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Prof.

Leandro – Filosofia – 2ª Série


Teoria do Conhecimento – Moderna
Goiânia, 06 / 04 / 2021
1.René Descartes (1596-1650): Elabora quatro regras fundamentais (regras do Método):

Buscou construir uma Ciência Universal, através da Matemática  Regra da evidência (dúvida) - consiste em jamais aceitar como
Universal. Para ele, a Matemática expressa a verdade absoluta e verdadeira coisa alguma que não seja evidente.
incontestável.
 Regra da análise (divisão/simplificação) - consiste em dividir
Método Cartesiano: Dúvida. cada dificuldade a ser examinada em tantas partes quanto
possível e necessário para resolvê-las.
Certeza: “Cogito, ergo sum”, o homem é uma “rescogitans”, ou seja,
uma substância pensante.  Regra da síntese (ordenamento/enumeração) - consiste em pôr
em ordem, começando pelos assuntos mais simples e mais fáceis
Causa das Ideias: Deus. Deus: Ideia Inata. de serem resolvidos para em seguida resolver os mais
complexos.
Dualismo: rescogitanseres extensa – realidade espiritual e realidade
material. Separação entre SUJEITO e OBJETO. União entre Corpo e  Regra do desmembramento (revisão/exatidão) - esta é a última
Alma. regra do Método e consiste em; para cada caso, fazer
enumerações precisas e revisões exatas de forma geral.
Método racionalista
Segundo Descartes, desde que se disponha do Método todas as
Esse método se desenvolveu na Idade Moderna, e seu representante coisas são possíveis de conhecimento. Lembra ainda que; uma vez
mais significativo foi Descartes (século XVII). Baseia-se na defesa da que unicamente os matemáticos encontram demonstrações exatas, o
primazia da razão na justificativa do conhecimento. A razão elabora as método matemático poderá ser adotado para o exame da verdade.
ideias com base nos dados que recebe dos sentidos. Mas essas ideias Descartes conclui afirmando a exatidão do método matemático ao
necessitam de uma justificativa e explicação que não procede dos afirmar que a descoberta matemática de qualquer indivíduo é
sentidos, mas da própria razão. A razão funciona com uma série de equivalente. Conclui que: deve-se exercitar no Método para nele se
regras ou princípios lógicos, que são os mesmos que se aplicam na adestrar.
matemática: a dedução.
Descartes discute a teoria das ideias inatas em várias de suas obras,
A partir de algumas verdades primeiras (axiomas ou princípios auto mas as exposições mais conhecidas encontram-se em duas delas: no
evidentes), deduzem-se as demais. Aplicando essas regras ao Discurso do método e nas Meditações metafísicas.
conhecimento humano, necessitamos encontrar uma verdade primeira
da qual partir (axioma ou verdade apodítica), e depois dela, por de- Nelas, Descartes mostra que nosso espírito possui três tipos de ideias
dução, extrair (deduzir) as demais. que se diferenciam segundo sua origem e qualidade:

Descartes o formula através de sua célebre expressão: "Penso, logo 1. Ideias adventícias (isto é, vindas de fora): são aquelas que se
sou". Quer dizer que posso duvidar de tudo (inclusive da realidade ou originam de nossas sensações, percepções, lembranças; são as
existência do mundo externo), mas não do fato de que sou um ser que ideias que nos vêm por termos tido a experiência sensorial ou
está duvidando, que está pensando. sensível das coisas a que se referem. Por exemplo, a ideia de
árvore, de pássaro, de instrumentos musicais, etc. São nossas
Se penso, tenho que fazê-lo com ideias. As ideias são de dois tipos: ideias cotidianas e costumeiras, geralmente enganosas ou falsas,
inatas (nascemos com elas) e sensíveis (imagens ou representações isto é, não correspondem à realidade das próprias coisas.
mentais das realidades externas). As imagens sensíveis, que são
particulares e individuais, se ramificam em outras mais complexas e Assim, andando à noite por uma floresta, vejo fantasmas.
universais, que são as ideias de Deus, alma e mundo.
Quando raia o dia, descubro que eram galhos retorcidos de
Portanto, a fundamentação última do conhecimento procede dessas árvores que se mexiam sob o vento. Olho para o céu e vejo,
ideias inatas (Deus, alma e mundo), e se são inatas quer dizer que são pequeno, o Sol. Acredito, então, que é menor do que a Terra, até
da razão e anteriores à experiência sensível. Daí a primazia da razão que os astrônomos provem racionalmente que ele é muito maior
diante dos sentidos, segundo o racionalismo. do que ela.

