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Arquitetura e pedagogia

O ensino em uma perspectiva espacial

Mario Fernando Petrilli do Nascimento, arquiteto e urbanista

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Antecedentes

• Antiguidade
• Inexistência de espaços específicos

• Ensino em praças e áreas livres (fora das aglomerações urbanas)

• Império Romano e início da Idade Média


• Utilização de espaços concebidos para outros fins

• Ensino em igrejas, templos, monastérios

• Ensino em residências

• Desenvolvimento do edifício escolar a partir de outras tipologias

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Primeiros espaços

• Abadia de Cluny (século X)

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Desenvolvimento da tipologia

• Séculos XVII e XVIII


• Ensino seriado: divisão de tarefas produtivas estendida ao ensino

• Influência das primeiras manufaturas

• Período Imperial brasileiro


• Escolas em frente a praças, posição de destaque (como a das igrejas)

• Edificações proeminentes

• Influência da arquitetura religiosa permanece

• Séculos XIX e XX
• Crescente especialização dos ambientes

• Ampliação do programa de necessidades

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A relação arquitetura-pedagogia

• Aspectos que permearam a atuação do arquiteto ao projetar escolas


(especialmente no último século):
• Aspecto disciplinar

• Preocupações médico-higienistas

• Papel simbólico / Escala / Tipologia

• Programa de necessidades

• Distribuição (organização) dos espaços no edifício

• Organização do espaço da sala de aula

• Aspecto lúdico

• Localização da escola e inserção urbana

• Inovação tecnológica

• Flexibilidade dos espaços

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O aspecto disciplinar

• Até o século XIX, organização espacial coerente com uma proposta pedagógica
centrada no controle e na disciplina rigorosa.

• Separação das salas (graus, sexo)

• Carteiras dispostas em filas, fixas no chão.

• Posição de destaque dada ao professor, sobre um estrado e em permanente estado


de vigilância.

• Simetria da planta, que propiciava uma distinção nítida entre os setores masculino
e feminino, com acessos independentes.

• Michel Foucault: a "arte da distribuição no espaço" foi aplicada a escolas para


assegurar sua disciplina, inclusive com elementos do panóptico.

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O aspecto disciplinar

Panóptico de Jeremy Bentham, citado por Foucault

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O aspecto disciplinar

Escola Caetano de Campos - São Paulo

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Preocupações médico-higienistas

• Idade Média: crença de que a proximidade com a natureza poderia cooperar para
uma melhor educação.

• Núcleos fora do contexto urbano, inseridos na natureza: Oxford (1096) e


Cambridge (1209)

• Brasil: no início do século XX, escolas passaram a ter gabinete médico e dentário,
além de ginásio equipado com vestiário.

• Códigos de Obras paulistanos (1934 e 1992) com exigências específicas para


escolas: dimensões mínimas para salas de aula, pé-direito, ventilação e iluminação
naturais, pátio coberto e descoberto.

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O papel simbólico

• Pierre-Félix Guattari (1930-1992), psicoterapeuta francês: "os edifícios e construções


de todos os tipos são máquinas enunciadoras, portadoras de universos
incorporais".

• A evolução da tipologia escolar trouxe consigo o desenvolvimento de uma nova


linguagem e de novos sinais que a identificassem, a partir do repertório formal já
existente.

• Agustín Escolano: “a localização, o volume, o traço geométrico, os sinais que o seu


desenho mostra, os símbolos que incorpora... tornam inconfundível seu objetivo e
permitem sua fácil identificação”.

• Brasil, final do século XIX: escolas possuíam forte monumentalidade, com fachadas
ornamentadas, acesso por escadarias, entre outros elementos. O contexto político
era de ruptura com o período imperial.

• CIEP, CIAC e CEU: símbolos da presença do Estado.

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O papel simbólico

Escola Caetano de Campos - São Paulo

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O papel simbólico

CIEP em São Gonçalo - RJ

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Escala (dimensionamento)

• Dimensionamento dos ambientes e objetos: podem ou não ser adequados aos


alunos.

• Maria Montessori: Casa das crianças (Casa dei bambini), com espaços e mobiliário
em tamanho compatível com o público infantil (ambiente preparado).

• Richard Neutra: na Corona School, salas com pátios de uso exclusivo, permitindo o
contato dos alunos com a natureza durante o período de estudo. Área e pé-direito
maiores que o convencional (maior circulação de ar).

• Interfere na apreensão do papel simbólico do edifício.

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Escala (dimensionamento)

Apollo School - Herman Hertzberger


Amsterdam - Holanda

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Tipologia

• Até a primeira década do século XX, soluções geometricamente bastante simples,


com uma forma externa bem definida, sem recortes e uma rígida simetria.

• A Escola Nova (a partir das décadas de 1920 e 30) usou a linguagem da arquitetura
moderna, com sua estética racionalista, a valorização das funções e diálogo entre
as áreas internas e externas da edificação.

• SP: Na década de 1960, a contratação de projetos estimulou o surgimento de


propostas inovadoras, mas com pouco diálogo entre arquitetos e educadores.

