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Reflexões a Partir de Casos de Repercussão de Trabalhadoras Domésticas

Violentadas
FERRAZ, Marina
Graduanda em Segurança Pública na Faculdade de Segurança Pública da Universidade
Federal Fluminense.

RAMALHO, Rian
Graduando em Segurança Pública na Faculdade de Segurança Pública da Universidade
Federal Fluminense.

Resumo
Neste artigo buscamos refletir acerca de violências sofridas por mulheres negras que
exercem, de várias formas, o trabalho doméstico. Para tanto, embasamo-nos em três casos que
receberam grande notoriedade midiática: Mirtes Renata, Madalena Gordiano e Raiana
Ribeiro. No que diz a respeito desses casos, refletimos sobre as maneiras com que a violência
se manifesta, considerando o seu sentido polissêmico. Analisamos como a informalidade e a
precariedade institucional desmerecem econômica e socialmente a categoria profissional.
Desta maneira, apontamos como a falta de acesso a recursos legais acolhedores podem
abrandar as violências e as agressões por elas sofridas. Buscamos identificar e categorizar as
violências e suas consequências nas vidas dessas vítimas, ressaltando o processo individual
que cada uma passou para reivindicar o reconhecimento social e judicial das violências
sofridas. Portanto, neste texto identificamos como a sociedade e as Instituições Judiciárias
estão atreladas a uma perpetuação de estigmas escravocratas às prestadoras de serviços
domésticos.

Palavras-chave: Violência; Domésticas; Racismo.

Introdução

A partir de casos de repercussão, discorremos acerca de trabalhadoras domésticas que,


de alguma forma, foram violentadas pelos seus “empregadores” ou “empregadoras”. Como
integramos dois Grupos de Trabalho diferentes no Laboratório de Estudos sobre Conflito,
Cidadania e Segurança Pública1, respectivamente os GT’s “Economia e Trabalho” e
“Direitos(s), Controle Social e Práticas Institucionais”, articulamos nossas ideias
1
Disponível em: <https://laesp.uff.br/>.
intencionando uma compreensão mais ampla no que diz respeito à violência, racismo (que
obviamente é uma manifestação histórica de violência), violação de direitos, precarização do
trabalho, bem como a legislação trabalhista relativa ao trabalho doméstico.
Cabe-nos explicar o que são os casos de repercussão clara e objetivamente. Eilbaum e
Medeiros (2014) caracterizam como repercussão “O ‘Caso Juan’”, que fora vítima fatal de
uma ação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. A mobilização em busca de justiça
rompeu barreiras, tornando-se um acontecimento expansivo, repercutindo além de sua cidade,
“(...) isto é, dos limites locais” (EILBAUM, MEDEIROS, 2014, p. 411). Portanto, nossas
reflexões tocantes à violência contra as trabalhadoras domésticas consideram fatos que
tornaram-se difundidos por todo o Brasil, ganhando destaques em importantes canais de
comunicação televisivos e digitais, bem como mobilizando organizações relacionadas aos
direitos humanos.
Nosso parâmetro para a escolha dos casos foi, preliminarmente, que fossem
acontecimentos caracterizados pela repercussão, obviamente, já que este é um dos sentidos de
nosso trabalho. Seguidamente, filtramos, levando em conta o que havíamos considerado, os
acontecimentos que nos possibilitaram explorar os sentidos que a violência pode revelar-se.
Desta forma, a polissemia da violência (MISSE, 2008), ou seja, seus muitos sentidos, são
aspectos essenciais neste texto. Utilizamos para a obtenção de dados diversos sites de
noticiários, jornais televisivos e outras mídias de comunicação, a fim de termos um conteúdo
consistente para analisarmos reflexivamente.
A metodologia que utilizamos pode ser definida como estudo de caso, considerando
que “o estudo de caso como modalidade de pesquisa é entendido como uma metodologia ou
como a escolha de um objeto de estudo definido pelo interesse em casos individuais (...) ou
múltiplos, nos quais vários estudos são conduzidos simultaneamente” (VENTURA, 2007, p.
384).

Os três casos

Os casos que decidimos discorrer relacionam-se por colocarem no centro de situações


violentas mulheres negras, que prestam serviços domésticos e evidenciam ainda mais as
estruturas de opressão vigentes neste país. Apesar de apresentarem algumas semelhanças,
cada acontecimento mostra especificidades que expressam os sentidos que a violência pode
ter. Escolhemos os seguintes eventos: Mirtes Renata, que perdera seu filho no ano de 2020
por abandono de incapaz de sua patroa, segundo a acusação; Madalena Gordiano, liberta em
2020 de condições análogas à escravidão, situação a qual viveu durante 38 anos; e por fim, o
caso da jovem Raiana Ribeiro, que precisou pular do terceiro andar de um prédio para escapar
das violências e do cárcere privado executados pela sua patroa em 2021.
Alguns detalhes substanciais de todos os casos serão analisados incorporados no texto,
separadamente das descrições individuais dos eventos, a fim de uma melhor articulação e
desenvolvimento das reflexões.