Inatismo cartesiano: 2. Ideias fictícias: são aquelas que criamos em nossa fantasia e
imaginação, compondo seres inexistentes com pedaços ou partes
Descartes pretende estabelecer um Método universal, inspirado no de ideias adventícias que estão em nossa memória. Por exemplo,
rigor da matemática e no encadeamento racional. Para ele, o método cavalo alado, fadas, elfos, duendes, dragões, Super-Homem, etc.
é sempre matemático, na medida em que procura o ideal matemático, São as fabulações das artes, da literatura, dos contos infantis, dos
que dizer, converte-se numa mathesisuniversalis: conhecimento mitos, das superstições.
complexo e inteiramente dominado pela razão.
Essas ideias nunca são verdadeiras, pois não correspondem a
nada que exista realmente e sabemos que foram inventadas por
nós, mesmo quando as recebemos já prontas de outros que as No método empirista, a verdade só é comprovada pela experiência,
inventaram. que, por isso, é a única fonte de conhecimento possível. Baseia-se na
indução, raciocínio que permite, valendo-se dos casos particulares,
3. Ideias inatas: são aquelas que não poderiam vir de nossa estabelecer afirmações gerais sobre o comportamento constatado.
experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou
sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não O problema do empirismo radical (ceticismo), como o de Hume, é que
tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa os enunciados gerais (leis científicas) nunca podem ser comprovados
memória. de forma definitiva, já que, adotando esse método, só se pode estar
seguro do que se vê aqui e agora. Toda informação que vá além dos
As ideias inatas são inteiramente racionais e só podem dados sensíveis se baseia "no hábito e na crença", na suposição de
existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, a ideia do que todos os de uma mesma classe se comportarão do mesmo modo
infinito (pois não temos qualquer experiência do infinito), as ideias no futuro, ou se acredita que a natureza se comporte sempre de forma
matemáticas (a matemática pode trabalhar com a ideia de uma semelhante.
figura de mil lados, o quiliágono (quilógono), e, no entanto, jamais
tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil Por isso, o empirismo contemporâneo tentou superar o ceticismo. A
lados). filosofia de Kant é um exemplo disso: sua solução traz um novo método
para a filosofia.
Essas ideias, diz Descartes, são “a assinatura do Criador” no
espírito das criaturas racionais, e a razão é a luz natural inata que Que dizem os empiristas?
nos permite conhecer a verdade. Como as ideias inatas são
colocadas em nosso espírito por Deus, serão sempre Nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, isto
verdadeiras, isto é, sempre corresponderão integralmente às é, com as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos
coisas a que se referem, e, graças a elas, podemos julgar quando dos sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores, ouvimos
uma ideia adventícia é verdadeira ou falsa e saber que as ideias sons, sentimos a diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio,
fictícias são sempre falsas (não correspondem a nada fora de etc.
nós).
As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja,
Ainda segundo Descartes, as ideias inatas são as mais simples percebemos uma única coisa ou um único objeto que nos chegou por
que possuímos (simples não quer dizer “fáceis”, e sim não- meio de várias e diferentes sensações. Assim, vejo uma cor vermelha
compostas de outras ideias). A mais famosa das ideias inatas e uma forma arredondada, aspiro um perfume adocicado, sinto a
cartesianas é o “Penso, logo existo”. Por serem simples, as ideias maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resultado da reunião
inatas são conhecidas por intuição e são elas o ponto de partida de várias sensações diferentes num único objeto de percepção.
da dedução racional e da indução, que conhecem as ideias
complexas ou compostas. As percepções, por sua vez, se combinam ou se associam. A
associação pode dar-se por três motivos: por semelhança, por
A tese central dos inatistas é a seguinte: se não possuirmos em proximidade ou contiguidade espacial e por sucessão temporal. A
nosso espírito a razão e a verdade, nunca teremos como saber causa da associação das percepções é a repetição. Ou seja, de tanto
se um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto é, nunca algumas sensações se repetirem por semelhança, ou de tanto se
saberemos se uma ideia corresponde ou não à realidade a que repetirem no mesmo espaço ou próximas umas das outras, ou, enfim,
ela se refere. Não teremos um critério seguro para avaliar nossos de tanto se repetirem sucessivamente no tempo, criamos o hábito de
conhecimentos. associá-las. Essas associações são as ideias.