• A partir da década de 1970, a padronização dos componentes diminuiu a variedade


das tipologias encontradas.

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Tipologia

Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Escola Parque) - Diógenes Rebouças


Salvador - Bahia

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Programa de necessidades (ambientes)

• Ganhou importância com a ampliação dos serviços oferecidos pelas instituições


escolares.

• Até o século XIX: apenas salas de aula, sanitários (externos) e, em muitos casos, uma
sala administrativa.

• Décadas de 1920 e 1930: primeiros ambientes de apoio ao ensino, como as


bibliotecas, além dos consultórios médicos.

• Década de 1950: aproximação entre escola e comunidade, com auditórios e áreas


para educação física mais amplas.

• A partir da década de 1980: em algumas iniciativas, como os CIEPs, CIACs e os CEUs,


a escola passa a ter um programa de necessidades próximo ao de um centro
cultural, comunitário e de lazer.

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Distribuição dos ambientes

• Reflete a hierarquia entre os espaços: a relação que existe entre a estrutura de


papéis e a estrutura ou disposição espacial da escola.

• Ex.: Direção da escola. Central = disciplinar. Próxima ao acesso = interface com a


comunidade.

• Viñao Frago: A distância entre a direção e as salas de aula corresponde, em certa


medida, à autonomia dos professores.

• Espaços de encontro: até década de 1930, proporcionalmente pequenos. Após,


houve sua crescente valorização como articuladores dos demais espaços (local de
encontro e distribuição dos estudantes).

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Distribuição dos ambientes

Modelo de escola urbana proposto por Richard Neutra

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Organização da sala de aula

• Antes da Escola Nova: fileiras com um ou dois alunos e corredor entre elas, mesa do
professor à frente, próximo à lousa, do lado oposto à entrada da sala, sobre estrado
ou elevação do piso (posição de superioridade em relação aos alunos).

• John Dewey e Maria Montessori: abandono da submissão hierárquica; salas de aula


como o lugar do “jogo do saber”. Maior liberdade de distribuição no interior da
sala, como representação da criatividade de docentes e estudantes.

• Métodos e técnicas de ensino ativos: alunos se agrupam de forma diversa para


cada tipo de trabalho (em grupo, em círculo etc.).

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Organização da sala de aula

Alternativas de disposição das carteiras em sala


de aula (Neufert)

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Aspecto lúdico

• Sugerido por educadores, como Rousseau, desde o século XVIII.

• Uso de brinquedos com fins pedagógicos: Friedrich Wilhelm Froebel, criador do


termo “jardim de infância”.

• Maria Montessori (século XIX e XX), idealizou o “ambiente preparado”: espaço e


objetos desenvolvidos para o uso didático propiciam um aprendizado com
liberdade e naturalidade.

• Bonecos Waldorf: ajudam a criança a desenvolver a afetividade e a capacidade


de relacionamento.

• Herman Hertzberger e outros trouxeram o aspecto lúdico ao espaço construído


(interação com o edifício escolar).

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Aspecto lúdico

Escola Montessoriana - Herman Hertzberger


Delft - Holanda

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Aspecto lúdico

Vittra Telefonplan - Rosan Bosch


Estocolmo - Suécia

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Aspecto lúdico

Vittra Telefonplan - Rosan Bosch


Estocolmo - Suécia

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Localização da escola e inserção urbana

• Relação entre escola e entorno: pode ser de continuidade ou de ruptura.

• No final do século XX e início do XXI: muitas escolas implantadas em áreas com


população de baixa renda e entorno físico degradado. Em alguns casos, a escola
era o único equipamento público presente em todo o bairro.

• Exemplos: CIEP, CEU

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Localização da escola e inserção urbana

CEU Jambeiro
São Paulo
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Inovação tecnológica

• Hoje: laboratórios de informática e uso de equipamentos em sala de aula, como


tablets e projetores.

• Novas questões: como a tecnologia poderá repercutir na arquitetura escolar?

• Haverá arquitetura escolar ou o ensino será remoto?

• Qual será a função da escola (e a de seus ambientes) neste novo contexto?

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Flexibilidade dos espaços
• Escolas construídas há mais de 50 anos têm dificuldades para se ajustar ao programa de necessidades atual.
Itens como quadra poliesportiva ou a adequação às normas de acessibilidade acabam sendo atendidos de
forma precária.

• Espaço flexível: capaz de receber usos diversos daqueles inicialmente previstos ou de adaptar às novas
condicionantes destes mesmos usos.

• Viñao Frago: "É necessário abrir o espaço escolar e construí-lo como lugar de um modo tal que não restrinja
a diversidade de usos ou sua adaptação a circunstâncias diferentes. Isso significa fazer do professor um
arquiteto, isso é, um pedagogo e, da educação, um processo de configuração de espaços".

• Idem: o espaço deve ser "antes possibilidade que limite".

