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Factores gerais da personalidade

Até ao momento, tentámos identificar alguns dos aspectos mais relevantes


do conceito de personalidade. Debatemo-nos agora com uma questão mais
difícil, que é a de compreender as razões por que as pessoas divergem na
sua personalidade. Porque é que uns são mais extrovertidos, mais
neuróticos, mais abertos, mais simpáticos, mais expansivos, e outros
menos?

Sabemos já que há duas grandes categorias de influências na personalidade,


cuja origem reside na hereditariedade e no ambiente. Para determinar as
possíveis influências destes dois factores, os psicólogos realizaram, como
vimos na unidade 2 e em relação ao Q.L, estudos em que mediram as
semelhanças de traços de personalidade entre gémeos monozigóticos e
outras pessoas com outros graus de parentesco.

 Factores hereditários

Em termos gerais, os resultados indicam que há uma contribuição


moderada da hereditariedade no desenvolvimento da personalidade.

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O sexo, a constituição física e morfológica, o funcionamento dos sistemas
nervoso e hormonal são elementos determinantes de uma estrutura
hereditária básica, a partir da qual se irá estruturando a singularidade
pessoal, particular de cada indivíduo.

O facto de se nascer com um potencial genético para se vir a ser alto ou


baixo, loiro ou moreno, ter pernas tortas e nariz comprido, ter o "pé-raso"
ou queixo proeminente vai influenciar directa ou indirectamente a
personalidade e, consequentemente, o modo como cada um se vê a si
próprio e o modo como se situa no mundo, o encara e lhe reage.

Até que ponto a nossa personalidade dependerá do facto de sermos machos


ou fêmeas?

Ser macho ou ser fêmea é um traço biológico determinado


hereditariamente. Porém os traços de personalidade da masculinidade ou
feminilidade parecem dever-se mais a influências dos estereótipos sociais.
Na nossa sociedade, a personalidade masculina anda associada a ambição,
competitividade, autoconfiança, desejo de assumir riscos; enquanto a
personalidade feminina se associa a traços como lealdade, afeição,
simpatia, espírito de sacrifício. Mas há sociedades em que homens e
mulheres edificam os seus conceitos de masculinidade e de feminilidade
desenvolvendo traços diferentes daqueles.

 Factores do meio

Na unidade Psicologia social evidenciámos que todos nós, enquanto seres


individuais, contamos com uma forte componente social.

O meio social imprime um cunho à personalidade individual pelo facto de


nos desenvolvermos no interior de uma cultura onde vigoram padrões e
normas específicos que se começam a impor ao indivíduo logo após o
nascimento. Veiculadas pela família e pela escola, essas normas
constituem-se como agentes privilegiados de socialização, a que se
acrescenta a influência de outros grupos e dos meios de comunicação
social.

Em suma, os indivíduos vão crescendo e desenvolvendo a sua


personalidade no interior e em função de um dever-ser social. Este é-lhes
apresentado das mais diversas maneiras, nomeadamente pela moda,
convenções, estilos educativos, estereótipos, preconceitos, crenças, valores
e hábitos, vigentes nos vários estratos sociais, nas várias classes

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económicas, nos vários grupos profissionais, académicos, empresariais,
artísticos, políticos, religiosos e outros.

Estes factores são aqueles que vigoram no processo de socialização e que,


pelo seu carácter relativo ao tempo, ao espaço e à cultura, contribuem para
criar, dentro de cada sociedade, uma certa homogeneidade nas formas de
ser, pensar e agir dos indivíduos e, simultaneamente, estabelecer diferenças
estruturais entre indivíduos de cultura ou subculturas diferentes.

É na interacção com os outros que o ser humano constrói o seu "eu" social,
a sua personalidade, interiorizando os modos de ver, perceber, sentir, agir e
reagir da cultura em que vive e que são, afinal, as modalidades de pensar,
sentir e agir dos grupos a que pertence.

 Experiências pessoais

Tudo o que de intenso acontece ao indivíduo deixa marcas positivas ou


negativas na sua personalidade, isto é, na sua maneira particular de ser. A
este assunto nos referimos já na unidade Psicologia de desenvolvimento, ao
abordar as problemáticas da relação precoce mãe-filho e da construção da
identidade na adolescência.

De facto, o que ocorre ao longo da vida, principalmente durante a infância


e a adolescência, as experiências vividas na relação com a famI1ia, escola,
amigos e sociedade em geral, constituem-se como um conjunto vivo de
forças a interferir na direcção seguida pelo desenvolvimento da
personalidade.

As experiências calorosas de afecto e as vivências gratificantes na relação


com os pais, irmãos, professores e amigos contribuem positivamente para a
formação da personalidade. Neste sentido, o sentir-se amado, as alegrias, as
vitórias e as esperanças, o clima de festa e de confiança, as brincadeiras, os
incentivos e as expectativas contribuem largamente para a estruturação de
uma personalidade confiante em si e nos outros, apta a enfrentar e a
resolver problemas presentes e a equacionar, com confiança e optimismo, o
futuro que deseja e prevê feliz.