1. Mirtes Renata e o Menino Miguel

Em 2020, no dia 02 de junho, Mirtes Renata foi surpreendida com o seu filho, Miguel
Otávio, caído no chão do térreo do prédio onde ela prestava serviços domésticos. Ele havia
despencado do 9º andar do edifício de luxo, que fica em Recife, no Estado de Pernambuco,
enquanto Mirtes levava a cadela de sua patroa, Sarí Mariana Gaspar Corte Real, para passear.
Miguel estava há poucos minutos sob a vigilância de Sarí, juntamente com os filhos dela.
Miguel pediu para estar com sua mãe e a patroa o conduziu até o elevador. As imagens da
câmera de segurança do elevador mostram que ela permitiu que o menino utilizasse o
elevador sem qualquer supervisão, o que levou ele ao 9º andar.
Miguel chegou ainda com vida ao hospital, sendo levado pela própria Sarí em seu
carro, junto de Mirtes, já que um vizinho, médico, falou da urgência do socorro que ele
precisava, entretanto o menino não sobreviveu. A patroa chegou a ser presa em flagrante por
homicídio culposo2, mas foi solta ao pagar fiança de R$20 mil. Mirtes relata no programa
Encontro com Fátima Bernardes que “confiou o filho a ela (Sarí) e ela deixou o menino ir
para a morte” (G1, 05/06/2020b). Ocorreram diversas manifestações de apoio à Mirtes, bem
como a demanda por justiça em relação à negligência que resultou na morte de Miguel.
Muitos internautas nas redes sociais apontaram que Sarí, por ser, na época, a primeira-dama
da cidade de Tamandaré, recebeu uma abordagem mais condescendente por parte das
autoridades. Discutiremos mais profundamente como tais posições hierárquicas incidem nos
casos e julgamentos.
Existem algumas observações relativas ao contexto em que Mirtes estava trabalhando
que serão indispensáveis para a compreensão das dinâmicas de violência neste caso. Um
aspecto primordial é que Mirtes Renata estava prestando serviços domésticos em um período
no qual suas ocupações seriam dispensáveis em razão da Pandemia da Covid-19, exatamente

2
“Crime culposo II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência
ou imperícia. Art. 121., § 3º” (Código Penal, 2017).
porque o trabalho doméstico não é uma atividade considerada essencial, segundo a Federação
de Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), que destaca como relevantes apenas as cuidadoras
de pessoas idosas ou crianças (PINHEIRO; TOKARSKI; VASCONCELOS, 2020). Mirtes
não era babá, tampouco cuidava de algum idoso, mas precisava comparecer ao trabalho com o
seu filho, já que não havia creche em razão dos decretos de essencialidade. Aspectos do
trabalho em contexto pandêmico serão mais explorados ao longo do texto.

2. Madalena Gordiano

O “Caso Madalena” ficou conhecido no Brasil inteiro logo após uma matéria no
Fantástico, da TV Globo. No dia 27 de novembro de 2020 o Ministério Público do Trabalho,
juntamente com a Polícia Federal, resgatou Madalena Gordiano de situação análoga à
escravidão, em Patos de Minas, Minas Gerais. Os auditores, que fizeram parte do resgate,
detalharam que ela não tinha carteira assinada, salário, férias e tampouco folga semanal. O art.
149. do Código Penal Brasileiro explicita os modos que qualificam um trabalho como
condição análoga à de escravo. Condições degradantes, carga horária exaustiva ou jornadas
forçadas, vigilância ostensiva, etc. são algumas das caracterizações no código penal
relativamente à redução da condição análoga à de escravo.
Madalena passou a ser explorada em 1982, ainda quando era criança, tendo 8 anos de
idade. Seu resgate ocorreu quando ela tinha 46. Ela contou para o Fantástico que, na infância,
bateu na porta de uma casa para pedir pão, pois estava com fome. A dona da casa, Maria das
Graças Milagres Rigueira, aceitou dar o alimento apenas se Madalena fosse “morar” com ela,
quando se ofereceu para adotá-la. Com mais oito crianças para cuidar, a mãe de Madalena
permitiu que ela fosse viver com Maria das Graças. Não demorou muito para que a menina
fosse tirada da escola, “porque já ‘tava’ uma mocinha” (FANTÁSTICO, 20/12/2020). Ela
cresceu cuidando da casa e dos filhos de Maria das Graças, a mulher que, supostamente, seria
sua mãe.
Embora Maria das Graças tenha expressado que queria adotá-la, não houve um
processo de adoção formalizado, o que caracteriza um costume em certas esferas da sociedade
brasileira, de cuidar e criar os filhos de outras pessoas (PEREIRA; DE OLIVEIRA, 2016).
Entretanto, o fato de se oferecer para criar o filho de alguém não significa que exista um
sentimento de altruísmo, que é motivado pela vontade de atender às necessidades de outras
pessoas ao invés dos próprios interesses (REPPOLD; HUTZ, 2003). A exploração é um
aspecto que se manifesta em alguns casos de criação de crianças, pois
a presença de expostos em uma família poderia representar um complemento ideal
de mão-de-obra gratuita, considerada mais eficiente que a dos escravos, devido à
liberdade e aos laços de fidelidade, afeição e reconhecimento construídos na
convivência familiar (PEREIRA; DE OLIVEIRA, 2016, p. 11).

