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Arrowsmith versus Reino Unido

Requerimento nº 7050/75
Perante a Comissão Europeia de Direitos Humanos
12 de outubro de 1978
(1981) 3 Relatórios Europeus de Direitos Humanos (REDH). 218
(O Vice-Presidente Senhor. G. Sperduti, presidente em exercício; Messrs. Fawcett, Nørgaard,
Ermacora, Kellberg, Daver, Opsahl, Custers, Polak, Jörundsson, Dupuy, Tenekides, Trechsel,
Kiernan and Klecker).1

1. Pacifismo. Liberdade de pensamento e consciência. (Art. 9 (1)). O Pacifismo como


filosofia é uma crença abrangida pelo art. 9 (1) e é, portanto, protegida pelo direito à liberdade
de pensamento e de consciência [69]; mas a simples motivação ou influência por uma crença
não é, por si só, suficiente para assegurar a proteção a que se refere o art. 9 (1); a ação no
campo material deve, na verdade, manifestar essa crença [71].
2. Liberdade de expressão. Interferência ‘Necessária’ (Art. 10 (2)). O conceito de necessidade
previsto no art. 10 (2) como uma justificativa para restrições, penalidades etc. sobre a
liberdade de expressão gera uma necessidade social que pode incluir uma avaliação do ‘perigo
claro e evidente’, que deve ser determinada à luz das circunstâncias particulares do de cada
caso [95].

Representação
- N. S Rodley, Assessor Jurídico da Anistia Internacional, e H. Levenson, Conselho Nacional
de Liberdades Civis, Londres, representando o requerente.
- O governo do Reino Unido apresentou considerações por escrito.

Os casos a seguir são mencionados no relatório:

(I) Engel v. the Países Baixos (1976), Série A, No. 22; 1 EHRR 647;
(II) Handyside v. Reino Unido (1976), Série A, No. 24; 1 EHRR 737;
(III) Ireland v. Reino Unido (1978), Série A, No. 25; 2 EHRR 25;
(IV) Klass v. República Federal da Alemanha (1978), Série A, No. 28; 2 EHRR 214;
(V) R. v. Arrowsmith [1975] Q.B. 678, [1975] 2 W.L.R. 484, [1975] 1 All E.R. 463;
(VI) Jornal Times Ltd. v. Reino Unido, Relatório da Comissão, Série B, No.28;
(VII) X. v. Reino Unido (Requerimento n°. 6084/73), 1975 3 D. & R. 62.

Relatório da Comissão2
Introdução
Breve resumo do caso
2. A requerente, senhora Pat Arrowsmith, é uma cidadã do Reino Unido, nascida em 1930 e
reside em Londres.
No dia 20 de maio de 1974, a requerente foi condenada nos termos das seções 1 e 2 da Lei de
Incitação à Desordem de 1934, pelo Tribunal Central Criminal, de Londres, justificando-se
principalmente baseadono fato de que ela distribuiu panfletos para tropas estacionadas em
uma base de exército, esforçando-se para também tentando persuadi-los a resignar seus
1
O Senhor Klecker estava presente quando os votos finais foram dados, vide nota de rodapé 26, infra.
2
O resumo dos requerimentos das partes (pág. 22-58) não foi reproduzido neste documento.
deveres e lealdade em relação ao serviço na Irlanda do Norte. Ela foi condenada a 18 meses
de prisão. A pena foi confirmada pelo Tribunal de Apelação em 4 de dezembro de 1974. 3
Contudo, o Tribunal de Apelação concedeu o direito para que se recorresse da sentença, e
reduziu sua pena, de maneira a permitir à requerente sua libertação imediata. Até então esse
momento, ela se encontrava estava detida desde o dia 14 de março de 1974.

Em sua defesa, a requerente alegou que a seção 1 da Lei de 1934 é tão vaga que ameaça o
direito à liberdade e segurança de uma pessoa, respaldados pelo art. 5 da Convenção.

Ela também acredita que sua crença religiosa, bem como a sentença adotada, interferiu no seu
direito à manifestaçãoa manifestação de sua crença pacifista, assegurado pelo artigo 9 (1) da
Convenção e em seu direito à liberdade de expressão, garantido pelo artigo 10 (1) da mesma.
Essa interferência intromissão não foi justificada de acordo com os parágrafos (2) dos
referidos artigos. Além disso, ela alega uma violação do art. 14 em conjunto com os artigos 9
e 10 da Convenção, tendo em vista que a Lei de Incitação à Desordem discrimina pessoas que
expressam opiniões pacifistas.

Os Fatos
9. Os fatos relativos ao presente caso não estão, geralmente, em litígio entre as partes.

A base factual do recurso da requerente (Breve síntese dos fatos)


10. A requerente é uma pacifista convicta. Ela expressou participou ativamente de campanhas
em apoio às suas ideias e, nesse contexto, também fez parte de uma organização intitulada
“Retirada britânica da campanha Norte Irlandesa”. Ela ajudou na elaboração de um folheto
que foi publicado por esta organização e que seria entregue aos soldados britânicos.
11. Em 22 de setembro de 1973, a requerente, e outras pessoas, foram pegas pela polícia
distribuindo os panfletos em questão, dentro de um complexo militar em Warminster,
Wiltshire. O complexo abrigava, inter alia, batalhões de soldados que logo seriam
transferidos para a campanha na Irlanda do Norte.
12. O texto do folheto, in casu, é o exibido a seguir:
ALGUMAS INFORMAÇÕES RELEVANTES PARA SOLDADOS BRITÂNICOS
Eu, Kevin Cadwallader, vim à Suécia atrás de asilo em virtude dos conflitos na Irlanda
do Norte. Eu não acredito que aquilo que está acontecendo lá seja muito bom. Da
forma como vejo, devetem que existir uma maneira mais simples de pôr um fim à
colocar fim à guerra sem que mais pessoas continuem morrendo. Por esse motivo, eu
preferi sair do país ao invéspedi asilo em vez de lutar por algo que considero errado.
(Ex-Soldado britânico atualmente na Suécia).

Eu não sou contrário a ser um soldado. Eu estaria disposto a lutar para defender este
país contra invasores – eu me disporia a lutar por uma causa na qual eu acreditasse.
Mas o que está acontecendo na Irlanda é completamente errado. Alguns dos meus
amigos foram mortos lá. Eu fico me perguntando – Por qual motivo eles morreram?
(Ex-Soldado britânico atualmente na Inglaterra)

Estamos cientes de Nós temos consciência que existem soldados britânicos que estão
abandonando o exército, ou que querem fazê-lo, devido à política britânica empregada
na Irlanda do Norte. Ficamos felizes com isso Nós estamos felizes quanto a isso e
3
R. v. Arrowsmith[1975] Q.B. 678, [1975] 2 W.L.R. 484, [1975] 1 All E.R. 463 .
esperamos que muitos mais o façam. Por isso, nós elaboramos esse panfleto
oferecendo informações acerca dos diversos métodos de como sair das forças armadas
britânicas, com a esperança de que eleisso possa ser útil.

FICAR AUSENTE SEM LICENÇA EXPRESSA


1. SUÉCIA – Providências especiais foram tomadas para receber soldados britânicos
que se retiraram para a Suécia. Ao menos 12 (doze) já o fizeram.
Assessoria Jurídica realizadas por: (a) Hans Göran Franck, Kungsgatan 24,
Estocolmo (tel: 200550 ou 200600); (b) Bengt Söderström— mesmo endereço citado
por Franck (tel. do escritório: 102502, tel. residencial 332013); (c) Svenska
Flytingradet, Drottningsgatan 16, Estocolmo (Às terças entre as 18h e 20h, tel.
210732).

Assistência Social realizadas por: Desmond Carragher, responsável pela


KFUK/KFUM, Birger Jarlsgatan 33 (2 tr), Estolcomo (tel. 206729).

Note bem que, para ter seu pedido de asilo na Suécia ser considerado, o soldado deve
ter sido ou estar prestes a ser destacado para serviços militares na Irlanda do Norte. Ele
deve trazer sua cédula de identidade e entrar por Estocolmo. Passados 10 (dez) dias
(para que se fixe residência), ele deve ir à polícia acompanhado de um amigo para
registrarpara se registrar o asilo POLÍTICO. Após o registro, que demora algumas
horas, ele pode procurar a assistência social sueca que irá (a) lhe dará um lugar para
ficar; (b) lhe concederá uma quantia monetária para viver; (c) o ajudará a ingressar
em aulas de sueco. Essa ajuda estará imediatamente disponível logo após o registro.
Não é necessário esperar a decisão final acerca da estadia para fazer uso desses
auxílios.

2. IRLANDA (EIRE) – A Irlanda é considerada um destino perigoso em alguns casos.


Soldados que abdicaram são aconselhados a NÃO ir para lá.

3. Grã Bretanha – Alguns soldados refratários estão tendo dificuldades para conseguir
empregos (além de terem perdido o direito aos cartões de seguro) e acomodação.
Ademais, precisam estar sempre em movimento para evitar que sejam presos. Aqueles
que pretendem se ausentar sem licença e que considerem ir à Grã-Bretanha devem,
portanto, planejar com muito cuidado.

4. Outros países – Outros países ainda não estão, tanto quanto sabemos, oferecendo
asilo. Entretanto, na medida em que as ações militares promovidas pelo governo
britânico na Irlanda do Norte vem sendo cada vez mais criticadas, pessoas de outros
países podem querer ajudar homens que querem evitar participar do conflito.

