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A Microscopia.

Uma Grande Mudança de Paradigma


Na primeira metade do século XIX, entretanto, o desenvolvimento das
ciências básicas ou pré-clínicas muito contribuiu para melhorar a
infraestrutura no exercício da medicina. A fisiologia e a química fizeram
grandes progressos, porém, o mais importante foi o desenvolvimento do
microscópio, por revolucionar a compreensão da anatomia e da patologia.
A teoria celular e o exame direto ao microscópio, introduziram novos
paradigmas no estudo das doenças.
No início o microscópio constituía uma ferramenta de pesquisa que um
grupo relativamente pequeno de investigadores, zoologistas, botânicos,
parasitologistas, etc, tirou grandes proveitos, pois os estudos
microscópicos muito estimularam as pesquisas básicas em busca de novos
conhecimentos. A autopsia macroscópica foi o começo, porém os
verdadeiros avanços em Patologia vieram com o uso das novas técnicas de
preparo dos tecidos, estimuladas, igualmente, pelos estudos
microscópicos. Assim, a microscopia promoveu um entendimento mais
profundo e detalhado das enfermidades, associado com muitos estudos
experimentais. Como resultado, os conceitos básicos em Patologia como a
inflamação, a degeneração, a necrose, a trombose e o câncer, etc,
começaram a ter significados mais precisos, que influenciaram no
diagnóstico, no tratamento, no prognóstico e na prevenção das doenças,
revolucionando a prática médica.
Desde antes de 1844, John Hughes Bennett (1812-1875), médico
patologista, fisiologista, inglês, já reconhecia as limitações da Patologia
macroscópica que, segundo ele, “não mais fornecia fatos suficientemente
novos e importantes o bastante para avançarem o estudo da Patologia,” e,
assim, muito valorizou o uso do microscópio no estudo das doenças em
sua obra: On the Employment of the Microscope in Medical Studies. A
Lecture Introductory to a Course of Histology, Edinburgh, MacLachlan,
Stewart & Co.,1841.
John Hughes Bennett (1812-1875)

Desse modo, o microscópio e os novos métodos químicos de coloração,


em número crescente, no preparo dos tecidos, iriam restaurar o lugar de
importância do exame post-mortem, por fornecerem as respostas, que
apenas o exame macroscópico não mais fornecia. Toda mudança de
paradigma gera incompreensões nos contemporâneos, sendo um exemplo
disto os conflitos entre Karl von Rokitansky (checo: Karel
Rokytanský) (1804-1878), médico patologista, humanista, filósofo e
político liberal, natural da Boêmia, e Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-
1902), médico patologista e político alemão, pioneiro no estudo das bases
celulares da Patologia.
Karl von Rokitansky (1804-1878)

Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902)

Karl von Rokitansky realizou 30.000 autopsias, cerca de 1500 a 1800 por
ano, e supervisionou em torno de 70.000. Foi o patologista macroscópico
mais competente em toda história da medicina. Como é compreensivo
diante dos novos métodos de estudo que surgem, foi um retardatário em
aceitar o microscópio, tendo publicado alguns estudos histopatológicos.
Sua obra principal: Handbuch der patologischen Anatomie, vol. 1 (1842),
vol.2 (1844), vol. 3 (1846). Ele estabeleceu o seu protocolo e a técnica de
necropsia com o exame dos órgãos in situ, onde são cortados e
posteriormente retirados. Rokitansky foi sistemático e completo ao
descrever várias novas condições patológicas e fornecer critérios seguros
para muitas outras. Ele pesava e media os órgãos, e cuidadosamente
procurava por sinais de inflamação, abscessos ou crescimento de tumores,
além de notar anormalidades congênitas, procurando tudo correlacionar
com as informações clínicas.
Rudolf Ludwig Karl Virchow, 17 anos mais jovem do que Rokitansky,
cresceu com o microscópio e contribuiu muito para o seu
desenvolvimento como instrumento de estudo em Patologia. Karl von
Rokitansky, habilidoso como era na Patologia macroscópica, falhou em
suas interpretações teóricas fundamentadas na macroscopia apenas.
Rudolf L. K. Virchow, por seu lado, contribuiu notavelmente para as
teorias básicas em Patologia, graças aos estudos histopatológicos,
afirmando que a origem das doenças está nas células, sendo as suas
teorias sobre o câncer e as células publicadas, respectivamente em: Zur
Entwickelungsgeschichte des Krebses, Archiv pathol Anat Physiol klin Med,
1 (1): 94-204, 1847, & Die Cellularpathologie in ihrer Begründung auf
physiologische und pathologische Gewebelehre, Berlin, 1858.

Zur Entwickelungsgeschichte des Krebses, Archiv pathol Anat Physiol klin


Med, 1 (1): 94-204, 1847.
Die Cellularpathologie in ihrer Begründung auf physiologische und
pathologische Gewebelehre, Berlin, 1858.
Em suma, a autopsia macroscópica tradicional, com cuidadosa atenção
aos aspectos clínicos, foi um estádio preliminar na aquisição do
conhecimento e ainda exerceu importante função neste período, porém a
sua capacidade de fornecer novos conhecimentos tornou-se muito
limitada. O exame macroscópico dos órgãos permaneceu o esteio da
rotina em Patologia e cimentou o já aprendido, porém com relação à
pesquisa serviu, principalmente, para mostrar que novos caminhos de
investigação deveriam ser tomados. O exame apenas macroscópico nas
autópsias permitia definir as doenças, porém não as explicava, o que só foi
possível com o estudo microscópico.

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