Você está na página 1de 8

Biomineralização e Química do Estado Sólido

Introdução à Química do Estado Sólido como o estudo da síntese, estrutura e propriedades de


materiais sólidos de natureza não-molecular (não serão aqui abordados outros tipos de sólidos).

Contextualização de conceitos fundamentais no âmbito de processos de biomineralização, salientando


a sua relevância na formação de materiais funcionais envolvendo sistemas biológicos e em estratégias
biomiméticas exploradas pelo Homem, entre outras.

Biomineralização do carbonato de cálcio

Biomineralização é a formação de minerais por processos que envolvem organismos


vivos.

Um mineral é uma substância sólida elementar ou composta que normalmente (mas


não necessariamente) tem composição química definida e estrutura cristalina.

A maioria dos minerais são sólidos de ocorrência natural, constituintes da crosta


terrestre ou de outros corpos celestiais, mas podem também ter origem sintética.
Nota: a definição de mineral tende a variar consoante a área científica para além de ser um termo utilizado em
linguagem corrente com significados diferentes.

Os minerais são frequentemente entendidos como substâncias puramente inorgânicas


mas nem sempre é assim, por exemplo, certos biominerais são materiais compósitos,
contendo compostos inorgânico e orgânico com identidade química definida.

1
As diatomáceas, um grupo de algas
unicelulares, biomineralizam paredes celulares
Madrepérola (ou nacre) é constituída por de sílica amorfa (SiO2) formando padrões
plaquetas microcristalinas de aragonite (um microestruturais complexos
polimorfo de CaCO3) intercaladas com
cadeias macromoleculares de biopolímeros,
nomeadamente o polissacarídeo quitina.

Exemplos de biomineralização
Materiais funcionais!

Os nossos ossos integram células vivas


em matriz orgânica de colagénio
(proteína) e compostos inorgânicos,
predominantemente hidroxiapatita
(Ca10(PO4)6(OH)2).
Magnetossomos: nanopartículas de óxido
(ou sulfureto) de ferro revestidas por uma
camada lipídica e que são produzidas por
bactérias magnetotáticas.
3

Calcium carbonate: CaCO3

Portal calcário na Igreja da Misericórdia de Aveiro

O carbonato de cálcio puro (desidratado) ocorre em três fases cristalinas, diz-se que apresenta polimorfismo

β-CaCO3 hexagonal (calcita) λ-CaCO3 ortorrômbico (aragonita) μ-CaCO3 hexagonal (vaterita)

Existem ainda três fases cristalinas hidratadas: monohidrocalcita (CaCO3·H2O); ikaita (CaCO3·6H2O) e golmita (CaCO3·0.5H2O) e várias fases amorfas (ACC).

2
A calcita é o polimorfo de CaCO3 termodinamicamente mais estável em condições ambiente e também o mais abundante.
Contudo, dependendo das condições de PT e/ou condições de síntese, é possível obter as outras formas cristalinas
(metaestáveis). Por exemplo, através de processos de biomineralização, o CaCO3 é obtido em diferentes fases cristalinas
consoante o tipo de organismo vivo e local de precipitação.

O Mg pertence ao mesmo grupo do Ca; os


seus iões facilmente se acomodam na rede
cristalina do CaCO3, substituindo sítios de
Ca2+, por substituição isomórfica. Muitos
biominerais cristalizam em meios ricos em Ca
e Mg.

Estrutura cristalina da calcita e polimorfismo


Uma das primeiras estruturas cristalinas de um mineral resolvida pela técnica de difração de raio X.

Ca2+ 2-
O

Representação da estrutura trigonal


por empacotamento de catiões e aniões

ião carbonato
estrutura de Lewis de híbrido de ressonância
Célula unitária

3
Cálcio com número de coordenação 6 Cálcio com número de coordenação 9
em ambiente pseudo-octaédrico. Opinion em ambiente hula-hoop distorcido. Trends in Biotechnology September 2014, Vol. 32, No. 9