(Soldados que pretendem se ausentar sem licença para o exterior, podem equiparar
suas situações àquelas vividas por soldados americanos que se opuseram à Guerra no
Vietnã. Há um livro interessante sobre a matéria, escrito por D. Prasar, e intitulado
“They Love it but Leave it” – obtido na Livraria Houseman’s, Rua 5 Caledonian Road
, n°5, Londres, nº 1 – preço: 30 libras).

OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA
Um militar tem o direito de requerer uma dispensa com base na objeção de
consciência, se, desde que se alistou, desenvolveu uma objeção moral ou religiosa para
participar de quaisquer guerras. Objeções que possuam propósitos puramente políticos
a determinados conflitos (como por exemplo, na Irlanda do Norte) geralmente não são
bem vistas. tratadas simpaticamente.
Aqueles que pretendam solicitar uma dispensa com fundamentados por sua crença, ou
que desejam saber mais sobre essa possibilidade, são aconselhados a entrar em contato
com o Conselho Central do Comitê Contínuo para Objetores de Consciência, Rua
Endsleigh, n°6, Londres, W.C.1. Esse órgão pode oferecer assessoria pessoal sobre
como proceder, e oferece suporte para o que pode ser um processo difícil e
prolongado.

DISPENSA POR OUTROS MOTIVOS


Se um soldado serviu por três anos (em alguns casos quatro), e não foi informado de
que está prestes a ser enviado para o exterior, talvez ele possa pagar por comprar sua
dispensa do serviço. Contudo, ele deve pedir permissão para isso. A permissão pode
ser concedida, adiada ou negada, a critério do Ministério da Defesa. O preço desse
requerimento varia entre £ 20 e £ 150 para soldados adolescentes, e entre £ 150 e £
250 para adultos. Um soldado que tenha menos de 18 anos pode escolher pedir
dispensa a partir do sexto mês de alistamento mediante um pagamento de £ 20, ou, se
ele se alistou quando ainda não havia completado 17 anos e 6 meses, não é necessário
pagar nada.
O principal motivo que rege a dispensa em razões SOLIDÁRIAS é o do soldado
ser necessário em sua casa – quando o restante da família não é autossuficiente.
Em um futuro próximo, espera-se que se abra um novo Escritório para
Assessoramento de Militares, em Londres, para lidar com dúvidas e consultas acerca
de todos os meios LEGAIS para deixar o exército. Para mais detalhes sobre essa
consultoria, ligue: 01-387 5501. Enquanto isso, o Conselho Nacional de Liberdades
Civis está disponível para sanar quaisquer dúvidasaconselhamentos (Endereço: Rua
King Cross Road, número 186, Londres, W.C.1., tel.: 01-278 4575).
Note bem que o exército também pode dispensar um soldado baseado em motivos de
saúde ou em por motivos sexuais. ou de saúde.

REJEIÇÃO ABERTA AO DESTACAMENTO NA IRLANDA DO NORTE


Um soldado que declarar publicamente que se recusou a servir na Irlanda do Norte,
quaisquer que fossem as consequências, assumiria uma posição corajosa. Ele daria um
exemplo para outros soldados: reforçando suas determinações contra a política
desastrosa do governo. Melhor ainda, se um grupo de soldados fizesse essa declaração
simultaneamente, isso poderia gerar um grande impacto na opinião pública, tanto
dentro quanto fora do exército. Tal ato poderia levar um soldado à Corte Marcial e à
prisão. Mas para aqueles que acreditam, como nós, que a presença britânica na Irlanda
do Norte é errada, sugerimos que considerem se é melhor ser morto por uma causa na
qual você não acredita ou ser preso por se recusar a fazer parte do conflito.
Todos aqueles que não querem servir na Irlanda do Norte entrem em contato com a
“RETIRADA BRITÂNICA DA CAMPANHA NORTE IRLANDESA”, para que
essas valentes ações possam receber o máximo de publicidade e gerar o maior efeito
possível.

NÓS, QUE DISTRIBUÍMOS ESTE FOLHETO PARA VOCÊ, ESPERAMOS QUE,


DE UMA FORMA OU DE OUTRA, VOCÊ EVITE PARTICIPAR DA MATANÇA
EMPREGADA NA IRLANDA DO NORTE.
Publicado por: Retirada Britânica da Campanha Norte Irlandesa, Rua Caledonian, n°3,
Londres, Nº1.
13. Quando a polícia pediu ao grupo que desistisse de distribuir folhetos, os companheiros da
requerente obedeceram. No entanto, a requerente alegou que já havia distribuído os mesmos
panfletos em outro complexo militar, em Colchester, onde o Diretor do Ministério Público
havia entendido que o panfleto estava em ordem.
Com base nissoEntendendo dessa forma, ela continuou distribuindo o panfleto, e foi presa
pelo crime de or uma conduta de perturbação da paz pública. Foi liberada após pagar uma
fiança, mas voltou a ser presa no dia 14 de março de 1974.

14. As acusações contra ela basearam-se na Lei de Incitação à Desordem. Quando levada
perante aos juízes da vara de Warminster, a requerente descobriu que o Diretor do Ministério
Público estava disposto a aceitar um processo pelo rito sumário. O que foi importante em
relação a sentença, pois a Lei de 1934 em seu artigo 3 (1), dispõe da seguinte maneira:
Uma pessoa condenada por um ato ilícito ante algum dispositivo presente nesta lei
está sujeita a uma pena de prisão não superior a dois anos ou multa não superior a
duzentas libras, ou no caso de condenação seguindo o rito sumário, a uma pena de
prisão não superior a quatro meses ou a uma multa não superior a vinte libras, ou (em
qualquer um dos casos) a cumulação das penas, quer seja, prisão e multa.
A requerente pediu para que o julgamento fosse realizado por meio de um júri.

15. No dia 20 de maio de 1974, a requerente foi condenada nos termos das seções 1 e 2 da Lei
de Incitação à Desordem de 19344 pelo Tribunal Criminal Central, em Londres. Sua pena foi
de 18 meses de prisão.

16. A Corte de Apelação manteve a sentença, no dia 04 de dezembro de 1974. A Corte


declarou, inter alia5:
Este folheto é uma clara incitação ao motim e à deserção. Por essa razão, é um
documento malicioso; e, como se não bastasse, também ébastasse é, também perverso.
Esta Corte não está, de forma alguma, preocupada com o contexto político que
motivou esse folheto a ser distribuído. Mas sim com os seus possíveis efeitos nos
jovens soldados de 18, 19 ou 20 anos, que podem ser emocionalmente imaturos e ter
discernimento político limitado. Isso é particularmente preocupante em relação aos
jovens soldados que ou vêm da Irlanda ou possuem ligações familiares com a Irlanda;
certamente há um grande número deles no exército britânico. Esses soldados são
incentivados a desertar e a se amotinar quando descobrem que serão destacados na
Irlanda do Norte. Se eles se amotinam, eles estão sujeitos a uma condenação pela
Corte Marcial, que pode levar a um longo período de prisão, e, se desertam, eles
devem esperar receber uma sentença de pelo menos 12 (doze) meses de detenção. Para
mulheres adultas, como é o caso da apelante, andar por complexos militares
distribuindo panfletos deste tipo equipara-se à uma tentativa de corromper os jovens
soldados, aliciando tanto seu dever, como sua lealdade.

4
De acordo com a Seção 1: ‘Se qualquer pessoa dissimuladamente e deliberadamente tentartenta seduzir qualquer membro
das forças armadas de Sua Majestade com intento de corromper seu dever ou lealdade para com sua Majestade, será culpado
por transgressão desta Lei.’ De acordo com a Seção 2: ‘Se alguém, com intenção de participar ou ajudar, instigar, aconselhar
ou praticar quaisquer atos que violem o exposto na seção 1 desta Lei, tiver em sua posse ou sob seu controle, quaisquer
documentos cuja disseminação por cópias entre soldados do exército de Sua Majestade e seus pares constitua ataque a
Coroa, será culpado por transgressão à essa Lei”.
5
Ver [1975] 1 Todos E.R. p. 471.
O Tribunal também lidou com o questionamento de saber se a recorrente teria o direito de
basear sua defesa em uma desculpa legal, inter alia, tendo em vista que, após a distribuição de
panfletos em Colchester, nenhuma acusação foi movida contra ela à luz dasob a Lei de 1934.
Com efeito, após o incidente de Colchester, o Diretor do Ministério Público recusou-se a dar
andamento ao processo contra a recorrente, usando como subterfúgio a Lei de 1934 6.O então
advogado da recorrente não foi informado sobre os motivos dessa recusa.

A Corte de Apelação declarou que a expressão “desculpa legal” não constava na seção 1 da
Lei de 1934 e que era difícil conceber que alguém poderia ter uma “desculpa legal” para
incitar soldados a cometer deserção ou motim.