Se, ao contrário, a infância é marcada por carências afectivas, por situações


de experiências penosas, por hostilidades nas relações sociais, por situações
frustrantes e conflituosas, então o desenvolvimento harmonioso da
personalidade corre o risco de ficar comprometido. Por isso, a convivência
com a doença própria ou alheia, o sofrimento físico e psicológico, os

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desgostos, as desilusões, as situações de violência, ódio e traição, o
abandono, as humilhações, as chantagens psicológicas influem
negativamente na construção de uma identidade pessoal sólida orientada
para o bem-estar e para o sucesso.

Ao referirmos as boas ou más experiências, devemos ter presente o carácter


subjectivo com que cada um as vivência. Isto significa que cada pessoa tem
um modo próprio de sentir os acontecimentos, conferindo-lhe uma emoção
específica. Por isso, o mesmo acontecimento desdobra-se em tantos
acontecimentos quantas as pessoas que o vivem. Parafraseando o que A.
Huxley diz, a experiência não é o que nos acontece, mas o que fazemos
com aquilo que nos acontece.

A natureza dinâmica da personalidade

Umas das definições que Allport nos apresenta é a seguinte:

Personalidade é a organização dinâmica, dentro do indivíduo, daqueles


sistemas psicofísicos que determinam os seus ajustamentos particulares ao
ambiente.

Por sua vez, Robert Lundin define a personalidade como:

Aquela organização única do modo de se comportar que o indivíduo


construiu a partir das circunstâncias especiais do seu desenvolvimento.

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Estas definições conferem à personalidade uma natureza dinâmica, quer
dizer, concebem a personalidade não como algo de fixo, estabelecido de
uma vez por todas, mas como uma construção que o indivíduo faz ao longo
do tempo em interacção com os outros, com as coisas e os acontecimentos.

Conceber a personalidade como uma realidade dinâmica pode ser


entendido de várias formas, algumas das quais passamos a referir.

 A personalidade é um processo em construção

Se bem que Erik Erikson apresente a adolescência como a etapa em que a


pessoa tem de construir a sua identidade, essa construção não é feita de
modo padronizado e linear. Há procura, há crises e indecisões, e o
indivíduo defronta-se com situações conflituosas que tem de resolver de
uma forma ou de outra. O adolescente pode vacilar entre vários tipos de
identidade, podendo transitar de uns para outros.

E, uma vez construída a identidade, esta não confere carácter rígido à


personalidade, continuando o indivíduo a poder reorganizar, a cada
momento, os elementos integrantes da sua personalidade, ajustando-os às
diversas circunstâncias, muitas vezes por imposição do meio.

 A personalidade é uma unidade interactiva

Os aspectos orgânicos, motores, emocionais, motivacionais, intelectuais,


criativos e morais constitutivos da personalidade não são elementos
estáticos, justapostos uns ao lado dos outros. Entre eles há trocas,
influências, interferências, de tal modo que as alterações por que passa um
dos elementos acabam por se repercutir em todos os demais.

Assim, por exemplo, se um indivíduo é invadido pelo medo ou assaltado


pela raiva, tais emoções são sempre acompanhadas por alterações orgânicas
ou fisiológicas observáveis. Simultaneamente, a emoção interfere nas
capacidades cognitivas e morais, vendo-se o indivíduo privado da
capacidade de julgar, decidir ou agir em função do que habitualmente
considera ser "bom" ou "mau".

Neste sentido, a personalidade funciona como um todo vivo e organizado,


resultante das interacções dinâmicas dos seus elementos constituintes.

 A personalidade forma-se na interacção indivíduo-meio

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Já na primeira unidade, Psicologia como ciência, acentuámos o intercâmbio
personalidade-meio, apresentando R = f (S ↔ P) como fórmula explicativa
do comportamento humano. Foram frisados, então, dois aspectos:

1. A precariedade do conceito de situação (S) objectivamente considerada,


dado não haver propriamente "situações", mas "situações para um sujeito".

De facto, a situação é sempre uma situação vivida por um sujeito histórico


com um passado próprio, com determinadas experiências pessoais, com
dados interesses e expectativas. Assim, a personalidade do sujeito projecta-
se na situação, transfigurando-a em função do seu modo pessoal de ser e de
estar no mundo.

S←P

2. O carácter simplista de personalidade (P) como algo isoladamente


concebido e abstractamente definido.

Foi sugerido, então, que a personalidade é uma realidade dinâmica que se


constrói no tempo, mediante a influência das situações do meio em que é
colocada.

S →P

A influência do ambiente na personalidade foi ainda evidenciada ao


tratarmos da psicologia do desenvolvimento, da aprendizagem, da
inteligência e, mais recentemente, ao tratarmos do meio como um dos
factores da personalidade.

Recordemos Piaget, que acentua o conceito de equilíbrio como uma forma


de ajuste ou adaptação homem-meio, conseguido pela existência no
indivíduo de dois processos complementares: a assimilação, entendida
como integração dos dados da experiência nas estruturas do sujeito e a
acomodação, enquanto modificação das estruturas do sujeito para se ajustar
às circunstâncias da realidade envolvente.

Em suma, a personalidade configura-se como uma estrutura aberta e


dinâmica, como algo que se forma e transforma em função do espaço e do
tempo, em constante acção e reacção ao meio ambiente.

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