D. L. Bryce, E. B. Bultz, D.conditions


Aebi, JACS
[19].2008, 130,
This is 9282contrast to the high tem-
in sharp During syneresis and aging of biosilica, the process of
peratures (>12008C) and nonphysiological reaction condi- ‘precision biosilica molding’ occurs, during which the spi-
tions required for fabrication of technically fused quartz cules reach their final morphology and size (Figure 1), and
glass. The biosilica skeletons built of spicules have spe- biosilica reaches its ultimate hardness with a value of
cies-specific sizes and morphologies, and reach sizes ranging about 4 GPa [6]. By contrast, during industrial fabrication
between a few micrometers and 3 meters [20]. The spicules 7
processes, and using solid silica as starting material,
show a remarkable resistance to heavy water movements, molding to a solid-structured monolithic silica glass pro-
persisting even at depths of greater than 1000 m in the ceeds at high temperatures (>12008C) [26].
ocean without breakage. They are more flexible and less
fragile than silica glasses with the same dimensions [21–23]. CA
The nanoparticles of biosilica formed during the enzy- The enzyme responsible for depositing calcite in the spi-
matically-driven polycondensation are slightly larger than cules of calcareous sponges is CA (carbonic anhydrase).
industrially manufactured silica nanoparticles owing to The CAs comprise a family of enzymes that catalyze the
the lower surface tension during the reaction [5,6,18]. In rapid and reversible formation of HCO3! from water and
vivo, the synthesis of biosilica occurs around a central axial CO2, with the release of a proton. This reaction is the rate-
filament that is located within an axial canal of a spicule. limiting step during CaCO3 formation [27].
Silicatein is the major organic component of this axial
filament [12,13]. Biocalcite
The fabrication of biosilica has been accomplished in The spicules of the calcareous sponges are covered with CA
vitro not only by using isolated axial filaments, but also by and distributed in needle-like arrays that display a simple
the recombinant silicatein [12–14]. The biosilica polymer geometry with one, two, or three tips (Figure 1) [28]. In
formed by the enzyme in vitro is neither gel-like nor a solid, Sycon raphanus, the spicules (length "200 mm, diameter

metal carbonates hard material. The gel formation of silica necessitates an


aging process, which involves the expulsion of water (syn-
"10 mm) are radially symmetrically arranged within the
body [29]. Analytical and spectroscopic data revealed that
eresis) from the silica mesh [24]. During this process, a the spicules of the calcareous sponges are single crystalline

Calcita Calcita Aragonita


biosilica mesh would shrink while water is extruded. In
vivo, this process is mediated by aquaporin channels that
structures [30].
Calcite exists as amorphous CaCO3 (ACC) or as crystalline

NC catião 6 Aragonita NC catião 9


remove the water that accumulates during the biosilica
polycondensation reaction. In in vitro two-phase assay
CaCO3 (CCC). The CCC occurs in three polymorphs, as
calcite, aragonite, and vaterite. The transformation and
systems, hardening is achieved with the synthetic polymer crystallization of ACC to CCC follows an energetically down-

protein mucin [25].


Biomineralização de CaCO
polyethylene glycol (PEG) or with the natural glycosylated hill sequence, from ACC to vaterite, aragonite, and finally
3
calcite (Figure 3). These changes in the crystallization steps

Ac!va!on energy (EA) without enzyme

Amorphous
calcium
carbonate Ac!va!on energy (EA) ACC
EA
with carbonic anhydrase
Free energy G∆

∆G: −11.8 kJ/mol

Vaterite
Vaterite EA
Freezing by D/E pep!de

∆G: −2.8 kJ/mol


Aragonite EA

∆G: −0.4 kJ/mol


Calcite
Calcite

Efeito do raio iónico na estabilidade da estrutura Progress of reac!on


TRENDS in Biotechnology

cristalina: energia de rede Figure 3. Calcite and also biocalcite transitions from amorphous to crystalline states. Amorphous CaCO3 (ACC) deposits are initially precipitated. As the reaction
progresses, ACC transforms into the three more stable crystalline CaCO3 (CCC) phases: vaterite, aragonite, and calcite, along the gradient of decrease in Gibbs free energy
(DG negative value in kJ/mol). Under physiological conditions, the transformation of those CCC phases is blocked due to the activation energy barriers (EA). EA is lowered in
the presence of enzymes, here of carbonic anhydrase (CA), and allows the exergonic reaction to proceed. The transition of the phases can be frozen by polypeptides, for
example, the D/E-peptide from Suberites domuncula.

X. Wang, H. C. Schröder, W. E. G. Müller, Trends in Biotechnology, 2014, 32, 441.


444

4
Transformação polimórfica

(1 atm, 298 K)

CaCO3 (s, aragonita) à CaCO3 (s, calcita)


A diferença de ΔG entre as duas fases cristalinas é
pequena. A calcita é a forma termodinamicamente
Ea mais estável, mas a aragonita pode ser obtida como
forma metaestável, por exemplo por controlo
Gibbs Free cinético da reação (templates) tal como ocorre em
processos de biomineralização.

-0,4 kJ/mol

A interconversão destes polimorfos em processos


de biomineralização é crucial em termos de
funcionalidade do material e é objeto de intensa
investigação.