• Richard Neutra: "uma sala de aula na qual o professor é obrigado a manter sempre a mesma posição, na
qual os alunos ocupam sempre os mesmos lugares e onde o material de ensino, mais os móveis, estão
sempre dispostos da mesma maneira, está fadada a tornar-se, cedo ou tarde, uma verdadeira prisão”.

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Flexibilidade dos espaços

Macquarie University - Walter Abraham


Sydney - Austrália
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Flexibilidade dos espaços

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Citações
• Escolano: O “currículo oculto” embutido na arquitetura escolar desempenha um importante papel “na
formação das primeiras estruturas cognitivas dos alunos”.

• Georges Mesmin, citado por Viñao Frago: O arquiteto é um educador, e seu ensinamento “transmite-se
através das formas que ele concebeu e que constituem o entorno da criança desde a sua mais tenra idade”.

• Viñao Frago: “Todo educador, se quiser sê-lo, tem de ser arquiteto. De fato, ele sempre o é, tanto se ele
decide modificar o espaço escolar, quanto se o deixa tal e qual está dado. O espaço não é neutro. Sempre
educa. Resulta daí o interesse pela análise conjunta de ambos os aspectos – o espaço e a educação –, a fim
de se considerar suas implicações recíprocas”.

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https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-19062012-122428/pt-br.php

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Obrigado!

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Escola Normal de São Paulo
Arquiteto: Ramos de Azevedo - 1894

Alunos da Escola Caetano de Campos - início do século XX


Corona School
Arquiteto: Richard Neutra - 1935

Perspectiva
Corona School
Arquiteto: Richard Neutra - 1935

Planta baixa
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Corona School
Arquiteto: Richard Neutra - 1935

Interior da “listening classroom


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Corona School
Arquiteto: Richard Neutra - 1935

Pátio da “listening classroom


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Escola montessoriana em Delft - Holanda
Arquiteto: Hermann Hertzberger - 1960

Vista aérea
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Escola montessoriana em Delft - Holanda
Arquiteto: Hermann Hertzberger - 1960

Acesso à escola
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Escola montessoriana em Delft - Holanda
Arquiteto: Hermann Hertzberger - 1960

Brinquedos utilizados no método Montessori


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Escola montessoriana em Delft - Holanda
Arquiteto: Hermann Hertzberger - 1960

Pátio interno
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Escola montessoriana em Delft - Holanda
Arquiteto: Hermann Hertzberger - 1960

Vitrine para trabalhos dos alunos ou objetos de decoração


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Escola montessoriana em Delft - Holanda
Arquiteto: Hermann Hertzberger - 1960

Alunos em atividade externa


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Escola montessoriana em Delft - Holanda
Arquiteto: Hermann Hertzberger - 1960

Planta baixa
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Escola Waldorf em Überlingen - Alemanha
Arquitetos: Wilfried Ogilvie e Gundolf Bockemühl - 1972

Vista aérea
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Escola Waldorf em Überlingen - Alemanha
Arquitetos: Wilfried Ogilvie e Gundolf Bockemühl - 1972

Escadaria e pátio
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Escola Waldorf em Überlingen - Alemanha
Arquitetos: Wilfried Ogilvie e Gundolf Bockemühl - 1972

Escadaria e pátio
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Escola Waldorf em Überlingen - Alemanha
Arquitetos: Wilfried Ogilvie e Gundolf Bockemühl - 1972

Área interna
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Escola Waldorf em Überlingen - Alemanha
Arquitetos: Wilfried Ogilvie e Gundolf Bockemühl - 1972

Planta baixa pavimento térreo


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Escola Waldorf em Überlingen - Alemanha
Arquitetos: Wilfried Ogilvie e Gundolf Bockemühl - 1972

Planta baixa primeiro pavimento


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CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) - Brasil
Arquiteto: Oscar Niemeyer - 1983

CIEP São Gonçalo - RJ


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CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) - Brasil
Arquiteto: Oscar Niemeyer - 1983

CIEP Valença - RJ
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CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) - Brasil
Arquiteto: Oscar Niemeyer - 1983

Vista aérea
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CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) - Brasil
Arquiteto: Oscar Niemeyer - 1983

Corte transversal e pré-fabricação de componentes


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CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) - Brasil
Arquiteto: Oscar Niemeyer - 1983

Planta baixa térreo e primeiro pavimento


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CEU (Centro Educacional Unificado) - Brasil
Arqs.: Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderlei Ariza - 2003

CEU Perus - São Paulo


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CEU (Centro Educacional Unificado) - Brasil
Arqs.: Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderlei Ariza - 2003

CEU Aricanduva - São Paulo


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CEU (Centro Educacional Unificado) - Brasil
Arqs.: Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderlei Ariza - 2003

CEU Jambeiro - São Paulo


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CEU (Centro Educacional Unificado) - Brasil
Arqs.: Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderlei Ariza - 2003

Creche
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CEU (Centro Educacional Unificado) - Brasil
Arqs.: Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderlei Ariza - 2003

CEU Rosa da China


Elevação e planta baixa primeiro pavimento 62
Obrigado!

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