escrever as regras gramaticais,
majoritariamente as conjugações verbais, mas o professor de história cativara
sua atenção porque a incentivava a imaginar, refletir e buscar respostas para
além da sala de aula e “não tinham tantas regras como (as aulas de)
português”, encerrou.

Isso nos leva a refletir sobre os dois primeiros pontos que abordamos
acima: o papel do professor e o papel do aluno. O interesse por uma
determinada aula ou determinado conteúdo não é de total responsabilidade do
estudante, mas também do professor, uma vez que, “construir conhecimento
implica uma ação partilhada” (BEZERRA apud REGO, 2002, p. 41). A língua
portuguesa é realmente composta por várias regras como sintaxe, semântica,
estilística, coesão e coerência, conjugações verbais e por aí vai. Mas só do
ensino repetido de regras se faz uma aula de português? Certamente que não.
Antunes (2003, p. 108) explana o papel do professor como criador, não apenas
um mero reprodutor, “o professor precisa ser visto (inclusive pelas instituições
competentes) como alguém que, com os alunos (e não para os alunos),
pesquisa, observa, levanta hipóteses, analisa, reflete, descobre, aprende,
reaprende”. Há mais de quatro décadas uma jovem estudante se sentiu
inspirada por um professor que a colocou como protagonista da sua
aprendizagem, hoje nós já integramos o protagonismo como uma necessidade
no nosso Currículo Nacional.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) evoca o protagonismo como


fundamental e promissor nos processos em sala de aula para formação de
cidadãos letrados (não meramente decodificadores), críticos (conscientes de si
e do outro) e seguros (sabendo o quê e por quê aprenderam).

Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, o adolescente/jovem


participa com maior criticidade de situações comunicativas
diversificadas, interagindo com um número de interlocutores cada
vez mais amplo, inclusive no contexto escolar, no qual se amplia o
número de professores responsáveis por cada um dos
componentes curriculares. (...) A continuidade da formação para a
autonomia se fortalece nessa etapa, na qual os jovens assumem
maior protagonismo em práticas de linguagem realizadas dentro e
fora da escola. (BNCC, 2018, p.136)

A geração que está atualmente em fase escolar se encaixa


perfeitamente neste conceito de protagonismo em razão de serem a “geração
do engajamento”. Por causa do amplo acesso às redes sociais e tecnologias de
comunicação, esse grupo busca propósito para tudo que fazem, sentindo
sempre a necessidade de se sentir parte de algo. Para esse estudante não é
nenhum pouco interessante, e não faz parte de sua natureza, agir como
secundário em seu processo de aprendizagem. A aquisição de conhecimentos
nessa geração se dá através da prática e, mais do que isso, de uma prática
autônoma e não engessada.

Como então ensinar a língua portuguesa e seus modos de uso para a


geração do corretor ortográfico? Primeiro, elucidar que LP não é composta
apenas de regras gramaticais, além da escrita ela abarca ainda as
competências de oralidade e leitura. O objetivo principal das aulas de
português não é ensinar regras, mas “chegar aos usos sociais da língua, na
forma que ela acontece no dia-a-dia da vida das pessoas” (ANTUNES, 2003, p.
109). A partir deste ponto já podemos inferir que, como a BNCC afirma, o
ensino de LP é uma atividade multiletrada onde podemos aliar práticas da
cultura digital, práticas de leitura e cosmovisões diversas, acompanhando o
que há de mais interessante na vivência social dos estudantes e utilizando-se
deles em sala de aula. Por exemplo, se um grupo de estudantes tem muito
gosto pela cultura oriental, porque não trazer gibis com conteúdo anime para
práticas de leitura e interpretação? Se outro grupo tem interesse pelas ditas
fanfics, narrativas escritas por fãs de grandes obras literárias e
cinematográficas, pode-se trabalhar gêneros textuais a partir de alguma obra
popular retirada de plataformas publicadoras de fanfics.

Quanto mais acessível e próximo do gosto dos estudantes for um


conteúdo, mais interessante a aula se torna e pode ser ainda mais proveitoso
trabalhar qualquer outro conteúdo que possa ter sido rejeitado anteriormente. O
que queremos reafirmar aqui é que os recursos utilizados devem se aproximar
mais dos gostos coletivos dos estudantes baseados nos interesses gerais de
cada geração do que do interesse individual do professor. Qual recurso vai ser
utilizado não deve ser a preocupação principal do professor, mas se o recurso
vai captar o interesse dos estudantes, permitindo-lhes adquirir conhecimento,
senso crítico e formação completa como indivíduos sociais.
REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo:


Parábola Editorial, 2003.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,


2018.

DIONÍSIO, A.P; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros Textuais


e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.

PINHEIRO, Rafael. Interatividade, engajamento e criatividade como elementos


necessários na atualidade. Direcional Escolas: a revista do gestor escolar, São
Paulo: , 2022. Disponível em
<https://direcionalescolas.com.br/interatividade-engajamento-e-criatividade-co
mo-elementos-necessarios-na-atualidade/> Acesso em 07 out. 22.

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