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c o c o . . . D EBATE
Muúller de Quadros **
Educação de Surdos em
35
Escola Inclusiva?
A política nacional de edu-
cação atual favorece a educa-
ção integradora, ou seja, aque-
la que esteja organizada para
atender a todos, incluindo os
portadores de necessidades
especiais (concepção que está
sendo divulgada pelo MEC nos
meios de comunicação). O
que sustenta essa política é a
Declaração de Salamanca. Essa vada em consideração, por atendimento clínico com ênfa-
declaração é resultado de uma exemplo, a importância da se no ensino da língua oral
conferência realizada em linguagem dos sinais como (português falado e escrito) e
Salamanca, Espanha de 07 a 10 meio de comunicação para os recuperação das perdas audi-
de junho de 1994 com a pre- surdos, e ser assegurado a to- tivas. Os resultados desses tra-
sença de mais de 392 repre- dos os surdos acesso ao ensi- balhos não são nada estimu-
sentações governamentais e no da linguagem dossinais de lantes.
mais de 25 organizações inter- seu pais. Face às necessidades Através de pesquisa reali-
nacionáis, entre elas represen- específicas de comunicação zadaporprofissionais da PUC
tantes da UNESCO e das Na- de surdos e de surdos-cegos, do Paraná em convênio com
ções Unidas. O objetivo bási- seria mais conveniente que a o CENESP (Centro Nacional de
co dessa Declaração é promo- educação lhesfosse ministra- Educação Especial) pu-
ver a educação para todos. da em escolas especiais ou em blicada em 1986 em Curitiba,
Tendo em vista esse documen- classes ou unidades especiais constatou-se que o surdo apre-
to e a sua seriedade diante de nas escolas comuns.
sua representatividade, nós senta muitas dificuldades em
(Declaração de relação aos pré-requisitos
gostaríamos de pensar sobre a Salamanca, 1994)
educação de surdos. quanto à escolaridade, e 7á%
Conforme previsto pela Li- não chega a concluir o 1º
Quando se menciona o
nha de Ação da Declaração no atendimento especial, logo se grou. Segundo a FENEIS, o
capítulo II, artigo 21, os alunos associa a supressão de deficiên- Brasil tem aproximadamente
surdos devem ter um atendi- cias ou atendimento diferen- 5% da população surda total
mento específico: ciado considerando a estudando em universidades
21. As políticas educativas integração na sociedade. No ea maioria é incapaz de li-
deverão levar em conta as di- Brasil, essa concepção levou as dar com o português escrito.
ferenças individuais e as di- escolas especiais para surdos
versas situações . Deve ser le- a realizarem programas de (FENEIS, 1995:07)
INES
ESPAÇO Nós acreditamos que a edu-
cação de surdos, na verdade,
JUN/97
deve acontecer em uma esco-
la regular de ensino que apre- professores em geral, funcio-
SÓ senta uma peculiaridade: lín- nários), familiares e comunida-
gua utilizada-para difundir co- de surda (representantes de culturais e políticas da comu-
nhecimento é a língua de si- associações de surdos e outras nidade surda. Esse equívoco,
nais, no caso do Brasil, a Lín- organizações); assim, es- que não é identificado somen-
gua Brasileira de Sinais LI- tar-se-á observando um dos te no Brasil, desencadeou
BRAS. Além disso, essa escola pontos abordados na Declara- muitos problemas. Na Itália,
estará atendendo a uma comu- ção de Salamanca no item 5: por exemplo,foi realizada uma
nidade que possui história e e bromover e facilitar a pesquisa mencionada por
cultura que tem sua própria participação depais, comuni- Skliar (no prelo) que verificou
forma de expressão. Dessa for- dades e organizações de pes- o baixo rendimento dos alu-
ma estará sendo observada a soas com deficiência no pla- nos surdos integrados em clas-
Declaração dos Direitos Hu- nejamento e noprocesso de to- ses regulares por não possuí-
manos de 1954: mada de decisões para aten- rem competência linguística
(...) é um axioma afirmar der a alunos e alunas com ne- básica, condição mínima para
que a língua materna - língua cessidades educativas especi- o acompanhamento das aulas.
natural - constitui a forma ais. Além disso, nessa mesma pes-
idealpara ensinar a uma crian- quisa, aos professores regen-
ça (...) Obrigar um grupo a (Declaração de tes de classe foi perguntado se
utilizar uma língua diferente Salamanca, 1994)* eram feitas simplificações dos
da sua, mais do que assegu- conteúdos escolares para os
rar a unidade nacional, con- Diante das citações feitas, alunos surdos e as respostas
tribui para que esse grupo, podemos antecipar uma con- indicaram que 80% dos con-
vítima de uma proibição, clusão e afirmar que a teúdos eram simplificados e/
segregue-se cada vez mais da integração dos surdos em es- ou reduzidos, o que para nós
vida nacional (...) colas comuns, considerando a (e certamente para os profes-
perspectiva dos programas de sores que têm alunos integra-
(UNESCO, 1954)! escolas inclusivas, é um equí- dos em classes comuns) não é
| Essa citação da UNESCO foiretirada do artigo de Skeliar et ali. (1995) e foi traduzida do espanholpara o português por Ronice Miller deQuadros. Talpassagem não for
consultada na sua forma original
2 Nós não vamos nos deter à terminologia nsada nascitações, tais como deficiência, necessidades educativas especiais, educação e escolas espectais, no entanto, registramos a nossa
discordância do uso de tais termos.