Após 24 anos de trabalho escravo, o marido de Maria das Graças passou a rejeitar
Madalena, demonstrando uma intensa irritabilidade com a sua presença. Para resolver a
situação, Madalena foi “dada”, como uma mercadoria ao filho da então patroa, Dalton César
Milagres Rigueira. O contexto de exploração só foi transferido para um novo endereço, pois
as subalternizações não cessaram. Sem contato com vizinhos, sem direitos trabalhistas e até
mesmo cidadãos. Além de ter sido descartada após 24 anos de servidão à Maria das Graças,
Madalena foi coibida a casar-se com o tio da esposa de Dalton, um ex-combatente das forças
armadas que estava doente. Ela nunca morou com ele, pois a finalidade do casamento era reter
a pensão que seria, por direito, da Madalena após a morte de seu marido.
O previsível aconteceu: o ex-combatente morreu, deixando duas pensões que somadas
passam de R$8 mil por mês (FANTÁSTICO, 20/12/2020). Inicialmente, o dinheiro era
administrado por Maria das Graças, que pagava a faculdade de Medicina de sua filha. Depois
de formada, Dalton assumiu o gerenciamento. O máximo que Madalena usufruía desse
dinheiro eram R$200 ou R$300 que recebia ocasionalmente, pois Dalton não permitia que ela
tivesse o valor integral. Mesmo que economicamente estável, já que ele era professor no
Centro Universitário de Patos de Minas, a pensão era utilizada para custear despesas
familiares que não relacionavam-se à Madalena, inclusive para pagar faculdade de medicina
de uma das filhas de Dalton.
A partir de bilhetes deixados pela própria Madalena, distribuídos pela vizinhança
pedindo alguns produtos de higiene pessoal, a auditoria do Ministério Público do Trabalho
teve conhecimento das suspeitas e foram executar o seu resgate.

3. Raiana Ribeiro

“Não dá para descrever o que eu senti, porque na hora você só sente uma angústia de
se livrar, de sair dali” (FANTÁSTICO, 05/09/2021), disse Raiana Ribeiro, de 25 anos
espancada, xingada e mantida em cárcere privado pela sua patroa em Salvador, na Bahia. A
jovem morava no litoral norte baiano, mas soube de uma vaga de emprego como babá na
capital por meio de um site e decidiu se mudar para Salvador, acertando alguns termos de
contratação com a “empregadora” por telefone. Raiana chegou ao apartamento de Melina
Esteves França, a patroa, uma semana antes de pular do terceiro andar do edifício. Na manhã
do dia 24 de agosto, seu sexto dia enquanto babá das trigêmeas, filhas de Melina, a vítima
informou que não poderia permanecer no emprego pois havia encontrado uma oportunidade
de emprego mais adequada. Após esse momento iniciam-se as agressões física, verbal e
psicológica.
Melina não aceitou o fato de Raiana ter encontrado um novo emprego, e afirmou que
ela não sairia do apartamento. A jovem pega o seu celular que estava na mesa da sala e entra
em um cômodo. Logo em seguida a patroa vai atrás dela e exige que o aparelho seja entregue.
Tudo isso é visto por uma câmera de segurança instalada na sala do imóvel que registrou cada
momento. Depois que o celular é confiscado, as agressões se iniciam. Socos, pontapés, tapas e
puxões de cabelo são ataques cometidos constantemente contra Raiana. Ela é chamada de
vagabunda e corre para o banheiro. Depois que sai, continua sendo agredida por Melina.
No dia 25, um dia após o início do espancamento, as câmeras no apartamento
continuam registrando as pancadas. Além da violência física, ela também foi privada de
alimentação, o que colaborou para o seu estado de fraqueza. Raiana apanhou tanto que acabou
desmaiando. Mesmo depois de perder a consciência por alguns instantes, a babá se levanta e
continua sendo brutalmente agredida. Malena, então, lhe tranca no banheiro. A jovem relatou
que decidiu fugir pela basculante do banheiro. “Quando eu vi aquele basculante eu não pensei
duas vezes. A intenção: eu vou sair pelo basculante e ‘pego’ na janela, só que eu não alcancei,
e eu…soltei.” (FANTÁSTICO, 05/09/2021). Com a queda, do terceiro andar, Raiana fraturou
os pés e teve alguns ferimentos pelo corpo, mas não ficou em estado grave.