Todavia, a Corte admitiu que uma lacuna da lei pode ser relevante no que concerne à
sentença.a sentença. Nesse sentido, afirmou:

Que efeito deve ter essa7 lacuna na sentença? É difícil acreditar que esta apelante, bem
instruída e inteligente não compreendesse o que estava fazendo. Ela deveria saber que
estava incitando o motim e a deserção. A história apresentada por ela no julgamento,
de que apenas distribuía informações àqueles soldados que já estavam descontentes,
foi uma ofensa à inteligência do júri e de quem a estava julgando. Não obstante, em
decorrência da decisão do Diretor do Ministério Público, ela talvez tenhateria pensado
que poderia continuar a, livremente, fazer o que havia feito.

A Corte salientou que, se não houvesse um impedimento decorrente da decisão do Diretor do


Ministério Público, a pena de 18 meses de prisão teria, em seu entendimento, sido justificada,
mas, nas circunstâncias particulares do caso, considerou apropriado anular a sentença e
substituí-la por outra que permitisse a libertação imediata da requerente.

17. Os companheiros da requerente, que distribuíram panfletos junto a ela em Warminster,


mas descontinuaram a prática a pedido das autoridades, não foram processados.

Em 1975, 13 (treze) pessoas foram processadas em conjunto em um julgamento que envolvia


uma série de supostos delitos conforme a Lei de 1934. Somente uma acusação, contra o Sr.
W., é relacionado com um folheto deste tipo. O júri absolveu todos os réus de todas as
acusações conforme a Lei de 1934.

O contexto da Irlanda do Norte entre 1973 e 1974

18. Ao longo daquele período, a realidade da que Irlanda do Norte se encontrava era
demasiadamente grave. Os batalhões do exército, que foram destacados em grandes números
na província, estavam regularmente, quase que diariamente, sob ataque do I.R.A. O número
de baixas, tanto civis quanto militares, era alarmante. Entre 1 de fevereiro de 1973 até o final
daquele ano, ao menos 233 pessoas haviam morrido em decorrência do conflito. 940
explosões foram contabilizadas durante o mesmo período.

6
A S.3 (2) enuncia que: “Na Inglaterra, nenhum processo, nos termos desta Lei, deve acontecer sem que o Diretor do
Ministério Público permita (sugestão: aceite uma denúncia)”.
7
A Corte se referia à recusaa recusa do Diretor do Ministério Público em autorizar o indiciamento da requerente depois do
episódio de Colchester.
A lei referente aos delitos de subversão das tropas e a importância da Lei de Incitação à
Desordem de 1934

19. Há uma sucessão de delitos no Reino Unido, criada por estatuto, que protegem as
Forças Armadas e a polícia de ameaças à subversão de sua lealdade ou persuasão para que
violem seu dever, tais como a Lei de Incitação ao Motim de 1797, a Lei de Incitação à
Desordem de 1934, a Lei Policial de 1964 e a Lei de Restrição aos Estrangeiros (emendada)
de 1919. Além disso, as leis das Forças Armadas (Lei do Exército de 1955, Lei da Força
Aérea de 1955 e Lei da Disciplina Naval de 1957) tipificam uma série de delitos dessa
natureza relacionada a questões militares, que se aplicam ao público-geral e são puníveis
pelos tribunais civis.

20. De acordo com a Lei de Incitamento ao motim de 1797, é, inter alia, punível quem:
maliciosa e deliberadamente tentar persuadir qualquer pessoa ou quem estiver a
serviço de Sua Majestade, por mar ou terra, do seu dever e lealdade a Sua Majestade.

Há muitos anos não haviam ouveram processos judiciais concernentes a essa Lei.

21. Quando o projeto de lei referente à Incitação à Desordem de 1934 foi submetido ao
Parlamento, parece ter havido indícios, na época, de que muitos materiais que poderiam
causar insatisfação entre as Forças Armadas haviam sido impressos e distribuídos. Contudo, o
Governo vigente na época afirmou que a Lei não era uma medida desesperada, mas
meramente estabelecia procedimentos para levar subversivos à julgamento por tentarem
corromper as forças, sem fazer uso da Lei de Incitação ao Motim de 1797, que exigiaaplicava,
em todos os julgamentos, uma sentença de prisão perpétua8. O projeto de lei suscitou
controvérsia concentrada principalmente sobre: (1) o uso da conjunção “ou“ em “dever ou
lealdade” previstas na seção 1, em vez da conjunção “e”, ficando assim “dever e lealdade”,
estabelecidas previamente no Ato de 1797; e (2) os poderes de busca e apreensão. Aqueles
que se opunham à medida, ressaltaram que o uso da conjunção “ou” ao invés de “e” no artigo
1, ampliava consideravelmente a amplitude da conduta condenável, o que, de fato criava um
delito completamente novo. Apontou-se que uma esposa que persuadiu seu marido a
ultrapassar em um dia ou mais o tempo permitido pela licença do serviço militar, para ficar
mais tempo em sua casa, não poderia ser condenada como se estivesse tentando subvertê-lo de
seu dever e lealdade a Sua Majestade e, portanto, ela não seria culpada conforme a Lei de
1797, embora pudesse ser condenada pelo delito sob a Lei de 1934, pois ela teria se esforçado
para subvertê-lo de seu dever. O governo salientou que o delito criado pela nova lei de forma
alguma era mais amplo do que aqueleamplo aàquele contido na Lei de 1797.

A Lei de 1934 tem sido pouco utilizada desde sua introdução. Por exemplo, entre 1956 e 1974
houve, de fato, apenas quatro processos, sendo dois em 1971, um em 1973 e um em 1974,
todos relacionados com a posse ou distribuição de panfletos destinados a persuadir os
soldados à não cumprir seu dever ou prestar lealdade à sua Majestade, e servir na Irlanda do
Norte9.

8
Ver Comissão de Direito, Documento de Trabalho nº 72, p.51, parágrafos 82 e 83.
9
Ver Comissão de Direito, op. cit, p.52, par. 84.
Esta lei foi recentemente analisada pela Comissão de Direito, um órgão judicial criado “com
o objetivo de promover reformas à lei”.10 Em seu Documento de Trabalho nº 72, a Comissão
de Direito estabelece que o objetivo não vislumbra a necessidade de se manter a Lei de 1934.
Referindo-se à discussão da compatibilidade da Lei com o artigo 10 (1) da Convenção
Europeia de Direitos Humanos, a Comissão de Direito afirma em seu Documento de
Trabalho:

Em consonância com a Convenção, a forma em que as liberdades de expressão e de


ação precisam ser restringidas concernentes ao interesse da segurança nacional são,
essencialmente, competências do Parlamento. Observamos que, desde 1917 – o ano
em que a Lei de Incitação ao Motim de 1797 foi restabelecida, após ter prescrito
evido em 1805 – foi inserido no livro dos estatutos gravíssimo o delito de,
maliciosamente e deliberadamente tentar corromper um membro das forças armadas
de cumprir seu dever e prestar lealdade a Sua Majestade. Além disso, em 1934, após
um longo debate, foi promulgada a Lei de Incitação à Desordem. Estes fatos podem
ser vistos como alguma indicação acerca da opinião do Parlamento quanto à
necessidade de tal legislação. Não examinamos, neste momento, se essa legislação é
impreterível para proteção da segurança nacional ou da segurança pública, para a
prevenção da desordem ou do crime.11

A Comissão de Direito sugere apenas que, se a Lei de Incitação à Desordem for mantida,
substituir as palavras “maliciosa e deliberadamente” na seção 1 por palavras que estejam em
conformidade com os padrões modernos.12

Questões que foram objeto do litígio

As questões gerais levantadas são as seguintes:

Nos termos do artigo 5 da Convenção

59. *- Se houve ou não cerceamento do direito à liberdade e segurança da requerente em


razão da incidência e aplicação à ela da Lei de Incitação à Desordem de 1934, e mais
particularmente, se sua detenção e prisão preventiva estava ou não de acordo com o artigo 5
(1) (c) e sua detenção após o julgamento estava em conformidade com o artigo 5 (1) (a).

Nos termos do artigo 9 da Convenção

60. *- Se a distribuição dos folhetos em questão pode ou não ser considerada como um
exercício do direito da requerente à liberdade de pensamento, consciência e religião como
sendo a manifestação de uma crença; e, em caso afirmativo, se a acusação e condenação do
requerente à luz da Lei de Incitação à Desordem de 1934, por ter distribuído os folhetos
anteriormente assinalados, foi indispensável em uma sociedade democrática, no interesse da
10
Lei das Comissões de Direito de 1965, s.1 (1).
11
Parágrafo 93, p.58.
12
Ibid.
segurança pública, para a proteção da ordem pública e dos direitos dos outros cidadãos. Nos
termos do artigo 10 (2) da Convenção

61. *- Se a interferência no direito à liberdade de expressão da requerente foi ou não


necessária em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da proteção à
integridade territorial ou da segurança pública e/ou para a prevenção à desordem ou do crime.

Nos termos do artigo 14 c/c o artigo 9 e/ou artigo 10 da Convenção

62. *- Se a acusação e a condenação da requerente constituíram ou não uma discriminação ao


gozo de seu direito à manifestação de sua crença (Art. 9 (1)) e/ou seu direito à liberdade de
expressão (Art. 10 (1)) com base em sua opinião política ou outra.

Parecer da Comissão

Quanto ao artigo 5º da Convenção

63. A requerente considera que o risco decorrente de uma “redação gravemente vaga” da Lei
de Incitação à Desordem de 1934 impacta no cerceamento do seu “direito à liberdade e
segurança da pessoa”, protegido pelo artigo 5 (1) da Convenção.

