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É muito provável que a maioria daqueles que dedicam algum tempo a

acompanhar, com pretensão de manter certa imparcialidade, os discursos políticos e as


manifestações dos demais atores sociais venezuelanos, governista e opositores, a
respeito da ocorrência ou não de uma ruptura del hilo constitucional (1) nesse país, em
algum momento, sejam tomados por uma certa angústia que poderia ser sintetizada na
seguinte pergunta: quem está com a razão?
O embate entre os partidários da Revolução Bolivariana e seus opositores
é antigo e quase concomitante à ascensão de Hugo Rafael Chávez Frias à presidência
daquele país, no ano de 1999. Desde aquela época, o núcleo do discurso opositor já se
centrava na alegação de fraude constitucional por parte do novo mandatário,
especialmente em função da convocação, logo no começo do mandato, de um plebiscito
que levou à uma Assembleia Nacional Constituinte encarregada de redigir um novo texto
constitucional para substituir aquele promulgado em 1961 e promover a transformação do
Estado. O amplo apoio popular recebido por Chávez, contudo, lhe assegurou um governo
relativamente estável, a despeito da oposição interna e externa. Isso se vê especialmente
no fracasso do golpe de estado de 2002, intentado por Pedro Carmona; na vitória do
“não” no referendo revocatório, convocado em seu desfavor no ano 2004; e em suas
sucessivas reeleições.
A oposição à Revolução fortaleceu-se fortemente após a morte de
Chávez, em janeiro de 2013, e a polêmica e acirrada eleição de Nicolás Maduro Moros,
político que não dispunha do mesmo carisma e sinergia popular que seu antecessor. Um
dos pontos altos do fortalecimento da oposição foi a eleição para o Poder Legislativo
federal em 2015, ocasião em que aquela logrou obter dois terços das os escaninhos em
disputa na Assembleia Nacional, sendo esta a maioria qualificada para a aprovação de
emendas constitucionais no país. Vale lembrar que, desde 2014, uma ala mais estremada
da oposição, organizou as chamadas guarimbas, grupos de resistência ao governo,
considerados terroristas pelos apoiadores deste. Articulados sobretudo por redes sociais,
os guarimberos realizaram barricadas para o fechamento de vias públicas e cercos as
órgãos públicos que, frequentemente, resultaram e fortes embates entre os manifestantes
e as forças de segurança.
Voltando ao ano de 2015, e à sua importância capital, deve-se ressaltar
que nele, pela primeira vez, os partidos opositores ao chavismo-madurismo passaram a
controlar um dos cinco poderes da República Venezuelana da Venezuela. Dessa forma, o
embate entre forças políticas antagônicas passou a ser um conflito intestino entre
Poderes do Estado. Essa situação perdurou até meados de 2016, quando a Sala
Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça venezuelano declarou que o parlamento
opositor estava em “desacato” à constituição por se recusar a cumprir ordem judicial que
determinava a desincorporação de três parlamentares do estado Amazonas. O tribunal
alegava fraude na eleição desses candidatos. Já a oposição, ao negar-se a desincorporar
esses parlamentares, disse que essa era uma manobra governista que, por meio da corte,
queria lhes retirar a maioria qualifica de 2/3 que acabavam de conquistar.
Ao declarar o “descato” a Sala Constitucional do TSJ atribuiu a si própria
competência legislativa extraordinária até que a situação por ele apontada como
inconstitucional perdurasse, chegando inclusive a aprovar o orçamento público federal
daquele ano. Esse assunto ganhou repercussão internacional de enormes proporções,
recolocando a Venezuela no centro do noticiário internacional nas Américas e na Europa
Ocidental. Foram tão negativas as reações internas e externas a essa decisão que a corte
as revogou, sem, contudo, deixar de declarar que todos os atos emanados pelo
parlamento seguiam nulos de pleno direito.
A essa altura o caos social se tornava ainda mais agudo. Havia
degradação institucional, conflitos violentos nas ruas, deterioração econômica, retaliações
internacionais por parte dos Estados Unidos e seus sócios, migração e outros eventos
desestabilizadores. O percurso entre o final do ano de 2016 e meados de 2017 foi
absolutamente traumático para o país, momento de crise constituinte que, embora sempre
custoso para a sociedade, não é raro nos países geopoliticamente periféricos.

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