2.David Hume (1711-1776): As ideias, trazidas pela experiência, isto é, pela sensação, pela
percepção e pelo hábito, são levadas à memória e, de lá, a razão as
“Nada está no intelecto que tido tenha estado antes nos apanha para formar os pensamentos.
sentidos.”
A experiência escreve e grava em nosso espírito as ideias, e a razão
“O mais vivo pensamento é ainda inferior a mais embotada das irá associá-las, combiná-las ou separá-las, formando todos os nossos
sensações.” pensamentos. Por isso, David Hume dirá que a razão é o hábito de
associar ideias, seja por semelhança, seja por diferença.
Método empirista
O exemplo mais importante (por causa das consequências futuras)
Este método se iniciou também na Idade Moderna, com a corrente oferecido por Hume para mostrar como formamos hábitos racionais é
filosófica denominada "empirismo". David Hume considera que há dois o da origem do princípio da causalidade (razão suficiente).
tipos de verdade a que o conhecimento humano pode aspirar:
Para Hume, as ciências nascem do hábito de associar ideias, em
Verdades da razão, próprias da matemática (ciências formais), que se consequência das repetições da experiência.
baseiam na dedução de uma série de princípios a partir de outros.
Trata-se de operações exclusivamente racionais; por isso, podem as- Ora, ao mostrar como se forma o princípio da causalidade, Hume não
pirar a ser corretas e infalíveis, mas não nos proporcionam informação está dizendo apenas que as ideias da razão se originam da
sobre o que realmente ocorre na natureza e na vida humana. experiência, mas está afirmando também que os próprios princípios da
racionalidade são derivados da experiência.
Verdades de fato, próprias das ciências empíricas - as naturais ou as
sociais ou humanas -, que nos oferecem informação sobre o que Mais do que isso. A razão pretende, através de seus princípios, seus
ocorre no mundo. procedimentos e suas ideias, alcançar a realidade em seus aspectos
universais e necessários. Em outras palavras, pretende conhecer a
realidade tal como é em si mesma, considerando que o que conhece