O artigo 5 (1) dispõe:


Toda a pessoa tem direito a liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua
liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:
- (a) Se for preso em consequência de condenação por tribunal competente; ...
- (c) Se for legalmente preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade
judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração,
ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer
uma infração ou de fugir depois de a ter cometido; ...

64. A Comissão adverte que, em geral, não é competente para examinar em abstrato a
compatibilidade de um estatuto com as disposições da Convenção 13, mas que somente pode
examinar se a aplicação do estatuto no caso denunciado envolve uma violação da Convenção.
A “Liberdade pessoal” exposta pelo artigo 5 significa, basicamente,significa basicamente,
liberdade de prisões e detenções arbitrárias. O direito à segurança da pessoa compreende a
garantia de que as pessoas serão presas e detidas apenas por razões fundadas e de acordo com
o procedimento prescrito por lei. Essa é a garantia contra arbitrariedades em matéria de prisão
e detenção. A requerente foi detida com base nas disposições legais. A Comissão não
considera que a lei em questão seja tão vaga a ponto de permitir uma prisão ou detenção
arbitrária de pessoas. O ato que é considerado crime pela lei de 1934 consiste na tentativa de
corromper qualquer membro das forças armadas de realizar seu dever ou prestar sua lealdade
à Sua Majestade. O ato deve ser praticado de forma maliciosa e consciente. Isso demonstra –
como a interpretação dos Tribunais confirmou – que o delito é circunscrito e restrito ao
entendimento das doutrinas penais sobre má intenção. Portanto, a prisão e detenção com base
na lei não viola o artigo 5º, na medida em que garante a segurança da pessoa.

13
Klass v. Alemanha (1978), 2 EHRR 214, 227, parágrafo 33.
A Comissão adverte ainda que uma suposta imprecisão da lei pode gerar questionamentos ao
artigo 7, ou àqueles direitos da Convenção que podem estar sujeitos a limitações que são
“prescritas por lei” como, por exemplo, o direito à liberdade de expressão.14

65. No presente caso, a Comissão só pode examinar, nos termos do artigo 5 (1), se a prisão e
detenção da requerente constituiu um cerceamento no seu direito à liberdade e à segurança da
pessoa a qual não foi justificada nos termos de qualquer um dos sub parágrafos desta
disposição.

Como não é contestado o fato de que as prisões da recorrente foram efetuadas com o objetivo
de a conduzir à autoridade legal competente por suspeita fundada de ter cometido um crime,
sua prisão e detenção antes do julgamento foram justificadas nos termos do Artigo 5 (1) (c).
Como também não é contestado que a requerente foi condenada por um tribunal competente
de acordo com um procedimento legal, entende-se que sua detenção após a condenação foi
justificada nos termos do Artigo 5 (1) (a) da Convenção.

Conclusão

66. A Comissão é, portanto, unânime em considerar que o presente caso não denota de uma
violação do artigo 5º da Convenção.

Quanto ao artigo 9º da Convenção

67. O artigo 9º da Convenção ressalta que:


1. Todos têm direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de
manifestá-las, seja individual ou coletivamente, em público ou em privado, por meio
do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
2- A liberdade de manifestar a sua religião ou convicção, individual ou coletivamente,
não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem
disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção
da ordem, da saúde e moral públicas, ou a defesa dos direitos e liberdades de outrem.

68. A requerente é indiscutivelmente uma pacifista convicta. O governo demandado


considerou sua definição de pacifismo como sendo:
O compromisso, tanto na teoria como na prática, com a filosofia de garantir objetivos
políticos ou outros sem recorrer à ameaça ou ao uso da força contra outro ser humano
em qualquer circunstância, mesmo como resposta à ameaça ou ao uso da força.

69. A opinião da Comissão é a de que o pacifismo como uma filosofia e, em particular, como
definido acima, enquadra-se no âmbito do direito à liberdade de pensamento e consciência. A
posição pacifista pode, portanto, ser vista como uma crença (“convicção”) protegida pelo
artigo 9º (1). Resta determinar se a distribuição de folhetos pela requerente, aqui em questão,
foi ou não protegida pelo artigo 9º, nº1, como sendo uma manifestação de sua crença
pacifista.

70. O artigo 9 (1) enumera possíveis formas de manifestação de uma religião ou crença, a
saber, culto, ensino, prática e o costume religioso (“par le culte, l’enseignement, les pratiques

14
Veja parágrafo 79-83, infra.
et l’accomplissement des rites”). A recorrente alega que, ao distribuir folhetos, “praticou” sua
crença.

71. A Comissão considera que o termo “prática” empregado no artigo 9 (1) não se estende a
cada ato motivado ou influenciado por uma religião ou uma crença.

É verdade que declarações públicas pregando em geral a ideia de pacifismo e estimulando à


aceitação de uma crença na não-violência podem ser consideradas como uma manifestação
normal e reconhecida da crença pacifista. No entanto, quando as ações destes indivíduos não
expressam, de fato, a crença em questão, elas não podem estar protegidas pelo Artigo 9 (1),
mesmo quando são motivadas ou influenciadas por ela.

72. O folheto aqui exposto começa com a citação do depoimento de dois ex-soldados, um dos
quais diz:
Eu não sou contrário a ser um soldado. Eu estaria disposto a lutar para defender este
país contra invasores – eu me disporia a lutar por uma causa na qual eu acreditasse.
Mas o que está acontecendo na Irlanda é totalmente errado.

Embora esta seja uma opinião individual de uma pessoa que não está necessariamente ligada à
organização que editou o folheto, sua citação indica, no entanto, que os autores a consideram
recomendável. Não se pode, portanto, concluir que o folheto transmite a ideia que não se
deve, em hipótese alguma, mesmo que não em resposta à ameaça ou ao uso da força,
assegurar seus objetivos políticos ou outros por meios violentos. Apenas extrai-se do folheto
que seus autores se opuseram à política britânica na Irlanda do Norte.

73. Este ponto de vista não é expresso apenas no depoimento do ex-soldado, mas também
pelos autores do folheto que comentam a citação da seguinte forma:
Nós temos consciência que existem soldados britânicos que estão abandonando ou
saindo do exército, ou que querem fazer isso, devido à política britânica empregada na
Irlanda do Norte. Estamos felizes em relação a isso e esperamos que muitos mais o
façam.

E sob o título “Rejeição aberta ao destacamento na Irlanda do Norte” os seguintes trechos:


Um soldado que declarasse publicamente que se recusaria servir na Irlanda do Norte ...
daria um exemplo para outros soldados: reforçando suas determinações contra a
política desastrosa do governo.

Além disso:
Mas para os soldados que acreditam, como nós, que a presença militar britânica na
Irlanda do Norte é errada, pede-se que considerem o seguinte: se é melhor ser morto
por uma causa na qual você não acredita ou ser preso por se recusar a fazer parte do
conflito.
74. Os folhetos não foram endereçados e distribuídos ao público em geral, mas à soldados
específicos que em breve poderiam ser destacados para a Irlanda do Norte. Os soldados, de
acordo com o conteúdo do folheto, receberam o conselho de desertarem, ou de se recusarem
abertamente a serem destacados para a Irlanda do Norte. Não ficou claro que esse conselho
foi dado com a finalidade de difundir pensamentos pacifistas.

75. A Comissão conclui que os folhetos não expressaram concepções pacifistas. A Comissão
considera, portanto, que a recorrente, ao distribuir os folhetos, não manifestou sua crença no
sentido do artigo 9º (1). Decorre, então, que sua condenação e sentença pela distribuição
desses folhetos não interferiu de forma alguma no exercício dos direitos que lhe são
conferidos por esse dispositivo.

Conclusão

76. A Comissão é, portanto, unânime em considerar que o Artigo 9 (1) da Convenção não foi
violado.

Quanto ao artigo 10 da Convenção

77. O artigo 10 da Convenção enuncia que:

1- Todos têm direito à liberdadea liberdade de expressão. Este direito compreende a


liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias
sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e
independentemente de fronteiras. O presente artigo não deve impedir que os estados
exijam o licenciamento de empresas de radiodifusão, televisão ou cinema.

2- O exercício destas liberdades, já que implica deveres e responsabilidades, pode ser


submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, e
necessárias numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade
territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a
proteção da saúde e da moral, da honra e dos direitos de outrem, para impedir a
divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a
imparcialidade do Poder Judicial.

78. É indiscutível que a prisão, acusação e punição da recorrente à luz da Lei de Incitação à
Desordem de 1934 interferiu no seu direito à liberdade de expressão. Portanto, a única
questão a ser determinada é se, nas circunstâncias do presente caso, essa interferência foi
justificada nos termos do artigo 10 (2). Consequentemente, a Comissão deve examinar: (a) se
a interferência foi prevista em lei; (b) se foi feita a partir de um ou mais hipóteses enumeradas
no Artigo 10 (2); e (c) se a interferência foi necessária em uma sociedade democrática.

A restrição e a pena foram “fixadas por lei”?

79. Para que seja justificada, a interferência contestada deve, em primeiro lugar, ter previsão
na lei. A base legal para a condenação e sentença dosentenciamento da requerente foi
incontestavelmente a Lei de Incitação à Desordem de 1934.