Imagens de Controle

Os três casos expostos relacionam-se por colocarem ao cerne de situações violentas


mulheres negras, que desempenharam funções que se enquadram na categoria de “serviço
doméstico”. Historicamente, essas mulheres sempre foram condicionadas a um excesso de
trabalho, visto que mesmo após a abolição, elas permaneceram trabalhando nas casas dos
“senhores”, bem como em suas próprias casas, tendo o seu trabalho decuplicado
(GONZALEZ, 2020). Por esta razão, ressaltamos que nossas análises não partem de um
ideário construído fundamentado na imagem de fragilidade da mulher, visto que eventos já
passados englobam um conjunto de mulheres que nunca reconheceram nelas mesmas o mito
da fragilidade, “porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente
de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como
vendedoras, quituteiras, prostitutas…” (CARNEIRO, 2003, p. 50).
A colonização portuguesa, sendo a principal causa do trabalho escravo no Brasil,
inclui as mulheres negras que serviam nas Casas Grandes como cozinheiras, amas de leite e
mucamas naquele período. A autora norte-americana Angela Davis (2016, p. 98) explica que
“a própria escravização doméstica havia sido chamada, com eufemismo, de ‘instituição
doméstica’, e as escravas eram designadas pelo inócuo termo de ‘serviçais domésticas’’’.
Quaisquer desqualificações eram atribuídas a elas, sendo a prestação de serviço o único
marcador de relevância em suas vidas. Possuindo uma imagem tão desvalorizada, lhes era
imposto rótulos de culpabilização pela própria exploração, assim como de desconfiança.
Mesmo que trate-se de um contexto não brasileiro, é possível traçar este paralelo devido à
compatibilidade histórica e das experiências contadas por pessoas de ambos os países.
Considerando estes aspectos referentes às posições de subalternidade às quais foram
submetidas as mulheres negras, é fundamental que articulemos as noções de racismo, sexismo
e classismo para compreendermos como estabeleceram-se os estereótipos e a origem de
dominação sobre elas. A interseccionalidade, segundo Akotirene (2020, p. 19),

visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do


racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado - produtores de avenidas identitárias em
que mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição
de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais.

Assim, o cruzamento destes elementos é um método que possibilita um discernimento


mais explícito relativamente ao período escravocrata. Não é uma mera soma das categorias
identitárias, mas uma análise das condições estruturais que perpassam os corpos vitimados
(AKOTIRENE, 2020). A identidade das mulheres nos casos que estamos refletindo é
composta por marcações específicas que não se desvinculam ou se sobrepõem uma sobre a
outra: mulheres, negras e pobres.
Essa questão toca diretamente no que falamos sobre a “fragilidade” acerca das
mulheres negras, porque deixa ainda mais evidente que elas nunca estiveram frágeis. O
trabalho nunca foi leve e a vida nunca foi fácil. As mulheres negras, durante a escravização,
eram submetidas à exaustão máxima continuamente, e além de servirem como mão de obra
escrava, eram violentadas sexualmente pelos senhores. Escravizadas por serem estigmatizadas
como subumanas e inumanas, condicionadas à exploração em prol de uma economia que em
nada lhes beneficiava (DO NASCIMENTO, 2016) e incessantemente abusadas sexualmente
por serem tratadas como objeto de prazer dos colonizadores, inclusive muitas eram mantidas
como prostitutas. Os estereótipos atribuídos às mulheres negras, no que diz respeito à sua
propensão incansável para o trabalho e perversão sexual, são consequências das humilhações
e explorações dos brancos durante a colônia. Explorações associadas ao fato de que mulheres
negras estariam predestinadas ao ato de servir, sendo subjugadas e ocupantes de espaços
secundários, terciários, quaternários, etc (AKOTIRENE, 2020).
Tais estereótipos estão associados ao conceito de Imagens de Controle, da Patricia Hill
Collins (BUENO, 2020). Este conceito diz respeito a um aspecto do racismo e do sexismo
que são usufruídos por pessoas pertencentes aos grupos dominantes a fim de sustentar
modelos violentos e dominadores, para que possam permanecer no controle. Embora se
assemelhe à representação de estereótipos, não são iguais, visto que os estereótipos são
consequência das imagens de controle. Elas obedecem a uma lógica de poder autoritária, que
dirigem significados nas vidas de mulheres negras nomeando, caracterizando e manipulando a
realidade. As imagens de controle “possuem um significado central que distingue esse
conceito daqueles de representações e estereótipos, uma vez que a articulação das imagens de
controle se dá alicerçado na autoridade que os grupos dominantes possuem para nomear os
fatos sociais” (BUENO, 2020, p. 79). Logo, elas servem para desqualificar qualquer dor,
exploração e violência, pois funciona como uma naturalização das sequelas do racismo.
É perceptível o funcionamento das imagens de controle nos casos que escolhemos
refletir. Não apenas por serem empregadas domésticas, mas sobretudo por envolvê-las em
conjunturas que justificam as violências que elas sofrem. Madalena, por exemplo, circulava
pela vizinhança para ir ao mercado, frequentava a igreja católica e as pessoas próximas
naturalizaram a situação vivida por ela durante anos. “Eu tinha que ficar debaixo do pano”
(UOL, 2021), contou ela em entrevista para o UOL, depois de dizer que, apesar das
desconfianças, as pessoas nunca falaram ou fizeram nada. Madalena era a empregada devota,
a “pessoa quase da família”. Imagens de Controle acionadas para que ela fosse vista,
essencialmente, como uma boa mulher trabalhadora.
No que corresponde aos eventos em torno de Mirtes Renata, as imagens de controle
estão presentes nas narrativas que surgem após a morte do menino Miguel. O garoto seria
“muito bagunceiro, portanto, mal-educado” (LEMOS, 19/09/2021). A defesa de Sarí Corte
Real investiu em uma narrativa onde Mirtes seria uma mãe ruim, que não educou o seu filho
adequadamente, dizendo ainda que a mãe não teria equilíbrio emocional para lidar com o
transtorno vivido por ela. Vemos aqui um cenário em que uma mãe é “má educadora” e
“desequilibrada”. Ela conta ainda que, durante o depoimento de Sarí em uma audiência de
instrução3, a acusada “(...) disse que me amava, amava minha mãe, isso e aquilo. E que eu e
minha mãe estamos sendo ingratas” (COUTINHO, 15/09/2021). A imagem construída de
uma mulher que não deu educação para o seu filho vinculada à ingratidão sugere um
estereótipo de brutalidade.
Raiana Ribeiro foi controlada por dois dias seguidos, à base de agressões e
construções de imagens de controle oriundas de sua patroa, Melina. A jovem não apenas foi
qualificada como vagabunda, mas induzida a acreditar que ela estava naquela situação por
causa de sua própria postura. Surge também a “babá agressiva”, sendo essa a justificativa da
agressora para os espancamentos e cárcere privado de Raiana. Apesar de haver câmeras de
monitoramento na casa, não houve quaisquer provas ou indícios de agressões partindo de
Raiana. São dinâmicas impostas por uma matriz de dominação que demonstra

