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Invenção e complexidade temática no Intermezzo em Si Menor op.119, n.

1 de Brahms

Tiago Gati
Universidade Estadual Paulista – UNESP
Doutorado em Música – Composição
tcmgati@gmail.com

Resumo
O presente artigo aborda o op.119 n.1 de Johannes Brahms (1833-1897) por um viés analítico
schenkeriano. Serão apresentadas características formais em um nível estrutural global, e a
partir daí tomaremos alguns aspectos específicos da primeira seção que mais nos chamam a
atenção na construção da peça. Com efeito, mostraremos que a estrutura tonal de base é
prolongada por meio de um tecido contrapontístico detalhadamente elaborado, além de
prolongamentos harmônicos que conferem juntos um vigor permanente aos materiais
temáticos empregados.

Palavras-chave: Análise musical, Análise schenkeriana, Johannes Brahms.

Invention and thematic complexity in Brahms's Intermezzo in B Minor op.119, n.1

Abstract

The following paper is based on op.119, n.1 by Johannes Brahms (1833-1897), adopting a
schenkerian analytical standpoint. Formal characteristics shall be presented from a global
structural level, and starting from that a few specific aspects that stand out will be developed
in the first section of the piece. Indeed, we shall demonstrate that the basic tonal structure is
prolonged through a contrapuntal texture highly elaborated, as well as harmonic prolongations
that provide a permanent vigor to the employed thematic materials.

Key-words: Musical Analysis, Schenkerian Analysis, Johannes Brahms.


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1. Intermezzo em Si menor, op.119, n.1. Do plano global ao detalhamento da seção inicial

Os intermezzi para piano do compositor alemão, op.116 a 119, constituem suas últimas
obras escritas para o instrumento no início da década de 1890. Composta em 1892, o op.119,
n.1 apresenta uma forma ternária (A-B-A') que expõe um trabalho temático fortemente
elaborado por meio do tecido contrapontístico e de prolongamentos harmônicos. A figura a
seguir mostra, de maneira muito sucinta, o esquema geral da peça; a seção A', muito além de
mera repetição, constitui uma apresentação do material temático de maneira revigorada 1:

I V I V I I V I V I V I I V I

V III

Fig.1 - Esquema geral do Intermezzo em Si menor, op.119, n.1, de Brahms.

Observam-se acima as três seções formais (A-B-A'), e imediatamente chama-nos a


atenção o contraste harmônico da seção B: a ambiguidade tonal presente desde o início da
peça entre Si menor e Ré maior resolve-se neste trecho: por meio de uma progressão
mediântica, este novo trecho (B) inicia-se em Ré maior, permanecendo como um grande

                                                                                                                       
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  Como ponto de partida para uma compreensão geral da forma da peça, elaboramos esta realização gráfica
baseada e comparada, com devidas alterações que julgamos necessárias para nossos propósitos, àquela presente
em SALZER, 1952, que também serviu de base ao artigo de CADWALLADER (1983) sobre o op.119, n.1 de
Brahms.
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prolongamento harmônico até o retorno à tonalidade de Si menor na seção A' (confira a


partitura completa, à página seguinte).

O gráfico acima, elaborado a partir da estrutura de mais alta hierarquia na peça, trata
de um grande prolongamento de uma linha de base centrada na nota fá e, apenas ao final da
última seção (a partir do compasso 61), realiza uma progressão descendente até o si; no
entanto, veremos, com o desenrolar desta estrutura, que a riqueza da elaboração de Brahms
mostra-se exatamente no detalhe, no prolongamento construído por dois elementos especiais:
a apresentação melódica das linhas intermediárias, que constituem um rico tecido
contrapontístico de prolongamento da estrutura de base, como será visto especialmente para o
trecho entre os compassos 9 e 16; e no prolongamento harmônico, como observado na
tonicização de ré maior entre os compassos 6 e 7 (ver figura a seguir).

A fim de ilustrar esses dois elementos de prolongamento utilizados por Brahms,


iremos focar mais atentamente nosso estudo a partir de agora apenas na seção A, formada por
16 compassos. Conforme observado na figura 2, já se apresenta uma forte ambiguidade entre
si menor e ré maior desde o início, tendo na nota fá (F5) um polo central de importância ao
longo de toda a seção, que afirma um grande prolongamento da tônica de si menor (I).

A progressão em terças descendentes já aponta a dubiedade tonal desde o primeiro


compasso, e o movimento do baixo, muitas vezes imbricado e próximo das vozes superiores,
oculta movimentos cadenciais e aumenta esta ambiguidade tonal; nos três primeiros
compassos, o registro médio-agudo do baixo intensifica este processo. A sucessão de notas na
superfície em terças descendentes cria uma falsa aparência de um tecido motívico, que na
realidade suaviza a real estrutura temática centrada na nota fá.
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A figura abaixo (fig.2) expõe as vozes extremas dos 8 primeiros compassos da peça,
mostrando uma grande fluidez harmônica e ausência de movimentos cadenciais marcados,
fato que será observado durante toda esta seção.

