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Conceitos introdutórios: Objeto da ética – problemas morais e problemas éticos,


o campo da ética, definição da ética, ética e filosofia, a ética e outras ciências.
Adolfo Sánchez VÁZQUEZ, Ética, capítulo I.

Problemas morais e problemas éticos


 O comportamento humano prático-moral, ainda que sujeito à variação de uma
época para outra e de uma sociedade para outra, remonta às origens do ser
humano como ser social.
 A este comportamento prático-moral, posteriormente, ocorre a reflexão sobre ele.
 Os seres humanos não só agem moralmente (enfrentamento de problemas nas
relações mútuas, tomada de decisões, realização de certos atos para sua
resolução, julgamento e avaliação de uma ou de outra maneira dessas decisões
ou atos), mas também refletem sobre esse comportamento prático e o tomam
como objeto da sua reflexão e do seu pensamento.
 Dá-se a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral, ou
seja, da moral efetiva, vivida, para a moral reflexiva. Quando se dá está
passagem, coincidente com o início do pensamento filosófico, estamos na esfera
dos problemas teórico-morais ou éticos.
 A diferença entre os problemas prático-morais e os éticos é que os últimos são
caracterizados pela sua generalidade. O problema do que fazer em cada
situação concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético.
 Por outro lado, definir o que é bom, não é um problema moral cuja decisão
caiba a cada indivíduo particular, mas um problema geral de caráter teórico,
de competência do investigador da moral, ou seja, do ético.
 Decidir e agir em uma situação concreta é um problema prático-moral,
mas investigar o modo pelo qual a responsabilidade moral se relaciona com a
liberdade e com o determinismo aos quais nossos atos estão sujeitos é um
problema teórico, cujo estudo é da competência da ética.
 Problemas éticos também são o da obrigatoriedade moral, isto é, o da
natureza e o do fundamento do comportamento moral, enquanto obrigatório, bem
como o da realização moral, não só no empreendimento individual, mas também
como empreendimento coletivo.
 Os problemas teóricos e os problemas práticos, no terreno moral, se
diferenciam, mas não estão separados por uma barreira intransponível:
 As soluções que se dão aos primeiros não deixam de influir na colocação e na
solução dos segundo – na própria prática moral; por sua vez, os problemas
propostos pela moral prática vivida, assim como suas soluções, constituem
matéria de reflexão, o fato ao qual a teoria ética deve retornar constantemente
para que não seja uma especulação estéril, mas a teoria de um modo efetivo,
real, de comportamento do ser humano.

O campo da ética:
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 Os problemas éticos se caracterizam pela sua generalidade, o que os


distingue dos problemas morais da vida cotidiana, que são os que se apresentam
nas situações concretas.
 Desde que a solução dada aos primeiros influi na vida moral, a ética pode
contribuir para fundamentar ou justificar certas formas de comportamento moral.
Por causa do seu caráter prático, enquanto disciplina teórica, tentou-se ver na
ética uma disciplina normativa, cuja função fundamental era a de indicar, o ponto
de vista moral, o melhor comportamento.
 A caracterização da ética como disciplina normativa pode se levar a esquecer seu
caráter propriamente teórico. O ético transforma-se assim numa espécie de
legislador do comportamento moral dos indivíduos ou da comunidade. Mas, a
função fundamental da ética é a mesma de toda teoria: explicar,
esclarecer ou investigar determinada realidade, elaborando os conceitos
correspondentes.
 Por outro lado, a realidade moral varia historicamente e variam os seus princípios
e as suas normas.
 A ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência
humana ou forma de comportamento dos seres humanos, o da moral,
considerado em sua totalidade, diversidade e variedade.
 O que se afirme sobre a natureza ou o fundamento das normas morais deve valer
para a moral da sociedade grega ou para a moral que vigora em uma sociedade
pós-moderna. É isto que assegura o seu caráter teórico e evita sua redução a uma
disciplina normativa ou pragmática.
 O valor da ética está naquilo que se explica e não no fato de prescrever
ou recomendar com vistas às situações concretas.
 Importante: A ética, como qualquer teoria, é explicação daquilo que foi
ou é, e não uma simples descrição. Não lhe cabe formular juízos de valor
sobre a prática moral de outras sociedades ou de outras épocas, em nome
de uma moral absoluta e universal, mas deve explicar a razão de ser
desta pluralidade e das mudanças da moral, isto é, deve esclarecer o fato
de os seres humanos terem recorrido a práticas morais diferentes e até
opostas.
 A ética parte do fato da existência da história da moral, isto é, toma como
ponto de partida à diversidade de morais no tempo, com seus respectivos
valores, princípios e normas.
 Como teoria, não se identifica com os princípios e com as normas de
nenhuma moral em particular e, tampouco, pode adotar uma atitude
indiferente e eclética em diante delas.
 Junto com a explicação de suas diferenças, deve investigar o princípio que
permita compreendê-las no seu movimento e no seu desenvolvimento.