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vale como verdade para todos os tempos e lugares (universalidade) e Existem duas modalidades de realidade:
indica como as coisas são e como não poderiam, de modo algum, ser
de outra maneira (necessidade). A realidade que se oferece a nós na experiência e a realidade que não
se oferece à experiência.
Ora, Hume torna impossível tanto a universalidade quanto a
necessidade pretendidas pela razão. O universal é apenas um nome A primeira (experiência) foi chamada por ele de fenômeno, isto é,
ou uma palavra geral que usamos para nos referirmos à repetição de aquilo que se apresenta ao sujeito do conhecimento na experiência, é
semelhanças percebidas e associadas. O necessário é apenas o nome estruturado pelo sujeito com as formas do espaço e tempo.
ou uma palavra geral que usamos para nos referirmos à repetição das
percepções sucessivas no tempo. O universal, o necessário, a A segunda a coisa em si (nôumeno), isto é, aquilo que não é dado à
causalidade são meros hábitos psíquicos. sensibilidade nem ao entendimento, mas é afirmado pela razão sem
base na experiência e no entendimento.
Conteúdos de consciência: percepções. Percepções – divisão:
impressões e ideias ou pensamentos (cópias das impressões). A filosofia de Kant é conhecida como Idealismo Transcendental. É
classificada como um idealismo porque assume o sujeito (e suas
Método: decompor uma ideia complexa nas ideias simples. representações de mundo) como sendo o ponto de partida filosófico,
embora Kant não considere que tal sujeito seja completamente
O eu ou espírito está em constante transformação. independente da realidade. A expressão transcendental em Kant
significa aquilo que é condição de possibilidade dos objetos da
O hábito: o problema da causalidade. A inferência (dedução ou experiência (e que por isso são postos pelo sujeito do conhecimento).
conclusão) causal é uma crença que se fundamenta no hábito de
observar, repetidas vezes, uma conjunção de eventos. A resposta aos problemas do inatismo e do empirismo oferecida pelo
filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant, é conhecida com o
3.Immanuel Kant (1724-1804): nome de “revolução copernicana” em Filosofia. Por quê? Qual a
relação entre Kant e o que fizera Copérnico, quase dois séculos antes
Método transcendental do kantismo?

Criado por Kant, esse método é movido pela preocupação de explicar Inatistas e empiristas, isto é, todos os filósofos, parecem ser como
como o ser humano é capaz de estabelecer conhecimentos astrônomos geocêntricos, buscando um centro que não é verdadeiro.
verdadeiros e universais. Parecem, diz Kant, como alguém que, querendo assar um frango,
fizesse o forno girar em torno dele e não o frango em torno do fogo.
Esta é uma das tarefas fundamentais de sua filosofia, denominada
"criticismo", porque revisa as possibilidades do conhecimento Qual o engano dos filósofos?
racional. Sua explicação se baseia em uma síntese que vai além do
empirismo e do racionalismo. Nem tudo procede da razão, nem dos Em lugar de, primeiro e antes de tudo, estudar o que é a própria razão
sentidos. e indagar o que ela pode e o que não pode conhecer, o que é a
experiência e o que ela pode ou não pode conhecer; em vez, enfim, de
A possibilidade do conhecimento deve ser buscada no sujeito, nas procurar saber o que é a verdade, os filósofos preferiram começar
operações e juízos que realiza quando chega a conclusões (leis) dizendo o que a realidade é, afirmando que ela é racional e que, por
verdadeiras e universais, tomando como modelo as leis da física de isso, pode ser inteiramente conhecida pelas ideias da razão.
Newton. Colocaram a realidade exterior ou os objetos do conhecimento no
centro e fizeram a razão, ou o sujeito do conhecimento, girar em torno
Conclui-se que é necessário partir da experiência (como afirmava o deles.
empirismo), mas sobre esses dados a razão aplica uma série de princí-
pios que lhe são inatos (como dizia o racionalismo), dando unidade e Façamos, pois, uma revolução copernicana em Filosofia: em vez de
universalidade ao conhecimento. colocar no centro a realidade objetiva ou os objetos do conhecimento,
dizendo que são racionais e que podem ser conhecidos tais como são
Nem Racionalismo, nem Empirismo: Criticismo. em si mesmos, comecemos colocando no centro a própria razão.