“como o racismo se apresenta de forma diferenciada a partir da multiplicidade de


experiências que podem moldar a vida de pessoa negras e que estão imbricadas na
forma dinâmica com que raça, gênero, sexualidade, classe e outros marcadores irão
interligar-se” (BUENO, 2020, p. 153).

Ainda refletindo historicamente, a escravização teve o seu fim decretado em 1888,


com a Lei Áurea, pelo menos formalmente. Entretanto, a liberdade não significou
oportunidades de melhorias nas condições de vida, como educação, moradia, emprego e
mobilidade social para os ex-escravizados (CARVALHO, 2002). Centenas de negras
escravizadas decidiram, devido às circunstâncias, permanecer nas casas dos escravizadores. A
partir daí elas tornaram-se “empregadas domésticas”, não porque passaram a ser tratadas com
dignidade, pois elas continuaram sem salário ou quaisquer benefícios que lhes daria
dignidade, mas sim pela moradia e alimento que recebiam por fazer todas as tarefas
domésticas (DA SILVA; DE LORETO; BIFANO, 2017). O cenário deixa de ser “senhora e
escrava” e torna-se “patroa e empregada”.
Dessa forma, a exploração e desvalorização salarial que esse serviço sofre é,
inegavelmente, um resquício colonial. Atualmente, o trabalho doméstico não é
adequadamente remunerado tampouco desfruta de reconhecimento social benéfico. É um
serviço visto como inerente à mulher negra e pobre. A falha no reconhecimento dessas
mulheres enquanto categoria trabalhista digna faz com que seja conservada e naturalizada
uma relação problemática e abusiva entre patrão e empregada. No caso Madalena, por

3
“É aquela em que o juiz procede à instrução do feito, ouvindo as testemunhas, as partes, os peritos, se houver,
examina os documentos apresentados pelas partes, ouve as alegações e os debates destas” (MINGHELLI;
CHISHMAN, 2013 apud NÁUFEL, 2008, p. 135).
exemplo, esse vínculo é perfeitamente notável, sobretudo porque Madalena está enquadrada
na imagem de controle da mammy, uma das principais categorias da Patricia Hill Collins. Essa
imagem diz respeito a uma “trabalhadora doméstica, escravizada ou liberta, obediente e fiel à
família branca à qual serve com amor e zelo. Frequentemente é retratada enquanto uma
mulher negra gorda, de pele retinta, que não tem um companheiro nem ao menos uma
sexualidade” (BUENO, 2020, p. 87-88).