Definição da ética:
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 Não se podem confundir ética e moral. A ética não cria a moral. A ética se
depara com uma experiência histórica / social no terreno da moral,
 ou seja, com uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas,
procura determinar a essência da moral:
 sua origem,
 condições objetivas e subjetivas do ato moral,
 fontes de avaliação moral,
 a natureza e a função dos juízos morais,
 os critérios de justificação desses juízos e
 o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas
morais.
 A ética é a teoria ou a ciência do comportamento moral dos seres
humanos em sociedade. É a ciência de uma forma específica de
comportamento humano:
 1) A ética tem um caráter científico, correspondendo à necessidade de uma
abordagem científica dos problemas morais;
 2) A ética se ocupa de um objeto próprio: o setor da realidade humana
chamado moral, por um tipo peculiar de fatos ou de atos humanos.
 3) Parte de certo tipo de fatos visando descobrir-lhes os princípios gerais,
não permanecendo no nível de uma descrição ou de um registro dos mesmos,
mas os transcende com conceitos, hipóteses ou teorias.
 4) Como conhecimento científico deve aspirar à racionalidade e a
objetividade, proporcionando conhecimentos sistemáticos, metódicos e
comprováveis;
 5) O objeto da ética é o ato moral: a moral não é ciência, mas objeto da
ciência, sendo por ela investigada ou estudada.
 O objeto de estudo da ética é constituído por vários tipos de atos
humanos:
 Atos conscientes e voluntários dos indivíduos que afetam outros
indivíduos, determinados grupos sociais ou a sociedade em seu conjunto.
 Moral vem do latim – mos ou mores, costume ou costumes, no sentido de um
conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito, assim o comportamento
adquirido ou modo de ser conquistado pelo ser humano.
 Ética vem do grego ethos, que significa modo de ser ou caráter, enquanto forma
de vida também adquirida ou conquistada pelo ser humano.
 Portanto, ambos – caráter e costume – assentam-se num modo de
comportamento que não corresponde a uma disposição natural, mas que é
adquirido ou conquistado por hábito.

Ética e filosofia:
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 Definida como um conjunto sistemático de conhecimentos racionais e


objetivos a respeito do comportamento humano moral, a ética se
apresenta como um objeto específico que se pretende estudar
cientificamente.
 Tal fato se opõe à concepção tradicional que a reduzia a um simples
capítulo da filosofia. A moral não é científica, mas suas origens, seus
fundamentos e sua evolução podem ser investigados racional e objetivamente, ou
seja, do ponto de vista da ciência.
 A ética filosófica preocupa-se mais em buscar a concordância com
princípios filosóficos universais do que com a realidade moral no seu
desenvolvimento real e histórico, donde resulta também o seu caráter
absoluto e apriorístico das suas afirmações sobre o bom, o dever, os valores
morais, dentre outros.
 Em favor do caráter puramente filosófico da ética argumenta-se também
que as questões éticas sempre constituíram parte do pensamento
filosófico.
 A ética tende a estudar um fenômeno que se verifica realmente na vida do ser
humano como ser social e constituem o chamado mundo moral; procura estudá-lo
não o deduzindo de princípios absolutos ou apriorísticos, mas o baseado nas suas
raízes da existência histórica e social do homem.
 A ética científica é incompatível com qualquer cosmovisão universal ou
totalizadora que se pretenda colocar acima das ciências positivas ou em
contradição com elas. Deve-se apoiar em uma filosofia relacionada com outras
ciências e não com a filosofia especulativa, que pretenda deduzir de princípios
absolutos a solução dos problemas éticos.
 A ética não prescinde de uma concepção filosófica do ser humano, no
caso histórico, social, prático, isto é, um ser que transforma
conscientemente o mundo que o rodeia.
 O comportamento moral não é uma manifestação de uma natureza humana
eterna e imutável, dada de uma vez para sempre, mas de uma natureza que está
sujeita ao processo de transformação que constitui a história da humanidade.
 A moral é inseparável da atividade prática do ser humano, a ética nunca pode
deixar de ter como fundamento a concepção filosófica do ser humano
como ser total, social, histórico e criador.

A ética e outras ciências


 A ética se relaciona com ciências que estudam a relação e o
comportamento dos seres humanos em sociedade e proporcionam dados
e conclusões que contribuem para esclarecer um tipo de comportamento
humano – a moral.
 A psicologia ajuda a ética, quando coloca em evidência as leis que regem
as motivações internas do comportamento do indivíduo, assim como
quando mostra a estrutura do caráter e da personalidade.
 A psicologia auxilia quando esclarece as condições internas e subjetivas
do ato moral.
 Quanto às ciências sociais, elas auxiliam a ética no sentido de pensar que
o indivíduo é um ser social, que parte de determinada estrutura social e
está inserido em uma rede de relações sociais. O seu modo de se
comportar moralmente não tem um caráter puramente individual, mas
social.
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 Já a história mostra que, para a ética, é preciso ter claro que o


comportamento humano varia e se diversifica no tempo.
 Os dados da antropologia e da história contribuem para que a ética se
afaste de uma concepção absolutista ou supra-histórica da moral, ao
mesmo tempo em que coloca a necessidade a abordar o problema de há aspectos
que perduram ao longo do tempo.
 Há uma relação com o direito, já que o direito estuda o comportamento
normativo. Mas em muitos casos é coercitivo o que não ocorre com a ética.
 Já a economia política fala sobre as relações econômicas que os seres humanos
contraem no processo de produção, já que:
 1) as relações econômicas influem na moral dominante numa determinada
sociedade;
 2) os atos econômicos apresentam uma conotação moral, já na forma como é
organizado.

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