O conhecimento humano é constituído de matéria e forma. A matéria Não é a razão a Luz Natural? Não é ela o Sol que ilumina todas as
dos nossos conhecimentos é dada pelas próprias coisas (empírico). coisas e em torno do qual tudo gira? Comecemos, portanto, pela Luz
A forma é fornecida por nós mesmos (puro). Natural no centro do conhecimento e indaguemos: O que é ela? O que
ela pode conhecer? Quais são as condições para que haja
Para conhecer as coisas, temos de organizá-las a partir das formas a conhecimento verdadeiro? Quais são os limites que o conhecimento
priori do entendimento, as categorias ou conceitos puros. Para Kant, humano não pode transpor? Como a razão e a experiência se
o tempo e o espaço não existem como realidade externa, são antes relacionam?
formas que o sujeito põe nas coisas.
Comecemos, então, pelo sujeito do conhecimento. E comecemos
Antes de Kant, afirmava-se que a função de nossa mente era assimilar mostrando que este sujeito é a razão universal e não uma
a realidade do mundo. Kant tentou formular a síntese entre sujeito e subjetividade pessoal e psicológica, que ele é o sujeito conhecedor e
objeto, entre empirismo e racionalismo dogmático, mostrando que, ao não Pedro, Paulo, Maria ou Isabel, esta ou aquela pessoa, este ou
conhecermos a realidade do mundo, participamos de sua construção aquele indivíduo.
mental, ou seja, conhecemos a priori só o que nós colocamos nelas.
O que é a razão? Não interessa se cada um de nós vê cores de uma certa maneira,
gosta mais de uma cor ou de outra, ouve sons de uma certa maneira,
A razão é uma estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdos. Essa gosta mais de certos sons do que de outros, etc. O que importa é que
estrutura (e não os conteúdos) é que é universal, a mesma para todos nada pode ser percebido por nós se não possuir propriedades
os seres humanos, em todos os tempos e lugares. Essa estrutura é espaciais; por isso, o espaço não é algo percebido, mas é o que
inata, isto é, não é adquirida através da experiência. Por ser inata e permite haver percepção (percebemos lugares, posições, situações,
não depender da experiência para existir, a razão é, do ponto de vista mas não percebemos o próprio espaço). Assim, o espaço é a forma a
do conhecimento, anterior à experiência. Ou, como escreve Kant, a priori da sensibilidade e existe em nossa razão antes e sem a
estrutura da razão é a priori (vem antes da experiência e não depende experiência.
dela).
Também só podemos perceber as coisas como simultâneas ou
Porém, os conteúdos que a razão conhece e nos quais ela pensa, sucessivas: percebemos as coisas como se dando num só instante ou
esses sim, dependem da experiência. Sem ela, a razão seria sempre em instantes sucessivos. Ou seja, percebemos as coisas como
vazia, inoperante, nada conhecendo. Assim, a experiência fornece a realidades temporais. Não percebemos o tempo (temos a experiência
matéria (os conteúdos) do conhecimento para a razão e esta, por sua do passado, do presente e do futuro, porém não temos percepção do
vez, fornece a forma (universal e necessária) do conhecimento. A próprio tempo), mas ele é a condição de possibilidade da percepção
matéria do conhecimento, por ser fornecida pela experiência, vem das coisas e é a outra forma a priori da sensibilidade que existe em
depois desta e por isso é, no dizer de Kant, a posteriori. nossa razão antes da experiência e sem a experiência.

Qual o engano dos inatistas? Supor que os conteúdos ou a matéria do A percepção recebe conteúdos da experiência e a sensibilidade
conhecimento são inatos. Não existem ideias inatas. organiza racionalmente segundo a forma do espaço e do tempo. Essa
organização espaço-temporal dos objetos do conhecimento é que é
Qual o engano dos empiristas? Supor que a estrutura da razão é inata, universal e necessária.
adquirida por experiência ou causada pela experiência. Na verdade, a
experiência não é causa das ideias, mas é a ocasião para que a razão, O entendimento, por sua vez, organiza os conteúdos que lhe são
recebendo a matéria ou o conteúdo, formule as ideias. enviados pela sensibilidade, isto é, organiza as percepções.
Novamente o conteúdo é oferecido pela experiência sob a forma do
Dessa maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os espaço e do tempo, e a razão, através do entendimento, organiza tais
conteúdos são empíricos e podem variar no tempo e no espaço, conteúdos empíricos.
podendo transformar-se com novas experiências e mesmo revelarem-
se falsos, graças a experiências novas. Essa organização transforma as percepções em conhecimentos
intelectuais ou em conceitos. Para tanto, o entendimento possui a priori
O que é o conhecimento racional, sem o qual não há Filosofia nem (isto é, antes da experiência e independente dela) um conjunto de
ciência? elementos que organizam os conteúdos empíricos. Esses elementos
são chamados de categorias e sem elas não pode haver conhecimento
É a síntese que a razão realiza entre uma forma universal inata e um intelectual, pois são as condições para tal conhecimento. Com as
conteúdo particular oferecido pela experiência. categorias a priori, o sujeito do conhecimento formula os conceitos.