80. Com relação à aplicação da Lei no presente caso, a recorrente alega de uma incerteza
resultado de uma formulação supostamente vaga da Lei, em especial dos termos “maliciosa e
deliberadamente” e “tentar corromper”.

81. A Comissão examinou anteriormente a suposta incerteza das disposições de direito penal
nos termos do artigo 7º da Convenção que consagra, inter alia, o princípio do nullum crimen
sine lege.

Nesse sentido, a Comissão se refere à sua decisão sobre a admissibilidade do caso Handyside
v. Reino Unido15 onde se constatou que a condição de certeza é satisfeita quando é possível
determinar, a partir da disposição legal pertinente, qual ato ou omissão é passível de

15
Requerimento n° 5493/72, 45 D.C. 23, 48, 49.
responsabilização criminal, mesmo que tal determinação resulte da interpretação judicial da
corte acerca da disposição em questão.

82. A incerteza quanto às disposições da lei pode, como sugerido no presente caso, também
gerar dúvidas se uma restrição na definição do artigo 10 (2) é “prevista em lei” 16. Todavia, a
Comissão já reconhece que a Lei de 1934 não é tão vaga a ponto de excluir qualquer
previsibilidade quanto ao ato que poderia dar origem a ação penal em seus termos 17. Pela
redação do referido dispositivo legal, fica bem claro que atos destinados a persuadir soldados
a ilegalmente abandonarem seus deveres serão uma infração se os requisitos subjetivos forem
cumpridos. A requerente foi condenada por fatos dessa ordem.

83. A Comissão conclui, portanto, que a interferência alegada foi “prevista por lei”, na forma
do artigo 10 (2).

Foram a restrição à liberdade e a pena decorrentes da aplicação de um ou mais


dispositivos previstos no artigo 10 (2) da Convenção?

O PROPÓSITO DA LEI DE 1934

84. De acordo com o Governo, parte requerida, a Lei de Incitação à Desordem de 1934
assegura a proteção da segurança nacional, a prevenção da desordem e a proteção dos direitos
alheios e, portanto atende a finalidades que estão em conformidade com o artigo 10 (2) e,
desse modo, justificam restrições do direito à liberdade de expressão.

85. A Comissão assume que a deserção dos soldados pode, mesmo em tempos de paz,
ameaçar a “segurança nacional”, na medida em que tende a enfraquecer o papel do exército,
como instrumento de proteção de uma sociedade democrática das ameaças internas ou
externas.

O conceito de “ordem”, conforme exposto no artigo 10 (2), abrange, de acordo com o


Acórdão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso Engel v. os Países Baixos, 18 a
ordem que precisa existir dentro dos limites de um grupo social específico... por exemplo,
quando, como no caso das Forças Armadas, a desordem nesse grupo pode ter repercussões na
organização da sociedade como um todo. A Comissão aceita que a manutenção da ‘ordem’
dentro das Forças Armadas requer a tomada de medidas rigorosas para evitar a deserção.

86. Por essa razão, os propósitos pretendidos pela Lei de 1934 estão de acordo com o artigo
10 (2) da Convenção.

A MEDIDA ESPECÍFICA TOMADA CONTRA A REQUERENTE

87. Em seguida, a Comissão tem de examinar se a aplicação da Lei de 1934 no presente caso
perseguiu fins legítimos amparados nesta disposição.

88. Nesse sentido, é importante notar que a ação penal nos termos da Lei, depende do
consentimento do Diretor do Ministério Público. Assim, o próprio legislador britânico
16
Cf. o Relatório da Comissão no caso Times Newspapers Ltd. V. Reino Unido (Série B, No. 28), parágrafos 200 – 205.
17
Veja o parágrafo 18. 64, supra.
18
(1976), 1 EHRR 647, parágrafo 98.
reconheceu expressamente que nem toda violação à Lei exige necessariamente que sejam
tomadas medidas contra o infrator.

89. A recorrente alega que sua condenação foi injustificada considerando-se como base os
propósitos do artigo 10 (2), pois o folheto distribuído por ela continha apenas uma
manifestação de opinião política e informação para soldados, os quais tinham o direito de
receber.

90. A Comissão reconhece que a liberdade de expressão constitui um dos princípios basilares
de uma sociedade democrática. No entanto, ela constata que a recorrente, ao distribuir os
folhetos aqui em questão, não se limitou apenas a expressar uma simples opinião política.

91. Embora seja verdade que o folheto continha informações concretas e argumentos
políticos, ele também continha frases ou parágrafos que, como assinalado pelos Tribunais
britânicos competentes, deveriam ser entendidos, ou poderiam ter sido interpretados pelos
soldados, como um encorajamento ou incitação ao motim. O folheto mencionava como
possíveis caminhos a serem escolhidos pelos soldados a “Deserção” e a “Recusa expressa ao
destacamento na Irlanda do Norte”. É expressa no final do folheto, a esperança de que “de
uma forma ou de outra, você evite participar da matança empregada na Irlanda do Norte”, e
assim, os soldados foram incitados a desertarem ou seduzidos a recuar o destacamento na
Irlanda do Norte, muito embora, como também é apontado, “tal ato poderia levar à Corte
Marcial e à prisão”.

92. É importante diferenciar a manifestação de opiniões políticas sobre o que acontece na


Irlanda do Norte, incluindo o uso do exército, por um lado, e neste caso, por outro. A
requerente não foi condenada por declarações que demonstram seu descontentamento com a
política britânica na Irlanda do Norte. Ela foi condenada, pois nos folhetos distribuídos
encorajou soldados a se amotinarem, indicando inclusive meios para receber assistência.

93. Quanto à justificativa da acusação no caso da recorrente, a Comissão observa que tanto o
Diretor do Ministério Público quanto os tribunais que trataram do caso deram atenção
especial, para os fatos de que o folheto foi dirigido e distribuído aos soldados que em breve
poderiam ser destacados para a Irlanda do Norte,onde na qual a própria recorrente afirmou
que continuaria a distribuir os folhetos, a menos que fossem tomadas providências severas
para impedi-la.

94. Em todas essas circunstâncias, a Comissão considera que a acusação, condenação e


sentença da requerente nos termos da Lei de 1934 tinha um propósito que era consistente com
o artigo 10 (2) da Convenção, ou seja, a proteção da segurança nacional e a prevenção da
desordem dentro do exército.

A intervenção e a punição eram necessárias em uma sociedade democrática?

95. Resta examinar se a acusação e a condenação da recorrente, bem como a sentença que lhe
foram impostas, eram “necessárias” para garantir este objetivo.

A requerente indicou que a “doutrina do perigo real e imediato”, desenvolvida pela Suprema
Corte Americana, deve ser aplicada.
A noção de “necessária” pressupõe uma “necessidade social imediata” que pode incluir o
perigo real e imediato e deve ser avaliada à luz das circunstâncias de um determinado caso19.

96. No que diz respeito à decisão de processar a recorrente, a Comissão observa que o Diretor
do Ministério Público levou em conta, ao decidir pela autorização para a abertura da ação
penal, a complexa situação na Irlanda do Norte e o possível impacto da campanha militar, a
qual a requerente contribuiu distribuindo folhetos, caso esta campanha não fosse
interrompida.

97. A Comissão reconhece que, tendo em vista a intenção manifesta da recorrente de dar
continuidade à sua ação a não ser que fosse interrompida por medidas proibitivas, a decisão
de processá-la era necessária visando a proteção da segurança nacional e a prevenção da
desordem no Exército.

98. É verdade que as autoridades britânicas competentes não processaram ou condenaram


outras pessoas que também distribuíram panfletos, como a requerente.

No entanto, a Comissão observa que a recorrente continuou distribuindo o folheto, apesar das
advertências, enquanto seus companheiros que estavam em Warminster desistiram de fazê-lo
e, por isso, não foram processados. Estes casos foram, consequentemente, menos graves do
que o caso da requerente. A absolvição em outro caso (relativo à Sra. W. e outros) dizia a
respeito, de acordo com as declarações incontroversas do Governo, à uma versão sintética do
folheto não provando que a condenação da requerente não fosse uma resposta a uma
necessidade real.

99. Tendo em vista que um dos princípios que caracterizam uma “sociedade democrática”,
segundo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, é que cada pena aplicada deve ser
proporcional ao delito cometido (cada “centavo” gasto nessa esfera deve ser proporcional ao
legítimo objetivo perseguido”)20, a Comissão deve finalmente considerar a questão da
severidade da sentença. A opinião desta Corte é a de que a sentença que a requerente
finalmente recebeu e cumpriu (sete meses de prisão), embora notadamente grave, não era, nas
devidas condições em que se encontrava, tão nitidamente desproporcional aos legítimos
objetivos perseguidos para que essa severidade, por si só, pudesse tornar injustificável tal
interferência que, de outro modo, a Comissão considerou justificada.

Conclusão

100. A Comissão portanto conclui, por 11 votos contra um, que a restrição imposta ao direito
de liberdade de expressão da requerente foi justificada nos termos do artigo 10 (2) da
Convenção.

Quanto ao artigo 14 c/c com o artigo 9 e/ou artigo 10 da Convenção

101. O artigo 14 enuncia que:

O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser


assegurado sem quaisquer discriminações baseadas em sexo, raça, cor, língua, religião,
opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, ou associação a uma minoria
nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.
19
Cf. Handyside v. U.K. (1976), 1 EHRR 737, parágrafo. 48.
20
Ibid, parágrafo. 49.
102. A Comissão concluiu que não houve interferência no direito da recorrente de manifestar
sua crença (artigo 9º). Entende ainda que não se verifica qualquer tipo de discriminação a esse
respeito.