Dados termodinâmicos para a transição polimórfica

1 atm, 298 K
CaCO3 (s, aragonita) à CaCO3 (s, calcita)

ΔHo(aragonita-calcita)= ΔHfo(calcita) - ΔHfo(aragonita)= 440 J.mol-1 Processo endotérmico

A energia de rede é normalmente o parâmetro que mais contribui para o valor da entalpia de formação de um sólido iónico.

ΔGo(aragonita-calcita) - 840 J.mol-1


ΔHo (aragonita-calcita) 440 J.mol-1
ΔSo(aragonita-calcita) 4,3 J.mol-1K-1
G. Wolf et al., Journal of Thermal Analysis 1996, 46, 353

Apesar da transformação da aragonita a calcita ser um processo endotérmico, a fase termodinâmicamente mais estável
é a calcita (ΔGoaragonita-calcite< 0), devido à contribuição entrópica na transição de fase cristalina.

10

5
A precipitação do CaCO3 em meio aquoso é determinada pelos seguintes factors principais:

1) Concentração de Ca2+;
2) Concentração de carbono dissolvido;
3) pH e
4) Existência de centros de nucleação.
Solução sobressaturada Ca2+(aq) + CO32-(aq) óCaCO3 (s) Kps= 3,3x10-9, a 25oC, 1 atm

Em condições naturais, a precipitação de carbonato de cálcio ocorre


Equilíbrios químicos na dissolução de CO2 em água lentamente, com tempos geológicos longos. Em ambientes alcalinos ricos em
iões Ca2+ a precipitação pode ser induzida pela presença de micro-organismos,
por exemplo criando sítios de nucleação e controlando cineticamente a reação.
CO2(g) ó CO2(aq), pKH= 1.468
CO2(aq) + H2O(l) ó H2CO3, pK = 2.84

H2CO3 ó H+(aq) + HCO−3, pK1 = 6.352

HCO3-(aq) ó CO3-(aq) +H+(aq) , pK2=10.329

Concentração de CO2 dissolvido é função da pressão parcial PCO2:

kH= PCO2/[CO2] =29.76 atm/(mol/L)


DeJong et al., 2010
11

O meio aquoso alcalino favorece a formação de iões CO32-, induzindo a precipitação de CaCO3, em soluções onde o HCO3- é
a espécie mais abundante (pH 6-10).
Enquanto o CaCO3 é um sal muito insolúvel, já o Ca(HCO3)2 é extensamente solúvel em água.
Efetivamente, quando associado ao Ca2+, o ião HCO3- só existe em solução aquosa.

Precipitação
out

Ca(HCO3)2(aq) → CO2(g) + H2O(l) + CaCO3(s)

Erosão
CO2(g) + H2O(l) + CaCO3(s) → Ca(HCO3)2(aq)

in Origina águas duras. Grutas calcárias de Mira de Aire

facilita

12

6
A espontaneidade de dissolução de um sólido iónico em água a partir de um ciclo termodinâmico que envolve
os valores da energia livre Gibbs de rede e da energia livre de Gibbs associada à hidratação dos iões
constituintes
ΔGosol = ΔGohid - ΔGorede

O valor de Kps pode ser estimado tendo presente que em situações de equilíbrio
(Keq=Kps, com a atividade do sólido sendo unitária)

ΔGosol = -RTlnKeq

Na prática torna-se mais conveniente e rigoroso aplicar

ΔGosol = ΔGof (catião, aq) + ΔGof (anião, aq) – ΔGof(sólido)

A solubilidade de um sólido iónico em água pode ser entendida pelo efeito balanceado da variação de
entalpia e da variação de entropia no processo de solubilização

ΔGosol = ΔHosol - TΔSosol


13

Solubilidade de CaCO3 (calcita) em função da


temperatura a diferentes pressões parciais de
CO2
Na Terra, a ocorrência natural de CaCO3 exige água.
Será assim em outros pontos do Universo?

Source of the carbonates: The discovery of


soil carbonate at the Phoenix landing site does
not define where or when the carbonates formed.
However, carbonates generally form by aqueous
processes and the discovery addresses the Mars
Phoenix mission science objective to study the
history of water at the landing site.
W. V. Boynton et al., Science 2009, 325, 61.

14

7
Energia de rede
Estrutura cristalina
Entalpia de hidratação

Célula unitária Ciclo de Born-Haber

Polimorfismo Solução sólida

Modelos de empacotamento Sólidos amorfos


Raio iónico
15

Você também pode gostar