Qual é a estrutura da razão? As categorias organizam os dados da experiência segundo a


qualidade, a quantidade, a causalidade, a finalidade, a verdade, a
A razão é constituída por três estruturas a priori: falsidade, a universalidade, a particularidade. Assim, longe de a
causalidade, a qualidade e a quantidade serem resultados de hábitos
1. a estrutura ou forma da sensibilidade, isto é, a estrutura ou forma psicológicos associativos, eles são os instrumentos racionais com os
da percepção sensível ou sensorial; quais o sujeito do conhecimento organiza a realidade e a conhece. As
categorias, estruturas vazias, são as mesmas em toda época e em
2. a estrutura ou forma do entendimento, isto é, do intelecto ou todo lugar, para todos os seres racionais.
inteligência;
Graças à universalidade e à necessidade das categorias, as ciências
3. a estrutura ou forma da razão propriamente dita, quando esta não são possíveis e válidas; o empirismo, portanto, está equivocado.
se relaciona nem com os conteúdos da sensibilidade, nem com
os conteúdos do entendimento, mas apenas consigo mesma. Em instante algum Kant admite que a realidade, em si mesma, é
Como, para Kant, só há conhecimento quando a experiência espacial, temporal, qualitativa, quantitativa, causal, etc. Isso seria
oferece conteúdos à sensibilidade e ao entendimento, a razão, regredir ao forno girando em torno do frango. O que Kant afirma é que
separada da sensibilidade e do entendimento, não conhece coisa a razão e o sujeito do conhecimento possuem essas estruturas para
alguma e não é sua função conhecer. Sua função é a de regular poder conhecer e que, por serem elas universais e necessárias, o
e controlar a sensibilidade e o entendimento. Do ponto de vista conhecimento é racional e verdadeiro para os seres humanos.
do conhecimento, portanto, a razão é a função reguladora da
atividade do sujeito do conhecimento. É isso que a razão pode. O que ela não pode (e nisso inatistas e
empiristas se enganaram) é supor que com suas estruturas passe a
conhecer a realidade tal como esta é em si mesma. A razão conhece
A forma da sensibilidade é o que nos permite ter percepções, isto é, a os objetos do conhecimento. O objeto do conhecimento é aquele
forma é aquilo sem o que não pode haver percepção, sem o que a conteúdo empírico que recebeu as formas e as categorias do sujeito
percepção seria impossível. Percebemos todas as coisas como do conhecimento. A razão não está nas coisas, mas em nós. A razão
dotadas de figura, dimensões (altura, largura, comprimento), é sempre razão subjetiva e não pode pretender conhecer a realidade
grandeza: ou seja, nós as percebemos como realidades espaciais. tal como ela seria em si mesma, nem pode pretender que exista uma
razão objetiva governando as próprias coisas.