Informalidade

Apoiados nos três casos escolhidos por nós, observamos como a informalidade está
atrelada à exploração, uma vez que as imagens de controle justificam as violências sofridas
por essas mulheres. As trabalhadoras domésticas sofrem “de um sentimento de repugnância
validado socialmente” (FREITAS, 2010, p. 200) justamente pelo caráter degradante de
algumas funções que elas são obrigadas a fazer,

que compõem o que definimos como emprego doméstico em que se faz tudo (por
exemplo: limpar o banheiro, carregar o lixo para a rua, lavar as roupas de outras
pessoas e engomá-las mais do que perfeitamente, lavar as louças e vê-las já sujas
pouco depois, etc.) (FREITAS, 2012, p. 200).

A história é demarcada por sempre colocá-las em locais de sujeição e desconfiança,


perpetuando as imagens de controle. Essa demarcação é feita, propositadamente, por pessoas
que integram a branquitude, que

é entendida como uma posição em que sujeitos que ocupam esta posição foram
sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao acesso a recursos materiais e
simbólicos, gerados inicialmente pelo colonialismo e pelo imperialismo, e que se
mantém e são preservados na contemporaneidade (SCHUCMAN, 2012, p. 23).

A culpabilização da qual falamos reside precisamente na naturalização de uma


estrutura que mantém pessoas negras vulnerabilizadas e em postos precários, que com a
preponderância capitalista responsabiliza a população negra pela sua própria precariedade e
desigualdade (TEIXEIRA, 2021).
A Lei Complementar 150/2015, conhecida também como a “Lei dos Empregados
Domésticos", institui uma série de direitos que não contemplavam a categoria, mesmo que
alguns fossem garantidos pela constituição de 1988 (SILVA, 2016). Depois de 27 anos, as
trabalhadoras domésticas começaram a ter acesso a direitos básicos trabalhistas, dentre eles a
definição da jornada de trabalho, podendo assim estabelecer as horas extras, intervalos para
refeição e depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A partir da definição dos
direitos trabalhistas, é possível compreender como ocorre a informalidade e como se resulta
da lógica da precariedade.
A relação entre “patrão” e “empregada” deve ser definida alicerçada nas leis
trabalhistas. Todavia, na informalidade não há qualquer parâmetro que preserve a integridade
do empregado. Quando não existe o contrato empregatício, a funcionária se coloca em uma
posição de sujeição aos seus “empregadores”, submetendo-se não apenas a informalidade,
mas também a uma ausência de proteção por parte do Estado (TEIXEIRA, 2021). A
submissão parte de um lugar de necessidade, ausência de saída ou oportunidades (BUENO,
2020). Entretanto, existem situações em que as trabalhadoras não necessariamente se
submetem, mas se veem, inesperadamente, na mesma situação.
Ademais, a informalidade cria subdivisões trabalhistas, por exemplo, a “diarista”.
Nesta categoria, a funcionária precisa barganhar todas as suas garantias, desde a remuneração
até a carga horária trabalhada, vide que a lei não exige vínculo empregatício para esta
atividade, desde que não seja executada mais de dois dias na semana para o mesmo
“empregador”. A realidade da diarista é dissimilar do que determina a lei. Primeiro porque o
trabalho é realizado mais de duas vezes na semana. Segundo que parte do problema se dá pela
inefetividade da fiscalização, se apresentando como “um grande entrave para a efetivação dos
direitos alcançados” (LIMA, 2017, p. 31). Ainda em 2020, por exemplo, 75% das
trabalhadoras domésticas exerciam a função informalmente. Neste percentual estão milhares
de diaristas que têm o vínculo empregatício negado, mesmo que estejam em “condições de
empregadas domésticas que prestam serviços por um longo período de tempo na mesma
residência” (NASCIMENTO, 2009. p. 21).

“Como se fosse da família”

O serviço doméstico, por ser executado majoritariamente em residências particulares,


pode assemelhar-se a um aspecto de informalidade. Não apenas referente a um vínculo
empregatício, como também a ausência de formalidades pessoais entre patrões e empregados.
Cria-se, em alguns casos, um sentimento ou discurso de carinho que, eventualmente, pode ser
usado atrelado a uma imagem de controle. A expressão “como se fosse da família” é usada
recorrentemente para justificar ou atenuar formas de controle e violência. O sermão do afeto
contribui para que o não reconhecimento adequado do serviço doméstico se instaure. Tal
como Madalena, que era “como se fosse da família” (GORTÁZAR, 2021), mesmo que
vivesse em um quarto que na realidade servia para guardar produtos de limpeza, sem televisão
e sem oportunidades de estudo.
Segundo Gomes (2021, p. 8), “o discurso do amor era uma cobrança intensa desses
atores, gerando uma grande quantidade de trabalho obtido a título precário, com um
pagamento menor do que aquilo estipulado em lei, como no caso das empregadas
domésticas." Esse sentimento pode ser usado para preencher a lacuna da informalidade,
ambicionando um ideário de transição de um trabalho tido como “comum” ou “natural” para
uma ideia de obrigação ou serventia por afeição. O salário, por conseguinte, não é mais uma
obrigação devido à prestação de um serviço, todavia, torna-se um “presente”.