Bm: I III v VI ii V 2 I6 V2 III V

III

Fig.2 - compassos 1 a 9 do op.119, n.1 de Brahms.


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A partir do compasso 9, que retoma o tema inicial de maneira idêntica nos dois
primeiros compassos, observamos um direcionamento ao registro grave e, paralelamente, à
dominante (F#), como pode ser visualizado na figura seguinte (fig.3). Também é possível
constatarmos a formação de vários acordes de cunho contrapontístico a partir do compasso 12
(segundo sistema na figura abaixo), resultado de um prolongamento via relações melódico-
intervalares, conforme mostraremos mais adiante.

I III V V 2 i6 V7 I V I

I V

Fig.3 - direcionamento ao grave e à dominante nos compassos 9 a 16.


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Além dos saltos em quintas na linha do baixo (fig.2), é interessante notar ao longo da
seção A um padrão intervalar nesta linha inferior constituído de uma quarta justa ascendente e
uma segunda descendente que se repete e que provém de imitação da voz superior, como pode
ser visto, por exemplo, no compasso 4 (B-E-D-C# na voz superior e C#-F#-E-D no baixo).
Outro movimento interessante da linha do baixo e que se inicia com este procedimento
imitativo no compasso 4 é a progressão linear que vai de C# a F# (C#-D-E-F#, fig.2), levando
ao Ré maior (III) que é tonicizado nos compassos 6 e 7.

Procuramos identificar nos gráficos a relevância estrutural das notas apontadas; as


notas em parêntesis nas figuras 1 e 2 indicam uma continuidade estrutural do fá esperado na
linha superior, mesmo que esta nota esteja omissa na progressão musical real. Isto aponta para
um movimento harmônico de passagem em que o fá permanece mantendo sua importância
enquanto eixo estrutural subjacente.

2. Elementos cromáticos e condução de vozes intermediárias como recurso de


prolongamento

A utilização de cromatismos nas vozes internas constitui um elemento constante que


confere revigoramento e vivacidade às apresentações dos materiais temáticos. Também como
fator decisivo para particularizar ainda mais o ressurgimento desses materiais nas seções B e
A', que não serão abordadas neste estudo, destacam-se a variabilidade rítmica por meio de
tercinas e a alternância de registro.

Para além das progressões em terças descendentes já apontadas e que conferem uma
suavização do principal material estrutural na voz superior, destacam-se progressões em voz
intermediária que se repetem e que constituem um importante elemento de prolongamento.
Na figura abaixo, vemos desde a origem temática da progressão no compasso 4, até seu
desdobramento em voz intermediária nos compassos 5, 7 e 8:

fig. 4 - desdobramento de material temático em vozes intermediárias.


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O prolongamento da estrutura de base por meio de desenvolvimento contrapontístico


também é evidente na relação entre a linha do baixo e a voz superior, alimentando
praticamente todo o segundo trecho da seção A (compassos 12 a 15), como podemos ver
sintetizado na figura abaixo.

fig.5 - imitação da voz superior pela linha do baixo entre os compassos 12 e 15 (seção A).

3. Considerações finais

Por meio do estudo da seção A do op.119, n.1 de Brahms, pudemos observar que a
elaboração do tecido contrapontístico - conforme mostramos no item anterior referente à
seção A -, aliada a prolongamentos harmônicos - como a tonicização em Ré maior e posterior
fixação desta tonalidade na seção B - constituem importantes elementos que conferem
vivacidade e fluidez à peça, na medida em que impedem a constituição de cadências
marcantes e, desta maneira, velam o material temático por meio de uma teia complexa sobre a
estrutura principal. No mais, é interessante observar ainda a maneira como o compositor
reapresenta os materiais temáticos, impondo variantes harmônicas, rítmicas, de registro -
como na retransição para A' (compassos 43 a 46) -, que tornam a repetição uma oportunidade
para reavivar intensamente o tema, característica marcante do compositor alemão.
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4. Referências bibliográficas

BORTZ, Graziela. "As Ferramentas de Schenker no Ensino de Harmonia, Contraponto e


Interpretação". XX Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Música. Florianópolis, 2010.

CADWALLADER, Allen. "Motivic unity and integration of structural levels in Brahms's B


minor Intermezzo, op.119, no.1". Music Theory Society of New York State, 1983.

HOWARD-JONES, E. "Brahms in His Pianoforte Music". Proceedings of the Musical


Association, 37th Sess. (1910 - 1911), pp. 117-128. Taylor & Francis, Ltd. on behalf
of the Royal Musical Association.

SALZER, Felix. Structural Hearing. New York: Charles Boni, 1952.

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