103. Considerando que a prisão, acusação e condenação da recorrente prejudicou o seu direito
à liberdade de expressão, a Comissão considera que elas foram motivadas, não por ela ter
opiniões particulares, o que inclui opiniões pacifistas, mas pelo fato de que sua atuação na
distribuição dos folhetos constituiu o crime de incitação à desordem.

Além disso, a Comissão considera que a diferença de tratamento entre a recorrente e as outras
pessoas envolvidas na distribuição dos folhetos, que foi acima descrito 21, baseou-se em
fundamentos factuais e, por isso, são objetivamente justificados.

A requerente não sugeriu ão indicou que uma atitude ação semelhante, caso realizada por
outras pessoas e derivada de r outras razões s por outros motivos, não implicaria nas mesmas
consequências.

Conclusão

104. Portanto, a Comissão entende que, por 11 votos e uma abstenção, o presente caso não
denota uma violação do artigo 14 c/c artigo 9º ou o artigo 10º da Convenção22.

O Sr. Opsahl apresentou voto dissidente, exposto logo abaixo:

1. Pelos motivos expostos nos relatórios, os atos pelos quais a requerente foi condenada e
sentenciada não puderem ser considerados exclusivamente como uma manifestação de suas
crenças pacifistas. Por isso, votei favoravelmente à conclusão de que estes atos não estavam,
como tal, protegidos pelo artigo 9º. Contudo, entendo que esta questão é muito duvidosa,
como explicarei, e poderia ter discordado sobre este ponto não fosse o fato de que, no
presente caso, os atos em questão estavam de qualquer forma protegidos pelo artigo 10, e
talvez possam ser considerados de modo mais adequado, como parte essencial do exercício da
liberdade de expressão, opinião e informação. A natureza e essência deste caso é, a meu ver,
mais bem compreendidas quando examinada sob esta disposição, e as condições de
interferência não são substancialmente diferentes. A meu ver, houve uma violação ao artigo
10º.

2. Eu concordo com a Comissão quando ela pressupõe 23 que ao decidir o alcance do artigo 9º,
pode-se distinguir os conceitos de manifestação e motivação. Caso contrário, pode-se
reivindicar a proteção do artigo 9º para qualquer ato demonstrado como motivado pela crença.
Contudo não está claro, no caso em tela, onde esta linha deve ser traçada. Por um lado, crimes
comuns, como atos de violência ou roubo certamente não podem ser protegidosprotegidas
como se fossem manifestação de uma crença, mesmo que se demonstre que foram motivadas
ou inspiradas por ela, como às vezes se argumenta. Por outro lado, não se pode, em minha
opinião, excluir da abrangência do artigo 9º todos os atos declarados ilegais de acordo com a
lei britânica, se não manifestarem necessariamente uma crença, desde que sejam claramente
motivados por ela. Pelo contrário, como mostra o artigo 9 (2), ao estabelecer uma série de

21
Veja parágrafo. 98.
22
O Conselho de Ministros, concordando com o parecer da Comissão, decidiu que não houve violação à Convenção no caso:
Res. DH (79) 4 de 12 de junho de 1979. – Ed.
23
Veja parágrafo. 71, supra.
outras condições para que uma interferência seja justificada, um ato não pode ser
interrompido pelo simples fato de ter sido declarado ilegal. Considero que o artigo 9º deve,
em princípio, ser aplicável a muitos atos que não estão, em sua essência, necessariamente
manifestando uma crença motivante ou fundamental, se é isso que realmente fazem. Isto é
importante, quando tais atos não podem ser facilmente protegidos por outras disposições da
Convenção. É o caso, por exemplo, da objeção de consciência ou religiosa aos deveres civis
ou profissionais.

3. A opinião da Comissão parece sugerir que o artigo 9º é inaplicável principalmente, pois o


ato feito pela recorrente poderia ter sido realizado sem que houvesse qualquer crença no
pacifismo. Nesse sentido, a Corte baseou-se fortemente na linguagem utilizada nos folhetos,
concluindo que, por não ser de natureza particularmente pacifista, a posse e distribuição dos
mesmos não era uma manifestação dessa crença e, portanto, fica fora da abrangência do artigo
9º24. Considero que esta perspectiva é muito limitada. Pelos fatos do caso, não há dúvida
quanto à conexão entre a crença da requerente e os atos pelos quais ela foi punida. Se isto não
ficou completamente claro através do texto do folheto, fica nítido o suficiente quando
observamos suas outras ações e atuações. Este cenário não parece ter sido seriamente
questionado pela acusação e pelos tribunais, e aparenta ter sido acolhido pelo Governo e pela
Comissão no presente caso. O fato da campanha e os folhetos teremfolhetos, também terem
atraído também aqueles que não eram pacifistas não cria de maneira alguma uma contradição,
na minha opinião, entre a sua crença de um lado e sua participação na campanha e a
linguagem dos folhetos, de outro. Seus atos não só foram coerentes com sua crença, mas a
expressaram genuinamente e objetivamente quando vistas em seu devido contexto. A meu
ver, todos têm direito a ter seus atos examinados no âmbito da Convenção no âmbito de suas
circunstâncias específicas. Desse modo, a proteção do artigo 9º pode ser negada a uma pessoa,
mas concedida a outra pelos mesmos atos, quer seja para distribuição dos mesmos folhetos,
ou para outras alegadas manifestações de crença, como por exemplo, em diferentes casos de
alegadas objeções de consciência. E esta é, de fato, a linha adotada pelas disposições legais
sobre esta última matéria, quando elas exigem um exame da natureza e da seriedade dos
motivos dos objetores. Além disso, a linha divisória não deve ser desenhada de forma muito
restrita para que apenas certos, talvez os mais tradicionais, tipos de manifestação sejam
protegidos, independentemente da genuinidadegenuidade da motivação.

4. Um aspecto importante é que a situação prevista no artigo 10º é diferente da do artigo 9º, e
também de muitas outras situações em que o artigo 10º é invocado, nomeadamente no que diz
respeito ao seu caráter “misto” ou “puro”. Embora a infração tenha sido considerada
suficientemente “mista” pela Comissão, para colocá-la fora do escopo de proteção do artigo
9º, ela não tinha elementos excludentes ao artigo 10º. A requerente não foi, por exemplo,
acusada de qualquer violação da paz, entrada ilegal, violência ou qualquer outro ato ilícito que
possam constituir ao mesmo tempo uma manifestação de opinião, e para os quais portanto, a
proteção é frequentemente invocada.

5. Além disso, parece que todas as opiniões expressas ou referidas nos folhetos pelos quais ela
foi punida, e todas as informações neles contidas, poderiam, como tal, ser expressas a
qualquer um e também legalmente transmitidas aos soldados. O que constituía a infração, era
a “incitação” mais ou menos explícita, consistindo, como os tribunais sustentaram, em uma
tentativa de influenciar os soldados a agir de modo a violar seus deveres e sua lealdade,
deixando, legal ou ilegalmente, de ir para a Irlanda do Norte.

24
Veja parágrafos, 72-75, supra.
6. O objetivo de influenciar terceiros diretamente responsáveis por suas ações é um aspecto
essencial e legítimo do exercício da liberdade de expressão e opinião, tanto em matéria
política quanto em outras situações. Se outros são de fato levados a aceitar tais crenças,
opiniões ou ideias ou fazem uso de informações que lhes foram transmitidas com o objetivo
de influenciá-los, eles o fazem principalmente sob sua própria responsabilidade. Quer o
assunto seja visto sob os artigos 9º, 10º ou ambos, a justificativa e a necessidade de punir
aqueles que meramente tentam influenciar outros pelo exercício “puro” desses direitos deve
ser examinada nessa perspectiva.

7. Sobre os fatos do presente caso, considero pela sua natureza e essência, que um delito
político foi visto como uma potencial ameaça à ordem pública, mas considero também que a
requerente não colocou em perigo a segurança nacional ou comprometeudesestruturou a
ordem no exército, que são justificativas aceitas pela Comissão, ou, no máximo, se o fez, fez
indiretamente. Nenhuma ligação foi demonstrada à Comissão entre seus próprios atos
concretos e os perigos reais a esses interessados. De fato, segundo a lei aplicada a ela pelos
tribunais nacionais, a acusação não foi obrigada a demonstrar tal ligação, enquanto a
requerente, por outro lado, não foi autorizada a demonstrar que tais perigos realmente não
existiam.

8. O tempo e o espaço disponíveis não me permitem entrar em muitos detalhes, mas atribuo
alguma importância ao fato de que a Lei de 1934 ter sido originalmente aprovada e aplicada
em circunstâncias que poderiam ser vistas como uma ameaça à liberdade política, e que ela
não tinha sido aplicada por muitos anos quando algumas ações judiciais foram novamente
colocadas usando-a como escopo, durante o conflito na Irlanda do Norte. Acho significativo
que a Comissão tenha sido muito mais específica e cuidadosa em sua opinião quando aceitou
a imputação de outros folhetos destinados aos soldados que estavam de fato em serviço na
Irlanda do Norte durante o conflito. A sua repressão foi vista como 25 necessária no interesse
da segurança pública quando se leva em conta o atual estado de emergência pública na Irlanda
do Norte, na medida em que a carta exorta à desobediência às ordens para atirar, mesmo que
estas possam ser necessárias para a autodefesa ou para o controleno controle à violência. No
presente caso, a Comissão não tentou vincular a necessidade de punição à situação em termos
igualmente diretos e restritivos, e não houve incitação à desobediência às ordens sob o serviço
real na Irlanda do Norte.