Polissemia

Ao longo deste texto é possível identificar diversas manifestações de violências,


entretanto, nem todas são notáveis explicitamente. O aspecto polissêmico da violência se
denota consideravelmente quando conseguimos visualizá-la para além de seu sentido
referente à agressão física, principalmente envolvendo ameaças e mortes (MISSE, 2016).
Falamos aqui não meramente de espancamentos sofridos, cárcere privado ou privação
alimentar. Trata-se, além do mais, de estruturas de dominação nas relações sociais que são
legitimadas socialmente, convencendo os indivíduos que existe justiça nisso (MISSE, 2016).
Acerca de Mirtes, questões relativas às indicações de que não há necessidade de o
serviço doméstico ser essencial são imprescindíveis no seu caso. Mirtes não esteve
trabalhando durante a pandemia em razão da imprescindibilidade de seu trabalho, e sim
porque a exigência de sua prestação de serviços demonstra como ocorre a organização da
hierarquia social, definindo quais pessoas têm valor e quais não tem. Cal et al. (2020) falam
sobre uma hierarquia global, que produz, há cinco séculos, uma estrutura de dominação. “As
pessoas que estão acima da linha do humano são reconhecidas socialmente em sua
humanidade e como sujeitos de direitos. Pessoas abaixo dessa linha são consideradas
sub-humanas ou não-humanas” (Cal et al., 2020, p. 232).
Não houve qualquer amparo governamental quanto à integridade física de cada
funcionária. Essas mulheres, enquanto desempenham suas funções, colocam em risco suas
vidas a todo momento. Desde o trajeto de suas casas aos seus trabalhos nas residências.
Mesmo em uma pandemia, alguns Estados brasileiros insistiram em instituir essencialidade
em um serviço que é benéfico apenas para quem manda, demonstrando como os sistemas
escravocratas ainda estão inseridos em nossa sociedade, com sutileza ou não. Sobre isso, Jessé
Souza (2018, p. 19) diz que “a forma particular da vida brasileira só pode ser compreendida
desde sua perspectiva crítica, que leva em conta a violência sutil que se esconde por trás das
ideias que fundamentam e justificam nosso comportamento cotidiano”. Assim, o cuidado e o
zelo na casa dos patrões, os quais Mirtes precisou ter, minimiza o seu valor. Para ela, “tocou
muito na questão do racismo estrutural, pelo fato de eu ser empregada doméstica, no período
da pandemia estar trabalhando e ter que levar meu filho junto comigo” (GALVANI,
09/03/2021).
Os casos de Madalena e Raiana dialogam entre si, minimamente, por se tratar de duas
mulheres que foram, por períodos de tempo diferentes, privadas de suas vidas pessoais.
Apesar de Madalena nunca ter relatado agressões físicas, a violência psicológica sempre
esteve presente em seu cotidiano enquanto escravizada da família Rigueira, bem como a
privação de sua liberdade. As duas mulheres são obrigadas a estar em um regime de reclusão
e exploração, tendo suas identidades e integridades revogadas e expostas a um regime análogo
à escravidão, apesar de Raiana ter vivido nessas circunstâncias apenas dois dias e Madalena
38 anos. Ambas foram colocadas em situações de risco através da sujeição, submetendo-se
aos serviços por sobrevivência.
Os vizinhos próximos descreviam Madalena como uma mulher costumeiramente
assustada, o que transparecia indícios de traumas profundos. Uma vizinha relatou: “ela não
podia conversar conosco, ela mal dava bom dia, então a gente sentia que ela era reprimida”
(JORNAL MINAS, 22/12/2020). Apesar do Jornal dizer que a família Rigueira estava acima
de quaisquer suspeitas, o relatado pela vizinhança contradiz essa ideia. A naturalização da
qual falamos pode ser encontrada justamente em fatores como este. A violência não parte
apenas dos seus exploradores, como também dos observadores. Ela sobreviveu à
insalubridade e a exploração, tendo direito apenas a um quartinho de 6 metros, onde ficavam
também os produtos de limpeza. Madalena não era tratada como uma pessoa, pois o que eles
precisavam tirar dela era a sua força de trabalho. Apenas.