INES
escolas ou unidades somente ESPAC(
para surdos em sinais. A segun- JUN/97
da implicação está relacionada
com os conhecimentose infor- 37
mações trabalhados dentro relacionada ao português.
das escolas. Em que língua es- Como a escola inc.usiva vai tra-
ses conhecimentos escolares balhar com o português como
é limitado. são trabalhados nas escolasin- segunda língua com alunos
Nesse sentido, vamos discu- clusivas? Como a arquitetura surdos, se deve trabalhar com
tir sobre algumas das implica-
ções da integração de surdos
em escolas comuns (escolas
inclusivas).
|. Implicações Linguísticas-
Como já introduzi, anterior- a
e a
mente pela própria Declaração
se
esco|
lasqe
DI dtam E . voa
de Salamanca e pela Declara-
ção dos Direitos Humanos, os
4 cultural nnão:sódossurdos,
alunos surdos têm o direito de
terem acesso ao conhecimen-
to através da sua própria lín- da escdiá Pnidiiai está orga- essa língua partindo do pres-
gua, ou seja, a LIBRAS. A pri- nizada para trabalhar com os suposto de que seja a primei-
meira implicação linguística conteúdos escolares em sinais? ra língua dos demais alunos?
está relacionada com o fato de Nós sabemos que a língua usa- Ademais, se a escola inclusiva
95% dos alunos surdos serem da é o português (oral e escri-
não está conseguindo garantir
filhos de pais que não domi- to) para atender a esse objeti-
a aquisição da primeira língua,
nam a LIBRAS; portanto, a es- vo €, como já vimos, os surdos
a língua de sinais, comoela po-
cola para surdos se torna mais acabam tendo acesso a uma
derá garantir o processo de
fundamental ainda, pois pre- quantidade extremamente li-
aquisição do português, que é
cisa garantir a aquisição da lín- mitada desses conhecimentos.
uma segunda língua para sur-
gua de sinais que é a língua Um outro exemplo disso é a
que servirá de instrumento co- própria escrita, pois muitos dos, sem uma primeira língua?
municativo para o desenvolvi- dos alunos não conseguem se Simplesmente isso é impossí-
mento educacional. Devemos alfabetizar e quandoclassifica- vel. Precisamos pensar em
salientar que a aquisição de dos como alfabetizados apre- uma escola possível para sur-
uma língua de forma natural e sentam níveis de leitura e es- dos e essa precisa ter comolín-
espontânea é a chave para a crita questionáveis. Conforme gua a língua de sinais”.
aquisição da linguagem. Como mencionado por Quadros 2. Implicações Sócio-Po-
a escola inclusiva garante essa (1997), uma pesquisa america- líticas - Uma das implicações
aquisição? Quais são os profis- na citada por Duffy (1987) sociais está relacionada com a
sionais que usam a língua de constatou que apenas 10% dos alteridade (Bhabha, 1994), isto
sinais dentro das escolas inclu- adultos surdos são alfabetiza- é, com a identidade social (cul-
sivas? Às respostas a essas per- dos em inglês e a média de lei- tural e histórica). Na verdade,
guntas nos evidenciam os pro- tura e escrita dos alunos com os surdos precisam aprender
blemas que não têm como se- o segundo grau completo a ser surdos (Padden, 1988),
rem contornados em classes corresponde à quinta série. as crianças surdas precisam ter
comuns, a não ser através de Uma terceira implicação está referências de adultos surdos
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am a LA”
sinais, aspectos da língua de
INES sinais, a existência de organi-
zações mundiais, nacionais e
ESPAÇO regionais para surdos, o uso
do intérprete de língua de si- em todos os níveis de forma-
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nais, a escrita da língua de si- ção torna-se um deficiente. As-
sim sendo, precisamos pensar
40 nais. Tais tópicos precisam ser
abordados para que os alunos em escolas para surdos com
venham a participar da cons- um projeto educacional
trução da própria história com construído com a participação
referentes claros quanto a sua da comunidade escolar com comunidade surda, enquanto
existência dentro de uma co- base na realidade de cada re- parte integrante da comunida-
munidade maior. gião e com z.enção especial às de escolar, precisa participar
Todas essas implicações implicações mencionadas nes- das decisões políticas que di-
convergem para problemas de te trabalho entre outras possí- zem respeito ao processo edu-
ordem psicossocial que acarre- veis. Dessa forma, estaremos cacional de crianças surdas.
ta em distúrbios nas relações observando o que é previsto Assim estaremos trabalhando
sociais. A falta de identidade da pelas convenções dos Direitos para formar cidadãos conscien-
pessoa surda enquanto parte Humanos, ou seja, todas as tes do seu próprio processo
de um grupo social provoca pessoas têm o direito de fazer educacional em uma escola
uma série de problemas emo- parte da tomada de decisões regular para surdos, mas para
cionais difíceis de serem con- nas questões sociais, culturais, surdos. Somente dessa forma
tornados ao longo da vida da econômicas e políticas que di- estaremos garantindo a verda-
pessoa surda, além dos proble- zem respeito a elas mesmas. A deira integração social.
mas acarretados pela falta de
afetividade nas relações com
os colegas. Não estamos falan-
do de solidariedade, pois sem-
pre há colegas nas escolas co-
muns que são muito
prestativos (dando respostas,
emprestando os cadernos para
serem copiados, etc.); mas sim
estamos nos referindo à cum-
plicidade natural entre amigos
que surgem dentro da escola
e na relação com os professo-
res. Conhecemos vários sur-
dos com condições econômi-
cas favoráveis que buscam tra-
tamentos psicoterápicos quan-
do adultos por perceberem
problemas relacionais que es-
tão ligados à falta de identida-
de própria enquanto pessoa
surda. Diante dessas circuns-
tâncias, o aluno surdo que não
tem uma língua que assegura
a aquisição da linguagem, que
não tem uma identidade pes-
soal, cultural e social e que não
tem uma educação acessível