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O erro dos inatistas e empiristas foi o de supor que nossa razão Por fim, analisando o valor de cada juízo, Kant distingue três
alcança a realidade em si. Para um inatista como Descartes, a categorias:
realidade em si é espacial, temporal, qualitativa, quantitativa, causal.
Para um empirista como Hume, a realidade em si pode ou não repetir  Juízo Analítico: como no exemplo da afirmação “O quadrado tem
fatos sucessivos no tempo, pode ou não repetir fatos contíguos no quatro lados”, é um juízo universal e necessário, mas serve
espaço, pode ou não repetir as mesmas sequências de apenas para tornar mais claro, para elucidar ou explicar aquilo
acontecimentos. que já se conhece do sujeito. Ou seja, a rigor, é apenas
importante para se chegar à clareza do conceito já existente, mas
Para Kant, jamais poderemos saber se a realidade em si é espacial, não conduz a conhecimentos novos;
temporal, causal, qualitativa, quantitativa. Mas sabemos que nossa
razão possui uma estrutura universal, necessária e a priori que  Juízo sintético a posteriori: como no exemplo da afirmação
organiza necessariamente a realidade em termos das formas da “Este livro é verde”, amplia o conhecimento sobre o sujeito, mas
sensibilidade e dos conceitos e categorias do entendimento. Como sua validade está sempre condicionada ao tempo e ao espaço em
razão subjetiva, nossa razão pode garantir a verdade da Filosofia e da que se dá a experiência e, portanto, não constitui um juízo
ciência. universal e necessário;

Tipos de juízo e conhecimento.


 Juízo sintético a priori: como no exemplo da afirmação “A linha
Como já foi dito, uma das questões mais importantes que dominam o reta é o menor caminho entre dois pontos”, e em outras da
pensamento de Kant é o problema do conhecimento, a questão do matemática e da Geometria, acrescenta informações novas ao
saber. Na Crítica da razão pura, ele distingue duas formas básicas do sujeito, possibilitando uma ampliação do conhecimento. E como
ato de conhecer: não está limitado pela experiência, é um juízo universal e
necessário. Por isso, segundo Kant, é o juízo mais importante. A
O conhecimento empírico (aposteriori): aquele que se refere aos Matemática e a Física seriam disciplinas científicas, para o
dados fornecidos pelos sentidos, isto é, que é posterior à filósofo, por trabalharem com juízos sintéticos a priori.
experiência. Exemplo: a afirmação “Este livro tem a capa verde”. Para
fazer essa afirmação, foi necessário ter primeiro a experiência de ver
o livro e assim conhecer a sua cor; portanto, trata-se de um
conhecimento posterior à experiência.

O conhecimento puro (a priori): aquele que não depende de


quaisquer dados dos sentidos, ou seja, que é anterior à experiência,
nascendo puramente de uma operação racional. Exemplo: a
afirmação “Duas linhas paralelas jamais se encontram no espaço”.
Essa afirmação (juízo) não se refere a esta ou àquela linha paralela,
mas a todas. Constitui, assim, um conhecimento universal. Além
disso, é uma afirmação que para ser válida, não depende de nenhuma
condição específica. Trata-se, portanto, de um conhecimento
necessário.

O conhecimento puro, portanto, conduz a juízos universais e


necessários, enquanto o conhecimento empírico não possui essa
característica. Os juízos, por sua vez, são classificados por Kant em
dois tipos:

1. Juízo Analítico: aquele em que o predicado já está contido no


conceito do sujeito. Ou seja, basta analisar o sujeito para deduzir
o predicado. Exemplo: a afirmação “O quadrado tem quatro
lados”. Analisando o sujeito da afirmação, quadrado, deduzimos
necessariamente o predicado: tem quatro lados. Kant também
chamava os juízos analíticos de juízos de elucidação, pois o
predicado simplesmente elucida algo que já estava contido no
conceito do sujeito.

2. Juízo Sintético: aquele em que o predicado não está contido no


conceito do sujeito. Nesses juízos, acrescenta-se ao sujeito algo
de novo, que é o predicado. Assim, os juízos sintéticos
enriquecem nossas informações e ampliam o conhecimento. Por
isso, Kant também os denominava juízos de ampliação.
Exemplo: a afirmação “Os corpos se movimentam”. Por mais que
analisemos o conceito corpo (sujeito), não extrairemos dele a
informação representada pelo predicado se movimentam.

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