Sobrevivência, reivindicações e fuga dos sistemas de opressão

Cada uma das mulheres descritas neste trabalho reivindicaram, de alguma forma, a
partir de suas dores. Desafiaram e romperam com as imagens de controle imputadas a elas,
buscando o reconhecimento de suas dores e suas dignidades enquanto pessoas. Enquanto
mulheres negras, todas as condutas que colaborem para o enfrentamento a um sistema de
opressões significam atos de resistência, visto que é um sistema que opera para preservar os
privilégios da elite. Logo, as lutas enfrentadas por elas serão duras e sofridas (BUENO, 2020).
Foi necessário que elas enfrentassem não apenas os seus patrões, mas também
precisaram lidar com um Estado que regula continuamente os locais de subalternidade (DA
SILVA, GOMES, 2020). Suas lutas não se limitam à justiça e restituição daquilo que lhes foi
tirado. Elas buscam, objetiva ou espontaneamente, justiça por todas as violências sofridas no
decorrer de suas histórias, bem como representam perspectivas de libertação.
Mirtes, além de se engajar na luta pelo reconhecimento da dignidade de seu filho,
assim como a culpabilização de Sari Cortez Real, passou a estudar Direito para que pudesse
acompanhar melhor o processo. Não é como uma forma de reparação pela perda do menino
Miguel, mas mostra como ela se manteve e foi capaz de sobreviver, demonstrando a
capacidade de desafiar a forma de dominação que fora atribuída a ela, por um caminho que
questione a estrutura judiciária. Além disso, o Instituto Miguel foi criado, em colaboração
com Mirtes, a fim de promover ações sociais em periferias4.
O processo de reivindicação de Madalena se deu por ela mesma. Mesmo que
indiretamente, embora não soubesse escrever corretamente por ter o seu direito de ir à escola
roubado, os bilhetes deixados por ela nas portas dos vizinhos, solicitando objetos de higiene
pessoal ou pequenas quantias de dinheiro, desencadearam a forma pela qual ela foi liberta da
escravização. Se não fosse a partir dela, não saberíamos como a sua vida estaria. Hoje, a
ex-escravizada vive a sua liberdade como quer e, segundo ela, “tudo que eu não podia fazer
eu tô pretendendo” (UOL, 2021). Apesar do caso ainda estar em andamento judicial,
Madalena é quem controla a sua pensão atualmente e, quando perguntada sobre a retenção de
seu dinheiro por parte da família Rigueira, especialmente Dalton, ela diz que não sabia, mas
demonstra fortemente o anseio de “não sentir nada por eles” (UOL, 2021). Consideramos isso
também como uma forma de reivindicação, pois uma mulher que fora submetida a anos de
privação, tem decidido os rumos que pode seguir em sua vida.
Relativamente a Raiana Ribeiro, a jovem precisou arriscar a sua vida numa única
alternativa de escapatória do cárcere privado executado (ODARA, 2021) por sua patroa
Melina. Não romantizamos esse acontecimento como se fosse um ato de heroísmo ou
simplesmente de coragem da vítima. É preciso enfatizar que ela não visualizou alternativas
porque não existiam mais. Raiana não apenas se livrou dos ataques contínuos de Malena,

4
UFRPE cria Instituto Menino Miguel para cuidado da infância ao envelhecimento. 15 de jun de 2021.
Disponível em: http://institutomeninomiguel.ufrpe.br/?p=446. Acesso em 18 de jan de 2022
tendo também encorajado outras 12 mulheres vítimas da mesma agressora a denunciarem. “E
todo dia eu peço a Deus que ela possa pagar pelo que ela fez comigo, e o que ela fez com essa
senhorinha de 60 anos e o que ela fez com as outras, e que ela não venha a fazer isso com
mais ninguém porque ninguém merece passar pelo o que a gente passou”, (FANTÁSTICO,
05/09/2021) disse Raiana.
Salientamos que todos os processos de reivindicação pelos quais essas mulheres
passaram não foi uma luta de embate ao código penal, apesar de em alguns momentos ser
reflexo deste. Foi um enfrentamento, sobretudo, aos estigmas sociais enraizados provenientes
do racismo estrutural alinhado a uma crise capitalista que é “parte essencial dos processos de
exploração e de opressão de uma sociedade que se quer transformar" (ALMEIDA, 2021, p.
208). E, no que concerne a este aspecto, “é necessário estarmos vigilantes e atuantes para o
enfrentamento de um projeto político de país que quer manter trabalhadoras domésticas num
limbo de precariedade atribuída aos negros e, mais ainda, às mulheres negras” (TEIXEIRA,
2021, p. 225).
Essas mulheres sobreviveram a um sistema de preconceitos, onde as instituições de
regulamentação funcionam tal como um órgão de manutenção de privilégios, que não
atendem às necessidades dessa categoria. Pelo contrário, é ineficiente ao ponto de situações
como essas se desenrolarem no século XXI. Por isso, nós optamos por produzir este trabalho,
pois é preciso dialogar sobre como essas precarizações revogam, ou tentam revogar, as suas
identidades, abrandescendo violências como essas.
Reiteramos que este não é um trabalho romantizador. Não queremos fantasiar suas
histórias de repercussão embasados em uma narrativa de superação. É o completo avesso: nós
as compreendemos enquanto sujeitos vítimas de agressões, vexações, humilhações e diversos
outros modos de se fazer sofrer. Entretanto, redizemos Joice Berth (2019, p. 94): “chama a
atenção para o fato de reivindicar a identidade vitimada como ferramenta de enfrentamento às
opressões”. Assim, encerramos.
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