9. As justificativas relevantes no âmbito da Convenção apresentadas neste caso, e aceitas em


parte pela Comissão, parecem ter sido trazidas em formato de retrospectiva ao longo do
processo. Seja qual for a reflexão feita através da teoria da “margem de apreciação” pelas
autoridades nacionais na aplicação das restrições da Convenção – doutrina esta que o parecer
desta Comissão evita mencionar – parece que ela só pode ser invocada quando se demonstra
que as autoridades nacionais assumiram, de fato, no momento oportuno, tal apreciação, ao
menos em essência. Não fiquei convencido de que o tenham feito quando decidiram processar
a requerente e algumas manifestações dos tribunais parecem sugerir o contrário.

10. Além disso, a Comissão não aceitou explicitamente a punição como sendo também
necessária para prevenção do crime, ou seja, crimes como deserção ou desobediência ao
destacamento na Irlanda do Norte. Mas, na verdade, era disso que se tratava o caso perante os
tribunais nacionais. Este foi o único efeito real – mas ainda bastante distante – ameaçador de
seus atos, e este foi o único incitamento de que ela foi considerada culpada. Na minha

25
X. v. Reino Unido (Requerimento nº 6804/73), 3 D. & R. 62, 65.
opinião, a Comissão deveria ser bastante reticente em aceitar punições por incitação à prática
de tais ou similares ofensas políticas “como necessárias em uma sociedade democrática”.

11. Finalmente, considero que a intervenção por meio de uma longa prisão, mesmo tendo sido
reduzida em recurso, foi desproporcional ao objetivo legítimo perseguido, conforme requerido
pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso Handyside 26. Ao meu conhecimento, é
bastante incomum em um país democrático do nosso tempo punir alguém dessa forma por
delitos políticos não violentos, como os cometidos pela requerente, e não posso julgá-lo como
requisito necessário no presente caso. Deixa-me com a infeliz impressão de que, neste caso,
devido ao grave e violento conflito na Irlanda do Norte, as autoridades reagiram de forma
exagerada.

12. A tolerância às opiniões dissidentes que esperamos de outros países não deve ser
abandonada na Europa Ocidental, mesmo em tempos de crise. Embora a ação da requerente
tenha ameaçado minimamente a política pública, isso não é, em minha opinião, razão
suficiente para se intervir no âmbito do sistema da Convenção Europeia, cuja pretensão de
credibilidade é muito importante para conservar o debate sobre direitos humanos no mundo.

Opinião dissidente do Sr. Klecker27

1. Não posso compartilhar o entendimento da Comissão no exame das questões do artigo 9º e


do artigo 10 apresentadas no presente pedido. Na minha opinião, ambas disposições foram
violadas em relação aos fatos do presente caso.

2. Em relação ao artigo 9º, caso se aceite que a ação praticável é uma parte importante da
filosofia do pacifismo, parece difícil não admitir que a requerente foi processada por sua
crença pacifista, uma vez que a distribuição do folheto não foi apenas uma extensão de sua
crença, mas parte integrante da mesma. A esse respeito, devo discordar da análise feita pela
Comissão do artigo 9º, considerando-a excessivamente restritiva, em primeiro lugar, pois
chega a sua conclusão deixando de lado uma série de fatos relevantes para este caso e, em
segundo lugar, porque sua avaliação do conteúdo do folheto é muito seletiva na escolha de
seus elementos determinantes.

3. Para determinar se a distribuição do folheto pela requerente constitui a manifestação de


uma crença na prática, é necessário considerar não apenas o conteúdo do folheto, mas outros
elementos factuais ligados ao presente caso que validem a autenticidade da visão pacifista da
requerente.

4. Descrevendo a base fáticaactual da alegação da requerente, a Comissão afirma em seu


relatório28:

A requerente é uma pacifista convicta. Ela participa de manifestações de apoio a essa


ideia e, nesse contexto, também fez parte de uma organização intitulada “Retirada
britânica da campanha irlandesa".Irlandesa”. Ela ajudou na elaboração de um folheto
publicado por esta organização, oorganização o qual pretendiapretendiam entregar aos
soldados.

26
Veja parágrafo 99, supra.
27
O Sr. Klecker não estava presente na votação final, mas a Comissão decidiu, nos termos de seu Regulamento Interno, que
ele deveria ter o direito de expressar sua opinião em separado no relatório.
28
Veja o parágrafo. 10, supra.
Não está, portanto, em discussão que a distribuição do folheto em questão representou uma
ação decorrente de sua visão como pacifista.

5. No entanto, ao determinar a natureza e o conteúdo desses pontos de vista, é essencial levar


em consideração as provas dadas pela Sra. Bernadette Devlin em favor da recorrente (que não
são contestadas) que aparecem na pequena transcrição do julgamento da recorrente. A seguir,
parece que ela esteve com a requerente na Irlanda do Norte, durante as discussões com ambas
as vertentes do I.R.A, e que a requerente disse às pessoas destas organizações que deveriam
baixar as armas e fazer campanha através de manifestações pacíficas, e que ela os persuadi de
que deveriam abandonar o I.R.A e trabalhar por meio de organizações pacíficas.

6. Se, por um lado, o folheto mostra que a requerente se opõe ao papel político do exército na
Irlanda do Norte, seu apelo às duas vertentes do I.R.A para que baixem as armas, por outro
lado, revela o objetivo dessa oposição, ou seja, parar os combates e resolver os problemas
através de negociações pacíficas. Não poderia haver um exemplo mais claro de ação pacifista
do que estes apelos às duas partes para que parassem de lutar.

A abordagem da Comissão a esta questão baseia-se na análise do folheto em questão e na


determinação de que, na verdade, não foi a manifestação de uma crença pacifista, mas a
manifestação de oposição “política” ao uso do exército britânico na Irlanda do Norte.
Concordo com a opinião de que nem todo ato motivado por uma crença é protegido pelo
Artigo 9º. Claramente tem que haver um forte elemento de harmonização entre a motivação e
o ato sob investigação. Contudo, não posso aceitar o entendimento utilizado pela Comissão
para chegar à sua conclusão. Ela separa vários parágrafos não representativos e extrai deles
uma conclusão que é o produto de uma falsa evidência. Me parece uma proposta elementar
que ao avaliar se o folheto é uma manifestação de uma crença pacifista, ele deve ser lido
como um todo e não apenas em parte. Se tal critério for observado, váriasobservado várias
observações podem ser feitas a respeito de seu conteúdo.

(a) A finalidade fundamental do folheto é claramente declarada:

Nós que distribuímos este folheto para você esperamos que, de uma forma ou de outra,
você evite participar da matança empregada na Irlanda do Norte.

(b) O meio escolhido pelos autores (dos quais a requerente era um) foi o de informar os
soldados sobre medidas úteis que poderiam seguir caso quisessem desertar alegandose
alegassem objeção de consciência; se procurassem meios legais de abandonar o serviço ou se
recusassem abertamente a ser destacados para a Irlanda do Norte. O folheto foi chamado de
“nota informativa”, contendo informações sobre vários meios de abandonar as forças
armadas britânicas.

(c) A nota informativa continha uma citação de um soldado que não expressava sentimentos
pacifistas stricto sensu (“eu estaria disposto a lutar por uma causa na qual eu pudesse
acreditar”).

(d) O panfleto poderia ser considerado como uma forma passiva de incentivo ou defesa da
ideia de que os soldados deveriam abandonar o exército, seja desertando ou se recusando a
servir na Irlanda do Norte. É um incentivo passivo, no sentido de que em nenhum momento
ele defende abertamente que soldados devam desertar ou desobedecer às ordens. O incentivo
é expresso nos seguintes termos:
Nós estamos felizes em relação a isso (soldados deixando o exército por conta da
política empregada na Irlanda do Norte) e esperamos que muitos mais o façam.

Um soldado que declarasse publicamente que se recusa a servir na Irlanda do Norte ...
assumiria uma posição corajosa.

Mas para os que acreditam, como nós, que a presença britânica na Irlanda do Norte é
errada, pedimos que considerem se é melhor ser morto por uma causa na qual você não
acredita ou ser preso por se recusar a fazer parte do conflito.

Nós que distribuímos este folheto esperamos que, de uma forma ou de outra, você
evite participar da matança empregada na Irlanda do Norte.

(e) O teor do panfleto é claramente moderado. Sua característica mais marcante é que ele
transmite informações factuais, que podem ser encontradas em muitos folhetos que oferecem
conselhos. Sua linguagem não é ameaçadora, abusiva ou insultuosa.

8. Se o folheto, considerando as conhecidas crenças pacifistas da requerente e os fatos acima


referidos, for analisado desta forma, ele permitirá concluir que tanto o seu conteúdo como a
sua distribuição representa a manifestação de uma crença pacifista na acepção do artigo 9º (1).

Neste contexto, eu destacaria os seguintes fatores:

(a) O panfleto não pretende ser um texto sobre pacifismo como filosofia e, portanto, a
ausência de manifestações sobre pacifismo não deve ser fator determinante. Ele é
contra a política britânica na Irlanda do Norte e o uso do exército lá. Isto é
perfeitamente coerente com a crença pacifista. Em essência, é um apelo aos soldados
britânicos para que baixem suas armas quanto à Irlanda do Norte.

(b) As marcas no próprio folheto de uma motivação pacifista representam, em


primeiro lugar, seu tom moderado e factual e, em segundo lugar, o fato de ser dirigido
individualmente aos soldados. Nesse sentido, é interessante comparar o texto deste
folheto com o do Requerimento de nº 6084/7329.

(c) A afirmação “não-pacifista” de um soldado, não é suficiente para contaminar a


essência do restante do texto. Não é, de qualquer forma, legítimo usar opiniões não-
pacifistas desta forma, para promover um fim pacifista?

Portanto, minha opinião é a de que a acusação, condenação e sentença da requerente pela


distribuição do panfleto constituem uma violação do seu direito de manifestar a sua crença na
prática.

9. Como também considero que houve uma violação no seu direito à liberdade de expressão,
particularmente no que diz respeito ao seu direito de transmitir informações e convicções, as
questões remanescentes de justificativa, tanto pelo artigo 9º quanto pelo artigo 10º,
convergem30. A questão é, portanto, se tal interferência nos direitos da requerente podem ser
justificadas como sendo necessárias em uma sociedade democrática.

29
X. v. Reino Unido, 3 D. & R. 562.
30
Esta análise das matérias deixa de lado a possibilidade de que o teste da “validação” no que diz respeito à liberdade de
expressão pode ser mais rigoroso do que no respeito à liberdade de pensamento, consciência e religião.
A indagação em questão diz respeito à natureza e ao alcance da ameaça à segurança nacional
e aos outros chefes de interesse nacional referidos. A este respeito, é notável que o juiz de
instrução não estava preocupado com a questão factual, mas com a questão restrita da
possibilidade de o folheto ser considerado como uma “incitação”. Parece, porém, que o
diretor do Ministério Público considerou a natureza da ameaça, que a persistência da
recorrente na distribuição de seus folhetos representava, para o papel de manutenção da paz
do exército na Irlanda do Norte e concluiu que ela justificava a acusação. Mas isto, por si só,
não pode ser suficiente. Deve ser sustentada por provas da ameaça apresentada que vão além
da mera opinião oficial. Ideias que chocam e perturbam os valores oficiais podem criar
receios sinceros, mas injustificados, de perigo iminente, a menos que medidas restritivas
sejam aplicadas. Não posso considerar que, no presente caso, tais evidências produzidas
convençam uma pessoa comum de que a segurança nacional estaria em perigo ou de que o
crime concebido pela requerente e seu pequeno grupo de apoiadores distribuindo panfletos
aos soldados prestes a serem enviados para a Irlanda do Norte. Lamentavelmente, esta não foi
a questão considerada pelo júri do julgamento.

Também não posso considerar, com base nos fatos apresentados pelo Governo, que uma
instituição tão solidamente enraizada na disciplina como o exército seria tão gravemente
prejudicada em suas operações na Irlanda do Norte por panfletos deste tipo, assim como não o
seria pelas características regulares e aceitáveis, na crítica dos meios de comunicação de
massa ao papel do exército na Irlanda do Norte.

10. Para chegar a esta conclusão, sou influenciado pela importância dada pela Corte em
Handyside versus Reino Unido31 sobre o valor da liberdade de expressão em uma sociedade
democrática. Ela pode ser derivada da abordagem “abrangente” da Corte, segundo a qual
indivíduos comuns têm o direito de tentar influenciar soldados, mesmo jovens soldados
destinados a ir à Irlanda do Norte, que, como participantes ativos do sistema democrático, não
devem ser impedidos de participar do mercado de ideias, mesmo quando essas ideias tocam
sobre a ética do seu papel profissional.

11. O governo argumenta que a segurança e a ordem pública só podem ser asseguradas por
forças armadas leais e disciplinadas e que o papel de manutenção da paz do exército só pode
ser cumprido caso os integrantes do exército obedeçam às ordens. É difícil entender por que
este argumento deve ser contraposto à requerente. Ela alegou que não contesta a presença de
tropas na Irlanda do Norte, per si, nos termos da Convenção. Ela levantou a questão da
atuação das tropas ali posicionadas. Sua posição é que os soldados na Irlanda do Norte foram
ordenados a cometer atos que violam o direito internacional. Tal posição, que diz respeito a
pelo menos alguns soldados destacados na Irlanda do Norte, é igualmente sustentada pelo
Tribunal na sua decisão sobre o caso Irlanda contra o Reino Unido 32. É “necessário” coibir
uma pessoa que tenta impedir violações da lei?

12. Considero ainda que, em um momento de nossa história, em que tantos estão dispostos a
defender o uso da violência para atingir fins políticos ou a adotar eles mesmos meios
violentos, uma grande garantia de proteção deveria ser concedida àqueles que procuram
expressar sua voz de descontentamento em termos moderados e não-violentos. Deve ficar
claro que existem alternativas à violência em uma sociedade que afirma ser democrática. Para
que a liberdade de expressão e a liberdade de manifestar crenças na prática sejam valores
dignos, então as ideias que são provocadoras e antissistema devem ser amplamente

31
1 EHRR 737.
32
2 EHRR 25.
defendidas, a não ser que se argumente que uma ameaça real esteja posta. Este não é o caso
aqui. Poderia ter sido se a campanha tivesse sido mais ampla ou secaso houvesse sinais de que
a moral do exército estava sendo afetada ou se os panfletos carregassem ameaças. No entanto,
estes fatores não estão presentes. Em essência, este requerimento diz respeito a uma
quantidade de folhetos inefetivos.

13. O artigo 10 (2) deixa claro que a liberdade de expressão traz consigo deveres e
responsabilidades. Acredito que esses foram respeitados no tom moderado e factual utilizado
nos folhetos. É verdade que o folheto incentivava os soldados a cometerem crimes no sentido
de que, se fossem persuadidos pelo folheto a desertardesertarem ou desobedecerem às ordens,
seriam culpados de delitos criminais. No entanto, além do argumento de que, no presente caso
este era um fato improvável, eu concordaria com o Sr. Opsahl, quando ele diz que o objetivo
de influenciar outros, que sejam responsáveis por suas próprias ações, é uma característica
legítima do exercício da liberdade de expressão e que aqueles que são persuadidos a aceitar as
opiniões expressas, devem carregar seu próprio fardo de responsabilidade.

Nota:

PAT ARROWSMITH CONTRA O REINO UNIDO – 7050/75 12/06/1979 Comunicados


de Imprensa Res-32 Aviso de não violação Conselho de Ministros

O Conselho de Ministros, nos termos do artigo 32 (art. 32) da Convenção para a Proteção dos
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (doravante denominada “Convenção”);

Considerando o relatório elaborado pela Comissão Europeia de Direitos Humanos em


conformidade com o artigo 31 (art. 31) da Convenção relativa ao pedido apresentado pela Sra.
Pat Arrowsmith contra o Reino Unido (No. 7050/75);

Considerando que, em 5 de dezembro de 1979, a Comissão apresentou o referido relatório ao


Conselho de Ministros e que o prazo de três meses, previsto no artigo 32, parágrafo 1º (art.
32-1) da Convenção, transcorreu sem que o caso tenha sido levado à Corte Europeia de
Direitos Humanos, em cumprimento do artigo 48 (art. 48) da Convenção;

Considerando que, em seu pedido apresentado em 2 de junho de 1975, a requerente alegou


que sua condenação e sentença nos termos dos Artigos 1º e 2º da Lei de Incitação à Desordem
de 1934, colidia com seu direito à liberdade, em oposição ao Artigo 5º (art. 5º) da Convenção,
seu direito de manifestar suas crenças pacifistas em oposição ao Artigo 9º (art. 9º), seu direito
à liberdade de expressão em oposição ao artigo 10 (art. 10), e que a Lei de 1934 discriminou
pessoas com opiniões pacifistas, contrariamente ao artigo 14 c/c os artigos 9º e 10º ( art. 14+9,
art. 14+10) da Convenção;

Considerando que a Comissão, após ter declarado a admissibilidade do pedido, em 16 de maio


de 1977, exprimido no seu relatório, aprovou, em 12 de outubro de 1978, por unanimidade, o
entendimento de que os artigos 5º e 9º (art. 5º, art. 9º) da Convenção não haviam sido
violados; por 11 votos a 1 que a restrição imposta ao direito de liberdade de expressão da
requerente era justificada nos termos do artigo 10º, parágrafo 2 (art. 10-2), da Convenção; e
por 11 votos e 1 abstenção que o caso não revelava a violação do artigo 14º c/c o artigo 9 ou
10 (art. 14+9, art. 14+10) da Convenção;

Concordando com o entendimento expresso pela Comissão, de acordo com o artigo 31,
parágrafo 1º (art. 31-1), da Convenção;
Votação em conformidade com o disposto no artigo 32, parágrafo 1º (art. 32-1), da
Convenção;

Decide que neste caso não houve violação da Convenção para Proteção dos Direitos Humanos
e Liberdades Fundamentais.

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